O Conto da Fera escrita por Gatita


Capítulo 4
Parte TRÊS


Notas iniciais do capítulo

Só preciso agradecer imensamente a Are-sensei pelo carinho e incentivo *--*



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PARTE 3:

E um novo prazer

 

Hinata havia conseguido o que queria: descobrir a verdade por trás do conto da fera; e realmente, nada — repito: absolutamente nada — era o que se dizia ser. Mesmo depois de algumas horas, ela ainda não conseguia digerir todas as palavras de Itachi. Tudo guinou de algo parecido com contos de fadas para uma verdadeira história de horror, uma que ela jamais esperaria escutar.

Na mesma noite em que escutou todo o circo dos horrores, a Hyuuga teve dificuldades para dormir. A cada momento, a imagem do irmão de Itachi degolando o próprio pai surgia em sua mente e ela acordava ofegante e suando. O medo de permanecer sozinha no quarto era enorme, ainda mais pelo fato de a garota não saber o que realmente era um móvel ou o que já havia sido uma pessoa um dia.

Na manhã seguinte, durante o café da manhã, sentiu falta da gatinha gentil sobre a mesa. Só ela e Itachi estavam presentes — um em cada ponta — comendo silenciosamente como se não existisse a companhia do outro. Entretanto, Hinata não suportava mais apenas escutar os sons de mastigação ou de talheres — os quais vinham dela, pois Itachi comia e fazia tudo com as mãos e garras.

— Não dormiu bem? — ele cortou o silêncio e olhou para a garota enquanto mordia sua baguete. Hinata ergueu uma sobrancelha, tentando não pensar em como ele poderia saber. Aquele castelo tinha tantas artimanhas que a deixava assustada.

— Não… — sussurrou depois de tomar um gole de suco de laranja.

— O que houve? — Havia uma ligeira diferença na entonação da voz dele, talvez uma leve pontada de preocupação?

— Eu tive alguns pesadelos — respondeu e pigarreou em seguida. Ele soltou algo parecido com uma risada nasalada, algo que saiu assustador, mas não afetou Hinata negativamente.

— Devo presumir que tem relação com o que lhe contei ontem, certo? — Ela assentiu. — Bom, tudo o que posso acrescentar agora é que você não precisa ter medo de nada… — Itachi pegou um canecão — que deveria ser de cerveja, mas continha café bem preto — e bebericou. — Nós já estamos há tanto tempo nessas formas que não sabemos mais nos portar como seres humanos, é verdade. — Ele segurou um arroto. — Desculpe. O que quero dizer… É que não vamos lhe fazer mal algum, é isso. Pode ficar tranquila, ninguém vai te incomodar até que esteja disposta a ir embora.

— Obrigada, Itachi — Hinata agradeceu, esfregando uma mão na outra. — V-vocês querem que eu vá embora logo?

O Uchiha quase engasgou com o café que bebia e tossiu vezes seguidas, tentando recompor a postura. Droga, não fora aquilo que ele quisera dizer! A garota esperou enquanto o olhava de longe, com as sobrancelhas azuladas franzidas. Oh, realmente. O cabelo dela era escuro, mas não exatamente preto… Tinha a cor de um azul índigo, quase como uma noite sem estrelas.

Enfim, Itachi deveria logo respondê-la antes que ela achasse estranha a demora.

— Não, não mesmo! — disse depois de longos segundos. — Nós imaginamos que você queria saber sobre a verdadeira história e… E que depois iria querer ir embora, não? Voltar para sua família, seus amigos… — Itachi falava sem parar ou respirar e Hinata comprimiu os lábios, segurando a vontade de rir.

— É que, na verdade… — ela ponderou um instante se deveria ou não contar sobre o livro. — Bom, já que vocês foram muito transparentes comigo, eu vou dizer a verdade também!

— Sou todo ouvidos — a criatura garantiu.

— Anteontem — Hinata parou para contar nos dedos. — Ah, não foi anteontem. Mas uns dias atrás, eu fui ao centro de Konoha para trocar um livro e comprar algumas coisas que faltavam em casa. — Bebeu mais um pouco do suco. Hm, então ela gosta de livros?, ele pensou. — Quando estava prestes a voltar, encontrei uma multidão enlouquecida. Eles carregavam facões e tochas! — Ela gesticulava ao falar e Itachi a achou deveras encantadora. — Disseram que queriam invadir o castelo porque vocês na verdade tinham ido embora de Konoha e eles queriam pegar tudo o que teriam deixado de valor para trás. — Dessa vez, Hinata era quem falava sem parar ou respirar.

— O quê?! — O Uchiha engasgou de novo.

— Sim, uns loucos! Eu não podia deixar isso acontecer, então inventei… Eu inventei que ia escrever um livro sobre a lenda e disse que eles não podiam destruir o que sobrou. — Hinata finalmente respirou.

A fera tinha se debruçado e apoiado os cotovelos sobre a mesa, assim como descansara o queixo grande sobre as palmas das manzorras. A Hyuuga franziu as sobrancelhas e achou aquela cena muito peculiar, afinal, Itachi era um “monstro” e aquela posição nada se condizia com suas características físicas.

— Você ia escrever um livro? — ele quis saber, os olhos adquirindo um brilho diferente do da noite anterior.

— S-sim — respondeu, envergonhada. Suas bochechas ficaram rosadas e ela esqueceu o que ia dizer. — Ahn… — E lembrou! — Então todos riram de mim, riram e zombaram tanto de mim que aparentemente desistiram da ideia… — Desviou os olhos para o seu prato, que estava cheio de migalhas.

— Que absurdo…

— É, eu chorei demais. — Hinata engoliu saliva. — Disseram coisas horríveis sobre mim e minha família. E então prometi a eles que descobriria a verdade e escreveria um livro sobre a história de vocês somente para esfregar na cara de todo mundo — concluiu e suspirou aliviada por colocar aquelas palavras para fora.

— A senhorita quer escrever um livro sobre a nossa história? — Itachi se mostrou interessado.

— Só se vocês me permitirem — ela apressou-se em dizer. Claro que não poderia fazer uso da imagem da família Uchiha sem a autorização deles.

— Vou conversar com a minha mãe, mas garanto que ela vai adorar isso.

— Fico feliz em saber.

Hinata observou o que parecia uma espécie de sorriso vindo de Itachi; embora ele quisesse sorrir, a tentativa de mostrar os dentes se tornou assustadora. Entretanto, a Hyuuga não se importou e entendeu como realmente era: um sorriso; portanto correspondeu-o, esticando os lábios. O momento estranho foi quebrado com um pigarro vindo do Uchiha e Hinata balançou a cabeça.

— Então, senhorita Hyuuga-

— Me chame de Hinata.

— Muito bem, Hinata… — ele se corrigiu e ergueu o corpo, espreguiçando-se. — Você disse que gosta de livros?

 

E em uma estação,

como a primavera,

 

Itachi tinha planos de apresentar a biblioteca do castelo para Hinata após o almoço, na tentativa de deixá-la confortável e fazê-la se sentir acolhida. Entretanto, precisava conversar com a mãe sobre o livro que a garota pretendia escrever. Por isso, lá estava ele, na grande sala de reuniões, como gostava de chamar, observando a matriarca lamber as patinhas para limpá-las, e sem saber por onde começar a contar o que escutou da Hyuuga.

— Já faz alguns minutos que estou esperando você dizer o que precisa — Mikoto disse no intervalo entre uma linguada e outra. — Está nervoso para me contar?

— Ora, como a senhora me conhece tão bem? — Ele riu, os olhos felinos apenas o analisaram discretamente. — Na verdade, eu não sei muito bem como dizer.

— Só fale, querido.

Itachi suspirou.

— Eu conversei com a senhorita Hyuuga... Ela disse que, por termos sido tão transparentes com ela, me contaria seu propósito de vir aqui — começou, mexendo nervosamente uma mãozorra na outra. — E ela disse que fez uma promessa em nome da própria família. Os aldeões de Konoha estavam ameaçando vir até o nosso castelo, para averiguar se ainda existia alguém morando aqui… E se não existisse, pretendiam saquear o pouco que nos sobrou. — Itachi não sabia se estava conseguindo transmitir a real força daquelas palavras, mas continuava buscando as corretas. A gatinha mexeu as orelhas, como se não acreditasse nas coisas que escutava.

— Os aldeões…?

— Sim, mamãe… As pessoas parecem não acreditar muito bem na lenda que Tsunade espalhou, ou talvez elas só estejam aproveitando que nosso tempo está acabando. — O Uchiha fez uma pausa e olhou para a flor sob a redoma de vidro; nela restavam apenas três pétalas e uma já se mostrava prestes a cair, o que totalizam no máximo cinco meses e meio até que a última cedesse. — Enfim, não sei o que os motivou, só sei que para evitar que eles viessem, e também para proteger o nome da própria família, Hinata disse que escreveria um livro.

— Um livro?! — ela exclamou completamente surpresa.

— Isso. Ela disse que viria ao castelo e iria vasculhar por si só quaisquer resquícios de nossa família — finalizou e também parou de andar de um lado para o outro, ato que não percebeu que estava fazendo.

Mikoto balançou o rabo felpudo sobre a mesa na qual estava sentada e sapateou as patinhas da frente, como se testasse a superfície. Em seguida, saiu caminhando ao longo do tampo de madeira, seu rabo continuou a serpentear para cima. Ela não dava nenhum sinal de que estava irritada ou contente com o que Itachi acabara de dizer.

— Mamãe? — ele, então, indagou em tom sugestivo.

— Quando ela começou a contar, me pareceu loucura — respondeu com sinceridade. — Mas, pensando melhor em suas palavras, me pareceu que Hinata só quer salvar a família… E se arriscar desse jeito é um ato muito nobre... Sem saber o que vai encontrar pela frente. — Ela parou de andar e se sentou mais uma vez. — Acho isso tudo muito intrigante. — Mikoto parecia pensativa. — Ah! Agora que as coisas se tornam melhores! Não vê, Itachi, que tudo está conspirando para dar certo?

— E com isso a senhora quer dizer…?

— Quero dizer que você pode se aproximar dela com esse propósito durante o processo de escrever o livro — explicou calmamente. — Hinata com certeza vai querer que você conte tudo o que aconteceu em detalhes para poder colocar na história… Isso vai fazer com que vocês dois passem muito tempo juntos… — Ela fazia pequenas pausas para que Itachi pudesse juntar os pontos.

Repentinamente ele começou a gargalhar.

— A senhora acha mesmo que ela vai se apaixonar por mim? — O Uchiha sorriu sombriamente. — Que otimismo.

— Sim, eu sou muito otimista. — Mikoto fez um gesto facial que pareceu com um juntar de sobrancelhas. — Eu estou sendo otimista em poder sobreviver, Itachi! Em poder voltar a ser uma mulher, e poder te ver de novo como o belo homem que foi um dia… Em ter a nossa vida de volta. — Ela mostrou as garrinhas e arranhou o móvel tão lustrado. — E você ainda teria alguém para amar... Alguém para chamar de sua amada.

Com tonalidade final, o Uchiha soube que a conversa havia se encerrado.

A matriarca deu meia volta e desceu da mesa, andou graciosamente até a porta e deixou Itachi sozinho. O homem, ou pior, a fera — pois há muito que não se considerava mais um — nada tinha a dizer diante das verdades tão dolorosas que a mãe dissera. Talvez, com todas aquelas palavras, alguma coisa tivesse acendido dentro dele. Poderia dar certo? Se agisse corretamente, conseguiria fazer Hinata se apaixonar por ele de alguma forma?

Aquela poderia realmente ser a chance pela qual estivera quase quinze anos esperando. Nunca haviam entrado na propriedade antes; não um ser humano, ainda mais do sexo feminino, apenas alguns animais perdidos pela floresta e que acabavam adentrando o local em busca de abrigo ou comida. O coração de Itachi acelerou com a expectativa de poder se olhar de novo em um espelho e enxergar sua pele branca e não a pelugem tão escura quanto o céu da noite.

Ele precisava tentar, porque era a sua última chance.

 

Como prometido, assim que terminaram de almoçar, Itachi levou Hinata para a biblioteca. Ele parecia tão eufórico que não perderam mais nenhum minuto na sala de jantar, atravessaram o hall e subiram pela escadaria. Dessa vez, seguiram pelo lance de escadas que dava para a ala leste da mansão, área que a Hyuuga não tinha visitado ainda.

Os corredores estavam mal iluminados devido às cortinas fechadas e à luz fraca que emanava dos candelabros presos às paredes. E mesmo assim, ao longo do caminho que fizeram, Hinata percebeu que havia algumas marcas retangulares, outras quadradas e uns círculos nas paredes. Observando-as, imaginou que, muito tempo antes, retratos deveriam ocupar aqueles espaços e que deveria ter sido extremamente doloroso retirá-los de lá. Enquanto pensava isso, observou as costas enormes do Uchiha a sua frente. Será que, em algum momento, veria seu verdadeiro rosto?

Andaram por mais alguns minutos, por vezes virando esquinas — Hinata tinha plena certeza que, se fosse largada ali mesmo, não voltaria ao hall de entrada sem ajuda — e atravessando ante-salas. Por estar distraída olhando o papel de parede antigo daquele corredor em específico, ela não percebeu quando Itachi parou de andar e, por isso, seu corpo pequeno bateu fortemente contra o dele. Se o Uchiha não a tivesse segurando pelos ombros, teria caído no chão.

— Tentando gravar o caminho de volta? — ele perguntou, a fim de aliviar o clima por terem andado o tempo todo em silêncio. A verdade era que estava nervoso e não conseguia pensar em nada para dizer.

— Eu só estava distraída olhando as paredes — respondeu um tanto sem graça com a pergunta, o que lhe fez adquirir um tom rosado nas bochechas.

— Pois guarde a distração para depois! Acabamos de chegar ao que interessa, senhorita Hinata. — Ele apontou para a grande porta de madeira com entalhes de livros, um globo terrestre e, pelo que pareciam, estrelas cadentes. — Minha querida biblioteca. A partir de hoje, ela será um pouco sua também. — A última frase lhe rendeu um frio na barriga. A Hyuuga mordeu o lábio inferior, ato que não passou despercebido por Itachi. — Preparada?

— Sim, sim! — Ela estava de fato muito convicta e curiosa.

Então, com aquelas palavras permissivas, Itachi pressionou as aldravas e empurrou as pesadas portas. De início, tudo permanecia muito escuro aos olhos claros de Hinata, mas, aos poucos, eles foram se acostumando à pouca luz. As cortinas tamparam a claridade natural das janelas, por isso a luminosidade vinha apenas das velas — que haviam se acendido sozinhas. E tinha um monte delas! Candelabros pendurados nas paredes, cuidadosamente para que estivesse longe o suficiente dos livros, castiçais enormes pendiam do teto e ela conseguia ver mais algumas por sobre a longa mesa no centro do cômodo.

Entretanto, não foram as velas que tomaram a atenção da Hyuuga. A biblioteca tinha o pé direito muito alto, uma escada central que levava para o segundo andar de estantes que não ocupava tudo, apenas o suficiente para alguém subir e escolher um exemplar; e o mais importante: todas as paredes eram cobertas por estantes abarrotadas de livros, inclusive as colunas de sustentação do cômodo tinham prateleiras. A quantidade incalculável de obras fez o coração de Hinata acelerar como nunca, ela tinha encontrado uma mina de ouro!

Nem parecia que, durante a noite, sua mente a levou para sonhos abomináveis.

Mon Dieu! — ela exclamou, levando ambas as mãos ao peito. — Tudo o que imaginei não chega aos pés do que estou vendo!

Itachi, por outro lado, encontrava-se maravilhado, não pela biblioteca — aquela que ele tinha visto a vida inteira sem grandes olhos —, mas por Hinata. Os olhos perolados dela brilhavam de um jeito que ele nunca vira o de alguém brilhar antes. Ela ficou encantada com algo simples como uma biblioteca!

— Você realmente gosta de livros — disse, embasbacado. — Nunca tinha visto alguém tão apaixonada por algo tão simples — externou o que pensara e a reação dela fez com que Itachi se sentisse um idiota.

— Livros não são algo simples. — A voz da jovem soou indignada em conjunto às sobrancelhas franzidas e ao biquinho que surgiu nos lábios. — Cada livro tem um universo próprio, Itachi. Seja ele um romance ou uma publicação dissertativa — ela disse, brava. — Você tem essa biblioteca incrível para visitar todos os dias e não enxerga os livros como uma preciosidade…

— Não, eu sempre os tive por perto — comentou, entendendo onde Hinata queria chegar.

Como Itachi sempre poderia consultar alguma daquelas obras quando quisesse, ele não dava valor algum a elas.

— As pessoas que os escreveram são incríveis — ela continuava dizendo. Em seguida, um longo suspiro saiu dos lábios carnudos e avermelhados. — Estou ansiosa para olhar mais de perto.

— Então vamos entrar. — Itachi levou uma das mãozorras até a curvatura das costas de Hinata com o quadril. — Nada nos impede.

Por dentro da biblioteca era mais fácil de enxergar como era grande. Para qualquer lugar que olhava, Hinata encontrava livros e mais livros. Era um sonho estar ali! Imaginou o que Kakashi diria se visse todas aquelas estantes; o primeiro andar era um espaço tão amplo que parecia ter vinte vezes o tamanho da livraria do Hatake.

— Você já leu todos? — A pergunta era um tanto absurda; afinal, ela não conseguia nem ver todos os livros que estavam lá.

— Não, mas já li uma boa parte. — Ele observou a Hyuuga contornar a mesa comprida no meio da sala e girar, tentando ver tudo o que podia. — Tem alguns em línguas que não conheço. — A informação vez a garota parar e olhá-lo com surpresa.

— Existe algum livro que ensine outras línguas?

— Existe.

— E tem algum romance antigo?

— Vários.

— Algum moderno?

— Não tão moderno, mas de alguns anos atrás sim.

Os olhos dela brilhavam cada vez que ele respondia.

— Existem livros de história?

— Muitos, muitos.

Ela mordeu o lábio e olhou em volta.

— Você pode se sentir à vontade para escolher qualquer um — falou, por fim, o que queria desde o início. — Se preferir, podemos vir para cá todos os dias.

— Isso é incrível! — Hinata bateu palminhas. — Ah, eu posso usar este lugar para escrever o livro também, não?

— Claro — respondeu, caminhando em direção a ela. — Começamos quando quiser.

Hinata estendeu as mãos para alisar a superfície da mesa e constatou uma pequena camada de poeira. Em quinze anos nenhum dos moradores da mansão Uchiha pisou naquele cômodo. Não deveria ser algo surpreendente, visto que a maioria não tinha mais polegares para fazer qualquer coisa, entretanto, a Hyuuga não conseguia evitar de imaginar como deveria ser doloroso estar impedido de fugir da própria realidade com a leitura.

— Eu pedi que Naruto e Shikamaru viessem depois me ajudar a limpar… — Itachi começou a dizer, percebendo que Hinata descobrira que o cômodo tinha permanecido intocado. — Talvez aqui nós possamos abrir as cortinas… Para dar uma luz natural, o que acha?

A jovem sorriu em resposta. Itachi estava tentando fazer as coisas funcionarem, ela percebeu. Com certeza revirar as memórias do passado não seria algo fácil para ele, como tinha visto quando contara os acontecimentos na noite anterior, durante o jantar. Itachi sentia muita dor ao dizer aquelas palavras. E de fato existiam muitas dores naquele castelo que ela jamais poderia sentir por eles, mas que estava disposta a compreendê-las.

Por um momento sentiu-se mal em fazê-lo contar sua história. Entretanto, mostraria-se grata pelo sacrifício dele.

— Podemos começar hoje?

Mais uma vez o Uchiha tentou sorrir, falhando miseravelmente ao mostrar as grandes presas.

— Claro.

 

Sentimentos são…

 

Só de abrir as cortinas da biblioteca e tirar o pouco pó que cobria as superfícies do cômodo fez com que o humor da jovem Hyuuga melhorasse mais; se ela estava ansiosa antes, após a limpeza, Hinata se encontrava radiante. A luz natural para a biblioteca dava sensação de conforto maior, pois antes o local tinha um aspecto muito sombrio e parecia que a qualquer momento uma aranha saltaria para cima dela.

Em todos os encontros Hinata levava consigo seu grosso livro em branco, o lápis e um miolo de pão para apagar erros caso fosse necessário. De início, apenas conversaram sobre como montariam a história dos Uchiha, a cronologia dos fatos e as partes que deveriam ser mantidas em segredo. Itachi apresentou a ela alguns livros que datavam de duas centenas de anos antes sobre os primórdios da família. Infelizmente, alguns tinham suas escrituras cessadas pela metade, porque alguém em determinado ponto não quisera mais dar continuidade à história. A garota não se deixou abalar, pois agora a tarefa de conectar todos os pontos era dela.

Conforme os dias passaram e eles tiveram maior contato, Itachi percebeu que agradar Hinata se mostrou uma tarefa muito fácil. Bastava que fosse ele mesmo para abrir alguns sorrisos bonitos na face corada ou para que aquele brilho no olhar se mostrasse presente. Ela gostava muito de doces e, sempre que levava um rolinho de canela, o humor da Hyuuga mudava e ela fazia as anotações com muito mais vitalidade, ele notou

Ainda era um pouco estranho para ele ser uma fera em contato com um ser humano tão delicado e, de vez em quando, a famosa dúvida se tudo aquilo daria certo batia mais uma vez em sua mente. Itachi era grande em todos os aspectos e Hinata era o completo oposto. Ela era sutil ao escrever, ao falar, ao andar; e ele quebrava ou arranhava qualquer coisa em que botava as manzorras ou quando pisava forte demais. Por outro lado, Hinata não se assustava com todas as atrocidades que ele fazia. Muito pelo contrário, ela se mostrou extremamente solícita em ajudá-lo — não importava a situação.

Duas semanas depois de começarem as anotações e finalmente iniciarem a escritura do livro, Itachi encontrava-se em profunda negação com seus próprios sentimentos. Seu coração acelerava muito quando via Hinata, ou quando estava perto dela o suficiente para sentir seu cheiro suave de lavandas — e devemos levar em consideração o fato de seu olfato ser mais apurado que o de seres humanos comuns. Quando não escrevia, Hinata apenas lia alguma das publicações presentes na biblioteca e aquilo fascinava Itachi de um jeito que ele não achava que fosse possível.

De vez em quando Naruto, Shikamaru ou Mikoto, ou os três juntos, faziam companhia ao casal, acrescentando informações úteis para a história. No planejamento de Hinata, cada um teria seu foco mesmo que fosse pequeno, porque cada um tinha seu propósito e sua parte na família Uchiha, sendo um Uchiha ou não. As tardes quando todos participavam se mostraram muito animadas e faziam com que a Hyuuga se sentisse mais acolhida e confortável; não substituia a família ou deixava a jovem com menos saudade de casa, entretanto, era suficiente para aquecer seu coração.

E foi em uma tarde no meio de uma semana calma, depois de já terem escrito mais de dois livros sobre fatos importantes, que Itachi e Hinata se perderam durante uma conversa. Ela gostava muito da personalidade do Uchiha, achava-o divertido, cativante e, com o passar dos dias, a garota vislumbrou o brilho triste nos olhos negros se dissipar e dar espaço a um olhar curioso e tenro. Naquele exato instante, ele contava sobre como eram as festas que sua família dava. Gesticulando animadamente, Itachi recordava boas lembranças.

— Naruto era um excelente dançarino, nenhuma moça presente no baile poderia ir embora sem antes valsar uma música com ele — comentou com olhar distante, como se conseguisse enxergar o homem-candelabro dançando no meio de muitas pessoas.

— Eu nunca fui a um baile — Hinata disse, sonhadora. Ela estava debruçada sobre um dos cadernos, já pelo finalzinho, e apoiava a cabeça sobre os braços.

O Uchiha imediatamente voltou sua atenção para a Hyuuga.

— Nunca? — frisou a palavra.

— Nunca — ela repetiu.

Ele pareceu pensar por alguns segundos e logo abriu um daqueles sorrisos assustadores.

— Me acompanhe. — Não havia espaço para recusas naquela frase.

Hinata se deixou levar por Itachi pelos corredores não mais mal iluminados, pois aos poucos ela o convencera a abrir as cortinas do castelo com a desculpa de que seus olhos doíam muito no escuro. Cada canto de dentro da mansão se transformou e passou a ficar mais chamativo com a claridade natural, ninguém poderia dizer o contrário porque seria mentira.

Desceram para o primeiro andar e pretendiam adentrar por uma das portas que jaziam no fundo do hall, aquelas abaixo dos lances de escadas; passagem que a jovem não tinha desbravado ainda. A grande porta estava emperrada, devido ao fato de estar há muito tempo inutilizada, e Itachi precisou empurrar com o peso do corpo para abrir. Com um baque alto, a fechadura se abriu e as dobradiças rangeram, fazendo a grande fera cambalear para frente.

— Faz muito tempo que não utilizamos esse salão — Itachi justificou o estado do lugar, ainda escuro por não ter velas —, desde muito antes do que aconteceu. — E não havia mais tanta dor em mencionar aquilo, Hinata distinguiu.

— Imagino... — foi tudo o que ela conseguiu dizer em meio aos pensamentos um pouco distantes.

O Uchiha entrou primeiro a fim de descer as escadas que davam em um andar inferior e chegar às cortinas para puxá-las, permitindo boa quantidade de luz a entrar pelas grandes vidraças. O salão era gigantesco e em formato retangular, tinha apenas três colunas de sustentação distribuídas de forma que não atrapalhasse a locomoção de convidados e anfitriões, também permitia boa quantidade de pessoas dançarem sem esbarrarem umas nas outras. Da porta de entrada para chegar ao patamar abaixo, existiam dois lances de escadas: um pela direita e outro pela esquerda, cobertos por um tapete vermelho empoeirado.

Deveriam ter no mínimo dois pares de janelas, que desciam diretamente do teto ao chão de tão grandes que eram, por isso as cortinas se mostraram muito pesadas quando Itachi precisou abri-las. Hinata começou a descer pela direita, encantada demais com o que via — emoção essa que ainda não chegava aos pés do que sentira ao ver a biblioteca iluminada com luz natural.

— Aqui é tão lindo — sussurrou mais para si mesma. — Aposto que os bailes que vocês davam aqui eram espetaculares!

— Pode ter certeza que sim.

A Hyuuga caminhou até Itachi, mais ou menos ao centro do salão e entre duas colunas, rodeando o híbrido enquanto olhava ao redor. Quando Hinata voltou a olhar para Itachi, ele lhe estendia uma mão enorme que, mesmo sendo de uma fera, ela reparou, ainda tinha “almofadinhas” nos dedos como as de um mamífero qualquer. Ela aceitou a mão dele com a sua pequenina e sentiu a aspereza lhe envolver assim que ele fechou os dedos em volta.

— Você me permite essa dança? — perguntou, cavalheiresco.

— Com muito prazer — ela respondeu e sorriu genuinamente.

Pela gigantesca diferença de alturas, Hinata precisou ficar na ponta dos pés e Itachi se curvou ligeiramente para baixo. Ele repousou uma mão na curvatura das costas femininas enquanto Hinata repousava a sua sobre o ombro largo — tendo que esticar bastante os braços para alcançá-lo — e as outras mãos seguravam uma à outra delicadamente. Foi a fera que iniciou os movimentos da dança ao dar um passo suave para a esquerda, fazendo a Hyuuga acompanhá-lo em seguida.

Como aquela era a primeira vez que ela dançava, apenas se deixou guiar por Itachi, que demonstrou ser experiente com aquilo — mesmo depois de tantos anos sem praticar. Ambos deslizaram pelo salão, dando passos curtos por vez e girando em volta de seus próprios corpos com leveza. Eles apenas aproveitavam o momento que tinham sozinhos, em um silêncio suave e nada desconfortável, já que o único som presente era o de seus passos no assoalho.

Hinata não parava de sorrir, pois a valsa trazia sensações únicas, inclusive sem música. Entretanto, a ausência de som não tornava a situação estranha, muito pelo contrário, fazia com que ela prestasse atenção nas passadas de Itachi e aprendesse a dançar sem que outras coisas lhe atrapalhasse. Ela conseguia ver algo diferente nos olhos escuros dele, um brilho de animação e felicidade — detalhes que não havia vislumbrado desde que chegara no castelo.

Encarando com divertimento o rosto animalesco de Itachi, Hinata não sentia medo, ela sentia curiosidade. Como deveriam ser aquelas formas quando ele era humano? Sua pele seria macia como seus pelos brilhosos? Seu nariz seria delicado e arrebitado como o de Mikoto naquele antigo retrato da sala de estar? Itachi seria tão alto como no estado de fera? Porque, olhando para aquele mesmo retrato, não conseguia ter muita noção da altura dele. E seus cabelos seriam tão escuros como os pelos negros? Seriam eles tão macios e brilhosos quanto? Ela tinha tantas perguntas que seriam prontamente respondidas com algumas fotografias… E com a quebra da maldição.

Enquanto sorriam com os olhos um para o outro — e com a boca também, no caso da Hyuuga —, tudo o que Itachi pensava era em tomar muito cuidado para não pisar nos pequeninos pés de Hinata. Cada passo que dava era cuidadoso, leve e muito bem calculado; afinal, não podia errar e acabar com aquele momento tão perfeito que eles tinham construído. Estivera se esforçando tanto durante aquelas duas semanas ao fazer todas as vontades dela, sendo gentil como se lembrava de já ter sido um dia, mostrando a ela as partes mais incríveis do castelo, conhecendo-a aos poucos.

Em suma, Itachi seguia o conselho da mãe de apenas ser ele mesmo na presença de Hinata.

Para finalizar a dança, o Uchiha esticou o braço que segurava a mão feminina e Hinata se afastou com elegância, não parecia que ela nunca tinha ido a algum baile em sua vida. Ela alongou o braço livre e pegou impulso para voltar para perto dele, girando com a ajuda de Itachi em volta de si mesma, como uma bailarina. Ao findar dessa ação, Itachi abraçou-a com carinho, sentindo as batidas aceleradas do coração feminino.

— Isso foi maravilhoso! — ela quebrou o silêncio e ele sorriu.

— Você gostaria de um baile? Um baile formal, digo. — As sobrancelhas dela se ergueram em surpresa e um sorriso se alargou nos lábios carnudos.

— Seria possível fazer um baile? — Itachi afirmou com a cabeça. — Não seria um incômodo?

— De maneira alguma — respondeu gentilmente. — Acredito que vá alegrar os moradores do castelo. Faz muito tempo que nada divertido acontece aqui — finalizou com olhar cabisbaixo, entretanto, nem um pouco triste.

— Oh, então eu ficarei extremamente feliz com um baile… nosso.

Aquele brilho animado voltou às orbes escuras.

— Vou falar com a minha mãe e começaremos os preparativos ainda hoje, o que acha? — perguntou, soltando-a delicadamente do abraço.

— Acho ótimo! — exclamou, juntando as mãos no peito em expectativa.

— Então será isso.

A conversa parecia finalizada e Itachi estava prestes a se encaminhar para as escadas a fim de voltar para a entrada do castelo. Contudo, Hinata ainda tinha suas dúvidas em relação à verdadeira aparência dele e a curiosidade de saber como a fera era de verdade era tanta que não lhe cabia mais. Ela precisava saber…

— Itachi… — ela o chamou, quebrando o silêncio calmo que os rodeava. Ele parou de andar e virou o corpo calmamente. A Hyuuga caminhou até alcançá-lo. — Eu tenho algo para perguntar…

— Pode dizer. — A voz dele saiu gentil e era outro ítem de sua curiosidade: sua voz seria tão grave como era agora?

— Itachi… — Ele inclinou levemente a cabeça para observar Hinata e suas orelhas se ergueram muito atentas. Ela engoliu em seco e disse: — Você me permitiria… ver um retrato seu?

Em qualquer outra ocasião, pelo menos algumas semanas antes, Itachi recusaria com todas as forças mostrar um retrato seu para alguma mulher. Entretanto, naquele instante, ele não queria mais esconder o homem que havia sido até quinze anos atrás. Ao menos não de Hinata. Por sorte, o Uchiha não tinha rasgado, queimado ou arranhado todas as fotografias nas quais estava representado… Não, ainda existia uma.

— Claro, por que não? — ele disse, a pergunta soando mais para si mesmo. Se Itachi queria que ela se apaixonasse, deveria revelar sua verdadeira face, não deveria? — Sobrou uma fotografia minha, se não me engano, do surto que tive após a transformação. — Os olhos claríssimos de Hinata brilharam. — Pode deixar que eu vou procurá-la para você.

— Obrigada. — Ela sorriu timidamente. — É uma curiosidade minha que não conseguia mais guardar, desculpe se isso não lhe fizer bem.

— Está tudo bem. — Itachi subiu a manzorra, que estivera apoiada nas ancas dela minutos antes — era onde desejava estar naquele instante também — e levou ao rosto corado. — Eu não quero esconder nada de você — disse, acariciando-lhe a bochecha com um enorme indicador.

Naquele instante, o coração de Hinata batia como louco dentro do peito dela. Tudo o que estava presenciado deveria ser muito estranho para uma pessoa normal, como dançar com um híbrido de homem com algum tipo de animal — ela não sabia dizer com o que Itachi se parecia naquela forma —; ou conversar com ele sobre seu passado; ou escrever a história da fera. Entretanto, para ela, nada daquilo era estranho mais.

A Hyuuga havia se acostumado tanto à personalidade querida de Itachi que chegou a pensar em como seria fácil se apaixonar por ele… Se Itachi fosse um homem de carne e osso. Porque ela reconhecia a humanidade por trás da carcaça de monstro, mas ainda se mostrava muito grotesco estabelecer uma relação afetiva, amorosamente falando. Por isso que Hinata se concentrava nos gestos carinhosos, na fala mansa, na gentileza dele.

Ela sabia — alguma coisa em seu âmago lhe dizia — que aquele comportamento era muito mais humano e vinha do coração de Uchiha Itachi.

 

Como uma canção…

 


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