Dinastia 2: A Coroa de Espinhos escrita por Isabelle Soares


Capítulo 31
Capítulo 31




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Anthony ouvia o tique e taque do relógio enquanto estava deitado em sua cama. Era impressionante que poderia passar o tempo que fosse, tudo no palácio continuava igual. Tinha as mesmas cores, o mesmo cheiro, as mesmas regras... Se imaginava como se estivesse preso a um mundo completamente paralelo onde o tempo não passava.

É claro que aqueles velhos corredores, especialmente do apartamento onde morara a vida inteira o trazia um certo conforto. Mas tudo lembrava sua mãe e especialmente o fazia recordar de tudo que ela passara.

Nunca se conformou com o fato de que ela havia morrido pelas mãos daqueles que deviam protegê-la. Sim, por que se tivessem a apoiado e não a recriminado nada teria acontecido. Culpava sim seu pai por compartilhar da hipocrisia que era a vida no palácio, ele fora o primeiro a apontar o dedo e julgar Bella. Deixou que todos a chamassem de maluca a ponto de que isso se tornasse um pouco de verdade.

Ter que voltar a Belgonia para a coroação foi um verdadeiro martírio. As últimas vezes que estivera lá era para enterrar alguém e agora esperava que fosse algo tão ruim quanto. Além do que ter que agir como se tudo tivesse bem. Forçar um sorriso enquanto todos saudavam o seu pai como o novo rei era angustiante. Durante todo o evento ficou com um rebuliço no estomago como quisesse vomitar toda a raiva que estava sentindo.

— Não fica assim Tony! – Ashley o disse ao telefone na época – Eu sei que você associou Belgonia a acontecimentos ruins em sua vida, mas tente se lembrar dos momentos bons, sim? Sua mãe gostaria que você estivesse ai para apoiar a sua família.

Será mesmo? Ele fora o único a apoiá-la e acreditar em tudo que ela lhe dizia. Agora todo mundo queria bancar o bom, o saudosista. A verdade era que as pessoas só eram valorizadas depois de sua morte.

Anthony virou-se na cama e pôs-se a perceber os detalhes. Lá estava em sua frente uma arara com todas as roupas que haviam escolhido para ele usar em público. Se aproximasse mais veria as etiquetas com todas as recomendações, “roupa para o jantar”, “roupa para o evento de caridade” e blá, blá, blá. Tudo se resumia a isso. Muita falácia e pouca ação. Podia apostar que receberia uma mensagem agora de Emily dizendo tudo que ele tinha que fazer. Como poderia viver num lugar que não tinha liberdade nenhuma?

O bip do seu celular quase o fez sorrir. Emily o informava que seu bendito pai queria vê-lo para uma reunião familiar. Então por que ele mesmo não vinha até ele e avisava? Na verdade, era que não havia limite para o que realmente era sobre a família ou sobre trabalho. Anthony odiava essa falta de comunicação que seu pai resolveu adotar e todos esses protocolos idiotas que tinha que seguir.

Levantou-se, tomou um banho e passou longe da arara de roupas. Escolheu seus velhos trajes de praia. Um confortável short, uma camiseta e foda-se! Seguiu pelo andar de baixo até a sala de Estado. Não pôde deixar de sentir nojo ao ver Emily dando mil ordens a sua irmã. “Não pode fazer isso, não pode fazer aquilo”, como ela aguentava viver assim? A resposta era que Renesme estava acostumada demais com alguém sempre dizendo o que ela tinha que fazer.

— Não tinha uma roupa melhor? – Edward perguntou enquanto passou por ele.

— Não. Estou confortável. Você não?

Edward enrugou a testa e respondeu:

— Devia criar vergonha na cara e agir como alguém de sua idade e não como um adolescente revoltado.

Anthony revirou os ombros. Ótimo clima para uma reunião familiar! Emily passou por ele e enrugou a testa.

—Por que não está usando a roupa que eu coloquei para você na arara?

— Temos coisas mais importantes para serem discutidas, não?

— Temos sim. – afirmou o novo rei.

Para Edward também era estranho estar ali e ser tratado como o rei que ele agora era. Tentava encarar tudo com naturalidade, mas como isso seria possível? Respirou fundo e se concentrou na reunião que iria começar. Era a primeira desde que assumiu o seu novo posto. Era necessário reorganizar as coisas e ele estava disposto em arregaçar as mangas.

— Melhor começarmos pela organização dos escritórios. – sugeriu Himmler Dörmer, o secretário do palácio.

— Todos os funcionários que estão em seus cargos nesse momento permaneceram. – afirmou Edward. – Não há muita necessidade de fazer muitas mudanças a respeito disso. Da minha antiga equipe ficarei com o meu segurança e meu motorista. Aproveitarei o restante do antigo escritório de meu pai. E quero que a mamãe tenha a sua equipe atrelada a minha se não tiver nenhum problema.

— Não há nenhum, querido. Sei que essa posição seria de Bella, mas de qualquer forma, estarei sempre aqui para te ajudar.

Edward abaixou a cabeça e tremeu um pouco ao ouvir o nome de sua falecida esposa. Era incrível como que nem por um segundo se quer ele conseguia esquecê-la. Porém, não queria afirmar a imagem de depressivo diante de todos e levantou a cabeça para continuar falando.

— E a senhorita, alteza? – Himmler perguntou a Renesme. - Ficará com a mesma equipe que trabalhava para os seus pais?

— Sim. Emily e todo o resto já trabalhavam para mim antes não vejo por que mudar agora.

— Então manteremos a marca de Richmond Royal para suas altezas.

— É estranho mantermos esse nome já que mamãe não está mais aqui, ela é que possuía esse título... Porém, se Anthony não tiver nenhuma oposição, podemos mantê-lo por enquanto.

Anthony revirou os ombros mais uma vez. Para ele nada importava se iam ou não colocar o nome do escritório de Richmond ou lá outra coisa. Nada disso iria mudar o que realmente precisava que fosse modificado.

Edward limpou a garganta e continuou:

— Mas quero deixar claro uma coisa... Vamos ter que trabalhar numa economia apertada, voltada para a crise, temos que começar aqui dentro do palácio. Sempre deixei muito claro o meu desejo de diminuir os membros trabalhadores da família real e assim farei.

— Como assim, meu filho?

— Tenho plano de modificar alguns pontos da legislação real no quesito de organização e distribuição de gastos. A ideia é manter apenas os três primeiros na linha sucessória ao trono como sêniors da instituição. Acho que temos muitas pessoas usufruindo do fundo real sem necessidade. Aprecio aqueles que trabalham e estes continuaram servindo, com patrocínios e apoio da casa real, porém somente os membros mais próximos da linha de sucessão terão obrigações reais e receberão por isso.

Anthony viu John Conroy, o especialista em legislação real, fazer uma expressão de como estivesse sufocando. Ele quase sorriu. Ao menos seu pai tinha pensado em algo realmente importante a ponto de fazer tremer na base esses idiotas conservadores.

— Majestade, não acha que isso pode ser radical?

— Não. Temos que dar o exemplo, John. Tenho certeza que muitos membros da família gostarão de ter mais liberdade.

— E como isso seria, majestade?

— Somente os três primeiros na linha sucessora irão ter obrigações com a instituição e receberão o valor equivalente aos seus trabalhos, no caso Renesme, Anthony e Alice. O restante será convidado a seguir como membros servidores da monarquia, mas sem nenhuma obrigação. Continuaremos dando todo o apoio, é claro!

— Desculpe-me, senhor, mas Pietro, filho de sua alteza real, a princesa Alice, é um dos membros que mais trabalha na instituição, enquanto Anthony...

— Já que fui citado na conversa, gostaria de dizer que não farei parte dos planos de vocês. Passo a minha vez para quem realmente trabalha. – Anthony afirmou categoricamente fazendo com que todos ficassem surpresos.

— Anthony, você não pode mais agir como um adolescente irresponsável! Você é um príncipe e o segundo na linha de sucessão. Tem que servir a coroa.

— Deixa eu te falar uma coisa bem séria, eu não quero ser príncipe.

— Você não tem escolha.

— Ah eu tenho sim e já decidi. Eu vou continuar em Londres e pronto. Se quiser cortar a grana, ok! Eu arrumo um trampo, mas aqui eu não permaneço mais.

Edward bateu na mesa e segurou o braço do filho com força. Anthony podia sentir a raiva do pai evidentemente exibida nas veias que saiam de sua testa. Mas não ia deixar-se abater. Estava decidido. Sua vida dentro da realeza belgã estava acabada.

— Você vai fazer o que eu mando sim. Sou o seu pai e o seu rei e você tem o dever com esse país!

— Eu não quero e eu não vou! Você não consegue vê o que aconteceu com a mamãe? Ela enlouqueceu por causa disso aqui. Quer mesmo esse futuro desastroso para os seus filhos?

— Você e Renesme nasceram com a missão de servir esse país. Não podem fugir disso!

— Esses são os seus planos e não os meus. Deixa desse papinho tá. A monarquia aqui não vai durar muito. É melhor cair fora agora. Aliais, tem um monte de gente louco para ficar no meu lugar.

— Mas é o seu lugar por direito.

— Mais eu não quero, dá pra entender? Você e todo o resto podem controlar a Nessie, mas a mim não, certo?

— Anthony!

— Pra mim isso aqui já deu.

Anthony saiu do escritório sem olhar para trás. Estava decidido a buscar uma nova vida muito antes de pisar os pés em Belgonia de novo e ter esse encontro desastroso com o pai. Ele nunca pensara muito em seu futuro. Sempre tentou viver livremente, mas agora estava certo que queria seguir na música ou na fotografia. Abdicaria de toda a pompa e dinheiro sem nem mesmo pensar. Não queria que fizessem com ele o que fizeram com Bella. Não era justo! Ele estava disposto a se libertar e viver a vida que ela não pôde viver.

— Pode deixar que eu falo com ele. – sugeriu Renesme enquanto se levantava.

Estava bem claro para todos que a reunião já havia acabado. Enquanto todos se retiravam, Edward preferiu ficar sozinho. Colocou as duas mãos trêmulas na cabeça e pensou em tudo que tinha acabado de acontecer. Era inimaginável que tudo tivesse chegado a esse ponto. Era como viver num pesadelo que nunca acabava.

— Acredito que tem razão, Edward. – Emmett falou pela primeira vez. – É um momento de sermos mais rigorosos e fazermos mudanças reais se não quisermos perder tudo.

Edward levantou a cabeça e viu que Emmett havia sido o único a permanecer no recinto e até se surpreendeu com a fala do irmão. Nunca esperava que ele viesse com algo tão maduro e devolveu-lhe um sorriso simpático.

— Já estou com quase 62 anos e já pretendo levar uma vida menos agitada. Pietro pode muito bem ficar no meu lugar como chefe das relações exteriores. Competência ele tem muita.

— Obrigado Emmett. Gosto muito do seu trabalho e lamento a sua decisão de sair, mas concordo com a sua proposta.

Emmett foi até o irmão e tocou-lhe o ombro. Ele estava tenso. Não que ele não tivesse sempre aquela cara de preocupação. Lamentava muito que o irmão fosse assim, sempre carregado de todo o peso do mundo nas costas.

— E acabo de receber algumas propostas de investidas de empresas de Volterra querendo entrar no mercado belgão. Isso tem algo haver com Renesme? – Perguntou Emmett.

— Acredito que sim. Aro procurou a mamãe há um tempo e a fez essa proposta de investimento na nossa economia se acertássemos o casamento do filho dele, Alec, com Nessie.

— Isso é um absurdo sem tamanho!

— Nem me fale! Isso nem passa na minha cabeça. Estarei à disposição para conversar com Aro e ver como podemos criar acordos favoráveis para ambos os lados. Mas não manterei Renesme envolvida nisso.

— Não deixe sua filha nas mãos desses tubarões. Ela merece escolher o que é melhor para ela.

— Não deixarei. Eu amo minha filha demais para isso e não quero que ela passe o que eu passei. Mas acaba que é algo meio que inevitável, não é? Meu maior medo é que Renesme sofra tanto quanto eu sofro. Um casamento em nossa condição é sempre recheado de perdas e geralmente nunca é para nós. Receio que quem for se casar com ela não aguente isso.

— É mesmo complicado! Parece que sempre arrastamos todo mundo para essa droga de vida, não é?

— Sim e me sinto culpado por ter feito isso com Bella. Eu insisti tanto naquele casamento e olha o quanto tirei da vida dela.

— Bella não se arrependia de ter se casado com você, meu irmão. Ela te amava.

— Mas será que valeu a pena?

— Ela alguma vez disse que não? Por que eu sempre a vi muito apaixonada. O que talvez a tenha decepcionado é a realidade das coisas por aqui, que cá pra nós, é bem hipócrita, coisa que Bella não era.

— Verdade. Bella estava à frente do seu tempo e eu não pude dar a ela tudo que ela precisava.

— Pare com isso, Edward! Tenho certeza que onde quer que Bella esteja agora, ela não tem espaço para ressentimentos. Não dizem que o paraíso é um lugar de paz? Então? Ela deve estar orgulhosa de você e ficará ainda mais depois que você deixar o passado onde está e jogar a bola pra frente.

— Estou tentando. Terei uma longa conversa com Renesme sobre o que se passa a respeito do casamento dela e verei o que ela vai dizer.

Emmett assentiu e sorriu despreocupadamente. Edward tinha raiva disso. Podia Emmett nunca ser atingido por nada que vinha acontecendo de ruim ao seu redor? Por que só ele mesmo tinha que ser a esponja de tudo?

— Você não se arrepende? – Edward perguntou de supetão.

— Me arrependo do que, especificamente?

— Você sabe.

— Não.

— Não sentiu em nenhum momento que poderia ser você naquela coroação e não eu? Que tudo estava fora do lugar?

— Claro que eu pensei, mas eu continuo com a mesma opinião de antes. Edward não existe ninguém mais competente para o cargo do que você. Eu fiz um bem para todos.

— Menos para mim.

— Ainda se recente de mim?

— Você sabe o quanto essa vida me tirou? Sabe o quanto eu poderia estar sendo feliz agora? Numa vida mais simples, longe dos holofotes e de tantas obrigações que me tira tanto de se quer possibilidade de uma vida normal.

— Não podemos afirmar categoricamente o que poderia nos ter acontecido caso não tivéssemos feito o que fizemos. Mas Edward parece que você ainda não entendeu como as coisas realmente funcionam por aqui.

Edward olhou para o irmão surpreso.

— Somos apenas personagens. Não escrevemos as histórias.

— Isso é ridículo...

— É mesmo? Olhe para o nosso redor e pense. Sempre foi você. Eu era apenas o cara que eles usaram para atrair a atenção da imprensa, enquanto você era santificado.

— Pura bobagem! Nem em momentos assim você consegue falar sério?

Emmett apenas sorriu, mas não era um dos seus tradicionais sorrisos. Edward sabia quando o irmão estava ou não sendo sarcástico. Essa versão da história nunca havia lhe passado pela cabeça.

— Pode até ser. Na época, eu não me tocava muito das coisas a minha volta. Eu estava mesmo loucão. Mas quando eu entrei para o exército, comecei a reparar coisas que eu não me dava conta antes. Quando voltei, eu realmente percebi o quanto eu tinha sido estúpido esse tempo todo. Mas eu estava cansado de ficar bancando o revoltado, o bobo da corte e aceitei as condições. Acredite, foi melhor assim.

— Eu me sinto um desgastado! Olha como minha está uma droga? Meu filho me odeia, perdi a minha esposa, meu pai e não sei como iremos superar essa crise. É muito para uma pessoa só!

— Sabe qual é o seu problema? É que você se vitimiza demais. A vida não é fácil pra ninguém. Todos nós carregamos nossas próprias cruzes. Mas não jogue o saldo do que está acontecendo no momento as circunstancias que aconteceram no passado. Você pode mudar as coisas e tão assim o faça.

Edward olhou para Emmett com surpresa e sentiu as palavras dele entrar dentro de si como uma facada. Mais uma vez a sinceridade inesperada de seu irmão o deixava fora de prumo.

— Edward, eu não duvido do seu sofrimento. Tivemos duas perdas inabaláveis ultimamente, mas chegou a hora de você deixar de sofrer por sofrer e reconhecer os seus talentos. Eu nunca duvidei das suas capacidades e ainda não duvido. Sei que vai ser um grande líder para esse país.

— Acho que sempre iremos viver nessa sombra do e se, não é?

— Acredite, estamos onde deveríamos estar e você terá todo o meu apoio sempre! Mas fica aqui o conselho: encare seu novo cargo com toda a força que puder. Não esmoreça diante de ninguém, irmão. Caso o contrário... Eles não demoraram muito para criar uma história sobre a sua insanidade e colocar a sua filha em seu lugar.

As palavras de Emmett de certa forma o fez lembrar de Bella. Essa ideia de conspiração e uma narrativa montada por conveniência do momento nunca lhe passava a cabeça. Não acreditava em teorias da conspiração. Tudo que aconteceu foi consequência dos atos de quem os cometeu.

— Peça desculpas a Renesme também na próxima vez que a vê-la. - Edward disse com a voz ainda abalada. - Você também tirou muito dela. Veja o que se passa agora?

— Ela também irá sobreviver a tudo isso. Todos nós iremos. Só não podemos jogar o pano agora.

— Não vamos.

Emmett bateu de olho para o irmão e deixou a sala. Edward se reencostou na cadeira e ficou olhando para o horizonte além da sala e se perguntando nas reviravoltas que a vida poderia dar. Nunca de verdade se sentiu seguro em sua vida após descobrir que seria o próximo rei. As pessoas até podiam imaginar que era algo fácil, mas não era bem assim. Sempre achou que ter uma vida pública destruía as coisas ao seu redor. Primeiro ficava paranoico em tentar agradar ao máximo todos e fazer tudo que mandavam, mas no fim não conseguia realmente fazer nada por que a perfeição não existia realmente. Porém isso não descartava o fato de que você tenta alcançá-la sempre independente de qualquer coisa. Sentia isso em Renesme e temia isso. Queria segurá-la nos braços e colocá-la no colo como fazia quando ela era criança e explicar para ela a verdadeira saga da vida. Mas como podia fazer isso? Ansiava com todas as forças parar tudo e consertar cada erro e talvez até mudar todo o destino, a sina que lhes rodeavam. Mas como saber o que nos espera na frente?

Renesme nem precisou andar muito para encontrar o irmão. Sabia que ele só podia estar no jardim do palácio. Era o canto que Bella sempre levava os dois quando precisava falar sério. Não duvidava que Anthony tivesse procurando reviver tudo isso. Bem devagar se aproximou do irmão e sentou-se ao seu lado.

— Se for me passar algum sermão está perdendo o seu tempo.

— Não vou passar nenhum sermão.

Anthony virou-se e olhou para a irmã pela primeira vez e lá estava ela com aquela expressão serena, mas séria. No fundo, meio que sentia que ela era um pouco mãe dele. Eles tinham quase dez anos de diferença em idade e desde o princípio, ela pusera na cabeça que devia cuidar dele e sempre procurava fazer isso.

— Estou aqui pensando... – Renesme falou. – Como podemos chegar a esse ponto? Não lembro de estarmos brigando um com o outro, sempre em desarmonia. Parece que a morte da mamãe deixou tudo de ponta a cabeça.

— Antes disso, Ness. Papai está mudado. Veja toda essa arrogância. Olha como ele tratou a mamãe antes dela... Tudo só piorou! Acho que esse jogo de poder não faz bem a ele.

— Não está sendo fácil para ele também, Tony. Não acho que ele esteja agindo com arrogância. Admito que esse não é o papai que conhecemos, mas ele só está tentando ajeitar as coisas, é o jeito dele de tentar driblar essa crise.

Anthony revirou os olhos. Essa cegueira de Renesme e seu jeito pacato o enojava, mas tentou controlar sua impulsividade para não dizer nada de grosseiro. Até foi caloroso lembrar que Bella sempre dizia que Anthony herdara seu temperamento.

— Ainda somos uma família apesar de tudo. Por favor compreenda também o papai. Ele está começando agora o reinado dele e tudo está indo contra. Ele quer fazer o certo, mas está muito difícil.

— Papai é um egoísta!

— Não, ele não é. Apenas está sofrendo. Não pense que a morte da mamãe não foi um golpe difícil para ele também.

— Ele colaborou para o que tudo aconteceu.

— Não pense assim, por favor. Ele é o nosso pai e nos ama. Por favor vamos nos unir para fazer diferente.

Anthony parou por alguns instantes e nada respondeu. Renesme sabia que ele estava ponderando. Mesmo com a raiva, ele colocava sempre a família em primeiro lugar. Sabia que o irmão não era essa pessoa que ele estava demonstrando ser. Apenas estava irritado e ainda processando tudo que acontecera ao seu modo.

— Eu preciso de você, Tony. Estou ajeitando um projeto que vai ser interessante. Eu pensei em criar uma fundação com o nome da mamãe. Sempre foi um sonho nosso criar algo grande que pudesse atender cada tipo de pessoa e cada realidade. Acho que pode ser o momento certo.

— E acham que vão aceitar? Papai anda querendo cortar gastos e você sabe que aqueles urubus não aprovariam nada que a mamãe realmente queria fazer.

— Vamos fazer as coisas direito. Vou criar um projeto que possa passar pelo conselho do palácio, mas na realidade faremos muito mais do que estará nele. Quanto aos gastos... Recebi uma proposta de uma editora. Eles querem lançar um livro sobre a mamãe. Acho que podemos aceitar e usar os lucros para as causas da fundação.

— Um livro... Acha que a mamãe iria querer se expor dessa forma?

— Não pensei em nada polêmico. Algo como um livro de fotos com alguns depoimentos. Acho que pode ser interessante.

— Eu a apoiarei em tudo que for para o bem de todos, você sabe... Mas quanto a ficar aqui. Não quero mais, ok?

— Vamos com calma também, Tony. Não vamos nos precipitar. É parte de nós também servirmos a monarquia. As pessoas também precisam de nós. Veja o trabalho bonito que a mamãe fez.

— É por ela também que eu estou saindo. Eles a enlouqueceram. Você me acusa de ter sido ausente, mas eu sei o que ela passou. Mamãe era inconveniente para a sua sagrada realeza. Na verdade, eles eram ultrapassados demais para ela. Mas eles queriam que as coisas fossem do jeito deles, não é...

— Você está fazendo tempestade em copo d'água.

— Estou, não é? Ok. Mamãe me ligava todos os dias enquanto eu estive em Londres. Eu vi a transformação na mente dela. Da sanidade a loucura e eu juntei as peças por que eu vivi anos nesse lugar para saber que no final as coisas só saem como eles planejam e eles excluem aqueles que não seguem exatamente o que eles querem.

— Ela ligava para você? - Renesme perguntou com um certo ciúme.

— Ligava e eu só retornei por que eu sabia que ela precisava de mim. Eu acreditei em cada palavra do que ela me dizia e por ela eu estou me libertando.

A princesa sentiu as lágrimas brotarem nos seus olhos, assim como as palavras de Antony que entravam como uma faca nela por que se havia algo que ela se ressentia consigo mesma era de não ter acreditado na mãe a tempo.

— Eu quero que você observe as coisas ao seu redor com mais clareza. Preste atenção nos detalhes mais óbvios que lhe passaram despercebido e você entenderá o que eu estou dizendo.

Anthony se levantou do banco para deixar a irmã refletir sobre as suas palavras. Sabia que ela faria isso. Ela sempre fora inteligente, mas estava completamente dominada pelos protocolos.

— Só pense antes de fazer qualquer coisa. – disse Renesme por fim.

— E pense bem no que eu te disse.

Renesme assentiu. Iria mesmo. As palavras de Anthony não lhe passaram despercebida. Até podia afirmar que ele tinha um fundo de razão. Há um ano, pensava que sua mãe exagerava um pouco. Fazia um alvoroço para pouca coisa. Regras tinham sido feitas para serem seguidas e elas sustentavam a instituição, assim como acontecia em qualquer lugar. Mas agora era capaz de entender que talvez esse controle estava mesmo passando do ponto.

A princesa não lembrava de um tempo que não haviam funcionários do palácio que faziam absolutamente tudo que pudessem por ela, porém agora isso chegara ao extremo. Entendia que era necessário esse controle para organizar melhor a imagem que todos eles da família tinham que passar para o público e nunca se recusou a ir contra a maré. Mas agora ela podia entender o que sua mãe sempre dizia sobre a falta de liberdade.

Saiu pelos corredores e escutou o que os funcionários estavam dizendo. Quantas vezes passara por eles e nunca prestara atenção? E eles não falavam assim tão baixo para não ser ouvido. “O compromisso de amanhã começa as oito,” "O vestido da rainha deve estar separado e posto no cabide.", "O rei deve conter um pouco o carboidrato. O exame dele deu alterado." Como aquelas pessoas poderiam saber tanto sobre eles e ter tanto controle de suas vidas? Ela apressou o passo e entrou correndo em seu quarto. Fechou as grossas portas e ouviu tudo silenciar. Porém, no dia seguinte sabia que tudo estaria lá novamente e ela percebeu que sempre estaria.

Renesme balançou a cabeça e voltou a pensar sobre a sua própria identidade. Entender o que estava acontecendo de fato, abrir os olhos para algumas situações a norteava para o que realmente era necessário e respondia muitos dos seus questionamentos iniciais.

Ter alguém a controlando, de certa forma, isso lhe era conveniente. O seu lado comodista gostava e se acostumara com isso. Mas agora que tomara conta de como se deixou envolver pelo universo real, se dera conta de quanto isso lhe atrapalhava. Sentou-se no chão encostada na porta de seu quarto. Anthony tinha uma certa razão. Não podia se deixar controlar. Pensou que agora o momento lhe exigia mais ação e direcionamento para o que realmente ela queria para a própria vida.

Joel dirigia pela estrada principal até a rodovia que fazia divisa entre Belgravia e Genove, no exato lugar onde a duquesa tinha se acidentado. Tinha combinado com William que partiriam as investigações do principio e para ele não teria sentido começar por outro lugar senão pelo local do acidente. Ficou horas olhando as fotos daquele trágico dia e vendo reportagens a respeito e pensou mais uma vez o quanto a vida era mesmo um sopro. A duquesa parecia tão bem e feliz ao lado do filho naquela mesma manhã e mal podia esperar que a noite estaria praticamente morta. Ninguém poderia mesmo imaginar algo assim, tão trágico e repentino.

Olhou para todos os ângulos do carro batido na grande árvore e resolveu reconstruir a cena. Parou em frente ao local que esteve há oito meses e não pôde deixar de se lembrar daquela noite. O perfume doce e característico logo veio à tona em suas memórias. Nunca esqueceria o perfume que a duquesa estava usando, mesmo se passasse anos. Ainda mais o choque que sentiu ao abrir a porta do carro e ver quem estava dentro. Tocou o coto da árvore e ficou em silêncio por alguns minutos. É claro que ela não estaria mais ali. O impacto foi tão grande que mesmo com os grossos troncos, árvore ficara também destruída.

Pegou o carro novamente e resolveu tentar fazer o caminho que provavelmente a duquesa teria feito até bater naquele ponto. Lógico que não seria nada fácil! Não havia mais marcas de pneus na pista e poucos indícios concretos, mas seguiu em frente. Tentou imaginar toda a situação. O carro estava sem freio e isso indica que ela teria seguido em linha reta até o local do acidente. A velocidade indica que talvez ela tivesse fugindo de alguém, mas onde ela teria notado que estava sendo seguida? Não poderia ser tão longe do sítio, poderia? Mas se foi próximo de lá por que ela não procurou ajuda? Eram muitas perguntas difíceis de se responder.

Preferiu seguir a estrada até algum lugar que fosse próximo ao sítio de Jacob Black em Seraf. Enquanto dirigia pensava em mil e uma possibilidades. Muito provavelmente a duquesa não queria envolver a sua família em algo que ela sabia que seria perigoso, talvez ainda da fazenda tenha avistado algo estranho e tenha tentado verificar. Saiu de carro devagar pelo sítio e percebeu que estava sendo seguida. Achou que poderia ter uma prova concreta e resolveu parar em algum lugar entre o sítio e a estrada, longe o suficiente para que sua família desconfiasse de algo e desceu do veiculo. Em velocidade baixa talvez ela não tenha conseguido notar totalmente que o carro estava com problemas ao acionar o freio de mão. Desceu e andou alguns metros a pé para atrair o seu perseguidor ao notar que estava certa tentou fugir para o carro e nesse meio tempo caiu, perdeu uma sapatilha e começou a dirigir na velocidade em que estava. Era uma teoria maluca, tinha ciência disso, mas insistiu em descobrir mais pistas. Ficou pensando em como o acidente, com o carro naquela velocidade, não teria acontecido antes do local que realmente ocorreu. Talvez pelo fato de ter sido uma segunda – feira tenha colaborado para não haver muito movimento na estrada.

Seguiu dirigindo até descobrir que o sítio de Jacob Black ficava bem na divisa com Orland. Ficou rodeando o terreno e imaginando qual teria sido os últimos passos da duquesa. Um trabalhador o observava atentamente do lado de fora da cerca e para evitar desconfianças desnecessárias resolveu parar o carro e interrogá-lo.

— Oi, boa tarde! – Saudou Joel.

— Oi. O senhor tá rondando muito aqui. O que cê tá querendo, ein?

— Meu nome é Saul. Sou escritor e estou tentando descobrir o que aconteceu no dia em que a duquesa faleceu. Vou publicar um livro a respeito.

— Ora! Eu não sei de nada não.

— Não diga isso, amigo. Sei que deve saber pelo menos alguma coisinha. Toda informação que tiver é válida. Sei que a família real, que inclusive está me patrocinando, vai ficar muito satisfeita ao saber que o senhor contribuiu com o livro de alguma forma.

— É... Bom... Eu não sei muito. Ninguém aqui sabe o que realmente aconteceu.

— Qualquer coisa serve. Posso te fazer algumas perguntas?

— Depende. Se for algo que eu saiba responder...

— Você estava aqui no dia do acidente?

— Estava ora! Esse lado aqui estava todo em obra. – o trabalhador afirmou acenando para as terras que davam para o sítio. – Eu tava trabalhando aqui.

— Em obra?

— É. Aqui dá uns alagadiços de vez em quando, sabe? E era verão. Tinha chovido um bocado e as terras ficaram cheias de lama e buraco. O patrão pediu que déssemos um jeito.

— Então não tinha como alguém estacionar lá dentro?

— Não. Tinha nem como passar sem ficar atolado imagina entrar com o carro! Fizemos um caminho improvisado por ali.

— E onde a duquesa deixou o carro dela?

— Debaixo daquele pé de pau. Era onde estavam estacionados todos os carros. Por causa da sombra, sabe?

— E não é perigoso?

— Ela perguntou isso também, mas aqui é bem tranquilo.

— Você a viu saindo?

— Vi não, senhor. Ela saiu de noite e eu já tinha ido me recolher.

— Sabe dizer se tem algum caminho por aqui perto? Algum atalho?

— Bom... Tem uma estradinha de terra há uns cem metros daqui. O pessoal usa para entrar logo na estrada principal para Orland.

— Você acredita que a duquesa pode ter pego esse caminho?

— Eu não sei não, senhor. Só se ela tivesse com pressa talvez.

— Obrigado pelas informações.

O trabalhador acenou com o chapéu e Joel decidiu seguir em frente até a estrada. Estava com a ideia fixa na cabeça que alguma coisa tinha ocorrido ali. Continuou dirigindo e quase passou batido na entrada, pois havia muito mato ao redor. Parecia que as terras entre a pista não estavam habitadas por que ninguém capinava ao redor há tempos. Teria a duquesa ter sido atraída para aquele lugar de propósito? Ninguém poderia ver nada se algo acontecesse ali. Entrou na estrada e parou o carro bem no início dela. Seguiu a pé tentando entender tudo que tinha acontecido. A ideia que poderia a duquesa ter caído numa emboscada lhe parecia mais forte. Ela tentando desviar de quem a perseguia acabou indo para onde eles a esperavam, mas de alguma forma ela conseguiu fugir. Não sabia se estava certo, mas a verdade que a calça jeans que ela estava vestida tinha manchas de terra nos joelhos, como se ela tivesse caído e uma de suas sapatilhas tinha desaparecido. Fora as marcas roxas em seu pescoço. Alguma coisa a mais tinha ocorrido.

Andou mais um pouco pela estrada e resolveu parar no meio dela. Nada indicava que poderia ter sido ali o começo de tudo que levaria a morte da duquesa. Havia mil possibilidades e ela poderia ou não ter tomado essa estrada. Mas era certo que em algum momento entre sua saída da propriedade de Jacob Black e o acidente ela parou ou foi parada em algum lugar.

Frustrado sentou-se no chão. Pôs as mãos na cabeça e tentou pensar em tudo que poderia ter acontecido. Chegou à conclusão que a duquesa só pode ter sido parada por ali. Com os freios desligados, ela não poderia ter parado em outro lugar depois que pegasse a pista principal. Quem queria prejudicá-la já estava esperando-a nesse exato ponto. Será que eles sabiam que ela pegava sempre essa rota ou a atraíram até esse ponto? Por logística eles não se encontraram muito longe do início da estrada. Apenas num lugar que fosse longe de olhares e não muito perto de uma possível rota de fuga.

Então Joel tentou seguir andando até o lugar que poderia ter sido o ponto aproximado de encontro dos dois. Parou e tentou reconstruir o acontecido. Bella teria sido parada por algumas pessoas desconhecidas. Desligou o carro sem ainda perceber o problema dele e desceu. Esta teria então entrado numa discussão ou sido levada logo a um ponto fora da estrada. O matagal? Joel seguiu andando pelo mato alto com a lanterna de seu celular ligada, estava quase escurecendo e não queria perder nada.  Teria sido possível que nesse ponto que tentaram asfixiá-la? O policial seguiu andando até que pisou em algo estranho e quase se desequilibrou. Olhou pra baixo e viu um par de sapatilha. Era tudo que ele mais procurava. Sorriu com o achado. Ele estava no caminho certo afinal de contas.

Ele então decidiu seguir a sua intuição. O certo é que a tentativa de asfixia não deu certo. A duquesa provavelmente tentou fugir de seus agressores e nessa tentativa deve ter caído no chão antes de chegar ao carro, isso ajudava a justificar a sujeira de terra nas calças dela. Joel apontou a lanterna para o chão em busca de encontrar algo no chão que podia provocar uma queda. Não conhecia as coordenações motoras da duquesa, o chão de areia podia dificultar em caso de nervosismo, mas não era muito instável. O excesso de mato era o que mais dificultava.  

Continuou procurando até que a luz da lanterna refletiu em algo que brilhava muito que acabou chamando a atenção dele. Foi até mais perto e viu que era uma pulseira, aparentemente de ouro, com as iniciais “N” e “T” com um coração bem no meio das letras. Podia ser uma pista? Sorriu ao imaginar isso. Talvez fosse algo do destino. A duquesa lhe dando algum sinal. Agarrou a pulseira e voltou para o carro. Se ela pertenceu à duquesa quem poderia confirmar isso seria alguém de sua família e resolveu que teria que ter uma conversa há tempos ansiada com a princesa.

E aí? O que estão achando de tudo? O que acham que pode vir por aí? Comentem bastante!


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