Dinastia 2: A Coroa de Espinhos escrita por Isabelle Soares


Capítulo 8
Capítulo 8




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Renesme entrou em seu quarto às pressas, parou diante do espelho e colocou as duas mãos onde sua imagem era refletida. Olhou para si mesma e quase não se reconheceu. Levantou a cabeça pro alto para pegar um pouco mais de ar, sentia-se sufocada, e com um enorme peso nos ombros. Nunca pensara em ser uma rebelde e sair mudando tudo que lhe rodeava. Ela nasceu diante dessas regras, desses protocolos inquebráveis, era isso que ela conhecia como modo de vida e sabia que era esse o seu presente e futuro, por mais que tivesse gostado dos prazeres de uma vida comum lá fora, ela sentia que era uma realidade muito distante. Já tinha entendido que a vida era como um jogo em que as necessidades individuais eram, de forma inevitável, esmagadas pelo bem coletivo.

 Eram em dias de hoje que sentia vontade de largar tudo e gritar. Abriu a boca, mas não saiu nenhum som. Não podia fazer nada que prejudicasse a imagem de sua família. Ela tinha sido bem lembrada sobre isso pelo pai alguns minutos trás.

Edward estava preocupado com o que estavam dizendo sobre a sua família. Mas uma vez Bono Donalson tinha dado mais um tema para discussões na mídia belgã. O príncipe sabia que esse parlamentar queria a todo custo destruir a família real. O problema era que ele tinha muita lábia, pegava os pontos certos e falava exatamente o que ele sabia que as pessoas queriam ouvir. Isso estava saindo fora do controle. Agora o seu pai e todos no seu núcleo familiar estavam sendo cobrados a participar mais dos compromissos oficiais.

Ainda mais depois que começaram a circular fotos de Antony, claramente bêbado com amigos, tocando num bar. Nenhuma novidade. Seu irmão adorava curtir a vida da maneira como queria e sem ter muitas perspectivas. Seu pai e a instituição monárquica cobravam deles mais aparições públicas, mas trabalhos fora do palácio para “justificar os gastos com o fundo real”. Entendia que precisava ser vista. Precisava mostrar para os outros o quanto trabalhava, pois nada adiantaria se não aparecesse lá fora e desse tchauzinho para o povo que os aguardavam. Ela estava mesmo era cansada demais de toda essa cobrança, de todo esse peso que ela não sabia como segurar.

A princesa nem sabia desde de quanto tempo tinham várias pessoas ao seu redor dizendo para ela o que vestir, o que dizer, como falar, como viver. Ela sentia que cada vez mais estava sendo engolida por esse sistema. Não podia culpar Antony pelo seu modo descomprometido de viver. O palácio era sufocante demais! Mas o que ela poderia fazer? O seu destino era ser a rainha de Belgonia desde antes dela se quer saber o que era isso e nada poderia mudar.

Olhou para o espelho novamente e pensou em Tom e viu um brilho diferente sair de seus olhos. Por um minuto queria poder conversar com ele longe dali e fingir que era uma pessoa normal. Se culpava pelo seu drama. Por que ela não conseguia aceitar tudo e seguir em frente? Um dia todos acabariam se cansando dela, até Tom. Será que ele a aguentaria por alguns minutos? Resolveu tentar.

Saiu do quarto na mesma velocidade que entrou, se segurava para não chorar na frente dos empregados enquanto andava pelos corredores do palácio. Se uma coisa tinha aprendido, era não transparecer o que sentia. Uma rainha não podia ser frágil! Como podiam confiar numa pessoa que nem mesmo sabia resolver os seus próprios problemas?

Ela esfregou os olhos e continuou andando pela ala dos funcionários. Precisava sair um pouco do palácio. Se libertar dessas amarras, desses muros altos e solitários e para isso precisava de Tom ao seu lado. Continuou andando até parar em frente a kit net do seu segurança e ficou olhando para a porta. Não sabia se batia ou se deixava pra lá. Ela tinha dado essa folga a ele e não era justo tirá-la agora. Mas ela sabia que não podia ficar mais nenhum minuto ali.

Olhou para a porta mais uma vez e resolveu bater. Alguns instantes depois, Tom apareceu do outro lado. A princesa sentiu uma alegria tão grande ao vê-lo que parecia até proibido. Olhou para baixo e viu que ele estava lendo a sua cópia de “O Chamado do Cuco”. Isso a fez, por um segundo, esquecer todos os problemas.

— Aconteceu alguma coisa, alteza? – Tom perguntou preocupado. Não era comum um membro da família real vir procurar os seus funcionários diretamente.

— Preciso sair um pouco Tom. Mas vejo que estou atrapalhando a sua leitura e então...

— Sem problemas, princesa. Meu dever é servi-la.

— Obrigada Tom.

— Você só espera alguns segundos? Preciso me trocar.

— Tudo bem.

Renesme se encostou na parede e esperou. Tom fechou a porta e colocou o livro na cômoda e começou a se vestir. Não podia deixar de pensar na cara da princesa. Ela parecia nada bem, isso explicava bem o motivo dela ter quebrado os protocolos e vindo procurá-lo. Também não deixava de pensar o quanto ela o intrigava. Quando começou a trabalhar para o palácio, tinha prometido a si mesmo que não se importaria com nada ao seu redor. Faria o que tinha que fazer e ponto final. Mas a princesa o intrigava mais do que ele queria.

Desde o primeiro momento que pôs os olhos nela sabia que tinha algo errado. Ela o chamava, fazia despertar todas as atenções para ela, porém, por um outro lado, ela se afastava. Parecia um cachorrinho encurralado. Era insegura, mesmo estando num patamar tão alto. Como se ela procurasse ao máximo se descobrir e provar o seu valor, mas sem saber muito como agir.

Quando ele abriu a porta a viu encolhida encostada no corredor e com os olhos um pouco vermelhos. Alguma coisa tinha acontecido, mas o que? Não posso me meter nisso, meu trabalho é outro, pensou. Mas o que fazer com essa imensa vontade de abraçá-la? Era um verdadeiro absurdo!

— Vamos?

— Vamos.

Ambos seguiram silenciosos até o carro. A princesa entrou no lado do motorista e Tom entendeu que o programa seria mais intimista. O segurança entrou no lado do carona e se deixou ser conduzido pela sua patroa pelas ruas da cidade.

— Lamento ter que tirar a sua folga.

— Sem problemas! Meu dever é servi-la.

Renesme olhou para Tom com um leve sorriso e continuou dirigindo em silêncio até estacionar o carro em frente ao estúdio de balé que fez muito parte de sua vida durante a sua infância. Tom a olhou surpreso. Não sabia que iriam parar num lugar como aquele.

— Não estamos indo a nenhum lugar ilícito disfarçado, não é?

Renesme gargalhou e tocou o ombro do seu segurança para acalmá-lo. Ela até já se sentia mais aliviada.

— Não se preocupe Tom. Eu não tenho permissão para fazer coisas ilícitas. E elas não se encaixariam nessa categoria com você ao meu lado.

A princesa bateu de olho para Tom e os dois seguiram para dentro do estúdio. A medida que iam entrando, ele percebeu que não estava mesmo abandonado, como ele pensara inicialmente, tudo estava bem organizado. Mas aparentemente, hoje não era um dia para aulas.

— Aqui é um estúdio de dança. Fiz muitas aulas aqui quando criança e ele foi vendido para uma amiga minha. Ela me empresta a chave para eu vir aqui de vez em quando.

— Isso é mesmo uma surpresa.

— Sabe muito pouco sobre mim, Tom.

— Se me permite dizer, senhorita, muitos também não sabem que você é.

Renesme olhou para baixo por alguns segundos e se lembrou da reunião que teve com a sua família nessa manhã e balançou a cabeça para tentar não ficar pensando nisso. Ela se dirigiu ao salão e conectou o celular na caixa de som. Alguns instantes depois saiu o som de “Flashdance” a todo volume. Tom observava da porta a princesa se alongar e depois a desenvolver alguns passos.

Ao contrário do que ele pensava, ela dançava muito bem. Tinha o equilíbrio e o timing perfeito em seus passos para acompanhar o ritmo da música. Tinha que admitir que a mulher em sua frente era mesmo surpreendente.

Renesme tentava se lembrar de alguns passos que tinha aprendido na Itália para esse tipo de música, mas no final resolveu se deixar levar pelas sensações do seu corpo e deixar todo o seus problemas saírem de dentro dela junto com o suor. Por fim, já se sentia mais leve e solta. Virou-se e deu o passo final e viu que Tom a olhava com interesse. Ela sorriu com a cara de surpresa dele.

— Eu não posso acreditar que eu consegui surpreender você. O que é um verdadeiro trunfo já que me disse que não se surpreende com facilidade.

— Se me permite fazer esse comentário, princesa, mas você dança realmente bem.

A Renesme corou e procurou ir ao bebedouro para que ele não visse o quanto ela tinha ficado lisonjeada com esse comentário.

— Obrigada. – respondeu após alguns segundos. - Eu sempre gostei muito de dançar. 

— Dançar é uma arte para poucos, madame.

— Não acho. Com um pouco de força de vontade e prática você consegue chegar lá. Eu mesma comecei fazendo balé quando eu era criança, mas só fui aprender mesmo quando entrei para um curso de dança moderna quando estive na Itália. Prática e mais prática leva a perfeição.

— Está chegando a esse nível, princesa. – elogiou.

— Você é muito gentil, Tom. Mas estou longe disso. E você? Não quer me acompanhar?

— Acho que não devo fazer isso, senhorita.

— Por que não? Eu não sou nenhuma atração para ficar sendo apenas observada. Me acompanhe em uma canção, por favor.

— Eu não sou um bom dançarino.

— Eu te ensino.

Renesme virou-se para o celular e pôs “The time of my life” para tocar. Ela estendeu a mão para Tom e ele sorriu ao ouvir qual música ela tinha escolhido para eles dançarem. Ele hesitou um pouco e ela balançou a cabeça o chamando. Então, o segurança resolveu entrar na onda, tirou o blazer do paletó e pegou a mão dela.

— Você gosta muito de clássicos, não é?

— São os melhores!

— E escolheu o mais difícil para um pobre principiante como eu.

— Não precisamos seguir os mesmos passos do filme. Apenas precisamos seguir o ritmo.

Renesme o conduziu a dança e ia o ensinando alguns passos. Nesse meio tempo houve muitas gargalhadas, mas podia ver o quanto ele estava comprometido em não fazer tão feio na frente dela. A princesa não podia desviar também o olhar daqueles belos olhos azuis cristalinos a observá-la também. Mais uma vez sentiu o quanto eles eram hipnotizantes, tanto que ela não conseguia se concentrar direito e no final os dois dançavam bagunçados e ao seu modo. No último passo, os seus corpos se uniram de repente ao som final dos acordes da canção. Ambos se olhavam quando as luzes se apagaram no ambiente. Renesme se assustou e o abraçou, Tom a recebeu sem saber como reagir aquilo.

— O que está acontecendo? – perguntou ela.

O segurança a deixou por alguns segundos e olhou pela janela. Tudo estava escuro lá fora. Parecia que toda a rede de energia tinha sido cortada.

— Acho que foi uma pane elétrica. Devemos ficar aqui por enquanto até que tudo se resolva. É mais seguro.

Renesme então se sentou no chão e pegou o seu celular, acendendo a lanterna. Tom fez o mesmo e ficou de frente para a princesa.

— Ainda bem que temos carga o suficiente para ficarmos com essas lanternas.

Ela não pode deixar de imaginar o quanto aquela situação era diferente. Ambos estavam ali, no escuro e sozinhos... Não podia negar também o quanto esse cara em sua frente despertava nela muitas perguntas curiosas. Ele tinha aquele mesmo tom misterioso de antes e isso a atraia de alguma forma.

— Posso lhe fazer uma pergunta? – iniciou.

Tom a olhou seriamente e analisou o quanto ele podia responder o que ela quisesse perguntar.

— Depende da pergunta. Mas como você é a minha patroa, deixo você me fazer apenas uma.

— Nossa! Que mistério! Devo dizer que isso me deixa mais curiosa.

— Não é um mistério. Mas acho que a minha vida não interessaria a alguém como você.

— Pelo contrário. Outro dia você falou com tanta intensidade sobre a situação de Clarence... Você nasceu lá?

— Sim e minha família ainda mora por lá.

— Então, é por isso que entende bem o que está acontecendo agora.

— Não é preciso ser de Clarence para entender o caos que estamos vivendo. Talvez esse blecaute de agora seja uma consequência disso.

— Sim, talvez. Me sinto uma derrotada diante desse seu comentário.

— Esse é o problema, princesa. Devia conhecer melhor e mais de perto o sofrimento das pessoas que sustentam você.

Renesme sentiu como uma facada a entrar. Mas não podia negar o que ele disse. Pois esse era exatamente o seu problema, a falta de contato com o que a cercava.

— Talvez esse seja mesmo o meu erro.

Enquanto isso no palácio estava Edward andando de um lado para o outro. Bella estava preocupada do seu lado. Renesme tinha saindo e ninguém sabia de seu paradeiro. A aflição dentro do palácio era palpável. Até que Carlisle entrou junto com o seu secretário com mais notícias sobre o acontecido. Suas expressões não eram boas.

— O que houve, pai? Conseguiram descobrir o que aconteceu?

— O pior, meu filho.

— O blecaute foi em decorrência ao que está acontecendo nas regiões mineiras. – respondeu Antony, o secretário. – As usinas estão com um saldo mínimo de matéria prima e não conseguem produzir energia o suficiente.

Edward colocou a mão na testa e deixou-se cair derrotado na poltrona ao seu lado.

— Como podemos chegar a esse ponto me digam? É fim de Belgonia!

— E Renesme? Conseguiram descobrir alguma coisa sobre ela? – perguntou Bella aflita.

— Não senhora. – respondeu o secretário. – Sabemos apenas que ela saiu junto com o Thomas, o seu segurança.

— Menos mal.

— Temos que fazer alguma coisa para resolver isso!

— O que sabemos é que está havendo um tumulto no centro. Alguns grupos estão se rebelando e descumprindo a ordem de recolhimento.

— A polícia está lá pelo menos? – perguntou Edward com a voz cada vez mais alta.

— Controle-se filho. – pediu Carlisle. – A polícia já está lá e entramos em contato com o primeiro ministro. Já fizemos o que podíamos fazer.

Edward respirou fundo preocupado. Não podia deixar que as coisas continuassem assim. Lamentava muito o fato de não ter tantos poderes assim. Era revoltante ter um cargo tão alto e não poder fazer o melhor pelo seu povo, fazer tudo que ele estudou e se preparou por anos para pôr em ação. Era triste pegar um país a ruína para chefiar e muito pouco poder fazer a respeito.

Do lado de fora, os policiais tentavam controlar a fúria das pessoas nas ruas. Cada vez mais o grupo de pessoas revoltadas aumentava. Elas gritavam, ateavam fogo nos carros parados e quebravam lojas. O cenário era de puro terror!

— Voltem para as suas casas! Dispersem-se calmamente! – gritava um policial no megafone.

As pessoas continuavam gritando. Até que surgiu repentinamente um carro preto parando entre a multidão. Desceu dele Bono Donalson para a surpresa de todos ao redor. Em seu semblante estava um sorriso ardente, como se não houvesse problema algum. As pessoas olhavam ele subir na barricada e pegar o megafone do policial com muita atenção e surpresa. Ele olhou para todos do alto e falou como um vitorioso, numa voz tão pacifica que mal se podia acreditar.

— Como político dessa nação peço aos policiais a recuarem. O nosso povo não pode ser ameaçado e aterrorizado! Que o dia de hoje signifique o fim do reinado e do governo daqueles que nada fazem por nós.

Alguns olhavam ainda atônitos para Bono e outras começavam a filmar. Era exatamente isso que ele queria. Quanto mais mídia e ouvidos para lhe ouvir era melhor para ele e para a sua sonhada candidatura. O deputado não escondia o seu orgulho por estar falando daquela forma para o povo a sua volta. Se sentia grande e poderoso.

— Juntos, nos reergueremos e uniremos forças!

— Sim! – alguns começavam a gritar.

— Vamos acabar com aqueles que querem nos acabar!

— Sim! – continuavam a gritar.

Bono olhou ao seu redor e soube com certeza que tudo estava prestes a mudar.


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