Love is blue escrita por Lola


Capítulo 15
Capítulo 15 - O coração de Sara




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Capítulo 15 – O coração de Sara

 

“é tão delicada a linha

entre lembrar e esquecer

que muitas vezes pra te apagar

sem querer te trago de volta à tona”

 

A vida parecia correr os fatos em câmera lenta. Vocês já escutaram a música “On The Nature Of Daylight”? Do Max Richter. Não? Então escutem, agora. Sara sentia-se sob o efeito de alguma droga bastante potente, tornando qualquer acontecimento diante seus olhos, mais lento e doloroso. Era inevitável sentir-se assim. Nos últimos meses seu humor variou de extremamente alegre e agradável, à completamente desatenta e melancólica. Tudo dependia de seus pensamentos.

Observou seus colegas de trabalho reunidos e alegres, todos exaustos após um longo turno triplo, compartilhando um café em família para poderem finalmente descansar. Ela estava interagindo, quase completamente envolvida por Catherine reclamando de como sua filha estava se tornando uma adolescente rápido demais, ou pelos relatos acalorados de Nick e Warrick sobre um novo bar com karaokê. Mas era quase, um quase completo envolvimento que passou perfeitamente por todos. Grissom e Brass falavam mais baixo em um canto sobre algo aparentemente sério, enquanto Greg ficava repetindo a todo custo como todos deveriam ir no karaokê sugerido pelos amigos.

Sara olhou para sua xícara, e por um breve instante desejou que dentro dela houvesse algo um pouco mais forte do que um simples café preto e doce. Talvez algo mais ácido e não tão acolhedor como o vapor que entrava por suas narinas. Talvez algo que alterasse de verdade sua consciência e a fizesse esquecer todos os malditos pensamentos que andavam mantendo-a acordada durante a noite.

Pensamento, pensamento, pensamentos...

Ela sabia um pouco sobre eles, lembrava-se bem como nos acompanhamentos que precisou fazer após a morte de seu pai, uma psicóloga lhe explicou sobre o poder dos pensamentos. Foram longos meses, longos aconselhamentos. Como a boa garota inteligente e cheia de curiosidade que ela era, buscou inúmeros livros que explicassem o porquê das coisas, como funcionava a força do pensamento, ou porque as pessoas simplesmente escolhiam tirar a vida uma das outras. Por mais agradecida que ela fosse, e por mais proveitosos que foram suas sessões terapêuticas, tudo aquilo sobre emoções e comportamentos eram abstratos demais para uma jovem de tão pouca idade. A física aplicada não. Ela era simples dentro de sua mente aguçada e veloz, bastava juntar todos os fatos observáveis e tão bem calculados pela matemática, que você poderia explicar o universo e tantas outras coisas.

Hoje era mais claro como nem mesmo a física calcula tudo, quanto mais a motivação para amar ou matar alguém. Mas os pensamentos...

— Isso parece interessante – o tom de Grissom foi doce, aquilo a assustou.

— O que?

— O seu café – os olhos dele estavam sorrindo para ela – você está olhando fixo para ele já faz um tempinho.

Sara pegou sua xícara e terminou em um único gole o resto de seu conteúdo.

— Estava pensando.

— Sobre o que?

— Pensamentos – Sara desenhou uma expressão leve e divertida em seu rosto, sabendo que provavelmente Grissom não levaria sua verdade estranha.

— Tenho muitos deles – ele deu de ombros, também tomando um pouco de sua própria bebida.

— Tenho certeza que sim.

Os olhos doces de Grissom nublaram repentinamente, e Sara não pode mais decifrar o que se passava em sua mente. Eles apenas ficaram em silêncio sustentando o olhar um do outro, uma disputa infantil onde nenhum dos lados gostaria de ser acusado de desistir. Não havia o que temer, era apenas uma troca de olhares.

Mas então Grissom soltou um breve suspiro, sentindo pesado demais aquele simples gesto entre eles. A confusão sobre Sara subiu por seu peito e se instalou em sua garganta. Ele não estava disposto a lidar com esses sentimentos àquela hora da manhã. Ele desviou o olhar rapidamente para algum ponto neutro na mesa, e depois procurou o rosto de Sara, pedindo desculpa por alguma coisa que ele mesmo não entendia.

— Acho que está na hora de ir – o supervisor noturno olhou seu relógio de pulso e levantou, pegando sua carteira e jogando algum dinheiro sobre a mesa.

— Espero que você esteja indo para casa – Catherine alfinetou.

Grissom não se deu o trabalho em responder, apenas acenou um pequeno adeus para o grupo e saiu rápido da lanchonete.

— Você parece cansada.

Sara sentiu um leve toque em seu antebraço, era Brass.

— Acho que todos nessa mesa estão esgotados – ela olhou para o lado, sorrindo gentil para o amigo.

Nas últimas semanas o relacionamentos deles mudou drasticamente. Desde o incidente com as pastilhas e os conselhos sobre bebidas, Sara fingia não perceber as demonstrações de cuidado e atenção do detetive, mas também não se queixava delas. Era bom sentir que alguém se importava o suficiente para notá-la.

— Todos os dias eu me pego pensando o porquê de ainda estar neste trabalho – Brass recostou-se em seu assento, afrouxando um pouco a gravata – ou porque afinal de contas eu simplesmente entrei nessa bagunça toda.

— Você é muito bom no que faz, gosta do que faz.

— Sim, sim, mas me custou muito caro também – o homem deu de ombros, os olhos perdidos em algum lugar que Sara não poderia saber – meus relacionamentos, minha família.

Sara encarou o amigo, que as vezes lhe lembrava uma figura paterna que ela nunca realmente teve. Seu coração se aqueceu.

— Ainda bem que somos uma família – Sara lembrou-se de uma vez quando Nick lhe deu as boas vindas  no novo emprego – uma família não muito estruturada, mas uma família – uma risada saiu de sua garganta.

Brass assentiu, era um pensamento doce o da mulher – E você Sara, porque está aqui?

Sara franziu o cenho com a pergunta, e se atrapalhou um pouco com as palavras – Eu... ham... Grissom me ofereceu o emprego –

— Você sabe, todos sempre fomos muito curiosos para entender de onde veio essa relação de vocês.

— Nós... Nós nos conhecemos em San Francisco, eu-eu... trabalhava no laboratório local e acabei participando de uma conferência com ele – Sara disse tudo muito rapidamente.

— Você devia fazer um ótimo trabalho lá, para ter chamado a atenção de Grissom.

Uma expressão de confusão se espalhou pelo rosto de Sara, aquela conversa estava indo por caminhos estranhos.

— Onde você quer chegar com isso exatamente?

Brass riu do nervosismo claro de Sara – Oh, em lugar nenhum, apenas tentando entender algumas coisas.

— Que coisas? – ela estava entrando na defensiva.

— Olha, o que estou querendo dizer é que Grissom pode ser um grande idiota as vezes – soltou um risadinha – na maior parte delas ele é um idiota, o homem respira trabalho, consegue decorar todas aquelas citações malucas mas não pode ver o óbvio diante do próprio nariz.

— Certo...

— Mas este é Grissom – Brass levantou-se um pouquinho de sua cadeira, pegando sua carteira – tem coisas de mais naquela cabeça dura que o atrapalham – colocou outra nota sobre a mesa, junto a de Grissom – Mas uma coisa ele fez muito bem.

— O que seria?

— Você esta aqui, não é mesmo? – o detetive colocou uma mão sobre o ombro esquerdo de Sara, dando um leve aperto.

Sara não disse nada. Aquela havia sido uma conversa estranha, mas que a fez sentir-se um pouco mais feliz.  

//          

 Dias depois.

Linley.

Aquele nome ficou ressoando em sua cabeça, muitas e muitas vezes. Quando pensava que havia conseguido se distrair, lá estava ele, lembrando-a de seu passado. Essa coisa sobre evitar pensamentos, nunca conseguia durar muito tempo.

Sara caminhou lentamente pelas ruas de Las Vegas, ainda com a imagem do sorriso de Nick a provocando. Ele era um bom amigo, mereceu ser indicado para aquela promoção. Mas porque ela também não merecia?

Lábios crispados, e um intenso calor se formando atrás de seus olhos, Sara enfiou as mãos nos bolsos de sua calça e entrou rapidamente no primeiro bar que encontrou. Sentou em uma das cadeiras próximas ao balcão, e pediu sua primeira cerveja. O liquido gelado desceu por sua garganta como remédio para um moribundo após um longo período de sofrimento. O leve amargo da bebida foi neutralizando o intenso embaraço em sua garganta, acalmando suas emoções prestes a transbordarem por seus olhos.

Inspirou. Expirou. Mais um gole.

O conteúdo do último ano foi se infiltrando em sua consciência a cada leva de bebida que descia por sua garganta. O desejo por uma promoção. Grissom lhe prendendo contra a parede. Casos de abuso. Grissom e seus olhos assustadoramente azuis. Grissom obcecado por um caso onde a vítima se parecia consigo. Grissom e suas escolhas. Lembranças e mais lembranças de seu passado. Grissom e sua concha de segurança. Grissom e seus gestos doces. Mortes injustas. Grissom longe. Mortes injustas. Saudade de San Francisco. Algumas bebidas a mais. Noites de trabalho e dias sem dormir. GRISSOM.

No fim, talvez as pessoas estivessem certas sobre dizerem tão deliberadamente que não podemos escapar de nossos pais, pois em algum momento seremos uma mistura clara e assustadora deles. Mesmo que tentemos fugir e sermos o completo oposto, as evidências não mentem. Sara se viu segurando a garrafa de cerveja como seu pai fazia, e cultivando os mesmos sentimentos autodestrutivos de sua mãe. Lembrou-se das palavras de Grissom ressoando vivas em sua mente, deixando claro que não conseguia ter nada com ela. Pensou sobre sua promoção negada, e como tudo parecia ir contra os seus desejos e sonhos.

Pagou sua cerveja e saiu o mais rápido que pode do bar. Sentia-se suja, precisando imediatamente de um banho, de deitar em sua cama afundando em suas cobertas, e esquecer. Dormir até esquecer. Amanhã seria outro dia.

Entrou em seu carro e começou a dirigir devagar. As janelas abertas, o vento jogando seus cabelos para trás, o frescor da noite no deserto acalmando suas emoções. “Eu não tenho visto você faz um tempo, tenho?”, “Ela nos ofereceu uma nova vida com ela... Mas nós temos uma grande decisão para fazer, certo?”.

Foi no meio de tal lembrança que Sara se atentou para o carro de polícia logo atrás de si, sinalizando que encostasse.

Ótimo.

Tudo aconteceu muito rápido. E sinceramente, não se importava com as consequências. Não havia percebido o sinal vermelho que ultrapassou, menos ainda que estava acima do limite de velocidade. O estrago estava feito, agora era arcar com as consequências. Mas as coisas ocorreram pior do que imaginava. Quando percebeu estava na sala de espera da delegacia esperando que um policial ligasse para seu chefe, ligasse para Grissom.

Sara arqueou um pouco suas costas e encostou suas mãos uma na outra, apoiando seu queixo e olhando para algum ponto fixo do outro lado da sala. Estava tudo muito quieto, e finalmente conseguiu não pensar em nada. Mas então pode escutar alguns passos leves, e soube que era ele. Não se moveu. Uma onda de vergonha lhe subiu pelo corpo, e quando Grissom sentou ao seu lado e pegou sua mão, teve vontade de correr quilômetros e se esconder.

— Venha, vou te levar pra casa – sua voz era doce e suas palavras gentis.

No entanto ela sabia o que viria a seguir: um longo discurso sobre sua imprudência.

A mulher deixou que sua cabeça pendesse entre os ombros, sentindo o peso dos olhos de Grissom queimando sua pele. Olhou para suas mãos entrelaçadas, e ficou triste por ter descoberto a sensação de seu toque em circunstâncias tão ruins. Levantaram-se, e a mão que antes estava entrelaçada com a de Sara caiu para a parte baixa de suas costas. Em silêncio caminharam para fora da delegacia, rumo ao carro de Grissom. Ele abriu a porta para ela, e depois foi para o lado do motorista. O silêncio permaneceu.

Nenhuma palavra foi dita durante o caminho, mas Sara podia sentir a atenção do homem ao lado completamente em si. Aquilo a estava deixando nos nervos, mas não sentia-se no direito de reclamar. Provavelmente só pioraria sua situação. Encostou seu rosto no vidro gelado do carro e fechou os olhos, tentando respirar com mais calma.

— Sara?

Sentiu um calafrio subir por sua espinha. Não respondeu.

— Sara, nós chegamos – ele repetiu, com voz calma e baixa – onde estão suas chaves?

Ela se virou e pela primeira vez desde que ele chegou, o encarou diretamente nos olhos. Não conseguiu entender o que havia por trás deles.

— Estão no bolso da minha calça, eu peguei quando levaram meu carro.

— Ok – ele saiu do carro, dando a volta para abrir a porta para Sara – venha, vou te acompanhar até a porta.

— Não é realmente necessário – ela começou a dizer, mas Grissom a interrompeu.

— Mas eu quero – ele lhe estendeu a mão.

Hesitando diante do gesto, aceitou a mão de Grissom e caminhou em silêncio até a porta de seu prédio. Ainda de costas para ele, disse:

— Me desculpe, fiz besteira e você não precisava ser envolvido nisso.

Grissom não disse nada, ficou apenas esperando até que Sara se virasse e o olhasse nos olhos.

— Vou entender qualquer tipo de medida que o laboratório –

— Não estou aqui pra isso.

— Desculpe?

— Não estou aqui para falar do seu emprego – colocou a mão nos bolsos da calça, dançando um pouco sobre seus próprios pés – mas para entender.

— Eu terminei um longo turno, passei em um bar e acabei me excedendo no número de cervejas – deu de ombros, tentando controlar o tremor por trás de sua voz – nem mesmo percebi que estava andando rápido demais.

— Sara... – Grissom suspirou, fechando os olhos brevemente – você poderia ter sofrido um acidente. De acordo com o policial –

— Mas não aconteceu – ela o cortou.

— Olha, Brass veio falar comigo, ele-ele disse que... que você não andava bem nos últimos dias...

— Eu não quero falar sobre isso – Sara serrou um pouco os punhos, deixando que seus lábios se unissem formando quase uma linha em seu rosto.

— Sara, nós precisamos conversar sobre isso.

— Isso o que, Grissom? – soltou as mãos, passando-as nervosamente pelo rosto – pensei que não tivéssemos nada o que conversar – fez um gesto com a mão direita entre eles – nós não temos nada.

— Não se trata de nós, Sara, e sim sobre você... – ele não conseguia encontrar palavras para terminar sua frase. Gostaria de ser capaz de apenas abraçá-la e dizer que tudo ficaria bem, que tudo ficaria bem entre eles. Mas não era tão simples assim.

Eles ficaram em silêncio. Sara pode sentir um imenso peso cair em seus ombros, e de repente tudo que queria era entrar o mais rápido possível em seu apartamento e fingir que nada daquilo aconteceu. Grissom estava ali, com as mãos afundadas em seus bolsos e expressão séria – nitidamente preocupado. Ela não podia fazer aquilo com ele, não podia exigir o amor de alguém.

— Olha, me desculpe – retirou a chave do bolso da calça – eu não tenho sido fácil pra você nos últimos tempos... Nossa amizade... Bom... Eu acho que acabei confundindo as coisas e isso não é sua culpa – sua garganta se fechou, uma enorme vontade de chorar subiu por seu peito, mas ela ainda precisava terminar de falar – eu tenho trabalhado muito e dormido pouco – uma risada triste e discreta saiu de seus lábios – o que não é muito diferente do que sempre fiz... eu-eu só preciso de um descanso... só preciso esquecer algumas coisas – forçou um sorriso, mas fracassou.

Grissom a encarou, tentando digerir o conteúdo de suas palavras. Ela parecia tão triste, e ele sabia que tinha uma grande parcela naquele sentimento.

— Não é sua culpa... Não... Você não tem que me pedir desculpas...

A mulher suspirou e se virou para sua porta, abrindo-a rapidamente e voltando sua atenção para Grissom, um sorriso triste desenhando seus lábios. Aquele era seu limite, toda a bagunça entre eles precisava acabar naquele momento.

— A menos que você queira entrar comigo nesse apartamento, sem arrependimentos – ela estendeu sua mão até o rosto do homem, fazendo um leve carinho em sua bochecha – você pode ir – abaixou sua mão.

As expressões de Grissom endureceram indecifráveis. Seus olhos caíram para o chão, e seu peito de encheu de angústia. Ele não podia fazer aquilo – não era capaz de dar aquele passo. E quando ergueu novamente os olhos, Sara entendeu.

— Boa noite, Grissom. – uma sobrancelha se arqueou enquanto tentou disfarçar sua decepção. Aquilo já era esperado.

Ele não conseguiu dizer nada. E Sara não esperou por uma resposta. Virou-se e entrou em seu prédio, fechando a porta atrás de si. Grissom ficou ali parado, sentindo seus pés tão desobedientes quanto seus lábios.

— Boa noite, Sara – ele disse finalmente, sabendo que suas palavras não serviam para nada.

 

“e quando o amor veio a nós pela segunda vez

e mentiu para nós pela segunda vez

decidimos nunca mais amar novamente

isso era justo

justo com a gente

e justo com o amor mesmo.”

Bukowski.


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