S.H.I.E.L.D.: Guerreiros Secretos (Marvel 717 2) escrita por scararmst


Capítulo 1
Vista Fria


Notas iniciais do capítulo

História integrante do Universo Marvel 717. Para acompanhar tudo, confira aqui: https://www.spiritfanfiction.com/jornais/marvel-717--interativas-17034707



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O Farol tinha dias muito, muito bonitos.

Nos meses nos quais tinha ocupado a base com a equipe de Coulson, Mack esteve sempre atarefado, ajudando Yo-Yo com seus implantes nos braços, lutando contra alienígenas e robôs sencientes, viajando no tempo ou ainda lidando com uma segunda onda de terrígeno liberado de forma descontrolada pelo mundo. Em algum momento no meio de tudo isso, Mack descobriu que o topo do Farol era um ótimo lugar para ficar longe de toda a confusão dos agentes no bunker e das exigências advindas de seu cargo como diretor de uma divisão.

Naquele fim de tarde, ele fechou os olhos e se apoiou na cerca do topo do farol, olhando para a vista do Lago Ontário à sua frente e sentindo o vento frio no rosto. Mack tinha crescido no Arizona, em meio a temperaturas quentes ou muito quentes, e mesmo tendo viajado o mundo e se alocado em várias bases diferentes, nunca tinha passado tanto tempo num lugar tão frio. O clima tinha suas vantagens; ele não sentia falta do calor excessivo, mas já estava ficando bem cansado das neves de inverno. 

Ele se afastou da cerca, alongando os braços e soltando um suspiro um pouco entediado. Conversar com Nick Fury conseguia ser uma tarefa muito extenuante, e a reunião dos dois estava marcada para dali dez minutos. Estando no topo do farol como estava agora, era melhor começar a descer.

Mack tinha uma boa noção de quais eram as intenções de Fury com ele. Já fazia seis meses desde o ataque terrígeno causado pelos Purificadores, e por muito tempo pareceu se tratar de um evento único. Os meses passaram, porém, e outros incidentes isolados começaram a acontecer, e a situação não dava sinais de desacelerar. Quase não se via mutantes nas ruas, e os que eram vistos, mesmo aqueles sem indicadores físicos de seu gene, poderiam ser facilmente identificados por estarem usando algum modelo de máscara no rosto para se protegerem de resquícios de terrígeno inesperados. Inumanos apareciam de formas aleatórias a todo momento, e entre capturar os atacantes e prestar apoio aos inumanos recém-encontrados, a investigação da origem das bombas ainda não tinha sido direcionada a alguma equipe específica.

Até agora. Na manhã daquele dia, Mack tinha recebido um e-mail bem direto de Fury agendando uma conversa para as cinco e meia da tarde, com uma menção superficial da temática ser a “atual crise terrígena”. A surpresa do subdiretor durou apenas alguns segundos, até se lembrar de ter sido sua equipe — ou uma versão bem antiga e diferente dela — a lidar com a primeira crise de inumanos terrestres, a do óleo de peixe. Fazia sentido Fury querer direcionar outra investigação do assunto para um time com experiência. Ainda assim, algumas coisas não faziam sentido para ele.

Sua equipe era nova. Mesmo com Coulson os vendendo para Fury como a melhor equipe que poderiam ter, o máximo que a palavra do ex-diretor os tinha comprado havia sido a jurisdição para atuar com suas próprias regras, sem hierarquias internas, como gostavam de fazer. A palavra de Coulson não  compraria confiança e nem uma autorização permanente, não do homem mais desconfiado do mundo.

Tony Stark uma vez havia mencionado que os segredos de Fury tinham segredos. Mack não podia deixar de concordar com essa afirmação.

Ele desceu todos os lances de escada do Farol, entrando em seguida no elevador do térreo e seguindo para a base secreta no subterrâneo. As portas do elevador abriram bem rápido, e ele deu de cara com o corredor vazio à sua frente.

Mack não gostava de ter uma equipe muito grande; preferia um clima mais intimista. Atualmente, a equipe era composta de Yo-yo, Theo e Niko, os trainees recebidos do Justiceiro, e Piper e Davis para suporte. Embora Mack não quisesse a base cheia de agentes andando para todos os lados, reconhecia o quão longe estava de um começo ideal. Não à toa tinha pedido a May uma avaliação de novos agentes para integrar à equipe, mas isso levava tempo. Por outro lado, já fazia algumas semanas. A qualquer instante ela responderia, tinha certeza.

Até lá, precisava lidar com a reunião de Fury com a consciência de ter mão de obra muito limitada para alcançar os objetivos do diretor. Apesar de parecer um obstáculo, não podia deixar de ter uma pequena ideia em mente. Talvez... Poderia convencer Fury a deixar? Não custaria tentar, não é?

O homem não encontrou ninguém pelos corredores até chegar no bunker de diretor. Yo-yo e Theo tinham pedido uma carona até Nova York para Davis, Niko estava em viagem na Nigéria a meses por motivos pessoais e, não tendo nada melhor para fazer, era provável que Piper estivesse em seu quarto. Com isso, a base parecia ainda mais vazia que de costume, e mesmo a preferindo  vazia, a aura fantasmagórica atual não era a mais confortável de todas.

Ele parou na frente do espelho por um breve instante, certificando-se de estar apresentável o suficiente para uma reunião com o diretor da S.H.I.E.L.D.. De pele negra clara, olhos escuros, cabelos raspados e um cavanhaque preto muito bem aparado, Mack não era excessivamente vaidoso, mas gostava de estar sempre bem alinhado. Para um homem de um metro e noventa de altura e músculos suficientes para deixarem as veias do braço bem aparentes, era fácil ser o  mais intimidante da sala, mas muito disso era impressão. Várias situações intimidavam Mack, mesmo ele não demonstrando, e a reunião atual era uma delas.

A caixa preta em cima da mesa piscou naquele exato momento, e Mack suspirou,  cansado antes mesmo da conversa começar.

Se tem que fazer, tem que fazer — ele sussurrou. — Seja o que Deus quiser.

Mack tocou a parte superior do cubo, e depois de ter sua identificação reconhecida, a caixa projetou uma grande tela holográfica no ar. Do outro lado da tela, estava o diretor Fury, com o tapa-olho no olho esquerdo e uma expressão de poucos amigos no rosto. Fury tinha os cotovelos apoiados na mesa e as mãos cruzadas na frente do rosto, cobrindo um pouco a boca, e parecia estar muito compenetrado  em seus pensamentos.

Diretor Fury — Mack cumprimentou, pigarreando e colocando as mãos para trás.

Agente Mackenzie.

Mack só era diretor para sua equipe. Fora disso, era agente mesmo, e o uso do título não o incomodava em nada. Não era um homem de ambições.

Tem uma missão para mim, senhor?

Fury abaixou os olhos para a mesa, apertando algum botão em seu tablet. A caixa preta de Mack brilhou e projetou mais três telas no ar, essas agora exibindo vídeos e textos de reportagens em loop sobre explosões de terrígeno pelo mundo.

Controlar essas explosões não era nada fácil. Não bastava chegar no local, conter o gás e oferecer auxílio a qualquer inumano recém-transformado. Era também necessário investigar de onde a bomba veio, se haviam mais, quem prender, e realizar todos os trâmites investigativos. Era bem mais trabalhoso que o imaginado.

Já faz semanas — Fury resmungou. — Não se deve levar todo esse tempo para encontrar algumas cargas desviadas e controlar a situação. As explosões não estão dando sinal de diminuir, o que significa que alguém ainda está por aí distribuindo a tecnologia para alguém. Como e por que são perguntas que ainda não conseguimos responder.

E o senhor quer que eu e minha equipe respondamos?

É de meu conhecimento que sua… equipe já lidou com uma crise terrígena antes. Vocês têm dados e experiência com a substância, além de ter uma inumana no time. Então, sim.

Mas ele era Nick Fury, e Nick Fury sempre sabia de tudo. Com certeza, o diretor sabia que da equipe original a ter lidado com a crise de terrígeno só tinha sobrado ele. Yo-yo tinha chegado um pouco depois, e todo o restante tinha partido. Dizer isso a Fury seria afirmar o óbvio, mas ainda assim, Mack se sentiu na obrigação de passar a informação adiante.

Eu não tenho mais o pessoal especializado. Campbell foi reportado morto em ação, Johnson se juntou à S.W.O.R.D., Simmons está aposentada e Morse foi suspensa da organização por questões políticas. Não sei o quão melhor que qualquer outra equipe a minha pode ser agora para lidar com isso.

Essa é uma investigação internacional, Mackenzie. Eu preciso de um time extraoficial para lidar com isso e evitar, como você mesmo chamou, questões políticas para a organização.

Mack franziu a testa por um instante. Durante os últimos anos, a equipe de Coulson tinha operado em completa separação da S.H.I.E.L.D. principal e, como Mack tinha descoberto muito recentemente, só porque Fury tinha autorizado. Ter um time rebelde para lidar com dores de cabeça as quais a S.H.I.E.L.D. não queria se misturar tinha sido conveniente. Agora era conveniente utilizar a breve experiência deles com terrígeno, e seu status extraoficial, para tentar resolver um problema.

Mack se sentia um idiota. O tempo todo pensando estarem por conta própria, recebendo recursos como se fossem migalhas do estado ou de “fontes misteriosas”, e era Fury puxando as cordinhas por trás. Sempre ele.

E se a investigação for concluída, o meu time deixa de ser... extraoficial?

Uma coisa era ser um time tático separado da organização principal para lidar com situações especiais. Isso seria bem agradável. Outra era ficar vivendo de migalhas, como tinham passado os últimos anos. Não mais. Se Fury quisesse os manter separados hierarquicamente por questões estratégicas, podia viver com isso, mas o financiamento da equipe precisava mudar.

 — O que você quer, Mackenzie? — Fury perguntou, e sua voz tinha um tom de imperatividade indicando de forma muito clara que estava disposto a ouvir os pedidos de Mack, mas não teria um milésimo de hesitação em recusar qualquer coisa ridícula e exigir que suas ordens fosse cumpridas de qualquer jeito. Era melhor, então, tornar seus pedidos razoáveis e bem fundados.

Fundos monetários para conduzir a operação de forma confortável — respondeu, já sentindo o sangue correr mais rápido ao trazer o próximo pedido. — E uma biomédica que teve contato direto com terrígeno. Isso seria quase essencial, eu arrisco dizer.

Fury suspirou, mas não parecia nada surpreso. O diretor se jogou para trás, recostando contra a cadeira e analisando Mack com seu olho bom. O homem se sentiu lido de cima a baixo, até os últimos segredos de sua alma. Não era uma sensação boa.

E assumo que o ex-marido mercenário e militar da biomédica também.

Não seria ruim.

Não seriam os primeiros e nem os últimos agentes a serem reinstitucionalizados em situações complexas — ele respondeu. — Mas isso é responsabilidade do líder da operação. Ou seja, sua responsabilidade, Mackenzie. Se acabar mal, eu vou usar você e seu time de bode expiatório para corrigir. Fui claro?

Mack afirmou com a cabeça, sentindo algo estranho por dentro. Tinha imaginado que seria mais difícil convencer Fury. Para ter sido fácil assim… Ainda teria alguma surpresa, podia apostar.

Sim, senhor.

Ótimo — Fury fez uma pausa, olhando para a parte de baixo da tela. Mack demorou um tempo para perceber que o diretor buscava com os olhos a caixa preta emitindo aquele holograma. — Existem três caixas como essa, Mackenzie. Uma é minha, e as outras duas eu só entrego a pessoas as quais confio muito. Essa em sua posse pertenceu a um agente de extrema confiança minha, e por algum motivo ele confia muito em você. Coulson sempre teve o coração mole. Se eu desconfiar de que o julgamento dele esteve errado, por um segundo que seja, essa sua equipe já era. Fui claro?

Sim, senhor.

Sim, senhorFury ironizou, direcionando um olhar muito julgador a Mack. Então, sem se despedir, ele esticou a mão para a tela e encerrou a conexão.

Mack encarou a caixinha preta, agora apagada, sobre a mesa. Havia momentos nos quais preferia a simplicidade de quando eram apenas eles, sem uma grande S.H.I.E.L.D. por trás. As coisas foram complicadas por várias vezes, e Mack bem sabia quantas delas tinha falado que ia deixar a organização, mas ainda estava ali. Era como sua casa. Agora…

Ele deu a volta na escrivaninha, jogando-se na cadeira de diretor e olhando para o teto cinza da sala. Esse pequeno pedaço de equipe com ele, Yo-yo, Piper, Davis e dois agentes novos em treinamento, era o restante de tudo o que tinha acontecido nos últimos anos de sua vida. Se era doloroso ver seus amigos partirem aos poucos, Mack não teria imaginado o quão doloroso seria ver a equipe inteira debandar de uma vez. E agora mesmo esse último pedacinho de familiaridade estava andando em corda bamba, dependendo do sucesso da última operação entregue a ele pelo verdadeiro diretor da organização.

Era muito fácil para Fury tê-los usado como marionetes por todo esse tempo e agora ameaçar jogar o que tinha sobrado disso fora como se não fosse nada. Não era nada. Essa equipe tinha sido como uma família. Era uma família.

Mack sempre teve a consciência de não gostar muito de Nick Fury. Muitos métodos duvidosos e ideias tortas, mas costumava pensar que em algum lugar lá no fundo ele era feito de boas intenções. Não mais. Agora, tinha certeza, também não confiava nele.

 

[...]

 

O passeio em Nova York foi breve. Theo vinha comentando sobre querer visitar uma loja de chocolates específica na Times Square, e como Yo-yo tinha que investigar brevemente um local de explosão na cidade, pareceu uma boa oportunidade de aproveitar a viagem. Infelizmente, quando a agente chegou no local, autoridades e civis já tinham limpado tudo e não havia mais nada para encontrar. Impressionante. Tinha sido questão de minutos.

Sendo assim, ela se permitiu um passeio rápido na loja com Theo, onde comprou uma pequena caixa de bombons para Mack, e logo os dois e Davis estavam voltando para o Lago Ontário.

Ela conhecia o namorado muito bem. Quando Mack estava com coisas demais na cabeça, ele se fechava; subia para o Farol para pensar sozinho, e ele vinha fazendo isso muito ultimamente. Mack não gostava de dividir seus problemas com ninguém, e carregava tudo sozinho nas costas. Isso já tinha custado o relacionamento deles uma vez, e por mais carinho que Yo-yo tivesse de suas lembranças com Keller, não queria por nada perder Mack de novo. Ela só não sabia como se aproximar de forma a conseguir fazer com que ele se abrisse.

O quinjet estava se aproximando do Lago Ontário agora, e Davis esticou a mão para o rádio do avião, abrindo a comunicação com a base.

Aqui é S.H.I.E.L.D. 717 pedindo permissão para pousar. Câmbio.

Não demorou para o ruído de estática indicar resposta do outro lado. A voz de Piper soou pelo rádio do avião para a surpresa de Yo-yo, quem se perguntou por que Mack não estava fiscalizando o retorno deles.

Aqui é o Farol, aterrisagem permitida — um ruído alto de portões se abrindo começou a soar, e um enorme buraco apareceu no Lago, expandindo-se por baixo de uma camada rasa de águas. — Davis, se você deixar os pentes das suas I.C.E.R.s fora do lugar de novo, da próxima vez eu vou guardá-los  descarregando na sua cara.

O ruído de estática indicou o fim da conexão antes de Davis responder qualquer coisa. Yo-yo o viu abrir a boca para argumentar, desistindo ao ver que seria inútil e redirecionando seu foco em pousar o quinjet.

A agente sorriu. Havia algo de agridoce em ver como nada tinha mudado entre Piper e Davis depois de tanto tempo, principalmente se lembrando de como tudo tinha mudado para ela e, acima de tudo, para Mack. Yo-yo não estava naquela equipe há tanto tempo quanto ele, e mesmo assim sentia uma falta imensa de ter os outros ao seu lado. Para Mack, o sentimento devia ser muito avassalador. Yo-yo vinha tentando ajudá-lo a processar essas emoções, mas era difícil ajudar alguém que não gostava de receber ajuda. Não com seus sentimentos, ao menos.

Davis começou a corrigir a posição do veículo para o pouso, e Yo-yo apertou alguns botões nos controles para o procedimento. Ela levantou os olhos para o monitor dos bancos traseiros, vendo Theo se entreter com seus chocolates. Ele parecia estar pensando em algo, distraído, e era mais alguém a quem ela não conseguia alcançar para ajudar. Com Theodore, ainda lhe faltava a intimidade para qualquer insistência. Às vezes, era um pouco como andar sobre cascas de ovos.

Aperte os cintos, garoto — ela anunciou, sinalizando para Davis que de sua parte estava tudo pronto pra o pouso. — Estamos descendo.

Sim, senhora!

Theo possuía um conhecimento de etiqueta de hierarquias militares que tinha deixado Yo-yo e Mack em parte muito surpresos, mas ao menos para Yo-yo, tinha causado tristeza também. Para o garoto ter esse tipo de conhecimento com tão pouca idade, devia ter tido muita vivência como soldado. Ele a lembrava de seu primo, muito jovem quando tinha morrido na disputa contra a polícia corrupta de seu país. Não queria ver Theo ou qualquer outro agente encontrar o mesmo fim que ele.

Com um sorriso melancólico no rosto e memórias distantes na cabeça, Yo-yo assistiu Davis no pouso do quinjet. O veículo desceu pela abertura no lago, em linha reta, até um pouso suave e perfeito no hangar da base. Soltando o cinto do banco de co-pilota, Yo-yo reparou em Piper parada no hangar esperando por eles. Nem sinal de Mack.

Ah, que saco — Davis resmungou, revirando os olhos e saltando do banco. — Lá vamos nós.

O androide foi o primeiro a deixar o veículo, quase correndo para fora, sendo seguido só depois por Theo e Yo-yo. O garoto ainda carregava a caixa de chocolates, esta parcialmente comida, debaixo do braço, e Yo-Yo pegou a dela também, determinada a procurar Mack pela base imediatamente. Quando a dupla saiu do avião, Piper e Davis já estavam discutindo no hangar, ela brandindo um pente de I.C.E.R. para ele, e o agente dando de ombros e parecendo muito pouco interessado nas reclamações dela.

Yo-yo seguiu seu caminho, sem prestar muita atenção na altercação dos dois e se preocupando mais com adentrar a base. Precisava encontrar o namorado, saber como estavam as coisas. Para ela, ver Piper e Davis discutindo era apenas mais um dia no Farol, mas não demorou mais que alguns instantes para a agente reparar que Theo tinha parado no meio do caminho, e observava a interação com muita curiosidade.

Ele estava ali há cerca de três meses, e na maior parte do tempo não tinha feito muitas perguntas. Tinha ficado calado e deixado as coisas acontecerem ao seu redor. Agora, no entanto, Yo-yo teve a impressão de que ele ia enfim perguntar algo. E não se enganou.

Por que eles estão sempre se bicando desse jeito? Aconteceu alguma coisa? — Ele perguntou, apontando para Davis.

Eles são melhores amigos, acredite. Não se encontra amizade como a deles em qualquer lugar.

Uau, me engana direitinho. Não parece.

Ele não sabia ainda? Yo-yo quase riu em resposta. Na maior parte das vezes, ela também se esquecia, de tão perfeito que era o trabalho com os LMD.

Davis… morreu — ela comentou, vendo agora Piper dar um tapa na parte de trás da cabeça do amigo e começar a caminhar para dentro da base, com ele em seus calcanhares. — Uma entidade possuiu ele e se jogou de cabeça da balaustrada da sala de comando. Nunca tinha visto Piper tão arrasada… Muito tempo depois ela foi oferecida a chance de pedir alguma coisa, qualquer uma, em retribuição a um favor que fez aos dois cientistas mais brilhantes que já conheci.

Espera… ele… morreu? Mas… Mas…

Yo-yo riu com o choque de Theo, mas havia uma nota de tristeza por trás daquela risada. Ela torceu para não ter sido muito palpável.

Ele é um robô. LMD, feito da mesma tecnologia que compõe meus braços mecânicos com mais uma Inteligência Artificial… mágica. Literalmente. Quando Piper foi oferecida a chance de pedir qualquer coisa, sabendo que Fitz tinha sido a mente criadora por trás de boa parte dessa tecnologia...

Ela pediu o melhor amigo de volta?

Havia uma nota de melancolia na voz de Theo quando ele perguntou. A pergunta era claramente retórica, e mesmo sem conhecer muito sobre a vida pessoal do agente, Yo-yo pôde ver que haviam algumas questões não resolvidas no estado emocional dele. O garoto encarou a caixa de chocolates por um momento, abrindo então um sorriso pequeno que não enganou a agente nem por um segundo. Ele estava triste.

Isso… Isso ainda pode ser feito?

Nesse momento, Yo-yo se lembrou de Theo ser órfão de mãe a vida inteira e de pai muito recentemente. A mulher quis se dar um tapa por ter soltado a informação de forma tão leviana, sobretudo quando não era mais uma possibilidade.

Eu sinto muito, Theo. Eu não sei como Fitz conseguiu isso, mas ele e a esposa deixaram claro não ser possível de se reproduzir.

Yo-yo engoliu em seco, esperando enquanto Theo encarou Davis por um último instante, e depois a caixa de chocolate em suas mãos.

Eu vou pro meu quarto mais cedo hoje — Theo informou por fim, com o mesmo sorriso melancólico no rosto. — Só chamar se precisarem de mim, ok?

Ok — ela respondeu, sorrindo também, tentando o inspirar de alguma forma ou deixar o ambiente mais leve. Talvez devesse tentar quebrar o clima com uma piada. — Não coma isso tudo de uma vez, vai acabar com dor de barriga.

A resposta de Theo foi mudar o tom do sorriso para desafiador, pegar outro bombom na caixa e comê-lo enquanto caminhava em direção a seu quarto. Tudo bem. Ela julgaria o ato rebelde como uma vitória por hora.

E essa era a distração do dia. Agora, precisava cuidar de outros assuntos.

Mack tinha colocado Yo-yo a cargo de quaisquer inumanos que fossem encaminhados para a equipe deles, mas até então, isso significava um total de zero pessoas. A maioria dos inumanos encontrados pela S.H.I.E.L.D. só queria apoio para seguir com suas vidas normais, e a decisão de Fury em relação a isso tinha sido entregar um relógio de suporte para eles e marcar alguns agentes para que fizessem visitas e testes periódicos nos inumanos, e assim acompanhar a progressão de suas mutações. Quando conheceu Mack, Yo-yo tinha ficado um bom tempo no mesmo regime, sendo monitorada à distância mas podendo chamá-los — ou ser chamada — com um toque em um smartwatch. Entendia perfeitamente qualquer inumano que preferia assim.

Mas, da mesma forma que Yo-yo tinha escolhido se juntar à equipe para usar suas habilidades para o bem depois, ela tinha certeza de ser apenas uma questão de tempo até encontrarem outros inumanos com o mesmo desejo. E, para essa situação, Mack tinha sido irredutível em acertar com a diretoria da S.H.I.E.L.D. que tais inumanos fossem encaminhados para a equipe dele quando fosse o caso. Na época, os dois tinham Flint em mente, mas a situação toda havia se desenrolado bem diferente do esperado.

Flint não queria se juntar à equipe, preferindo continuar na academia e estudar mais. Sempre entrava em contato com os dois, e tinha um orgulho absurdo de cada nota alta nas avaliações de ciência de sua academia, mas Yo-yo entendia muito bem, e Mack também, que ele estava cansado de guerra por ora. Por um tempo, os dois tinham considerado dispensar o pedido feito a Fury, mas existiam muitos como Flint. Muitas crianças e adultos assustados com suas habilidades, sem entender o que estava acontecendo, mas querendo fazer algo de bom com elas. Como Flint. Como Daisy. Como a própria Yo-yo.

Ela parou na porta da sala, passando uma mão pelos longos cabelos ondulados. Eram castanhos, mas há um bom tempo ela tinha pintado alguns reflexos loiros. Yo-yo jogou os fios um pouco para o lado, tentando se ajeitar no último momento. De olhos castanhos e sobrancelhas bem arqueadas, já tinha ouvido Mack falar muitas vezes em seus momentos a sós o quanto ele a achava a mulher mais bela do mundo. E, embora ele insistisse nisso mesmo se Yo-yo estivesse vestida com um saco de batatas, ela queria estar no melhor estado possível quando se encontrava com ele. Era parte do flerte e do charme, afinal.

A mulher bateu na porta da cabine de diretor de Mack, remoendo um pouco a situação dos inumanos na cabeça e também a provável preocupação do namorado acerca disso. Ela queria muito ajudar quaisquer inumanos que chegassem em sua equipe, mas… seria capaz disso? Querer ajudar era uma coisa, conseguir de fato o fazer…

Pode entrar — ela ouviu a voz de Mack do outro lado da porta.

Ela entrou devagar, algo fora do seu padrão, mas sempre uma boa escolha quando Mack parecia tão concentrado em algo como agora. Ela o encontrou sentado na cadeira, de lado, com as pernas para cima do canto da mesa, folheando uma ficha de pessoal na mão. Havia outras duas em cima da mesa, e estas pareciam estar um pouco reviradas.

São os agentes que vamos receber? — Ela perguntou, puxando a cadeira na frente da mesa. Deixou os chocolates sobre o tampo casualmente e pegou a ficha mais próxima para ler.

Sim. Dois humanos, um inumano recém-transformado.

Oh. Um inumano? Yo-yo levantou o rosto em surpresa, abrindo a ficha em suas mãos. Aquela se referia a um “Sirius Hamed”, brasileiro, jornalista, humano. Leria a ficha dele depois;  estava mais preocupada com outra pessoa.

Ela pegou a ficha seguinte, abrindo-a e vendo se tratar de Adrian Văduva, um advogado recém-transformado por terrigênese. A mulher correu os olhos pelo relatório dele, encontrando referências a audição aprimorada. De acordo com o relatório, o homem era um advogado muito famoso e conceituado, mas sua terrigênese tinha sido pública ao povo e desde então tinha sido bem difícil para ele conseguir novos casos.

Típico. Yo-yo sentiu uma tristeza ao se lembrar de sua melhor amiga de anos, fingindo que não a conhecia depois de descobrir sua terrigênese no evento dos apagões dos Watchdogs. De um minuto para o outro, como se não fosse nada de mais, tinha perdido uma das pessoas que mais considerava em sua vida, só por ser uma “aberração”. Ela sabia muito bem como Adrian deveria estar se sentindo agora.

Advogado... Isso vai ser bom para as crianças.

Sim… — Mack respondeu, sem virar o rosto para Yo-yo. Ele parecia muito absorto em sua ficha, e sequer tinha visto os chocolates na mesa. Ele estava preocupado, sim. Preocupado até demais.

A mulher esticou o braço em sua super velocidade. No espaço de uma batida de coração, ela pegou a ficha das mãos de Mack e voltou ao seu lugar, tendo tempo de ver a breve cara de confusão dele ao encarar as mãos vazias, para só depois entender o que tinha acontecido.

Nem um “posso ver, por favor”? — Ele ironizou, cruzando os braços e tirando os pés de cima da mesa.

Você tem um hábito incrível de não dividir com ninguém as coisas que te preocupam. Isso parece que está te preocupando. Então, não.

Yo-yo folheou o arquivo rapidamente. Esta ficha era de Agnes Jager, uma hacker presa na Ilha Ryker responsável por quebrar um galho e tanto para eles nos últimos meses. Fazia sentido a indicação o preocupar.

May examinou ela? — Yo-yo perguntou, deixando a ficha de lado. Com os poderes empatas de May, faria muita diferença ela poder ter contato, literalmente, com prováveis futuros agentes.

Todos eles. Entrevistou os três bem de perto, se certificou de apertar as mãos de todo mundo. Sirius estava ansioso, ele confessou não saber se está à altura do trabalho. Adrian parecia muito aliviado, ela acredita por ser pelo pagamento do serviço o ajudar a cuidar do filho pequeno. Agnes… Havia raiva. Pode ser por ela estar presa, pode ser algo mais. May não sabe especificar.

Tampouco saberia Yo-yo. Ela revirou a ficha mais uma vez, mas não havia mais nada nela que os dois ainda não soubessem. A própria inumana não sabia se queria Agnes na base ou não. Seria útil, sem sombra de dúvidas, mas teria de ser observada muito de perto. E ela tinha certeza, Mack tinha consciência disso.

Como foi com Fury? — A mulher perguntou, decidindo ser melhor deixar discussões de fichas de agentes para depois. Um problema de cada vez.

Bem… De uma forma estranha. Ele liberou o recrutamento de Bobbi e Hunter.

Yo-yo não pôde deixar de se surpreender, arregalando os olhos na mesma hora. Não estava contando com esse sinal verde, mas era com certeza algo que os ajudaria muito. Bobbi tinha muito mais conhecimento de biologia inumana do que qualquer outro cientista vivo conhecido por eles, à excessão de Simmons, que estava fora de cogitação. Isso era muito bom. Bom demais…

Onde está a pegadinha? — Ela perguntou, encarando as fichas com um olhar pensativo.

Ainda não sei, mas tenho certeza de que vamos descobrir.

Isso Yo-yo também tinha, e era mais uma coisa com a qual não queria lidar agora. Que Deus iluminasse sua mente para tomarem as melhores decisões quando a hora chegasse, mas não agora. Não com Mack tendo aquele olhar no rosto de quem estava muito cansado pelo dia.

Yo-yo se levantou. Ela deu a volta na mesa, empurrando os pés dele para o chão,  se aproximando do namorado, e sentando-se no colo dele devagar conforme abraçava seu pescoço. Ela pegou a caixa de chocolates na mesa e entregou a ele, quem ainda não tinha notado o presente.

Comprei pra você.

A resposta de Mack foi um sorriso bondoso e levemente envergonhado, aquele sendo o sorriso preferido de Yo-yo no rosto do namorado. Quando ele se derretia daquele jeito, era o momento no qual se lembrava do primeiro detalhe que tinha a feito se apaixonar por Mack: a bondade dele.

Obrigado, Yo-yo — ele respondeu, desamarrando a fita da caixa e comendo um dos chocolates. Eram de nozes, o sabor que ela sabia ser o preferido dele, e o sonoro “hhmm” de aprovação que ele soltou ao comer o bombom deixou bem claro como ela tinha acertado.

Mas ele ainda estava com a cabeça ocupada, ela conseguia ver. Felizmente, Yo-yo tinha uma boa ideia de como distrair e divertir os dois, mesmo que só por um tempo. Ela pegou a caixa de chocolates das mãos dele, deixando na mesa de novo e se aninhando mais ao namorado.

Está pensando demais, homem-tartaruga — ela brincou, passando os dedos de metal no rosto dele.

As próteses de braço que tinha agora eram tão boas quanto era possível ser. Pareciam reais e, mais importante, sentiam como se fossem reais. Ela sentiu o leve relevo do cavanhaque de Mack sob os dedos ao aproximá-los dos lábios dele. Ela pousou o indicador ali quando o homem abriu a boca, fazendo menção de discutir.

Vamos cuidar de um problema de cada vez. Primeiro, vamos entrar em contato com seus amigos. Depois pensamos nos agentes novos.

É, acho que sim — ele respondeu, esticando a mão para a caixa preta na mesa. — Hunter é desastrado, ele deve ser mais fácil de rastrear…

Pela segunda vez no dia, Yo-yo correu na velocidade de uma batida do coração. Ela trancou a porta do escritório, logo voltando ao colo do namorado.

Daqui uma hora, que tal? Em alguns dias essa base vai estar apinhada de gente e nós vamos ficar muito ocupados. Talvez devêssemos usar um pouco de tempo agora para nós dois.

Devagar, Yo-yo viu os lábios do homem se virarem em um pequeno sorriso.

É… É, eu acho que posso te encaixar na minha agenda.

Ela riu, aproximando-se dele e depositando um beijo em seus lábios. Mack a abraçou pela cintura, afastando a papelada da mesa com o outro braço e deitando a namorada ali.

Da última vez que Mack havia assumido uma crise como diretor, o relacionamento deles tinha acabado. Yo-yo não ia deixar isso acontecer de novo. De maneira nenhuma.


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Notas finais do capítulo

Fechou hein? Olha aqui que lindo o slide do painel de aceitos:
https://docs.google.com/presentation/d/1DFi4L3htRa322yrj_Vl8LYJ0j7wdR0zw5Z80QysCGtQ/edit?usp=sharing



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