Dinastia 2: A Coroa de Espinhos escrita por Isabelle Soares


Capítulo 7
Capítulo 7




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Março de 2044

“Estamos aqui nesse momento em contato com o economista Robert Karnal para explicar um pouco do que está acontecendo em Belgonia atualmente.

— Bom dia, Robert! É um prazer tê-lo aqui no nosso programa. Podemos dizer que estamos vivendo a maior crise econômica vivida pelo nosso país desde a sua existência?

— Bom dia, Jonh! Ainda estamos longe de ver o fim dessa história para afirmar tal coisa, mas podemos dizer que está sendo pior do que poderíamos ter previsto anos atrás?

— Como assim?

— Desde o princípio, a maior fonte de renda de Belgonia são as minas com a produção de metais preciosos, carvão, calcário e outras matérias primas para a metalúrgica. E todos nós sabemos que são materiais não renováveis, mas ninguém poderia supor que a dependência desse negócio lucrativo não seria tão grande hoje a ponto de causar um colapso na economia local, das cidades mineiras, e do país como um todo.

— Você atribui ao governo à culpa de não saber contornar essa triste realidade bem antes da crise?

— Em parte apenas. Durante o reinado do rei Pierino, por exemplo, um dos projetos que ele mais apoiava junto aos ministros que passaram por aquele período era o investimento na indústria. O que foi muito promissor, apesar de a maioria das indústrias belgãs ainda serem de base, ou seja, para produzir produtos para o consumo interno e essencial, como sapatos, roupas, e alimentos. Se hoje uma das nossas bases de sustentação é justamente a indústria foi por causa desse investimento. Já no período do Rei Carlisle houve uma atenção maior para agricultura e as tecnologias para uma nova sustentação econômica do país. Mas nunca houve realmente um plano muito bom para tirar os donos das minas e todos os envolvidos de investirem só nesse ramo e nem preparo dos trabalhadores para buscar outras áreas no mercado de trabalho.

 - Era o vício do lucro fácil.

— Com certeza, além de ser o tradicional. Por anos o maior lucro de Belgonia eram as minas. É muito difícil para quem ganha rios de dinheiro facilmente deixar um negócio assim. Ninguém queria acreditar que um dia isso iria acabar. E pros trabalhadores era muito mais fácil e natural ir trabalhar nessas minas. Pra você ter uma ideia, mesmo com todos os cursos técnicos existentes para capacitação em outras áreas, nunca houve um interesse real dos habitantes das cidades mineiras de terem outra formação.

— E isso explica a tamanha falta de trabalho nessa região.

— Sim. A situação de Clarence, por exemplo, anda tão grave que algumas famílias de mineradores estão passando fome! É necessário uma ação urgente para solucionar o problema. Mas é aquela coisa, não adianta dá só o peixe, tem que ensinar a pescar.

— Estamos falando do problema de Clarence e de outras cidades que dependem das minas, mas estamos vendo uma onda de desemprego enorme em todo país. Aqui em Belgravia, por exemplo, temos um terço da população desempregada ou vivendo de bicos. Isso é somente uma consequência da crise das minas?

— Não. Obviamente que isso contribui. Se não temos matéria prima para as indústrias, elas não vão produzir, em consequência não vão ter o que exportar e vender. E acaba gerando a falência de muitas delas. Porém, temos que ver que a situação mundial também não está boa. Temos uma crise na união europeia que vem se estendendo por anos. Não estamos conseguindo gerar muitos lucros com as vendas externas também.”.

Edward fechou a televisão com raiva e bateu na mesa, causando um espanto em todos aqueles que estavam ao seu lado. Era inadmissível que por tantos anos nunca tenham conseguido resolver o problema das minas no país. Tinha raiva pela situação ter chegado a esse ponto. Ele mesmo se sentia um pouco culpado. Por anos, essa foi uma das coisas que mais ele tentou lutar para mudar. Tinha vários projetos ambientais para ajudar a preservar a região. Também apoiava o uso de tecnologias para a substituição dessas matérias primas e o incentivo do uso de alternativas e fontes renováveis. Mas tinha falhado como todos aqueles que estavam em sua frente agora.

— Diante do que acabamos de ver, está mais que claro que falhamos e que temos que corrigir esse erro já! – falou ele com um tom ainda mais nervoso.

— Por anos, filho, tentamos criar alternativas. Mas nós nunca conseguimos desviar o interesse das minas. – explicou Carlisle.

— As tentativas não foram mesmo o suficiente. Me dói saber que deixamos a situação chegar a ter pessoas pedido esmolas nas ruas por que não tem dinheiro nem para comer!

— Estamos enviando um auxílio emergencial para as cidades mineiras. – anunciou o primeiro ministro.

— É o mínimo que podemos fazer agora, porém temos que ter um plano infalível para corrigir de vez esse problema. Mentes têm que começar a trabalhar!

— Não vai ser assim tão fácil, alteza. Ainda temos o problema da crise europeia que está nos servindo como um belo empate.

— Eu sei. Não estou dizendo que vai ser fácil. Temos duas linhas de frente completamente contaminadas, mas temos que ter outras alternativas. Eu não acredito que não existam outras saídas.

— Podemos investir mais nos nossos produtos, principalmente os agrícolas. – sugeriu Emmett. – A nossa soja é uma das melhores do mundo! Podemos encontrar novos mercados na Ásia.

— É uma solução.

— Temos que chegar num meio de aumentar o mercado de trabalho. Acredito que abrindo espaço para empresas estrangeiras e investir nas que já existem pode ser um meio de nos segurarmos pelo menos até a crise lá fora acabar. – indicou Carlisle.

— É uma outra saída. Planos existem. Belgonia não é um país fraco. Podemos andar com as nossas pernas. Mas essa vai ter que ser uma tarefa do seu governo, caro primeiro ministro. E um trabalho de total prioridade. Devo lembrá-lo que em breve teremos eleições para o seu cargo e o senhor não quer ser lembrado como um governo que não soube controlar a crise, não é?

O primeiro ministro se contorceu em sua cadeira e passou a mão em sua têmpora. Esse problema das minas já estava lhe custando todo o estresse acumulado durante toda a sua vida. Odiava o fato do príncipe falar com ele nesse tom. Isso nunca tinha acontecido com o pai dele. O que ele achava que era? A monarquia não tem esse poder todo que ele estava achando, não. Ele ainda era o chefe do executivo e merecia respeito.

— Quero lembrá-lo também que essa eleição também importa para a família real. Tenho certeza que o Boni Donalson e suas ideias republicanas quer manter vocês bem longe.

— Isso não está em questão no momento. A monarquia é uma instituição sagrada e neutra. Não podemos apoiar nenhum partido.

— Mesmo assim. Vocês estão na berlinda também. Acho que está na hora de vocês agirem mais no quesito filantrópico e nas distrações.

— Distrações? O que isso tem haver?

— O povo quer ter esperança e ter certeza que tudo está bem. Não vejo uma distração melhor do que o casamento da princesa real, por exemplo.

— Minha filha não tem intenção de se casar agora.

— Mas deveria ter, não é? A monarquia precisa de herdeiros para se manter firme. Não quer deixar a instituição a margem de ser quebrada facilmente por homens como Donalson, quer?

Edward se sentou pensativo. Não tinha respostas para esse comentário. O casamento de Renesme era o seu calcanhar de Aquiles. Sabia que era um problema sério, mas não queria chegar ao ponto de interferir na vida pessoal de sua filha. Mas não podia negar que esse fato o incomodava demais.

— Esse não é o nosso problema agora. Temos coisas mais importantes para resolver. Acho que essa reunião já deu o que tinha que dar. Caro ministro, cabe ao senhor e sua equipe trabalhar em todas as soluções para contornar essa crise.

Edward levantou-se e nem esperou que o seu pai fizesse isso primeiro e saiu rapidamente da sala. Sua cabeça explodia. Precisava se acalmar e se distrair um pouco. Entrou na sala de música e se serviu de uma dose de whisky.

Há dias, ele vinha pensando na situação do país. Era de partir o coração ver tanta miséria em volta e tanta falta de esperança sobrevoando o teto do palácio. Se sentia culpado por ter tanto e muitos lá fora não terem quase nada. Se sentia terrível por não poder agir na linha de frente e fazer mais pelo seu povo. Infelizmente, os poderes da família real eram limitados pelo parlamento. A sua função na prática era mais simbólica do que real.

Fora isso, tinha esse problema de Renesme. Jamais pensou que um dia iria ter noites mal dormidas por que sua filha tinha problemas com relacionamentos. Ele mais do que ninguém queria que ela fosse feliz. Queria que ela encontrasse alguém que a amasse e a deixasse plena como Bella fazia com ele. Mas tinha que admitir que o amor era mais sorte do que escolha. A monarquia não podia depender dum bilhete premiado parar nas mãos de Renesme.

— Edward.

O príncipe virou-se e viu a sua mãe entrar na sala e se aproximar dele.

— Devo dizer que o Boris tem razão, querido.

Edward colocou o copo em cima do bar e virou-se de costas para ela.

— Temos coisas mais importantes no momento para nos preocuparmos.

— Será mesmo? É nos momentos de crise que a monarquia mais se abala. Pense bem, estamos em pleno século XXI, 2044, não acha que nós não estamos durando tempo demais? Acredite, não é por sorte.

Edward virou-se e começou a dar voltas pela sala. Só faltava essa, sua mãe querer lhe pressionar com algo que estava fora de seu controle.

— Esse é um problema de Renesme, mãe. Nós não temos direito de interferir na vida dela. Veja o que papai passou com o pai dele quando ele a conheceu. Não podemos cometer esse erro de novo.

— Eu sei querido, mas era uma situação diferente. Renesme já está com mais de trinta anos. Ela não tem mais muito tempo até não conseguir mais engravidar. O tempo não perdoa para as mulheres, querido.

— Mãe, por favor. Isso é desagradável!

— Temos que pensar além disso, filho. Eu andei conversando com Renesme um dia desses e descobri que o problema dela é mais sério do que imaginava. Aquele garoto deixou muitas marcas nela.

— Mas ela vai superar. Tenho certeza absoluta disso!

— Não podemos esperar por isso, querido.

— E o que quer eu faça? – perguntou ele exaltado. - Eu e você sabemos o que é um casamento feliz e por amor. Não posso forçar a minha filha a se casar com alguém que ela não ama e que sofra durante toda a sua vida por causa disso.

Esme tocou os ombros de Edward e os massageou. Podia sentir a tensão em seu filho em cada músculo dele.

— O dever de cada membro da realeza é fazer de tudo para que ela se mantenha firme. O dever deve vir antes de qualquer coisa, você sabe disso melhor do que ninguém. Porém, eu concordo com o fato de que não podemos deixar a nossa garota amargurada. Acredito que tem uma solução bem simples para esse problema.

Edward virou-se e olhou com firmeza para a mãe. Sabia que a cabeça dela estava maquinando mil planos. Sua mãe era um mel de doçura por fora, mas por dentro era dura feito pedra.

— Você já tem um plano, não é?

— Eu andei pensando que podemos apresentar outros rapazes para ela. Tenho certeza que temos partidos ótimos em Belgonia que possam agradá-la.

— E você irá convidar os melhores para uma festa, como a da primavera. Mãe, minha filha não é uma mercadoria de troca.

— Ela não é. Eles são. – Esme sorriu. – Eu também fiz um convite especial para o príncipe Alec de Volterra para uma visita. Eles têm quase a mesma idade e acho que podem se dar bem.

— Volterra? Filho de Aro? Sério, mãe?

— Por que não? Seria uma união brilhante!

— Aro é um saco! É um imbecil dominador!

— Mais o filho dele pode não ser.

Edward olhou com uma expressão desagradável para a mãe, duvidando muito que Alec ou qualquer outro filho de Aro não pudesse ser um exibido e insuportável como o pai.

— Edward.

— Ok. – Edward suspirou e disse por fim. – Você pode convidar os garotos que quiser para qualquer festa que quiser. Mas você vai deixá-la escolher por conta própria, sem interferir em nada, ok?

Esme foi até ele e começou a ajeitar a gravata do filho.

— Essa é a intenção, querido. Mas não custa nada você e Bella a incentivarem a se abrir mais para o amor. – Esme disse por fim, batendo de leve na bochecha do filho.

Edward olhou bem para Esme e resolveu não lhe dar nenhuma resposta. Deixou a sala para ir se preparar para o seu próprio compromisso. Esme observava o filho se distanciar com um sorriso maroto no rosto.

Renesme olhava pela janela do carro a paisagem se modificar drasticamente. Mesmo que conhecesse todos os lugares de Belgravia, ainda se surpreendia como a cidade tomava formas muito diferenciadas. Como se houvessem várias cidades dentro de uma só.

Olhar para o lado de fora a distraia um pouco de todas as emoções que tomavam o seu corpo, daquele velho embrulho que dava em seu estomago quando tinha que comparecer a compromissos fora do palácio. Nem ela entendia por que ainda não tinha conseguido superar a sua velha timidez. Tinha rodado por vários lugares no mundo, conviveu com várias pessoas e ainda tinha aquela sensação chata de insegurança dentro de si.

Bella tocou a mão um pouco gélida da filha, chamando a atenção dela para si. Renesme olhou para a sua mãe ao seu lado e viu o semblante vitorioso em seu rosto. Nunca tinha visto sua mãe tão segura e confiante antes. Acreditava que esse plano de reviravolta que ela havia criado a tinha dado mais gás em sua vida. Não podia deixar de negar que estava preocupada com o que diriam dessa visita que iriam fazer agora. Bella por dias pensou em como iria ser o momento em que ela pisaria os pés na escola criada pela fundação Multicores, que tinha prometido conhecer alguns dias antes.

A princípio, ela pensou em ir anonimamente, conhecer o local, conversar com o pessoal e ajudar como pudesse, porém pensou que ajudaria bem mais se fosse como um compromisso oficial. Ela, assim como muitos, tinha os seus preconceitos e conhecia muito pouco da vida daqueles que faziam parte da comunidade LGBTQUIA+. Então, o mais certo seria chegar como uma duquesa junto com a imprensa e chamar toda atenção possível para essa realidade desprezada por muitos. Seria algo como se ela e toda a população de Belgonia tivesse abrindo as suas mentes e conhecendo algo novo pela primeira vez.

Uma vez decidido isso em sua cabeça, era hora de contar os seus planos para a sua equipe. Jamais ela se esqueceria da cara de Emily, a sua secretária, quando abriu o jogo com detalhes sobre a sua nova empreitada.

— Isso é uma loucura, alteza! Você sabe que nunca vão aprovar essa suas iniciativas. Devo lembrar que assuntos ligados à comunidade gay estão muito em pauta politicamente no momento e a família real não deve interferir quando isso acontece. Pode deixar a entender que estamos apoiando algum lado ou outro.

— Comunidade LGBTQUIA+, Emily. Eu sei bem qual é a opinião das pessoas que trabalham aqui sobre determinados assuntos. Mas quero deixar claro que não quero falar sobre política. Eu não tenho partido como nenhum membro da família real, porém, acredito que devemos continuar levantando o legado que o rei construiu desde de quando ele era príncipe. Tenho certeza que nenhuma das suas majestades tiveram medo de apoiar causas justas e ajudar a quem precisa não importa quem.

— Eu sei bem a trajetória deles, sua alteza real. Porém, eles nunca foram tão longe. A família real deve seguir certos princípios. Todos vocês são católicos e devem seguir na cartilha da religião. Todos sabemos que a Igreja Católica nunca apoiou os relacionamentos homossexuais.

— Emily, nunca vi você tão retrógrada! Eu entendo tudo isso. Já vivi anos demais na realeza para saber o quanto as regras são conservadoras por aqui. Porém, estamos no século XXI e devemos mudar com o tempo se quisermos continuar existindo.

— Entenda, alteza, não estou contra você ou ninguém. Acho sim que é uma causa nobre, mas sabemos como funciona as coisas por aqui.

— Eu sei como funciona. Mas devo lembrá-los que todos vocês trabalham para o meu escritório e do meu marido. Eu quero que ajudem e trabalhem para a duquesa no momento. Eu falarei por mim nessa causa e me responsabilizarei sozinha pelo que acontecer.

— Você sempre irá representar o rei em compromissos oficiais.

— Mas é em prol dele que estou fazendo isso. Pode parecer estranho agora, mas as pessoas vão compreender o que estou fazendo e vão apoiar ainda mais a monarquia.

— E como irá conseguir recursos financeiros para o que está pretendendo fazer? Mesmo que a gente concorde e a apoie, será difícil conseguir alguma liberação do pessoal do financeiro.

— Eu conseguirei pelos meus próprios meios, não se preocupem.

Emily balançou a cabeça um pouco e olhou para todos os outros que trabalhavam com ela. Todos eles estavam abalados com tudo que ouviram também, mas certamente não iriam contra o que a duquesa pedisse. Ela sinceramente achava perigosa essa iniciativa, mas ao mesmo tempo confiava no sexto sentido de sua patroa.

— Ok. Por mim, você terá toda ajuda profissional que precisar. Porém, quero que me prometa não passar dos limites que temos que obedecer.

— Eu prometo.

E foi dessa forma que Bella conseguiu o pacote completo para essa visita a escola da fundação e estava muito contente por ter dado certo. Estava tudo tão perfeito! Ela mesma podia disfarçar a sua euforia com a desculpa de que era algo que ela costumava fazer sempre, afinal, a educação sempre fora a sua área de interesse. Não havia nada de polêmico nisso.

— Eu sei o que está pensando. – disse Bella para a filha ao lado.

— Eu não estou pensando nada.

— Eu te conheço mais do que qualquer pessoa, Renesme. Você também não está totalmente de acordo com essa visita.

— Não é isso. Eu realmente acho que o que está planejando é louvável tanto que aceitei vir com você.

— Mas...

— Acho que deve ser cautelosa. Não queremos chamar atenção para nós com base em polêmicas. Esse não é o nosso objetivo e eu sinto que quer por muita lenha na fogueira.

— Você é exatamente como o seu pai. Engraçado isso! Você é uma Cullen pura! Apoia grandes causas, mas não move nenhuma palha para mudar nada. Espero pelo menos que Antony seja um pouco mais de Swan para eu não sair perdendo nessa história.

Renesme sorriu de leve e revirou os olhos.

— Isso é por conta da nossa posição. – explicou. - Faz parte do nosso principio básico de sobrevivência...

— Não se intrometa na briga alheia.

— Parecido com isso.

— Você convive demais com esse bando de urubus de terno que trabalham no palácio. Foi muito bom mesmo ter aceitado vir comigo. Um pouco de vida real não vai lhe fazer mal.

Renesme balançou a cabeça e voltou a sua atenção para a janela novamente. Ao avistar os fotógrafos com os seus flashes, registrando a chegada delas, sentiu arrepios. Bella ao perceber isso, acariciou o ombro da filha para confortá-la.

— Não tema, querida. São apenas pessoas como você. Nosso povo. Eles não querem o seu mal, apenas a sua ajuda e respeito.

Ela assentiu para a mãe e desceu com ela do carro, encarando todos com as mãos gélidas de nervosismo. Bella seguiu para dentro do recinto acompanhada da princesa sem dar atenção aos inúmeros fotógrafos presentes. Queria que eles estivessem lá, mas não queria dar palco total para eles. Ambas foram recebidas por Elton, o fundador da fundação Multicores, pela qual a duquesa já havia entrado em contato antes.

Renesme seguia a mãe bem atrás dela e sem dar muitas palavras. Olhou para trás e viu Tom junto com o segurança de sua mãe só a observando e a seguindo. Ela olhou para os lados observou o estilo da escola e sentiu uma energia diferente. Tudo era muito colorido. Também tinha um ar muito natural pouco visto em escolas. Haviam várias crianças brincando por todos os lados e jovens pintando, escrevendo ou conversando. Era algo realmente que ela não esperava ver.

— Tudo é tão diferente por aqui. Mal vejo o estilo de uma escola comum. – afirmou Bella a Elton.

— Não queremos ser tradicionais. Temos a liberdade como objetivo. Ensinamos as disciplinas básicas é claro, mas deixamos que as crianças e os jovens que aqui estudam tenham liberdade de encontrar os seus próprios desejos e vocações. Se eles se sentem a vontade com as artes, assim terão espaço para desenvolvê-las e o mesmo acontece com as outras áreas também.

— Que interessante! Eu sempre quis saber se esse formato de educação dava mesmo certo.

— Está dando. Estamos há quatro anos nessa escola e temos conseguido bastantes êxitos.

— Isso é muito legal! E qual é a parte que a comunidade LGBTQUIA+ é contemplada?

— Todos os alunos aqui são trans, gays ou lésbicas. Mesmo muito jovens, eles já desenvolvem sua identidade de gênero e passam por preconceitos. Nós abrimos espaço para eles serem felizes e se desenvolverem naturalmente aqui.

— E não acha que assim, afastados dos outros, eles não vão se sentir ainda mais a margem?

— Não. Queremos que eles tenham equilíbrio e se reconheçam. Por que o principal erro do preconceito é a falta de reconhecimento do diferente. É necessário que eles entendam que não são anormais e nem que estão errando e assim vão saber enfrentar o mundo lá fora.

— Compreendo.

Bella seguiu com Elton para conhecer o restante do recinto, deixando Renesme para trás. Ela ficou parada no salão principal apenas observando o ambiente até ser interrompida por uma garotinha.

— Você é mesmo uma princesa?

Renesme sorriu para ela e se abaixou para ficar na altura dela.

— Sim, eu sou.

— Legal! Posso desenhar você?

— Claro! Você sabe desenhar?

— Sei, mais ainda estou aprendendo um pouco mais.

A menina sentou-se ao lado da princesa e começou a rabiscar as primeiras linhas. Renesme observava encantada o desempenho dela. Aos poucos os rabiscos se transformavam em formas bem feitas e a princesa sentiu um doce sabor de nostalgia ao lembrar de que ela nessa mesma idade também tinha talento para as artes.

— Eu também desenho, sabia?

— É mesmo? Quando começou?

— Quando eu era pequena, que nem você. Eu sempre me senti muito a vontade rabiscando no papel e vendo as imagens da minha cabeça ganhar forma. É libertador!

— Minha mãe me diz que os meus desenhos são uma imagem do mundo que eu quero que exista.

— Acho que pode ser isso mesmo. A arte é uma forma da gente poder expressar os nossos desejos mais profundos.

— Eu sempre quis ser menina, sabe? Mas eu nasci menino. Porém, quando eu desenho tudo que eu desejo vira realidade.

— Mas você pode transformar esse seu desejo em realidade. Não precisa estar só no papel.

— Eu sei. Estou tentando.

A garotinha terminou de desenhar o rosto de Renesme e a mostrou. A princesa ficou maravilhada com o talento dela. Ela tinha desenhando tão bem e tão rápido! Era realmente uma artista mirim.

— Ficou muito parecido. – Renesme falou pondo o desenho próximo ao seu rosto.

A menina sorriu de satisfação e isso aqueceu o coração da princesa.

— É seu.

— Obrigada.

— Então, que mundo você cria e esconde nos seus desenhos?

Renesme se impressionou com a pergunta tão direta da garotinha e pensou um pouco antes de respondê-la. Alguns minutos depois, ela chegou à conclusão que não sabia bem. Desenhar era algo que vinha naturalmente e nunca tinha parado para prestar atenção no significado daquilo.

— Eu não sei bem... Mas vou ter que descobrir.

— Descubra e coloque em realidade também. Assim como eu.

— É... Eu acho que um pouco de realidade vai ser bom.

A menina sorriu e Renesme acariciou o queixo dela antes de sair ao encontro da mãe. Como uma garotinha tão pequena podia fazê-la refletir tanto? Sentia tudo dentro dela estremecer de repente. Sua mãe tinha razão todo esse tempo. Ela estava sendo hipócrita. Quem tem o direito de dizer que tipo de pessoa merece ser ajudada ou não? Que valor que impedia as pessoas de fazer o bem? Que tipo de pessoa fechava os olhos para as mazelas e para o diferente poderia ser alguém bom? Ela balançou a cabeça se sentindo enojada por ter apoiado esses ideais por tanto tempo e ainda mais por ser tão omissa a tantas coisas!

Bella notou o desconforto de Renesme enquanto conversava com Elton sobre a fundação. Ela não sabia bem sobre o que a filha estava tão desconfortável e esperava que não fosse pelo lugar que elas estavam. Preferiu não dizer nada no momento e voltou sua atenção para Elton novamente.

— Estamos ensinando a essa geração a crescer com alguma autoestima. Isso é algo que tivemos que fazer por nós mesmos. Crescemos como somos e achando que estávamos errados em pensar como pensamos, em amar quem amamos. São anos para a verdadeira aceitação e isso nos deixa também sujeitos a muito sofrimento.

— Você tinha razão, sabe? Eu precisava vir aqui. Eu não fazia ideia da magnitude de como a comunidade vive, sofre e luta... Eu os acho tão corajosos! E os admiro profundamente, sinceramente. Eu faço parte de uma classe discriminada. As mulheres por mais que tenham conseguido muitas vitórias ainda tem que passar por tantas coisas, mas tudo que vivemos parece tão pequeno diante de vocês.

— Não desvalorize uma luta por outra. Toda luta é importante quando se quer fazer um mundo melhor.

— Sim, tem razão. Depois de hoje, eu me sinto ainda mais tentada a ajudar. Eu posso enviar fundos, mas acho que posso fazer mais. Apenas me diga como.

— Só sua visita aqui hoje com a imprensa já ajuda muito. Precisamos ter uma boa propaganda. As pessoas precisam nos ver com olhos diferentes e ter a ajuda da família real já conta muito. Você pode ser uma boa voz para nós. Precisamos de alguém que tenha tanta visibilidade e disposição para desmentir muita coisa que é dito contra nós.

— Acho que posso ajudar com isso também.

— Tem um tempo para a fundação? Tem um projeto que estamos querendo desenvolver a anos e acho que com sua ajuda ele pode finalmente sair do papel.

— Claro que tenho. Você tem o meu contato. Me envie o projeto para eu analisar e a gente volta a conversar sobre isso.

— Vai ser ótimo. Obrigado!

Bella sorriu para ele e seguiu com a filha para conhecer o resto da escola. Pediu para o fotógrafo do palácio registrar a visita da maneira como ela queria que fosse registrado e pediu para que ele a enviasse as cópias para que ela escolhesse as melhores fotos para ir para as redes sociais oficiais e para a imprensa. Por anos, ela foi à marionete da mídia belgã agora era hora de virar o jogo.

Mais tarde, já no carro com Renesme, não quis mais esperar para ter uma conversa com ela. Mas foi surpreendida pelo que a filha a disse.

— Quer saber? Você tem razão. Eu estou sendo uma hipócrita como todos os outros naquele palácio. O que você está fazendo é realmente maravilhoso e eu também quero fazer parte disso. Não temos que discriminar as causas que apoiamos. Todos merecem uma ajuda da nossa parte.

— Me alegra muito ouvir isso, querida. Eu sabia que você não era a pessoa que estava mostrando ser.

— E sabe o que mais? Eu quero que nós duas juntas criemos uma linha de frente de filantropia. Há muita coisa errada por aqui e devemos apoiar causas que realmente importam.

— Eu acho ótimo!

Renesme sorriu aliviada e pegou a mão da mãe. Queria tanto ter o espírito natural da mãe para tomar iniciativas. Não conhecia no mundo pessoa mais empática e disposta a cuidar dos outros do que Bella Cullen. Tinha muito orgulho de tê-la como mãe e por ter recebido dela a educação que teve. Sentia-se culpada por muitas vezes não se deixar levar pelo coração e seguir os padrões que ela tinha que obedecer dentro da monarquia.

— Acho que nós duas juntas podemos fazer muitas coisas. Eu vou reunir algumas causas que eu quero trabalhar e você pode reunir as suas e então a gente vai começar a procurar meios de ajudá-los.

— Vai ser maravilhoso! Vamos conversar bem sobre isso.

— Já chega de ficar se escondendo.

— Fico feliz que esteja se abrindo. Já não era hora!

Renesme sorriu ainda mais e se sentiu mais motivada. O carro parou em frente ao palácio e Tom abriu a porta para a princesa, dando a mão para ajudá-la a sair do veículo. Eles deram um olhar carinhoso e ela seguiu em frente até a porta.

Bella reparou no olhar que os dois trocaram e bateu lhe uma desconfiança. Podia ser nada disso que ela estava pensando, mas algo dentro dela tinha acendido. Então esperou que o segurança se afastasse para comentar o que percebeu com a filha.

— Que olhar foi esse de vocês dois?

— Que olhar, mãe?

— Você com o segurança.

— Está vendo demais mãe. Só formos simpáticos um com o outro.

— Se houvesse algo mais você me diria, não é?

— Não comece a pôr caraminholas na sua cabeça, mãe.

Bella deixou que a filha subisse as escadarias do palácio e a ficou olhando de baixo. A duquesa não era nada contra a qualquer envolvimento que a filha tivesse. Sempre estaria ao lado da felicidade dela. Mas sabia que Renesme seria a primeira a sofrer se caso o relacionamento dos dois fosse adiante e interrompido pela própria família dela. Um segurança e uma princesa juntos nunca daria certo. Ela respirou fundo e tentou deixar as desconfianças de lado. Poderia mesmo não ser nada e pôs a subir as escadas também.

Renesme foi até o seu quarto e pegou as suas telas. Estivera tão ocupada nesses últimos dias que nunca mais tivera tempo para desenhar um pouco. Depois desse compromisso com a sua mãe, ela pôde se sentir mais feliz. Lembrou-se do que a garotinha tinha lhe dito e começou a desenhar o que ela sentia por dentro. A verdadeira Renesme, ela poderia dizer. 

Depois daquele acidente que teve com Beauty, ela começou a procurar algumas ONGs e estudar mais sobre algumas causas e problemas que envolviam o país. Tinha começado a participar mais de compromissos fora do palácio e cada vez mais estava percebendo que tinha mesmo que testar os seus limites para descobrir sua verdadeira função dentro da realeza e talvez isso também a ajudasse a encontrar um norte em sua vida.

Estava rabiscando no papel quando ouviu alguém abrindo a porta, ela virou-se um pouco assustada e viu Tom parado a observando.

— Algum problema, Tom?

— Não, alteza. Só vim perguntar se ainda precisa de mim.

Renesme olhou bem para ele e estendeu a mão para ele se aproximar dela.

— Não. Só que se sente comigo e me faça um pouco de companhia.

Tom olhou para ela com um olhar desconfiado, mas também curioso. Nunca um patrão havia lhe tratado dessa forma. Renesme era diferente. Tinha um jeito meigo de menina, uma bela mistura de timidez e sensualidade, tudo ao mesmo tempo. Ela sempre olhava para as pessoas de baixo para cima, nada muito comum para uma pessoa de sua posição. Tinha alguma coisa nela que estava escondida ou que ela não queria que transparecesse, mas ele estava começando a achar que devia descobrir, mesmo correndo o risco de estar a interpretando mal.

— Você é diferente, sabe?

— Diferente como?

— Nunca vi nenhum membro da realeza ser tão cordial com seus empregados, como à senhora, madame.

— Não me chame disso, por favor.

— Desculpa.

A princesa olhou bem para o seu segurança em sua frente e olhou atentamente para os belos olhos dele. Podia se perder neles e ficar por horas pensando em todos os momentos que poderia ter com ele. Ela sabia que estava entrando num lugar perigoso, ela mesma não sabia se queria enveredar nesse caminho. Estava mais do que provado que o amor não era o seu campo de sorte. Por anos, ela ponderou, sempre pensava bem antes de se envolver, era desconfiada até onde não podia. Mas com Tom era diferente. Ele despertava emoções nela que ela própria não conseguia controlar. Tinha uma química palpável ali com certeza. Desde que o viu e toda vez que falava com ele sentia algo crescer dentro de si que não sabia explicar.

Ela foi até o bar e encheu duas taças de vinho e entregou uma para Tom. Ele aceitou um pouco inseguro, mas não quis fazer desfeita.

— Na verdade, eu nem sei bem o que eu realmente sou ou o que eu deveria ser. Acho que é por isso que você me acha diferente. Desde pequena eu nasci com uma obrigação tremenda nas minhas costas. Ser a filha do casal perfeito, a futura rainha de Belgonia, a princesa ideal. Eu lutei para atender todas essas expectativas. Juro que fiz de tudo para ser perfeita, mas quanto mais eu ia em busca disso mais eu me afastava de mim mesma.

— Não deve ser mesmo fácil.

— Não é. Eu estou me descobrindo ainda.

— E não tem nenhum livro de conduta que te ajude?

Renesme riu e conseguiu tirar um sorriso de Tom também. Se ele soubesse que tinha um livro enorme dizendo exatamente o que todos eles tinham que fazer do amanhecer ao dormir, talvez se espantaria.

— Regras há muitas, mas nenhuma delas ajuda muito.

— Do jeito que estava desenhando agora a pouco, acho que encontrou algo que te ajude nessa busca.

— Digamos que sim. Uma garotinha trans me disse algo que tocou o meu coração. Ela ainda é tão pequena e está conseguido se aceitar como ela é então por que eu também não posso?

— É o que realmente deve ser levado em conta. Mas vem cá, esse compromisso de hoje é algum projeto novo da sua mãe?

— É. Acho que todos estão falando sobre isso, não é? Ela quer se lançar em prol da comunidade LGBTQUIA+.

— E não acha que isso pode ser um pouco perigoso? Até que ponto ela quer levar isso a frente?

— Eu não sei bem. Mas acho que ela não quer se envolver em política como deve estar pensando. Minha mãe só quer ajudar os outros e acho que ela está certa. A gente não deve discriminar ninguém e se alguém fizer algo contra ela por causa disso é por que realmente não pode ser alguém bom.

— É verdade.

Tom tomou mais um gole do vinho e continuou a observar a mulher em sua frente. Para ele, a princesa só estava tentando buscar algo que ela deveria ter tido anos atrás, quando ainda estava saindo da adolescência. Uma aventura ou loucura que a tirasse do chão, mas devido as grandes responsabilidades que a cercavam isso tinha sido adiado.

— Acho que devia trazer de volta a Renesme que se perdeu. Quem sabe ela não é uma mulher e tanto?

— É quem sabe? – Renesme abaixou a cabeça e corou.

Tom levantou a taça e bateu na dela, sem tirar os olhos da princesa.

— Um brinde.

— Um brinde.

Renesme sorriu e sentiu que por anos o sol estava se abrindo na sua vida nublada.


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