Dinastia 2: A Coroa de Espinhos escrita por Isabelle Soares


Capítulo 29
Capítulo 29




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09 de Fevereiro de 2045

William sentiu os pensamentos em sua mente tomarem formas concretas. Era um sinal que o estado de sono chegara ao fim. Ele tentou abrir os olhos, mas acabou os fechando novamente devido a claridade que vinha da janela. A sua cabeça doía e sentia as dores se estenderem pelo seu corpo também. Resolveu abrir os olhos de uma vez e levantar-se. O movimento de seu corpo fez cair vários papéis que aparentemente estavam em cima dele. Então ele se lembrou. Joel estivera com ele em sua casa de campo, Brocken Hall, para tentarem discutir algo a respeito do caso da duquesa. Era lá que eles vinham se encontrando para não chamar tanta atenção para o que eles vinham fazendo. Talvez o policial ainda estivesse por ali em algum canto.

Com a mão sob a cabeça, na vã tentativa de aplacar a dor, foi até um pequeno móvel em seu escritório e tirou uma caixa de analgésicos que tomava sempre quando bebia além da conta. O barulho acabou despertando Joel que dormia de cabeça baixa sobre a mesa e também rodeado de papéis.

— Acho que acabamos pegando no sono. – William falou enquanto levava a caixa de analgésicos para o colega de investigação.

— Não me lembro da última vez que passei a noite sonhando com algum caso. A impressão que tenho é que quanto mais penso sobre o que aconteceu com a duquesa, menos respostas tenho.

— Ainda bem que tínhamos bebidas por perto para tentar avivar a mente. – William declarou pegando a garrafa vazia Whisky.

— Não sei se funcionou muito. Só está me dando dores de cabeça.

O jornalista via Joel recolher os papéis sobre o caso e tentava não desanimar. Mesmo que nesses últimos dias, eles não tenham conseguido sair do lugar, mas tinha a impressão que muito já estava à mostra diante deles, só estavam deixando passar alguma coisa que não tinham ainda percebido o que era.

— Talvez um café da manhã possa ajudar! Vou pedir ao meu mordomo para aprontar algo.

William ainda se sentia estranho estando no ecossistema de Brocken Hall. A enorme mansão de campo situada entre as belas montanhas de Genove ainda vivia aos modos aristocráticos de seu pai. Estava repleta de móveis que pertenceram a gerações de sua família, mantinha os funcionários que estavam trabalhando ali há anos e exercendo funções que provavelmente já estariam extintas se não fosse pela preservação dos valores tradicionais que os Lamb faziam questão de manter. Apesar da mansão lembrar tudo que ele mais repudiava, também significava os seus momentos mais nostálgicos da infância.

Como ele tinha boas lembranças de Brocken Hall! O grande lago na frente o fazia recordar das pescarias que fazia com o seu velho avô. O enorme campo foi palco de suas travessuras de criança. Quantas vezes ele não quebrara algum membro do corpo subindo e descendo do enorme pessegueiro? Não podia se desfazer da paz que a casa lhe dava. Foi isso que pensou quando foi aberto o testamento de seu pai. Ele abrira mão de todas as participações nos lucros e nos cuidados das fazendas de soja e de caprinos em Gotland. Quis herdar apenas a velha mansão que acabou virando sua residência permanente.

Logo quando retornou a Belgonia, após o incidente com Helen, decidiu que não seria seguro ficar em seu apartamento em Belgravia. Brocken Hall seria o seu esconderijo enquanto tentava retomar a sua vida. Tratou de mandar fazer algumas reformas, preservar apenas a cozinheira, a faxineira, o mordomo e o jardineiro dentre os inúmeros funcionários que eram mantidos por lá. Para ele não era necessário muito. Pensara em colocar um segurança, mas talvez deixasse isso para quando tudo estivesse mais calmo para a volta de Katlyn do Japão e ela passasse a viver ali com ele. Enquanto isso, ele tentava se acostumar com a sua nova vida.

 - Quer saber? – Joel declarou com exaltação. – Só vamos conseguir compreender esse caso se organizarmos tudo em uma linha do tempo. Acho que estamos perdendo algo muito óbvio!

— Também acho. – William falou enquanto arrastava uma lousa até Joel. – Que tal colocarmos tudo aqui?

Joel assentiu tentando entender por que William teria uma lousa daquela em seu escritório.

— Nostalgia. – William falou respondendo os pensamentos do policial. – Meus tutores usavam essa belezinha para me darem algumas lições quando minha família passava algumas temporadas do ano aqui em Brocken Hall. Fiquei com pena de me desfazer dela.

— Vai ser útil. – Joel declarou pegando o giz no suporte colado a lousa. – Acho que temos que começar com Elton Rust.

William tentou procurar os papéis que falavam do caso dele e uni-los a suas próprias matérias a respeito da morte do ativista.

— Acho que é por ele que temos mesmo que começar. Afinal de contas, Elton está ligado a duas pessoas importantes em minha opinião. Primeiro a Isabella e depois a Bono Donnalson.

— Bono Donnalson... Sei que não podemos descartá-lo, mas acho que não podemos inseri-lo enquanto não tiver algo totalmente cabível a ele.

— Certo... Vamos lá. Elton era ativista desde muito novo pelo que vejo aqui na internet. Começou a participar de manifestações ainda quando estudava na universidade de Belgravia, onde cursava Filosofia. Chegou a ser preso algumas vezes por passar do ponto em alguns desses protestos e certamente a sua rebeldia lhe deu alguns inimigos.

— Ele fundou a fundação Multicores e mantinha vários projetos ligados a comunidade LGBTQUIA+, mas também se envolvia com algumas causas anti racistas pelas origens.

— Algo que Bono sempre condenou!

— É, mas não só ele.

— Sim... – William tentou não se estressar com o fato de Joel não querer considerar Donalson como um grande ponto de partida para ambos os casos. – Temos aqui nos seus arquivos a primeira aparição dele na polícia em anos e dessa vez ele não estava sendo o acusado e sim a vítima.

— Foi quando invadiram a escola da fundação, certo?

— Exato! Segundo consta aqui no boletim de ocorrência, vândalos invadiram a escola e destruíram alguns patrimônios móveis, tais como cadeiras, lousas, mesas e luzes elétricas, fora as pichações com caráter homofóbico. A denúncia data do início de maio do ano passado.

— Poucos dias antes da morte dele.... – Joel foi reticente não querendo lembrar da brutalidade que foi o assassinato do ativista. Ele lembrava que ficara impressionado demais na época e que lamentava muito por não ter estado no comando das investigações.

— O mais curioso disso é que ele declarou a polícia que vinha recebendo ameaças pelo celular, nada que fosse totalmente novo. Como ativista, ele sempre recebeu ameaças de inimigos, mas dessa vez elas era estranhas demais. No minuto que ele lia as mensagens elas eram apagadas sem deixar rastros como prova de seu remetente.

— Você me falou ontem que tinha recebido essas mensagens também, não foi?

— Sim. Isso aconteceu apenas uma vez. Foi no dia do National Day. Eu tinha ido à praça do parlamento para cobrir o acontecido, você sabe, o tiro que o rei levou, lembra? Acabei sendo surpreendido com uma mensagem com alguém ameaçando a minha filha.

— Elas são o nosso ponto de ligação. – Joel falou enquanto escrevia na lousa. - A princesa Renesme chegou a dizer em seu depoimento à polícia que a duquesa vinha recebendo essas mesmas mensagens. O celular dela passou pela nossa perícia. Elas ainda estavam lá, mas todas haviam sido apagadas pela pessoa que as enviou. Os números vinham de celulares pré-pagos que haviam sido descartados.

— É nesse ponto que quero que coloque Bono Donalson na mira das investigações. Pois quem seria contra a mim, Elton e Isabella juntos? Se não ele, alguém a mando dele ou de algum grupo conservador fanático que o acompanha. Mas já está bastante óbvio que a pessoa ou um grupo delas está envolvido nos três casos.

— Curioso. – Joel afirmou colocando, para a felicidade de William, o nome de Bono na lousa acompanhado de um ponto de interrogação. – Mas há outras coisas a serem consideradas. O assassino ou os assassinos são muito bons em não deixar rastros. Como ninguém viu alguém suspeito entrar na casa de Elton e assassiná-lo? Como conseguiram mexer no carro de Bella sem que ninguém no palácio soubesse?

— Alguém infiltrado e isso em ambos os casos. Não teria outro jeito dos crimes acontecerem sem que deixassem suspeitos se não fosse praticado com alguém que tinha ganhado a confiança de Isabella, Elton e todos ao redor deles.

— Também acho. Há muitas coisas que me fizeram pensar no dia em que fui no palácio. Algo me diz que possa haver mais de uma pessoa envolvida e infiltradas por lá para que tudo ocorresse exatamente como foi. E pessoas grandes envolvidas...

— Ando pesando a respeito... Temos que partir para a reconstrução dos casos para a gente poder começar as entrevistas de testemunhos. No caso de Elton, algo me diz que ele não foi assassinato em casa. Senão todos teriam ouvido ele gritar. Ele foi posto na cisterna depois. E Isabella... As manchas roxas podem indicar uma tentativa de estrangulamento e isso em algum ponto entre a fazenda de Jacob Black e o local do acidente.

— Isso é interessante! – Joel falou com animação enquanto anotava na lousa as novas informações. – Alguém a estava seguindo. Tentou matá-la e não conseguiu. Talvez ela tenha fugido. Isso explicaria a falta do outro par das sapatilhas!

— Faz todo sentido! Temos que partir desse pensamento e no caso de Elton, tentaremos conversar com o pessoal da Multicores mais ligados a ele e ver se não houve alguém que começara a colaborar para a fundação recentemente.

— Isso! – O policial agora além de preencher o quadro também escrevia em sua caderneta. – Mas temos que ser cautelosos! Não podemos dar bandeira que estamos investigando esses casos. Eu posso entrevistar as pessoas que possam colaborar no caso da duquesa e você poderia ficar com o caso do Elton. Nos dividirmos ganharemos mais tempo e chamaremos menos atenção. Gostei muito da ideia de nos encontrarmos aqui em Brocken Hall, afinal. Talvez ainda estejam na sua mira apenas esperando você dar um passo em falso.

William estremeceu e deu graças por ter tido a ideia de pedir a Helen que voltasse para o Japão levando Katlyn junto. Ele já estava calejado dos perigos que a vida poderia lhe oferecer, mas não se perdoaria se algo acontecesse com a sua filha. Ela estava muito mais segura em outro país com os seus parentes maternos.

— Verdade. Essa pessoa ou esse grupo, não sei, está calado, mas não inativo. Eles são perigosos e vão agir novamente. Acredito que há um grande objetivo nisso tudo e o trabalho não foi concluído com a morte de Isabella.

Joel abriu a boca para comentar, mas o bip em seu celular o interrompeu. Era a notificação de novas notícias que ele tinha ativado. Ele abriu a tela e quase não acreditou no que lera. Com rapidez, abriu a matéria e era isso mesmo. Ligou a TV do escritório de William e transmitiu o vídeo da reportagem para que o colega também pudesse estar ciente da grande bomba que acabara de acontecer.

— Que tal isso?

William olhou para a televisão e também se surpreendeu. A repórter, conhecida sua, inclusive, declarava com pesar e em primeira mão, o falecimento do rei Carlisle ocorrido no início da manhã.

“- Segundo a nota divulgada pela assessoria da família real, a sua majestade,o rei Carlisle, foi encontrado morto em sua cama pela sua esposa, a rainha Esme, nos primeiros raios da manhã de hoje. O que tudo indica, o rei faleceu pacificamente enquanto dormia. Ele que vinha sofrendo de problemas cardíacos, iria passar por uma cirurgia em breve.

O mordomo de Brocken Hall que vinha entrando no escritório ao ouvir a notícia pela TV parou no mesmo caminho com o café da manhã que William pedira. O jornalista, também abismado, acabou pegando a bandeja com medo que ele pudesse derrubá-la e a pôs na mesinha de centro. Sentou-se novamente sem conseguir pensar em mais nada.

Se lhe viessem perguntar se ele era um monarquista, talvez dissesse que não. Respeitava por ser uma tradição de seu país, um símbolo nacional, mas não podia dizer que não tinha uma admiração por Carlisle Cullen e por tudo que ele fizera esses anos todos. A sensação que lhe vinha à mente era de grande pesar, como se tivesse quebrado um laço bem profundo. Desde o início de sua existência, Carlisle já estava ali e já era um dos grandes nomes do país. Era tão vivo em suas memórias, em sua vida em geral, que parecia que o conhecia bem, era como alguém de sua família. Nunca pensara que sentiria esse vazio de perda como sentira ao perder um ente querido quando o rei partisse. Mas era exatamente isso que ele vinha sentido.

Olhou para a TV novamente, ávido por novas informações, e viu a repórter falar sobre a chegada dos netos de Carlisle no dia anterior a sua morte. Ela associava isso como um sinal de algo que já estava muito errado. William viu a princesa Renesme descer de um avião particular junto com o príncipe de Volterra e sentiu misto de emoções. Primeiro ele lembrou-se que ela poderia estar muito arrasada com mais essa perda em tão pouco tempo. A sua expressão na filmagem era de pura dor. Ele desejou profundamente estar com ela nesse momento e poder abraçá-la calorosamente. Mas o que aquele príncipe estava fazendo nessa cena? Talvez ela já tivesse alguém que a consolasse. Mesmo assim ele não poderia deixar de fazer alguma coisa.

— Alfred por favor... – O mordomo ainda atordoado se aproximou do patrão. – Peça para o John colher as orquídeas mais bonitas da estufa para mim, por favor. E ah! Encomende uma coroa de flores em meu nome para mandar ao palácio, sim?

— Sim, senhor.

O mordomo se retirou em passos lentos enquanto William pegava um papel de carta e começava a escrever com Joel a observá-lo com curiosidade.

Renesme,

Sei que nada que eu lhe diga aqui nessa carta vai acalentar essa dor terrível que está em seu coração nesse momento. Eu mesmo me sinto diante de um vazio quase inexplicável. É com sinceridade que afirmo que seu avô representou muito em minha vida, assim como a de todos em Belgonia, sendo quase como se ele fosse um parente meu. Ele me trazia pessoalmente uma sensação de paz e esperança que eu nunca esperei.

Agora gostaria imensamente de poder acalentá-la de seu sofrimento e dizer que nada disso aconteceu. Mas não sendo possível, expresso a plenitude de meus mais sinceros pêsames por tamanha perda. Ela é também minha e de todo o país. Estamos hoje um pouco órfãos.

William J. Lamb.”

Joel observava William escrever com tanta rapidez e se impressionava com a facilidade que ele tinha com as palavras. Mas algo em seus movimentos o chamou atenção. Ao que ele pôde ver a carta era para a princesa e provavelmente as orquídeas iriam junto com elas. Mas por que o acalento iria para sua alteza e não para a rainha que era a viúva enlutada?

O jornalista terminou de escrever e pegou o envelope. Depois de preenchê-lo e já com a carta dentro dele, passou alguns minutos a observá-lo. Como se decidisse se o enviaria mesmo ou acrescentasse mais alguma coisa. Joel entendera tudo.

— Você gosta dela, não é?

William olhou para ele surpreso pela abordagem e Joel pôde ver um minúsculo rubor nas bochechas dele.

— Desculpa por ter dito isso.

— Não... Tudo bem. Eu e a princesa temos algo... Interessante. Ela chama a minha atenção de muitas maneiras.

— Ela é mesmo uma mulher muito bonita e com uma habilidade tremenda para atrair as atenções para ela.

— Você percebeu isso também?

— Eu vi como o segurança e você olham para ela.

— Então acha que o tal segurança está envolvido com ela e por acaso sendo acobertado pela própria.

— É uma possibilidade. Mas William, cuidado! Ela é um partido alto. Você pode se machucar.

William deu um sorriso e lacrou o envelope já decidido do que iria fazer. Foi até Joel e tocou o ombro dele antes de dar sinais que se retiraria do escritório.

— Não se preocupe com isso, caro Joel! Eu sou macaco velho.

Joel apenas riu enquanto via William sair do cômodo. Começou a juntar os papéis dos casos Elton e Isabella que estavam espalhados pelo escritório. Estava claro que por hoje nada mais haveria de ser feito ali.

Há milhas de distância estava Edward olhando pela janela o emaranhado de pessoas que se juntavam na entrada do castelo. Vê-las ali parecia um Déjà vu maldito. Era mais ou menos a mesma cena que vira por essa mesma janela no dia do anúncio da morte de Bella. Era natural haver manifestações populares de carinho quando morria alguém da família real, mas no caso de sua esposa, foi algo realmente surpreendente. O número de flores depositadas na entrada parecia um grande oceano. Agora estava tudo se repetindo.

Ele encostou a cabeça no vidro e pensou que talvez Deus estivesse os amaldiçoando de alguma forma. Somente isso podia explicar tanta desgraça junta!

Com fúria, passou as mãos pelos cabelos e quase os arrancou. A dor física era pouca em comparação a sua emocional. Carlisle sempre fora tudo em sua vida, seu pai, seu mentor e principal exemplo a ser seguido e agora ele havia partido, o deixando em frangalhos, assim como Bella.

Por mais que soubesse que o pai estava doente e com uma idade avançada, em nenhum momento esperava que ele viesse a falecer tão abruptamente. Era quase inimaginável pensar que Carlisle não estaria mais ali. Seu pai sempre fora uma imagem tão gigante para ele que não conseguiria se quer pensar na possibilidade que a vida dele era tão finita quanto de qualquer outro ser humano. Ao pensar nisso, sentiu novamente a dor em seu coração e uma sensação que parte dele também estava morta. Quis chorar e tirar de seu peito toda aquela sensação ruim, mas não conseguiu.

A porta da sala se abriu e um dos funcionários anunciou a entrada de alguém.

— Com licença, majestade, a rainha mãe está aqui para vê-lo.

Majestade? Como assim? Então se lembrou. Com a morte de Carlisle, ele era o próximo a assumir a coroa de Belgonia. Se segurou com força na parede enquanto olhava a sua mãe se aproximar, já toda vestida de preto. Ela estava triste, é óbvio, mas trazia uma força incomum dentro de si. Esme se aproximara do filho e o abraçou. Edward se jogou nos braços dela e a segurou com tanta força que imaginou que ela pudesse ter sentindo a dor. Mas ele não queria que ele escapasse também. Isso seria terrível! Primeiro Bella depois Carlisle, sua mãe não poderia partir também e deixá-lo ali sem chão.

Esme deixou as lágrimas escaparem mais uma vez. Nunca imaginou que haveria de acordar e ao rolar na cama ter que dar de cara com o corpo frio e inerte de seu marido. O desespero foi tão grande que em sua vã esperança de trazê-lo de volta a vida quase o derrubou no chão. Naquele instante passou um filme em sua cabeça. Lembrou-se de quando era apenas uma garota vinda do interior que tivera a sorte de esbarrar no príncipe herdeiro. Lógico que naquele momento, ela sabia quem ele era. Mas no minuto que olhou para aqueles olhos azuis cristalinos, ela vira o homem que fizera o seu coração balançar e nada mais. Foi assim durante todos esses anos até o último instante.

— Sinto que estou indo junto com ele.... – Esme falou baixinho. - É incrível como é as coisas da vida... Eu convivi mais tempo com Carlisle do que com os meus pais e agora vou ter que viver sem tê-lo comigo ao meu lado.

— Mãe, me chamaram de majestade. Isso é quase um insulto pra mim. Papai era o rei que esse país precisava. Não esperaram nem ele ser enterrado para substituí-lo.

Esme deixou escorrer uma lágrima solitária e olhou fixamente para o filho. Segurou bem o rosto dele com as suas duas mãos geladas e o chamou para si. Detestava ter que ser a mensageira das grandes responsabilidades, mas esses anos vivendo dentro da realeza a ensinaram a ter força para passar por cima de quaisquer obstáculos.

— Sabe que até nesse momento você me lembra o seu pai.

— Não tenho tamanha honra, mãe.

— É verdade. Seu pai te admirava tanto! Ele sabia bem o que está fazendo quando confiou em você para substituí-lo.

Edward balançou a cabeça e a abaixou. Mesmo depois de anos ainda sentia o peso dessa responsabilidade o pesar. De repente, sentiu-se como um garotinho perdido de seus pais e as lágrimas começaram a cair novamente de seus olhos. Era estranho como os seus sentimentos eram confusos. Sentia a perda do pai e ao mesmo tempo temia o que estava por vir. Era inaceitável ter que pensar em coroa num momento como esse.

— É um sentimento estranho. Eu não acredito ainda que eu sou o novo rei desse país. Isso é loucura! Ainda mais por que papai não está mais aqui. Ele é símbolo dessa nação.

— Ele disse exatamente a mesma coisa quando o seu avô faleceu. É por ironia do destino estávamos eu e ele discutindo sobre isso aqui nesse mesmo lugar. Eu também senti medo quando vi que a hora havia chegado e ele também. Ninguém nasce sabendo, querido. Seus súditos e a situação vai lhe dizer como deverá agir.

— É tão difícil! Eu sempre imaginei que nesse momento estaria Bella e eu preparados para tudo que viesse. Tínhamos muitos planos! É claro que em qualquer situação eu estaria arrasado pela perda de papai, mas agora... Eu me sinto tão sozinho.... Ele não está mais aqui, Bella não está mais aqui... É desesperador!

— Não pense assim. – Expressou Esme com mais força. – Edward por mais difícil que isso seja, você tem que pôr na sua cabeça que hoje não é só o seu pai que está partindo, mas o Edward Cullen também. Agora é o rei Edward que deve assumir e não importa à situação, a coroa deve vir sempre em primeiro lugar.

Edward desviou o olhar da mãe e olhou para o mar de pessoas no portão do palácio. Sentiu as pernas tremerem e se não fosse o aperto das mãos de Esme nas suas teria caído. “A coroa pesa mais do que chumbo em nossas cabeças”, não era isso que Carlisle sempre lhe dissera?

— Deus salve e abençoe o rei Edward para que ele venha a ser sábio, justo e um líder habilidoso. Deus salve o homem que eu criei para ser o monarca dessa nação!

O príncipe olhou para a mãe ainda desnorteado. Não sabia como ela tirava fôlego para dizer essas palavras com tanta fé e convicção. Ela o surpreendia sempre. Mas mesmo diante da dor, sabia que ela estava certa. O momento era de seguir em frente. Era isso que Carlisle fez quando chegou a sua hora e foi um grande rei. Ele só esperava estar à altura dele.

Nesse mesmo instante, Renesme voltava ao palácio quase sem fôlego. Ainda guardava na lembrança a agitação do início daquela manhã. Acordou com pisadas apressadas e lamurias. Abriu a porta do quarto e saiu ainda de camisola e entendeu tudo ao seu redor. Seu avô partira. Lembrou-se de tudo que ele lhe dissera no dia anterior e sentiu por ele ter que se despedir. Se dependesse dela ele seria eterno. Mas isso seria pedir muito. No mesmo instante sentiu o coração afundar enquanto as pessoas passavam ao seu redor. Era um entra e sai infinito na suíte real. Ela seguiu andando até a porta e entrou silenciosamente. A primeira coisa que viu foi seu mestre, segundo pai, avô, seu rei inerte na cama sendo aprontado para o velório. Ela foi em frente e se ajoelhou diante do corpo desfalecido. Ela sentira algumas mãos a interromper, mas não se importou. Se aproximou devagar e beijou a bochecha dele.

— Vá em paz, vô. Eu te amo!

Depois disso resolveu que não queria ver ninguém. Era como se tudo de ruim que passou no dia da morte de sua mãe tivesse sendo reprisado. Precisava ter um descanso e ter um tempo só pra si. Trocou de roupa e se dirigiu até os campos de montaria na cidade. Cavalgou até o seu limite. Sentindo as lágrimas caírem de seus olhos. Era dor liquida que precisava se esvair e que ia deixando o seu corpo quase que involuntariamente. Só parou de cavalgar quando viu que seu parceiro equino já não aguentava mais a corrida. Era hora de voltar e encarar a realidade.

Ela foi entrando e vendo tudo ser construído a sua volta. Certamente Carlisle teria ao menos dois dias de velório, uma parte restrita e outra pública. Todos se aprontavam como se fosse um grande espetáculo e ela odiava o fato de que tudo ligado à realeza foi isso mesmo, um grande reality para o deleite de todos. Subiu as escadas enojada, não queria ser parte disso nesse momento. Quando abriu a porta de seu quarto viu lindas orquídeas em cima de sua cômoda. Ficou surpresa! Será que Tom tinha tido tamanha sensibilidade? Podia esperar tudo dele. Afinal, fora ele a sua tábua de salvação durante o luto da perca de Bella. Ela resolveu se aproximar das flores e sua boca desceu automaticamente ao ver a assinatura de William Lamb no cartão. O abriu com uma velocidade incomum e sentiu um certo calor com as palavras que lá continha. Sentou-se na cama ainda com o cartão na mão e ficou pensando no por que desse gesto tão lindo e inesperado.

Leu as palavras novamente e quase pôde ouvir a voz dele ali perto dela. Por mais incrível que isso pudesse parecer, ele tinha a confortado. Pegou o celular e ficou olhando para a tela por alguns segundos, decidindo se deveria ou não agradecê-lo por telefonema. Olhou para a letra elaborada no papel e decidiu que um gesto desse merecia algo fora dos protocolos. Levantou-se, abriu a primeira gaveta da cômoda e viu o cartão com o número dele. Lembrou-se do dia que ele estivera diante dela pela última vez e se surpreendeu ao desejar ouvir a voz dele. Pegou o cartão e passou os dedos pelas letras bem marcadas no papel. Se encostou no móvel e discou o número no seu celular. Ela passou alguns minutos apenas ouvindo o “Tum” “Tum” do número sendo chamado e quase desistiu. Já ia desligar quando ouviu a voz rouca de William atrás da linha.

— William Lamb.

— William... É a princesa Renesme. – Ela disse quase sem voz e se amaldiçoando por ser tão formal.

— Renesme...

— Eu não aguento mais William! É muita coisa acontecendo.... Eu estou exausta e eu me sinto tão culpada por me sentir assim. Meu avô sempre colocou todas as expectativas dele em mim e eu não posso desapontá-lo, não agora que ele se foi.

— Renesme, eu sinto tanto pelo que aconteceu. Ainda mais por ouvir você dizer isso.

 - Verdade. Eu não sei por que estou falando essas coisas para você.

— Não é isso, Renesme. Eu quero ouvi-la e aprecio a sua sinceridade, especialmente por confiar em mim.

Renesme parou um pouco e tentou recolher as lágrimas de seus olhos. William quase imaginou que ela pudesse ter desligado, mas o som da pesada respiração da princesa do outro lado da linha revelou o contrário.

— Sabe o que eu vejo quando estou em sua frente? Uma mulher iluminada. É impressionante. Você consegue fazer com que todos confiem em você, acreditem nos seus ideais. Você seduz os nossos olhos.

— Você não precisa dizer essas coisas para mim.

— Preciso sim por que é a verdade. É um momento difícil, alteza, realmente. Duas grandes perdas em tão pouco tempo é inimaginável. Eu mesmo passei por grandes perdas. Quando meu pai faleceu, eu também senti que alguma coisa aqui dentro estava partindo com ele. Eu sei que é o que todos dizem, mas é real. Um cara muito sábio dizia que não importa o que fizemos, o quanto tentamos ser diferentes, no final, somos como os nossos pais. Acho que é bem verdade... Eles nunca irão realmente embora.

Renesme permaneceu calada, não sabia o que dizer, apenas sentia agora o peso das palavras entrarem fundo no seu ser. Era incrível como William mexia com ela de alguma forma.

— Mas acho que a minha maior perda foi no dia em que eu percebi que eu tinha feito tudo errado... Minha família estava se afastando de mim. Nesse momento eu achei que nada mais fazia sentido na minha vida.

— Você realmente pensou nisso? Mas você ainda tem a sua filha, não é? Ou estou enganada?

— Tenho e foi por ela que eu não desisti de tudo. Ela me deu motivos para eu seguir acreditando e lutando para seguir em frente. E você deve fazer o mesmo. Seu avô acreditou em você por que viu seu potencial e todos nós precisamos de pessoas corajosas para enfrentáramos esses tempos difíceis. Vá e nunca deixe ninguém duvidar da sua capacidade, principalmente você mesma, mesmo que o fardo seja pesado demais para se carregar.

A linha ficou muda novamente. William sabia que a princesa digeria as suas palavras e esperava realmente que ela confiasse e acreditasse nele. Mesmo com todas as suas impressões sobre a monarquia, esperava realmente que ela prosperasse para que todo o país pudesse ter instabilidade novamente.

— William... Obrigada por tudo.

— Eu que agradeço a confiança. Espero que aprecie as flores. Elas foram colhidas aqui de Brocken Hall.

— Sim, são magníficas! Foi muito gentil de sua parte.

— Pode não parecer, alteza, mas eu lhe quero muito bem.

Renesme sentiu um calor em suas bochechas e sabia que elas estavam vermelhas agora. Tentou pensar em algo para responder. Alguma coisa decente, mas o grande som do hino nacional vindo do andar de baixo a interrompeu. Era o seu avô que estava sendo posto no salão para o velório. A princesa sentiu o coração apertar novamente. Cada minuto significava o fim que ela não queria que chegasse.

— William, devo desligar agora... Mais uma vez obrigada.

O jornalista ficou ouvido o bipe da chamada encerrada por alguns instantes enquanto refletia sobre tudo que vinha acontecendo. Ele assistia pela TV naquele instante e pelos dias que se sucederam o grande clamor das pessoas em torno da morte do rei. Assim, ele não poderia deixar de pensar que era como estar vendo diante dos olhos o fechamento de grande ciclo. A História de Carlisle se confundia com a sua própria história e com a de todos no país inteiro. Isso era bem visível no aglomerado de pessoas que se juntavam para colocar flores no portão ou para esperar por horas em uma longa fila para dar o adeus final para aquele que pouco eles conheciam de verdade, mas que quase era parte de suas próprias vidas.

Esme assistia as pessoas choraram em volta do cortejo do caixão até a abadia como se um ente querido delas tivesse partido. Ela sabia da grande popularidade de seu marido, mas ainda era impressionante ver o ato concreto disso. Chegava até a ser caloroso saber que de alguma forma todas aquelas pessoas também sentiriam falta do homem que ela amava mais do que tudo.

Durante o enterro, ouvia o som do hino nacional tocar, e enquanto via o caixão descer aos poucos para o seu lugar agora eterno, passava um filme em sua cabeça. Do primeiro instante em que o viu até aquela última noite em que esteve ao seu lado.

— Hoje vou dormir feliz. – Carlisle declarou enquanto se deitava na cama. – Como sou grato por ter tido uma família tão linda quanto a nossa.

— Eu também sou muito grata.

— Obrigado por não ter desistido de mim e por ter se aventurado nessa loucura para ficar ao meu lado.

— Não, meu bem, eu que devo te agradecer.

— Eu te amo, Essie. Sempre e para sempre.

— Eu também, Carl.

O rei, com os seus movimentos lentos, se aproximou dela e beijou os seus lábios com ternura e em seguida voltou para o seu lugar na cama. Esme o observava com encantamento. Podia haver homem mais amoroso e cavalheiro? Ela tocou a mão dele e deitou-se ao seu lado.”

— Deus salve o rei!

Esme saiu do transe ao ouvir alguém gritar do lado de fora do cemitério real. Em seguida uma chuva de palmas se espalhou para todos ao redor. Ela pensou que era mais uma manifestação em homenagem a Carlisle, mas não. Era para Edward, que saia do portão depois do enterro. Naquele momento ela entendeu tudo. Era vida que tomava o seu curso. 

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Notas finais do capítulo

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