S.H.I.E.L.D.: Guerreiros Secretos (Marvel 717 2) escrita por scararmst


Capítulo 16
Terrores Noturnos




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Agnes recebeu uma mensagem.

Ela ainda estava usando a pulseira sniffer que Mack colocou em seu pulso, um lembrete constante de que ele estava xeretando seus movimentos a todo momento. Mas ela já tinha aprendido que Mack não era uma pessoa ruim, o que por sua vez  significava que ele não ficaria encrencando com mensagens pessoais dela. Então, quando Agnes recebeu uma mensagem do contato salvo como “Papa”, teve certeza que ao menos esse pedaço de sua vida podia manter para si.

O que acabava sendo muito bom, pois não estava esperando receber mensagem alguma. Tinha imaginado que havia sido esquecida ali, que ninguém fosse se importar com ela, que já tivesse sido abandonada à própria sorte…  não. Se importavam, sim. E lá estava a prova.

Ela suspirou, encarando a mensagem em seu celular por mais alguns instantes antes de voltar sua atenção para a bomba de novo. Tinha conseguido abrir o objeto de forma segura há alguns dias; tratava-se de um sistema de mecanismos de funcionamento simples, mas engenhosidade muito delicada. Água era um pouco difícil de conter porque qualquer fenda no compartimento de água da bomba poderia fazê-la escapar para o compartimento onde o cristal estava guardado, levando a bomba a disparar acidentalmente com movimentos bruscos caso não tivesse sido muito bem montada. É claro, o compartimento de água da bomba tinha chegado vazio e ela tinha tirado o cristal do compartimento dele ao abrir o objeto, então não haveria risco de um disparo acidental se as coisas continuassem assim.

O problema — sim, havia um, nada podia ser simples em sua vida — era que alguns testes requeriam ativar mecanismos específicos da bomba, o que ora significava colocar o cristal, ora significava colocar água e ora significava colocar os dois. Agnes tinha deixado muito claro que o trabalho que fazia era delicado e perigoso e de presente ganhou uma sala de quarentena para trabalhar, onde poderia continuar em paz. Mas o lugar era sufocante demais e, como resultado, ela vinha ansiando pelas horas avançadas da noite, nas quais podia trabalhar na bomba sem ninguém por perto e, portanto, fazê-lo livremente no meio do laboratório.

Aquele não era um momento no qual pudesse se dar a um desses luxos. Agnes estava consideravelmente perto de terminar seu relatório e vinha dando atualizações para a equipe de tempos em tempos. Era mais proveitoso receber feedbacks ocasionais e usar a opinião de outras pessoas do time para avançar sua pesquisa que simplesmente fazer tudo de uma vez e jogar suas conclusões sozinha no colo de todo mundo depois. Naquela tarde, ela tinha mandado chamar Bobbi e Niko para falar mais sobre o terrígeno, e também Mack, quem ela descobriu que era engenheiro e logo poderia ter boas sugestões para oferecer.

Mack entrou no laboratório e Agnes se levantou, exibindo uma série de peças na mesa, os componentes que tinha desmontado da bomba. Ela pegou o tablet onde vinha fazendo suas anotações e esperou os três se alinharem à sua frente antes de continuar. Mack tinha os braços cruzados, uma pose casual para ele que costumava assumir quando estava esperando por algo. Bobbi tinha as mãos na cintura e, Agnes já tinha aprendido, era pelo mesmo motivo. Niko, com certeza a pessoa mais aplicada daquele laboratório, levou seu caderninho consigo para fazer suas próprias notas. Ela visivelmente era mais detalhista e atenciosa. Seria bom, Agnes pensou, manter isso em mente.

— Ok, vamos lá — ela começou, sentando-se na beirada da mesa e começando a apontar para as peças enquanto falava. — A maior parte da bomba é feita de uma liga simples de ferro com alumínio, um material muito barato e não muito resistente. Está claro que criar bombas resistentes não é necessário, seja por decisão do fabricante ou de quem as encomendou. O que ela tem de barato, porém, tem de complicada. Desmontar esse negócio levou muito tempo. Ela tem mecanismos bem fechados e complicados de montagem.

— Algum motivo em específico? — Niko perguntou, virando para seu caderninho e anotando tudo que Agnes falava.

— Imagino que segurança — a cientista continuou. — Mas estou entrando no campo do achismo para responder essa pergunta. Água vaza das coisas com muita facilidade… Se você vai colocar água e um cristal dentro de um compartimento e quer garantir que eles não se encostem de jeito nenhum, ele precisa ser muito vedado, mas isso por si só até não é complicado de fazer. O complicado é que você não quer que eles se encostem de jeito nenhum, mas quer que se encostem quando você mandar, então precisa existir um mecanismo de dispersão de vedagem perfeita que abra quando ordenado. E bem, eles conseguiram fazer. Identifiquei três canais de escoagem de emergência da água, feitos para expelir qualquer quantia de água que escape do compartimento para fora da bomba, a mantendo o mais longe possível do cristal.

Agnes parou de falar, esperando enquanto via Niko murmurando palavras conforme anotava o que tinha ouvido. Então a agente parou de anotar e Bobbi pôde fazer uma pergunta.

— Tá, se eu estou usando a bomba e quero armá-la e dispará-la, qual o procedimento?

Agnes sabia que essa pergunta surgiria. Com a bomba desmontada, sua demonstração seria bem mais ou menos, mas era o que tinha para hoje. Ela pegou uma bolinha de papel amassado em cima da mesa e a colocou onde estaria o compartimento do cristal, segurando-a com a mão já que tinha desmontado as portinhas dele.

— Com a bomba montada, tem uma portinha aqui, onde eu guardo o cristal, e uma no outro canto, onde eu coloco a água. As bombas têm chips e podem ser disparadas à distância. Não existe mecanismo manual, provavelmente para evitar disparos acidentais. Para armar a bomba, se coloca um cristal no compartimento, aqui onde eu coloquei a bolinha de papel, e fecha a portinhola, que agora está desmontada então estou colocando minha mão aqui no lugar. Faz a mesma coisa do outro lado, só que com água. Depois é só enviar um sinal remoto para a bomba e — Agnes tirou a mão e a bolinha de papel caiu no meio da esfera de metal. — Pronto. Cristal e água caem no meio da bomba e a reação química é instantânea. O gás começa a sair, a bomba abre furinhos no casco e libera gás para todo lado.

Agnes sentiu quase como se estivesse tentando explicar a uma criança de cinco anos porque ela não podia comer terra. A vontade era falar “porque não e pronto”, mas Mack tinha sido categórico sobre querer explicações muito detalhadas sobre como tudo funcionava, então bem, estava explicando.

— Esse sinal — Niko disse, depois de terminar mais uma rodada de anotações. — Como a bomba recebe? Um chip?

— Sim. É um sinal bem simples, um chip muito básico. A bomba tem um receptor de sinal sem fio, então o comando é enviado pela internet. Acredito que seja feito através de um script específico com uma senha pré-cadastrada. O tipo de script que você roda no celular mesmo. Daí basta enviar uma senha pra bomba e pronto. Bum.

— Interessante. Isso parece o tipo de mecanismo que seria destruído com um pulso eletromagnético.

— Uma EMP? — Agnes perguntou, encarando por um instante o microcontrolador que ela tinha desconectado da bomba. — Definitivamente. É um componente eletrônico, afinal. Por que a pergunta?

— Já vi acontecer — Niko comentou. — Mas na época ainda não tinha certeza exata de se tratarem dessas bombas. Eu cheguei a comentar com Mack que talvez EMPs fossem eficazes contra as bombas de terrígeno, mas não tinha certeza absoluta. Acho que podemos considerar isso como uma confirmação.

Agnes apenas concordou. Mais uma pausa enquanto Niko anotava mais coisas, e Mack começou a esticar o pescoço para ler um pouco do que ela estava anotando. Enfim a garota parou e ergueu o rosto para Agnes mais uma vez.

— Algo mais?

— Por enquanto, não — a engenheira respondeu, encarando as peças todas desmontadas em sua mesa mais uma vez. — Eu acho que não tenha mais muito que descobrir com essas bombas.

Mack soltou um suspiro pesado. Ele parecia cansado e também um pouco desapontado, mas Agnes conseguia perceber de uma forma estranha que ele não estava desapontado com ela, mas sim com a situação.

— Eu estou muito satisfeito de sabermos como funciona — Mack disse, descruzando os braços e gesticulando um pouco com a mão enquanto falava. — Mais satisfeito ainda de ter confirmação do que Niko tinha falado sobre as bombas poderem ser desativadas com uma EMP. Mas eu estava honestamente esperando um pouco mais de “quem” e “onde” em vez de “como”. Você não conseguiu nada sobre o fabricante?

Dessa vez, foi Agnes quem suspirou, passando as mãos pelo rosto. Às vezes, tinha certeza de que as pessoas achavam que seu trabalho era magia, que ela podia descobrir qualquer coisa e pronto. Não era simples dessa forma. Poucas coisas a frustravam mais do que a sensação de ser cobrada uma resposta que ela não podia simplesmente criar a partir do nada.

— Não acho que o cientista maluco que fez isso aqui tenha assinado a obra, Diretor, sinto muito — ela resmungou com uma nota pesada de sarcasmo na voz.

Mack não ficou nada feliz com a resposta. Ela não ligava.

— Eu também sou engenheiro, agente Jager, eu sei como essas coisas funcionam — ele respondeu, a boca franzida em um contorcimento de desgosto tão sutil que, não fosse Agnes tão observadora, teria escapado facilmente a ela. — Mas eu também sei que esse tipo de projeto sempre está assinado de algum jeito. O jeito como apetrechos são desenhados ou construídos pode, em alguns casos, dar sinais de um padrão de trabalho de alguém em específico. Eu quero essa resposta. Monte a bomba de novo se precisar, mas me encontre quem está por trás disso. Ou ao menos uma pista. Alguém com seu histórico deve ser capaz de encontrar algumas assinaturas.

Alguém com o histórico dela. A ousadia, que absurdo. Ela franziu a testa, cruzando os braços; teria retrucado, teria mesmo, mas sentia que era só a boa vontade de Mack que estava o impedindo de colocar ainda mais vigília e restrição sobre ela, e não estava com vontade nenhuma de ganhar, por exemplo, uma babá vinte e quatro horas. Conhecendo Mack como conhecia, poderia muito bem acabar sendo Davis, o que se tornaria um pesadelo muito rapidamente.

— Eu vou ver o que dá pra fazer — ela respondeu. — Mas ó, eu sou boa, mas não faço milagre.

— Tudo bem, Jager. Dos meus agentes, eu só espero o melhor de cada um. Volte ao trabalho.

Pareceu ser o suficiente para ele, uma vez que Mack deixou o laboratório em seguida. Niko e Bobbi ainda encararam Agnes por um tempo, as três paradas em um silêncio constrangedor enquanto a alemã encarava as peças da bomba desmontada, espalhadas por cima da mesa.

— Ah, é verdade! — Niko exclamou de repente, pegando seu caderninho e folheando as anotações mais uma vez. — Essa bomba que você desmontou veio com um cristal dentro, não veio?

Um cristal? Bem, é claro que tinha vindo, de outra forma a bomba não funcionaria. Agnes abriu a gaveta de sua escrivaninha, pegando o cristal que retirado da bomba, mostrando-o para a garota.

— Veio. Está procurando isso?

O cristal era bem pequeno, do tamanho do polegar de Agnes, e tinha uma tonalidade branca com um subtom azul bem claro. Ele também tinha uma textura curiosa em suas cores, parecendo quase como se fosse transparente e estivesse cheio de gases por dentro. Agnes havia considerado essa chance, de o cristal ser oco e conter o gás dentro, mas esta acabou se provando infrutífera. Qualquer que fosse o material que compunha aquele cristal, não era nada que pudessem entender na Terra sem uma análise muito minuciosa, algo que Agnes ainda não tinha tido a chance de começar a fazer.

— Estamos — Bobbi respondeu, estendendo a mão para pegar o cristal. — Estamos tentando entender alguns detalhes do processo genético de uns inumanos, e fazer uma análise química no cristal pode ajudar.

Agnes olhou para o cristal, um pouco pensativa. Ele levantou uma sobrancelha, olhando Bobbi e Niko com desconfiança e ainda segurando o objeto com certa firmeza na mão.

— O que vão fazer com isso? O Diretor me pediu para remontar a bomba pra seguir as investigações e eu tenho certeza de que vou precisar desse cristal para conseguir respostas precisas.

Bobbi manteve a mão estendida e Niko não deu sinais de desistir da ideia, então Agnes suspirou. Isso era um inferno, não gostava de ficar dividindo suas pesquisas com as pessoas. Deviam ter conseguido logo duas bombas em vez de uma só, e então ela podia ficar com a sua e as duas da biologia com a delas.

Infelizmente, não estavam lidando com um cenário ideal. Trabalhar na S.H.I.E.L.D., tendo que fazer tudo de forma tão coletiva, era novo para Agnes e com certeza algo muito fora de sua zona de conforto. E sequer era algo com o qual ela discordasse. Não o era. Sabia que, realmente, conseguiriam mais resultados com esse tipo de cooperação, mas para o trabalho de todo mundo andar junto, o dela precisava desacelerar, e era ter de estacar que tanto a incomodava.

No fim das contas, ela sabia que a melhor decisão era entregar o cristal, então o fez. Bobbi recebeu a pedra e a ergueu à altura dos olhos, dando uma boa olhada para ele. Agnes imaginou se ela teria alguma constatação visual para fazer. Não tinha.

— Não deixem chegar perto de água sob hipótese alguma — Agnes alertou. — Uma gotinha que seja e pronto, acontece uma tragédia. Na verdade, seria melhor se vocês fizessem essa análise na sala que eu estava usando, eu vou mudar minhas coisas para fora de lá. E quando terminarem, coloquem de volta na minha gaveta. Eu vou precisar dele de noite, quando voltar pra bomba. Combinado?

— Uhum — Bobbi respondeu distraída, o que fez Agnes imaginar que ela só tinha prestado meia atenção no que foi dito. Felizmente, Agnes reparou, Niko estava anotando tudo tão avidamente quanto costumava fazer.

Não tinha mais nada para dizer. Sentindo-se cansada e irritada por não poder seguir em paz com seu trabalho e precisar esperar por ações dos outros para tal, ela tirou o resto de suas coisas da sala de quarentena onde vinha mexendo com a bomba e terminou de se acomodar à frente da mesa que tinha usado para sua pequena exibição. Então, com um suspiro cansado e uma ânsia descontrolada de querer que o tempo passasse logo para pegar o cristal de volta e continuar com suas pesquisas, ela começou a remontar a bomba.

 

[...]

 

A insônia não era nenhuma desconhecida de Sirius. Era um velho incômodo com o qual vinha lidando desde o Ensino Fundamental, e que tinha se agravado muito durante a faculdade — embora ele desconfiasse que não conseguir dormir enquanto cursava uma graduação superior não era um mérito exclusivamente seu. Depois de muito tempo tentando matar o problema com chás, leite quente, suco de maracujá e o que mais pôde colocar as mãos, desistiu, voltando a estimular seu vício em café, o que, é claro, não ajudava em nada.

A essa altura, porém, já tinha se tornado quase instintivo. Sirius acordava de madrugada — isso se tivesse conseguido dormir, o que por si só era uma vitória —, levantava-se e ia atacar a geladeira enquanto refletia sobre algum problema que não tinha conseguido resolver ainda. Pelo bem ou pelo mal, suas crises noturnas lhe rendiam a maior parte de suas iluminações mágicas para resolver casos e encontrar furos de reportagem perdidos. Parte de seu trabalho como jornalista investigativo era de ter uma desconfiança e seguir sua intuição, sabendo que seu fio de pensamentos poderia levá-lo a vários lugares diferentes. E, uma coisa que Sirius tinha aprendido em todos os seus anos no ramo, era que raramente sua intuição estava errada.

E era tal intuição que o estava deixando tão particularmente inquieto naquele momento. Sim, ele tinha insônia com frequência, mas, depois de todos esses anos, ele sabia muito bem diferenciar quando acordava por um ataque de ansiedade e quando acordava porque sua intuição estava tentando lhe dizer algo. Naquele momento, ele tinha certeza: estava perdendo alguma coisa. Algum detalhe, alguma indireta, alguma informação. Alguma coisa tinha passado na sua cara nos últimos dias e ele continuava sem saber exatamente o que era, ou como isso poderia ajudá-los.  E isso estava o matando por dentro. Só tinha um trabalho, afinal de contas: juntar informação em uma conclusão maravilhosa que pudesse resolver os problemas de todo mundo.

Ele suspirou, levantando-se depois de rolar na cama de um lado para o outro pelo que julgou ser tempo demais. Se conhecia o suficiente para saber que isso não levaria a nada, precisava andar um pouco e colocar a cabeça para funcionar. O homem vestiu um roupão por cima da bermuda que usava para dormir, calçou as pantufas jogadas ao lado da porta e saiu em direção à cozinha.

Café. Precisava de café. Sim, café colaboraria ainda mais com sua insônia, mas deveria mesmo ser um vício incontrolável, pois era tudo no que conseguia pensar agora. Ele começou a caminhar em piloto automático pelos corredores, sequer conseguindo pensar muito em qualquer coisa. Para seu alívio, a cafeteira do local era instantânea, dessas que fazem a bebida da cápsula escolhida pela pessoa, então depois de pegar uma cápsula de café expresso e fazer uma dose dupla daquilo, só o cheiro do café saindo pela máquina já começou a acalmar seus pensamentos.

Sim, acalmar. Era o que precisava fazer. Essa sua sensação de estar deixando algo óbvio escapar era muitas vezes real e resultado de algum detalhe, insinuação ou pulga atrás da orelha à qual ele não tinha dado atenção no momento certo. Descobrir do que se tratava exigia muitas vezes fazer uma viagem pela estrada da memória e tentar se lembrar de detalhes específicos que exigiam concentração, motivo pelo qual o café acabava ajudando tanto.

Ele tirou a caneca da máquina e, satisfeito com o resultado, decidiu caminhar até a sala de comando que ocupava com Agnes. A última coisa importante que ele havia feito com a equipe tinha sido a missão de resgate da bomba, então era provável que a informação perdida estivesse por lá. O homem se sentou em sua cadeira, acendendo a luminária da mesa e ligando o computador.

Muitas vezes o trabalho de investigação também era tedioso, portanto, no pior dos casos, acabaria ficando com sono de novo e ao menos esse problema seu estaria resolvido. Por enquanto, porém, ainda estava com a concentração a mil. Ele tirou uma folha de rascunho da gaveta e abriu o relatório da missão deles, incluindo as transcrições das mensagens trocadas por todos, e começou a ler.

Era difícil, normalmente, apontar o que era algo de fato estranho e o que podia ser apenas uma coincidência, mas hoje em dia, Sirius gostava de se gabar de ser muito bom em identificar de qual caso se tratava, embora às vezes levasse um tempo para encontrar o que queria. Naquele caso, por exemplo, ele teve certeza imediata de que não havia nada de errado com o jeito empolgado de Hunter em querer resolver tudo com violência. O instinto dele de querer bater nas pessoas e abrir seu caminho de volta para o avião a tiros estava perfeitamente alinhado com quem ele era e, portanto, perfeitamente esperado de sua parte.

Mas havia outras coisas que Sirius não conseguia garantir se se encaixavam ou não e, em principal, porque não conhecia as pessoas envolvidas. Como, por exemplo, Clint.

Sirius parou a leitura, encarando o documento à sua frente. “Me dê a maleta, Sirius. Você pode ir com Hunter, e Agnes com Bobbi.” E depois, ao ter a ordem negada por Mack, “Com todo respeito, diretor, seu melhor soldado deveria levar a carga mais valiosa.”. Era o tipo de situação a qual Sirius não sabia dizer se a insistência de Clint para ser ele a levar a maleta era de fato resultado de preocupação com a carga ou um desejo muito suspeito de poder estar sozinho com ela. Ao final da missão, ele acabou sendo responsável pela maleta de qualquer forma e a levou corretamente para o avião, mas estava acompanhado de Bobbi quando isso aconteceu. Teria feito ele a mesma coisa se estivesse sozinho?

Sirius sabia que Mack não gostava da presença de Clint e, até onde o agente conseguia apostar, com a exceção de Theodore, quem estava visivelmente encantado com o contato diário com um Vingador, ninguém parecia muito feliz. Isso de certo não contava pontos para o homem, e não ajudava em nada na análise de Sirius acerca do excesso de empolgação de Clint para ficar sozinho com a carga da missão. Aquilo era, de fato, algo que levantava algumas suspeitas.

Mas, ainda assim, de forma estranha, tais constatações não fizeram Sirius sentir aquele impulso investigativo desaparecer. Ainda estava perdendo informação. O homem suspirou, cansado e um pouco derrotado, folheando os registros mais para trás, para antes do resgate. Lembrava-se da maioria do que tinha acontecido até ali, afinal, havia sido o centro da compra por todo o processo, mas uma boa refrescada na memória não faria mal. Sirius abriu os registros anteriores, relendo os diálogos dos quais ainda se lembrava com uma clareza considerável. Tinham trocado palavras bestas com o anfitrião e então ido para a sala dele. Tinham fechado a compra. Nada estava dando errado, até alguém reconhecer Agnes.

O que também não era de se surpreender. Todo mundo sabia que Agnes tinha saído da Rykers — o fato de ela ter um ou outro ex-associado criminoso não só não era uma surpresa como também era esperado, além de uma conexão que, quando necessário, a equipe esperava poder usar ao seu favor. Se Sirius não tivesse conseguido fechar a compra, por exemplo, caberia a ela tentar com seus contatos em seguida. Então, também não havia nada de errado por ali.

Ele segurou a caneta entre os dedos, girando-a e bebendo mais um gole de café enquanto encarava as notas sobre o final da compra e a conclusão do relatório da missão. Tinham conseguido o reconhecimento facial da maioria dos criminosos do local, incluindo aquele que tinha reconhecido Agnes, um mercenário com quem ela confirmou ter tido contato antes e depois dentro de Rykers. Algumas transações de trabalho, ela tinha dito, e ainda tinha mencionado que ele possuía um histórico bem comprido de trabalho.

E, de fato, era comprido. Sirius abriu a ficha do homem, só de curiosidade, e quase cuspiu o café com o tamanho do susto. Eram duas páginas de histórico de contratações, algumas para gente legal, como equipes de Defensores, e algumas eram missões de grupos paramilitares com investimento governamental encobertos, mas a grande maioria era para organizações criminosas. Ali se contavam os Purificadores, algo que não surpreendeu Sirius, e também outras equipes e organizações como os Mestres do Mal, Sexteto Sinistro, a Mão, IMA, Hydra, os Thunderbolts, Indústrias Fisk e até mesmo Norman Osborn e a Sociedade da Serpente.

— Caramba. Que currículo… — Sirius comentou, rolando as páginas distraído. Com um histórico daqueles, ele poderia estar a serviço de qualquer um quando apareceu naquele churrasco.

Qualquer um. Mais de um.

— Cacete!

Sirius quase derrubou o copo de café no instante seguinte. Sabia! Sabia que estava deixando alguma coisa escapar! É claro que o contato dele que tinha os arrumado a bomba havia contratado segurança pessoal para cuidar do evento e, estando fixado naquele fato, e no fato de que ele era um mercenário, foi muito óbvio para Sirius e para a equipe toda assumir que o anfitrião tinha simplesmente o contratado para proteger o local e fim da história.

O que nem Sirius e mais ninguém tinham considerado era que a contratação talvez não tivesse sido direta. Talvez o anfitrião tivesse entrado em contato com uma organização para conseguir sua proteção, o que explicaria porque havia segurança estrangeira no local. Talvez a mesma organização que o proveu as bombas tivesse também oferecido a segurança, como em um pacote completo. Se conseguissem descobrir para quem o homem estava trabalhando atualmente… Talvez pudessem descobrir quem estava por trás das bombas.

Sirius afastou-se da mesa, surpreso e com um sorriso enorme no rosto. Ele respirou fundo mais duas vezes, bebeu mais um grande gole de café e voltou para o computador. Rapidamente descobriu que o status atual do homem era de foragido, o que significava que ninguém sabia onde ele estava e, portanto, não poderia ir até ele para perguntar qualquer coisa.

Não tendo ele para quem perguntar… Teria de apostar na próxima melhor opção.

— Agnes — murmurou, levantando-se e pegando suas folhas de papel às pressas, o café ficando esquecido na mesa em meio ao seu surto de empolgação. — Agnes deve saber. Preciso perguntar pra ela.

Ele deixou a sala de comando correndo, sabendo que ela poderia acabar ficando muito puta de ser acordada às duas da manhã, mas não se importando nada com isso caso significasse conseguir respostas. Estava correndo contra o relógio de certa forma, sem saber qual era o próximo passo do inimigo — sequer sabiam quem era o inimigo —, e qualquer minuto poderia ser a preciosa diferença entre impedir uma tragédia ou não.

Sirius estava correndo à toda em direção ao quarto de Agnes, mas não chegou a alcançar o corredor dos bunkers. As luzes do laboratório estavam acesas, e ele a encontrou inclinada sobre a mesa, trabalhando. Às duas horas da manhã.

Era sorte, com certeza. Ele abriu a porta do laboratório de uma vez, vendo a mulher se sobressaltar um pouco, virando-se para ele no segundo seguinte.

— Sirius? Ficou maluco? Estou fazendo um trabalho delicado aqui, poderia ter acontecido uma tragédia!

— Me desculpe! — Ele exclamou atordoado, vendo atrás da garota um exemplar de bomba montada e um bloco de anotações ao lado. — Eu preciso te perguntar uma coisa… Aquele cara que te reconheceu na compra da bomba, o que você sabe sobre ele?

Agnes suspirou, cansada, revirando os olhos e voltando a atenção para suas anotações.

— Eu já respondi. Tive umas esbarradas com ele por aí. Ocasionalmente trabalhamos juntos em um ou outro projeto para algumas organizações, aconteceu mais de uma vez. E depois eu acabei o reencontrando quando fui para a Rykers. Por quê?

Sirius concordou com a cabeça, aproximando-se apressado e puxando uma cadeira para perto dela. Ele se sentou, com as pernas jogadas para os lados do encosto, pegando sua pilha de papéis e a folheando de forma enérgica.

— Acordei de noite e, geralmente quando isso acontece, ou é insônia ou é intuição. Dessa vez era intuição. Eu estava pensando, Agnes, ele pode não ter sido contratado pelo vendedor. Ele pode ter sido enviado pela mesma organização que enviou a bomba e, com o currículo dele, eu não me surpreenderia. Então, se pudermos descobrir para quem ele estava trabalhando, podemos saber quem está por trás das bombas!

Ela não pareceu empolgada. Parecia cansada, isso sim, algo que Sirius conseguiu atribuir facilmente ao fato de estar sendo incomodada com perguntas às duas horas da manhã. Mas precisava saber. Precisava. Ela certamente poderia fazer um esforço.

— Eu não sei o que você quer que eu diga — ela respondeu, frustrada. — Eu não era melhor amiga do cara nem nada do tipo.

— Eu sei, eu sei — ele assentiu, virando alguns papéis para ela. — Eu dei uma olhada no currículo dele e tem várias anotações de locais para onde ele estava trabalhando, mas eu percebi que ele deixou a Rykers algum tempo antes de você. Quando isso aconteceu, ele não mencionou o que ia fazer quando estivesse do lado de fora? Alguma piada que fosse, alguma indireta… Qualquer coisa?

Agnes suspirou de novo, mas franziu a testa, parecendo pensar. Tudo bem, ela podia ficar puta se quisesse, Sirius só precisava de uma resposta. Ele esperou, ansioso, balançando a perna e fazendo a cadeira ranger de um jeito que deveria ser incômodo, mas sem conseguir se impedir. Se ela tivesse meia informação que fosse… Qualquer uma…

— Eu acho… Hum… Ele disse algo, não lembro exatamente o quê, mas era nas linhas de “já tenho trabalho pra quando sair daqui”. E então… Acho que…

Sirius esperou. Esperou, esperou e esperou, encarando suas anotações. “Já tenho trabalho pra quando sair daqui” indicava que os Purificadores deviam estar contratando alguns dos mercenários diretamente de dentro das cadeias, o que também não era novidade para Sirius. Se a última informação que ele tinha deixado era a de que ia se juntar a eles, então isso não seria de ajuda nenhuma. Talvez tivessem de ir interrogar os outros colegas de cela dele, algo com o qual Sirius não se empolgava.

— É — Agnes continuou. — Ele disse que tinha uma organização querendo contratar gente, que ia tirar a sorte grande. Olhando para trás, acho que ele estava falando dos Purificadores.

E não ajudava em muita coisa. Sirius bufou, derrotado, levantando-se da cadeira.

— Eu sei, mas os Purificadores não são os responsáveis pelas bombas em si e… Hum, espera um instante — ele levantou as folhas de papel mais uma vez. — Isso também não faz muito sentido. Se ele estivesse registrado nos arquivos dos Purificadores, então também teria sido indiciado com isso quando deixou a organização. Mas ele não estava. Ele não ter sido registrado como parte dos Purificadores de forma direta só pode querer dizer que eles também o contrataram de forma terceirizada! Pode ter sido a mesma organização o tempo todo! Mas quem… Quem tem a capacidade de criar uma bomba de tecnologia avançada, produzi-la em massa, distribuir mundialmente e ainda tem um pequeno exército de soldados para usar e oferecer junto com o produto final? Quem…

— Sirius — Agnes disse, levantando-se de repente. — São duas horas da manhã. Pelo amor que você tem a mim, não quer ir pensar sobre isso no seu quarto? Sem falar que é perigoso ficar aqui dentro. Pode acontecer um acidente.

Ele levantou o rosto para a mulher, um pouco atordoado, com a caneta na mão riscando e circulando nomes de organizações nas suas anotações do currículo do cidadão.

— Oh. Oh, ok, me perdoe. Não queria atrapalhar. E… Obrigado pela ajuda.

— E eu lá ajudei com alguma coisa? Saia logo do meu laboratório por favor, ou não vou conseguir trabalhar.

— Certo. Boa noite.

Sirius deu um último sorriso de agradecimento para Agnes e virou as costas, levando suas folhas de papéis com ele. Ouviu o rangido da cadeira de Agnes quando ela se sentou de volta e, nesse momento, tudo deu terrivelmente errado.

Ele ouviu Agnes exclamar uma palavra muito alto e de forma muito irritada em uma língua que parecia alemão, mas ele não sabia dizer com certeza qual era. Ele não entendeu direito o que tinha acontecido, até que de uma só vez, a bomba chiou e um gás branco começou a invadir a sala.

Sirius não teve tempo de reagir. Agnes apertou alguma coisa no computador e o alarme da base começou a soar.

— Agnes? Você está bem?

Ela parecia bem. Não devia ter genes inumanos, porque o gás não lhe fez mal algum e, pelo mesmo motivo, certamente não tinha genes mutantes, os quais Sirius também tinha certeza de não ter. A surpresa, porém, ficou para o outro lado.

De repente, ele sentiu um frio lhe subindo pelas pernas, como se estivesse entrando devagar em uma piscina de água gelada. Ele olhou para o chão, assustado, bem a tempo de ver uma crosta marrom começar a se espalhar pela sua pele, depois por cima de sua roupa, e subir, fria e rígida, pelas suas pernas.

— AGNES! — Ele gritou, soltando os papéis que carregava e vendo a crosta marrom subir mais e mais, aproximando-se de seus quadris. — Agnes, me ajuda!

A mulher se virou para ele, sua expressão indo do susto de antes para horror e desespero em seguida. Ela correu até ele, mas não fez nada; o que poderia fazer?

— Calma, Sirius, vai ficar tudo bem! Eu vou… Eu vou…

Ele não chegou a saber o que ela ia fazer. A crosta marrom se espalhou rapidamente, cobrindo seu peito, seus braços, seu pescoço e por fim seu rosto, jogando-o em um mundo de escuridão e silêncio. Poucos segundos depois, Sirius perdeu a consciência.


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Notas finais do capítulo

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Considere favoritar essa fic e Homem de Gelo também. Vai deixar meu coração bem quentinho ♥

Além dessa, tenho vagas também para uma interativa original sobre revoltas civis. Acesse aqui:
https://www.spiritfanfiction.com/historia/a-rosa-do-tempo--interativa-19350882/

Considere também dar uma olhada nas minhas outras histórias? :D Eu tenho coisas para vários gostos ^^

Leia a duologia Hunters! Comece aqui: https://fanfiction.com.br/historia/771022/Hunters_Hunters_1/

Leia minha original de fantasia urbana, Carmim! https://fanfiction.com.br/historia/787245/Carmim/

Leia minha fanfic de Harry Potter! https://fanfiction.com.br/historia/781763/Marcas_de_Guerra_Historias_de_Bruxos_1/
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