S.H.I.E.L.D.: Guerreiros Secretos (Marvel 717 2) escrita por scararmst


Capítulo 24
Sussurros Noturnos




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Parte do treinamento de Niko como Purificadora consistia em aprender a lidar com situações sob pressão em situações extremas como tiroteios, fugas em veículos acelerados ou qualquer outro tipo de embate físico no qual sua vida pudesse estar em perigo. O que os Purificadores não tinham ensinado era como manter a calma para resolver conflitos políticos, ou para salvar a vida de alguém sem usar uma arma no processo.

Ao desligar a chamada com Erasmus, embora tivesse prometido a ele que salvaria a vida de sua família, não fazia a menor ideia de como. Sequer sabia se teria um meio para isso, tendo os três sido presos em seu país natal depois de cometer um crime local para o qual a pena era execução. Ou ao menos era o que tinha entendido da ligação atropelada com Erasmus.

Até onde sabia, pela sua leitura curiosa nos arquivos da S.H.I.E.L.D. aos quais podia acessar, Attilan era uma monarquia inumana, portanto, se quisesse reverter alguma ordem judicial, precisava conversar com os reis da cidade-estado para isso, algo no qual era extremamente desqualificada. Mas se em algum momento desde sua chegada na base Niko agradeceu à sua deusa por algo foi naquele dia, por Adrian estar ali.

— Adrian — ela chamou, batendo na porta talvez com mais energia que o necessário, mas não sabia se esse era o tipo de coisa a ser resolvida em dez minutos ou dez horas, e se fosse algo muito demorado, poderiam não ter tempo para desperdiçar. — Adrian, sou eu, a Niko, é uma emergência!

Ele demorou a responder, ou ao menos levou tempo o suficiente para parecer com uma eternidade para ela. A garota começou a balançar as mãos, ansiosa, tentando se impedir de voltar a bater na porta do bunker dele com energia demais. Quando Adrian finalmente atendeu, estava de pijama apesar de ser um horário atípico para dormir, e parecia mesmo descabelado o suficiente e com cara de quem tinha levantado da cama nesse exato instante.

— O que aconteceu?

Minha nossa. Por onde começar.

— Eras ligou. A família dele vai ser executada em Attilan amanhã ao meio-dia. Precisamos fazer alguma coisa!

Adrian levantou uma sobrancelha, muito devagar, e se escorou no batente da porta. Ele não precisou dizer nada, era possível ler sua expressão muito bem: qual parte disso é problema nosso?

— Eles são os fornecedores do terrígeno pra I.M.A. — ela continuou, torcendo para isso ser motivo o suficiente para convencer o advogado. — São testemunhas muito importantes pra gente, devem saber um monte de coisa, não é?

E pelo arregalar súbito dos olhos dele, Niko percebeu tê-lo convencido.

— Só um instante — o homem pediu, voltando para dentro do bunker e fechando a porta.

Niko precisou esperar mais um tempo. Tentou não se desesperar demais nesse período, Adrian certamente saberia o que fazer. Não tinha motivo para entrar em pânico. Ela deu voltas no mesmo lugar, andando de um lado para o outro por alguns instantes, até a porta abrir de novo e Adrian sair, agora de terno, cara lavada e cabelo ajeitado.

— Vocês me arrumam cada coisa pra resolver — o homem resmungou, seguindo Niko enquanto a garota caminhava apressada para a sala de comando.

— Mas você pode resolver, não é?

— Attilan é uma monarquia, certo?

— Sim.

— Então vai depender do humor dos monarcas.

Niko tentou conter um resmungo no fundo da garganta. Ela se sentou à mesa em um dos computadores, e Adrian ficou de pé, no alcance da câmera da sala. A garota vasculhou os contatos da S.H.I.E.L.D. torcendo para encontrar uma linha direta com o governo de Attilan, e felizmente, encontrou o número do palácio em uma lista de contatos governamentais da organização.

— Tudo pronto aí? — ela perguntou. Adrian confirmou e Niko fez a ligação.

Tiveram uma boa burocracia para atravessar. O número dava para um assessor, e Adrian precisou enfatizar muito o estado emergencial da chamada para conseguir ser redirecionado imediatamente. Niko estava pensando se iam conseguir completar a chamada ou não, quando os reis acabaram cedendo e apareceram do outro lado da tela.

A garota não sabia muita coisa sobre os dois, fora o que tinha lido nos arquivos. Boltagon, o rei, não podia falar por ter um poder muito destrutivo com a voz. Medusa, sua esposa, possuía o poder de mexer os cabelos a seu bel prazer e era geralmente quem fazia a ponte de comunicação entre o rei e as pessoas. Era de se esperar então que os dois atendessem a chamada juntos, e de fato aconteceu.

— Majestades — Adrian cumprimentou, com uma reverência muito contida.

— Quem é você? — Medusa questionou, com um olhar inquisitivo no rosto.

Por precaução, Niko achou melhor chegar a cadeira mais para trás. Sabia não estar ao alcance da câmera, mas mesmo assim, quis ter certeza.

— Me chamo Adrian Văduva‌, sou um advogado em uma sub-divisão da S.H.I.E.L.D..

— Advogado… sei.

— Chegou ao meu conhecimento que Vossas Majestades detêm um trio de prisioneiros muito importante aguardando execução amanhã ao meio-dia. Os senhores Aelius‌ ‌Caiusamudri, Marcellus‌ ‌Aeliusamudri e Drausus‌ ‌II‌ ‌Aeliusamudri, confere?

Niko teve a impressão de ver Medusa torcer a boca por um instante, e cruzar os braços na frente do corpo. Ela não parecia feliz com o fato da informação ter vazado para fora de sua cidade-estado.

— E como a S.H.I.E.L.D. obteve essa informação?

E agora? Deveriam responder? Niko não entendia muito de diplomacia e detalhes políticos, não fazia ideia de como proceder nessa situação. Era melhor torcer para Adrian ter tudo sob controle.

— Um deles usou o último pedido para fazer uma ligação para o filho. O filho, por acaso, é um de nossos agentes.

Meia-verdade. Eras não estava mais na S.H.I.E.L.D., mas Niko entendeu o apelo emocional e simplista do argumento. Medusa e Boltagon também pareceram entender e concordar, e o rei começou a fazer sinais em seguida, no que Niko imaginou ser a língua de sinais de Attilan.

— Nós sentimos muito pelo garoto — Medusa disse, traduzindo as palavras do marido. — Mas as leis de Attilan são como são. Não podemos abrir exceções.

— Entendo — Adrian prosseguiu. — Mas esse não é o caso. A questão é que embora os três sejam réus em sua investigação interna, eles também são testemunhas em uma investigação internacional. O terrorismo do terrígeno atingiu vários países do mundo, e esta questão não está solucionada ainda. É imperativo para o andamento da investigação que possamos recolher essas testemunhas, interrogá-lo e julgá-los pelo crime deles.

— Nós já fizemos isso — Medusa respondeu, agora franzindo a testa, parecendo irritada. Niko nunca tinha visto uma rainha irritada antes e decidiu muito rapidamente que não queria ver de novo.

— Para suas leis e padrões internos, sim. Vocês julgaram o crime do roubo do terrígeno, mas precisamos deles para confrontar nossas próprias informações e ver se nos ajudam a preencher buracos entre as pistas as quais conseguimos coletar.

Boltagon sinalizou mais um pouco. Os cabelos de Medusa começaram a se mover sutilmente, uma reação, Niko era capaz de apostar, de raiva.

— Os crimes de terrígeno são crimes do meu povo, contra meu povo, usando a tecnologia do meu povo. Nós devemos julgar isso com as nossas leis!

Sim, raiva pura. Niko olhou para Adrian, ansiosa, mas ele devia estar acostumado com isso, pois apesar do aperto muito firme da mão segurando o pulso direito, não parecia ter perdido a compostura em nada.

— Eu concordaria com você, se os danos tivessem sido aplicados apenas ao seu povo. Mas o terrígeno roubado por eles foi usado por uma segunda e uma terceira partes para causar um genocídio global contra a espécie dos mutantes. Eles podem ser réus locais, mas são testemunhas em um caso internacional gravíssimo, então eu devo insistir que os entregue para interrogatório em nossa investigação ou eu posso precisar tomar medidas drásticas, como acionar a ONU e Haia. Não queremos chegar a isso, queremos? Na situação atual, com a forma como o mundo tem olhado para essa questão, não vai pegar bem para a sua cidade se parecer que vocês não estão colaborando com a investigação. Afinal, o terrígeno saiu daí. Vocês não estão tentando acobertar nada, estão?

Medusa bufou, mas felizmente, os cabelos dela se abaixaram. Boltagon fez mais alguns sinais, e ela também, os dois engatando em uma conversa enérgica por alguns instantes. Por fim, a expressão facial do rei mudou. Parecia ter se decidido. Medusa se virou para a câmera e quando falou parecia pouco satisfeita com o resultado. 

— Meu marido pensa que a pena deles pode ser substituída por exílio e prisão perpétua fora de Attilan, se esse for o caso. Eu discordo, mas a última palavra deve ser dele em questões governamentais. Então, tudo bem. Vocês terão as suas testemunhas, e depois devem arranjar uma cela para eles, ou nós mesmos os devolveremos para a guilhotina.

E a rainha apertou um botão, cancelando a transmissão. Niko soltou o ar, percebendo só então como vinha segurando a respiração e o quão aliviada estava daquilo ter tido o melhor final possível. Ao menos por agora.

— Pronto. Isso serve? — ele perguntou, estalando o pescoço devagar.

— É perfeito. Obrigada, Adrian. Eu vou avisar o Eras.

— Eu vou voltar pro meu quarto. Estou exausto.

Niko franziu a testa.

— A essa hora? O que andou fazendo o dia inteiro?

— Dormindo. Eu não sei, acho que posso estar doente. Eu deito para dormir de noite e quando acordo de manhã estou exausto, parece que não dormi nada.

Estranho, de fato.

— Quer que eu faça uns exames? — Niko questionou, levantando-se. — Sua audição melhorou? Pode ser efeito da mutação.

— Ah, sim, está perfeita agora. Perfeita. Dia desses deixei um boneco de pelúcia do meu filho cair no chão e eu ouvi como se fosse uma pedra. Mas os barulhos ambientais comuns não me incomodam mais. Acho que eu devo ter super-audição mesmo, ou algo parecido.

Realmente, bastante estranho. Niko não era de insistir, mas tinha um pouco mais de curiosidade científica que seria saudável. Tinha sido afinal essa sua curiosidade que a levara a descobrir o gene-X de Damon, ainda nos Purificadores. E depois de perceber o motivo dele não se curar do tiro. Problemas e soluções eram um fraco seu, e agora Adrian estava se apresentando como um caso… curioso.

— Me deixe fazer alguns testes e colher umas amostras, só por precaução — ela pediu mais uma vez. — Bobbi não está aqui, mas se for algo sério eu quero poder ajudar na ausência dela.

Adrian suspirou, mas se deu por vencido, para alegria e alívio de Niko. Ele deu de ombros e começou a seguir a garota até o laboratório, e ela tentou não parecer feliz demais enquanto os dois seguiam o caminho, afinal de contas, havia chance dele estar doente. Precisava manter a seriedade.

— O que vai precisar? — ele perguntou, depois de entrarem no local e se sentar na cadeira de frente para a mesa.

— Apenas algumas coisas básicas — ela respondeu, pegando uma lanterna pequena da gaveta e a acendendo. — Vamos começar com reflexos.

Ela passou a lanterna na frente dos olhos dele, e na mesma hora eles se avermelharam, começando a lacrimejar, e as pupilas reduziram bem mais que o esperado, e mais rápido também.

— Agressivo — ele reclamou. — A doutora Ngozi não parece ter muito tato com os pacientes dela.

Niko pegou seu caderninho, onde anotava de tudo, e começou a escrever o que estava observando.

— O paciente Adrian tem mais de trinta anos e é um bebê chorão. Pare de resmungar, eu nem peguei as agulhas ainda.

— Agulhas? Eu vou ter que deixar uma garota de catorze anos me furar?

Dezesseis. Sim, vai. Você tem experimentado fotossensibilidade?

— Hm… Bem, não sei. Eu prefiro ficar no escuro ultimamente. Não tenho saído muito do bunker. Não sei se chega a ser fotossensibilidade.

— Certo — ela respondeu, levando uma mão ao lado do rosto de Adrian, bem ao lado da orelha direita, e estalando os dedos duas vezes.

O homem inclinou a cabeça para o lado, escapando do som em reflexo. Não parecia muito feliz.

— Pra que isso tudo?

— Foi só uma estalada.

— Parecia um tambor dentro da minha cabeça!

Hm. Então, de fato, ele estava com a audição tão sensível quanto os olhos. Niko anotou isso também, abrindo a gaveta da mesa em seguida. Ela tirou um cotonete de amostra, dizendo a Adrian para abrir a boca e recolhendo uma amostra de saliva. Então pegou um kit para coleta de sangue, colocando na mesa, e viu Adrian recolher os braços no mesmo instante.

— Isso é mesmo necessário?

— Você dá injeção de insulina para seu filho todos os dias e tem medo de agulha? — Niko perguntou.

— Ei, é nele, não em mim. E eu já não o vejo faz muito tempo. A última vez foi quando eu levei sua papelada pra casa pra estudar. Inclusive, acabei.

Niko, com as luvas de plástico nas mãos, se virou para ele no mesmo instante.

— O que disse?

— Disse que acabei. Acho que consegui rastrear todos os seus bens com sucesso. Deve estar tudo pronto para entrar com a ação de reapossamento.

Niko parou com a agulha na mão, olhando para Adrian quase como se não entendesse as palavras dele, pois parte de si se recusava mesmo a entender. Ele tinha conseguido. Poderia pegar suas coisas de volta. Poderia voltar para casa.

— Uau… Eu… Obrigada…

— É só meu trabalho. E acho que você precisa fazer o seu, então paciência né, vamos lá.

Ele tirou o paletó do terno e desabotou a manga, dobrando-a até acima do cotovelo e esticando o braço para Niko. Ela ainda estava um tanto atordoada, agindo no piloto automático, quando amarrou o garrote, passou álcool e colocou a agulha em Adrian para começou a coleta. Talvez por isso se assustou tanto com a reação dele.

Adrian grunhiu e virou o rosto enquanto ela enchia o vidrinho com sangue. Ela se perguntou se isso tudo seria medo da agulha, mas não parecia uma reação de medo. Ele não estava evitando olhar, estava se forçando a desviar o rosto.

De repente, ela teve um péssimo pressentimento.

— Adrian? Tudo bem?

— Já acabou?

Niko olhou para os outros vidrinhos esperando para coletar, e trocou para o segundo.

— Ainda não, só mais um pouco…

— ANDA LOGO!

Ela congelou. Nunca tinha visto Adrian gritar, ou parecer irritado com alguma coisa. Ele sempre estava entediado, sério, concentrado. Nunca bravo. Nunca agressivo. Nunca… perigoso.

A mão dela tremeu ao trocar para o terceiro vidrinho, já considerando parar tudo antes e não fazer a coleta do quarto, quando percebeu, já era tarde demais. Adrian gritou e puxou o braço de uma vez, arrancando a agulha e o garrote. Apertou o tubinho semi-cheio de sangue na mão, quebrando-o e deixando o sangue escorrer entre os dedos. Niko se levantou de uma vez, enfiando a mão na gaveta para tirar qualquer coisa de lá, mas não tinha nada para a ajudar.

Adrian não era mais ele mesmo. As pupilas tinham se contraído, quase desaparecido, e a boca se abria em um esgar de fome, um sorriso maléfico, acompanhado de uma respiração pesada e desesperada.

Niko sentiu o sangue gelar. Não podia ficar com medo agora, mas o que podia ou não podia acontecer não estava fazendo muita diferença agora. Já tinha enfrentado pessoas muitas vezes na vida, mas aquilo não era humano. E era um perigo. Estava em perigo, não foi nada difícil perceber. Adrian piscou algumas vezes, parecendo confuso, e ela fez a primeira coisa a qual lhe ocorreu: pegou a lanterna na mesa, piscando com toda força em direção aos olhos dele.

Funcionou. Adrian gritou, cobrindo os olhos com as mãos e se abaixando, soltando um grito de dor o qual fez a garota engolir um choro no fundo da garganta. Era sim Adrian ali. Precisava se lembrar disso.

Tinha de fazer algo. Precisava de ajuda. Precisava de alguém.

Rapidamente, Niko olhou em volta, seu olhar encontrando a grade que fechava a entrada do tubo de ventilação no laboratório. Sem pensar duas vezes, ela subiu na estante mais próxima, a lanterna firme nas mãos piscando hora ou outra na direção de Adrian para mantê-lo no lugar. O homem choramingava, e Niko tentou não dar muita atenção a isso agora. Estava em perigo. Ia fazer algo, iria ajudá-lo, mas precisava se cuidar antes.

Ela entrou no tubo e começou a rastejar. Sabia o que tinha que fazer.

 

[...]

 

Essa podia até não ser a primeira vez a qual Clint ficava preso em algum lugar, mas de longe era a pior. Geralmente conseguia pensar em algo para escapar, e escapava de fato, mas a S.H.I.E.L.D. era muito bem prevenida contra esse tipo de coisa. Ele mesmo tinha ajudado a escrever parte dos protocolos de segurança do lugar, então não devia ser surpresa alguma não conseguir reverter as próprias medidas de segurança. Mas que era um saco, era.

Pior que isso era a consciência de ter falhado na sua simples e estúpida missão de conseguir um pendrive com um punhado de informações, tudo porque já tinha alguém infiltrado naquela equipe. Já fazia algumas horas desde que tinha visto gente naquela base, e agora começava a se perguntar se teriam todos ido para algum lugar e o esquecido ali. Como ia comer se ninguém lhe trouxesse um cheeseburguer de vez em quando?

Talvez pensar no assunto estivesse o deixando com mais fome ainda, decidiu, ao ouvir o estômago roncar. Ele se levantou, estressado, caminhando até a janela. Talvez estivessem o deixando sozinho e sem comida de propósito, esperando que estressá-lo fosse o caminho para terminar de falar, mas já tinha dado todas as informações relevantes e não ia dividir o resto porque não era da conta da S.H.I.E.L.D. e não queria eles sabendo de tudo que acontecia em sua vida.

— Eu to com fome! — ele gritou, batendo com a mão espalmada no vidro da cela. — Alguém pelo amor de deus me manda uma merda de um cheeseburguer!

Nada. Clint grunhiu, puxando os cabelos e pensando porque desgraças tinha de ser azarado a esse ponto. Se Fury tinha o colocado ali para analisar a competência do time, parabéns, já sabia o que dizer em seu relatório final: excelente, muito competente, me prender não é pra qualquer um. Era capaz até de colar uma estrelinha no papel se pelo amor de Deus alguém aparecesse pra ele com um cheeseburguer agora.

Ainda demorou um bocado para alguém aparecer, e quando aconteceu, não foi do jeito que ele esperava. Ouviu um barulho de algo despencando no chão, e se espremeu contra o vidro, conseguindo ver muito pelo canto de olho se tratar da grade do tubo de ventilação. Depois disso, viu Niko, correndo desesperada até a cela dele, apertando os botões, abrindo a porta e entrando para junto dele.

— Apague as luzes! — ela ordenou. — E se abaixe!

Clint tinha perguntas. Muitas. Mas já tinha aprendido na vida a obedecer ordens de pessoas desesperadas tentando se esconder de algo. Ele apagou as luzes e se abaixou ao lado da janela, encolhendo-se no canto o máximo possível. Era acostumado a desaparecer nas sombras em situações necessárias, e dessa vez não foi diferente.

Eles esperaram, em silêncio, Clint observando a janela à espera do que quer que fosse de que estavam se escondendo. Não demorou muito e, em um piscar de olhos, Adrian apareceu ali, parado no corredor, o tronco encurvado e os dentes arreganhados, olhando em volta com uma postura agressiva.

Clint sentiu o sangue gelar. Conhecia aquela postura, aquele comportamento, e de repente ficou muito irritado pela sua katana não estar por perto. Adrian caminhou devagar até o vidro, olhando através dele para dentro da cela. Clint tinha muita certeza dele poder enxergar no escuro perfeitamente, e por isso se certificou de estar muito bem escondido ali no canto, e também de Niko, no outro canto, estar.

Adrian observou e esperou por algum tempo, e depois sumiu em outro piscar de olhos.

Clint esperou um tempo. Então engatinhou até o outro lado da cela, onde Niko estava sentada, abraçada aos joelhos e visivelmente aterrorizada. Não podia culpá-la. Seu primeiro encontro com um vampiro não tinha sido lá das experiências mais agradáveis. Tinha ficado devendo a vida a Blade e até então não tinha conseguido pagar.

— Niko — ele sussurrou, o mais baixo que conseguiu. — O que aconteceu?

A garota mantinha os olhos fixos no horizonte ao falar, e Clint percebeu, ela não estava olhando para ele, não. Sua mente estava distante.

— Ele disse que estava se sentindo mal… Que estava sempre cansado durante o dia… Eu só queria fazer uns testes, mas quando eu fui tirar o sangue…

Clint conteve um suspiro. Não ia ajudar Niko agora demonstrar frustração, e as intenções dela tinham sido as melhores. Juntando o que tinha visto com o que já tinha ouvido e lido nas informações do homem, já conseguia imaginar muito bem o tipo de situação acontecendo ali, mas precisava de mais informações.

— Você conseguiu perceber mais alguma coisa?

— Sim… Ele estava reagindo muito mal a luz. E… Ele chegou aqui num piscar de olhos! Isso é… isso é super-velocidade, não é? É como ele tem roubado a geladeira de sangue sem aparecer no vídeo… Minha deusa, o Adrian é um vampiro!

— Sim. Literalmente.

Niko ergueu a cabeça, e agora sim olhou diretamente para Clint. Curiosa, mas focada. Niko era curiosa. Era assim que ia conseguir manter a atenção dela onde era importante.

— Como assim “literalmente”?

— Uma harpiazinha me contou que vocês só conseguiram identificar a metade inumana do DNA dele, e não sabiam o que a outra metade era. Pois bem, estou te dizendo agora. É um vampiro. A mutação de terrigênese dele está o transformando em um. Não tem como saber onde a mutação vai parar.

— Vampiros existem?

— Pois é. E são muito perigosos. Eu não sei se o Adrian é um vampiro inteiro, se é metade inumano ou sequer se é igual aos vampiros que eu conheci, mas por precaução, vamos tomar cuidado, ok? Se conseguirmos encontrar minha katana…

— Não! — ela exclamou, mais alto que deveria.

Niko cobriu a boca no mesmo instante, e Clint só teve tempo de deitar no chão antes de ouvirem pancadas no vidro de novo. E um grito. Mais pancadas. Demorou mais para Adrian desistir e ir embora daquela vez. Niko, à sua frente, começou a tremer.

— Fique calma — Clint sussurrou. — Eu já enfrentei o tipo dele antes…

— Não! É Adrian. Ele é nosso amigo! Precisamos prendê-lo para eu descobrir um jeito de ajudar, não pode enfiar uma espada nele! Não pode! Clint, ele tem um filho de menos de dez anos de idade! Não podemos…

Inferno. Tinha esquecido da criança. Clint suspirou, massageando as têmporas e tentando pensar. Seu encontro com Blade e outros vampiros tinha sido muito curto, e na época só queria conseguir sair o mais rápido possível da situação, então não se preocupou em reter muito conhecimento. É claro, agora sabia, devia ter dado mais atenção para isso, mas como é que  imaginaria a possibilidade de aparecer um vampiro na sua vida enquanto estivesse preso de pijamas sem suas armas numa cela em uma base da S.H.I.E.L.D.?

— Tudo bem, eu tenho um plano, mas vou precisar da sua ajuda. Você já assistiu aquele filme dos bichos cegos que seguem as pessoas pelo som? — Niko afirmou, devagar, e Clint sorriu, satisfeito. — Eu vou distrair ele. Você volta pela tubulação, vai na sala de comando e coloca meu aparelho na microfonia. Se tudo der certo, vai dar curto no sistema nervoso dele por tempo o suficiente para eu poder trancar ele aqui na cela. Consegue fazer isso?

Niko assentiu, muito devagar, mas decidida. Clint teve de admitir, para alguém em uma situação tão assustadora, ela até estava absorvendo as coisas muito bem.

— Mais uma coisa. Você sabe onde está meu equipamento?

— Você não pode…

— Eu tenho flechas com muitas utilidades diferentes, Niko. Incluindo algumas de luz que podem me ajudar muito agora.

A garota se levantou, devagar, e Clint a acompanhou. Deixou-a respirar fundo algumas vezes e se recompor antes de responder.

— No seu armário, mesmo. Por favor, não o machuque muito.

— Vou fazer meu melhor.

Clint tirou o aparelho do ouvido e o entregou a Niko, já sentindo o mundo entrar em silêncio absoluto. Então abriu a porta.

Ele sinalizou para Niko esperar dentro da cela e saiu primeiro, caminhando em silêncio vários metros para a frente. Então, chutou um cano que passava ali na parede com força.

O barulho metálico atraiu Adrian na mesma hora, e logo o homem estava ali no corredor, avançando em direção a Clint. O Vingador forçou a própria visão, tentando reparar se Niko tinha passado para fora da cela, mas não conseguiu ver e não podia focar nisso agora. Precisava lutar.

Seria impossível apostar corrida contra ele até seu equipamento, mas tinha alguma ideia do que fazer. Tinha caminhado até perto de um interruptor, e o acendeu de repente, vendo Adrian se encolher com a mudança repentina na iluminação. Então, pegou um extintor de incêndio da parede, batendo com força na lateral da coluna de Adrian — Niko tinha dito para não machucar muito. Umas costelas quebradas não era “muito”, era? Já tinha passado por coisa pior. O homem gritou e caiu no chão. Clint disparou o extintor, deixando a nuvem branca atrapalhar a visão de Adrian, e correu.

Não podia fazer barulho e não podia perder tempo, não sabia quanto tempo ia demorar para um vampiro se recompor de alguns ossos quebrados e uma leve desorientação. Esperava ser bastante, ou ao menos o suficiente para chegar até seu equipamento.

Correu o mais rápido que pode, espirrando o extintor atrás de si sempre que fazia uma curva, torcendo para o barulho e a fumaça desorientarem Adrian a ponto dele seguir o caminho errado. Devia estar funcionando, pois conseguiu milagrosamente chegar no andar dos armários.

Clint largou o extintor, correndo até o armário nove e o abrindo às pressas, torcendo para Niko não ter se enganado. Felizmente, não tinha. Ali estava seu arco profissional e a aljava, com as flechinhas todas etiquetadas graças à insistência de Kate para fazê-lo. Clint quase choramingou de alívio ao enfiar a mão na aljava, direto numa flecha de etiqueta amarela, sem precisar pensar muito, e a apontou na porta, bem a tempo de ver o extintor cair no chão.

Não viu Adrian, mas ele estava ali, sabia. Atirou. A flecha de granada de luz atingiu o chão da sala, piscando uma iluminação poderosa e jogando Adrian no chão de novo. O homem gritou, cobrindo os olhos e agarrando os ouvidos, sem saber se protegia os olhos da luz ou os ouvidos da explosão da flecha. E era isso mesmo o que Clint precisava. 

Ele continuou no chão por um longo tempo, agarrando os ouvidos depois do efeito da flecha ter passado, e Clint ficou algum tempo sem entender o motivo, até lhe ocorrer: Niko. Ela tinha conseguido.

Clint vasculhou sua aljava, procurando as flechas dos cabos de aço e as utilizando para amarrar os pés e os pulsos de Adrian. Em algum momento, ele parou de se debater, começando a choramingar e talvez gritar, mas sem ouvir nada, Clint não sabia dizer. Não podia perder tempo com isso, também. Pegou o homem, jogando-o sobre o ombro — estava assustadoramente leve para alguém de sua altura. Desnutrido, Clint percebeu. Não devia estar bebendo sangue suficiente.

Estavam naquela base há meses e ninguém tinha percebido o que Adrian vinha passando. Ninguém. Clint tentou não ser muito bruto ao carregar Adrian até a cela,  lembrando-se de que tinham deixado o homem visitar o filho nesse meio tempo, colocado o garoto em perigo sem saberem. Muita coisa podia ter dado errado. Tinham tido muita sorte. Muita.

Acabou conseguindo chegar. Ao longo do caminho, Adrian parou de reagir de qualquer forma, e Clint percebeu dele ter desmaiado. Tentou não pensar tanto nisso. Levou o homem até a cela, colocou-o na cama, desamarrou as cordas de aço e saiu, trancando-o lá dentro.

Adrian sequer se mexia. Não fosse o peito dele subindo e descendo devagar com a respiração, sequer saberia se ele estava vivo. Engoliu em seco, tentando não pensar mais nisso. Missão cumprida. Adrian estava em um local mais seguro, tanto para si quanto para os outros. Clint deu as costas para a cela e correu em direção à sala de comando.

Niko estava lá. A garota estava encolhida contra o microfone, segurando o aparelho ali, de olhos fechados, provavelmente esperando algo dar errado. Clint reparou em uma luzinha vermelha piscando insistentemente no monitor, indicando que Mack e os outros precisavam falar com eles, e não tinham podido os responder.

— Niko, consegui — Clint anunciou, subindo até a central. — Ele está na cela.

A garota soltou uma lufada de ar, dizendo algo ao qual Clint não ouviu, e entregando o aparelho para ele. Ele o colocou no ouvido, sentindo os sons voltarem para si, incluindo a respiração muito desesperada de Niko.

— Está tudo bem. Ele não vai conseguir sair de lá, essas celas já seguraram coisa pior.

— Você machucou ele?

— Deve ter quebrado algumas costelas, e acho que a desorientação sonora pode ter sido severa. Ele acabou apagando. Ele não estava tão forte ou perigoso quanto outros vampiros que enfrentei. Quando o carreguei pra cela, percebi que está desnutrido, então deve ser pela falta de sangue e…

— Clint, por favor, pare… — Niko pediu abaixando a cabeça sobre as mãos. — Só por um instante, por favor… É Adrian. Ele não pode ser um vampiro! Como você está tão calmo assim?

Clint suspirou, puxando uma cadeira para perto e se sentando. Niko era muito nova. Tinha passado por bastante coisa, mas ainda era uma criança. Tinha que se lembrar disso.

— Eu já lutei contra titãs no espaço, Niko. Precisa de muito pra me surpreender.

Para alívio de Clint, ela riu. Baixinho, mas riu.

— A última coisa que ele disse foi que conseguiu resolver meus problemas. Meus negócios, minhas posses. Eu posso voltar pra casa, e não posso nem agradecer…

— Ele vai ficar bem — Clint disse, tocando o ombro dela, esperando que isso pudesse confortar a garota. — Só precisamos entrar em contato com as pessoas certas. Blade vai saber ajudar. Vampiros perdem o controle e a racionalidade quando ficam com fome, e ele está um bocado desnutrido, eu arrisco dizer. Surpresa foi ele manter controle esse tempo todo, provavelmente foi a metade inumana. Eu nunca ouvi falar em um híbrido desses antes, não sei no que ele vai ser diferente, mas eu tenho certeza, tudo pode ser resolvido. Só precisamos manter a calma, ok?

— Ok… — ela respondeu, respirando fundo e passando as mãos nos olhos para enxugá-los. — Mack precisa de mim.

— Eu vou ficar aqui para ajudar se for necessário, ok? E buscar um cheeseburguer. To morrendo de fome.

A garota concordou, e Clint abriu um sorriso. Pronto, estava fora da cela. Só tinha precisado arriscar a vida lutando contra um híbrido de vampiro para isso. 

Bem diziam para se ter cuidado com o que se deseja.


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Notas finais do capítulo

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Considere favoritar essa fic e Homem de Gelo também. Vai deixar meu coração bem quentinho ♥

Além dessa, tenho vagas também para uma interativa original sobre revoltas civis. Acesse aqui:
https://www.spiritfanfiction.com/historia/a-rosa-do-tempo--interativa-19350882/

Considere também dar uma olhada nas minhas outras histórias? :D Eu tenho coisas para vários gostos ^^

Leia a duologia Hunters! Comece aqui: https://fanfiction.com.br/historia/771022/Hunters_Hunters_1/

Leia minha original de fantasia urbana, Carmim! https://fanfiction.com.br/historia/787245/Carmim/

Leia minha fanfic de Harry Potter! https://fanfiction.com.br/historia/781763/Marcas_de_Guerra_Historias_de_Bruxos_1/
Fanfic 2 atualizando atualmente: https://fanfiction.com.br/historia/799894/Amargos_Recomecos_Historias_de_Bruxos_2/



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