“Shisui-san, você vai ficar bem?”

Shisui estava parado em frente à entrada da vila, seu olhar era vazio, assim como seu coração. 

Ele mirava a passagem para a cidade e o monte com os rostos esculpidos ao fundo,  como se não tivesse certeza se deveria entrar.

Em sua mente, o garoto visualizava-se em cima de um barranco, deitado sobre o chão barrento com os braços estendidos para baixo da borda, ofertados para seu amigo no pé do barranco. 

“Shisui-san!” a voz de Nara Fuyuki ainda ressoava em sua cabeça. A chuva forte e gelada caía sobre todos, mas o sangue dos ninjas frevia. 

Uma horda de inimigos aproximou-se e atirou dezenas kunais e shurikens mirando os garotos na encosta e no pé do barranco. Fuyuki estendeu as mãos, seus olhos imploravam por ajuda. 

Os dedos dos amigos se tocaram. Os inimigos estavam cada vez mais próximos.

Shisui ouviu passos apressados aproximarem-se por trás, eram os reforços da Folha. 

A precipitação de Fuyuki ao atacar antes de pensar foi a causa daquela situação. 

Todo o pelotão ao qual os dois pertenciam estava morto. Apenas os dois chunins permaneceram lutando por suas vidas. 

Fuyuki estava encurralado e a mão estendida de Shisui era sua única saída. 

‘Se você é tão incrível, por que provocou a morte de todos os outros?!’

O coração de Shisui foi repentinamente invadido por uma escuridão gélida. 

O Uchiha recolheu o braço estendido. 

Os dedos de seu amigo tocaram levemente os seus. 

“Shisuuuiiiiiii!!!!!” 

Uma chuva de kunais misturou-se à água que caía do céu e acertou o menino ao pé do morro pelas costas. 

Abandonado, Fuyuki caiu ao chão ainda com o braço estendido. Seu sangue escorreu junto à lama do chão.

“Shisui. Você fez o que pode.” era, Hatake Kakashi o capitão do time de Anbu que resgatou o único sobrevivente de Konoha naquele confronto. 

Com a fala do colega mais velho, Shisui foi trazido de volta à realidade.

Por baixo do buraco de sua máscara de raposa, o olhar de Kakashi dirigiu-se suavemente para o menino visivelmente hesitante em entrar na aldeia. 

“Eu informarei o Hokage do acontecido, tire alguns dias de folga. Depois você entrega o relatório da missão...”. o jovem Anbu era gentil.

Embora Kakashi fosse mais velho, Shisui o conhecia a muito tempo. Ele também havia perdido amigos em confronto. 

E, pelo que diziam as más línguas, da mesma forma como o Uchiha acabara de perder o seu. 

‘Hatake Kakashi, o assassino de amigos’, eram as palavras maldosas utilizadas para descrevê-lo.

Talvez Kakashi entendesse o outro, Mas a verdade sobre a morte de Fuyuki era um segredo que Shisui pretendia guardar consigo para sempre. O segundo de sua lista.

“Hm” o mais novo encerrou a conversa com um murmuro desinteressado e, sem encarar o colega, tomou o caminho de casa.

Nos últimos anos Shisui tinha mudado quase que completamente. 

Ele não esqueceu a noite em que traiu seu pai, seu clã e sua vila por um único dia. 

Após aquela noite Takashi entrou em desgraça. O clã Uchiha tornava-se cada vez mais fechado e rancoroso contra a vila. Konoha, por sua vez, devolvia com hostilidade.

Quando se tornou gennin, Shisui começou a participar das reuniões secretas dos Uchiha nos porões do santuário Nakano. 

Ali ele descobriu qual era o verdadeiro propósito do ataque ao acampamento da Pedra, quase quatro anos atrás. E, embora nenhum sobrevivente inimigo ou testemunha tenha sido apresentado à Folha, essa ação trouxe graves consequências ao clã.

O episódio causou uma postergação das negociações de paz. E, como penitência, Konoha foi levada a fazer uma série de concessões à Pedra. A fim de conseguir uma nova abertura para o diálogo. 

Mesmo sem provas, o Terceiro Hokage e seus conselheiros suspeitavam dos Uchiha. Essa desconfiança implicou na desconsideração do nome de Uchiha Fugaku para a substituição do líder da vila.

Em lugar disso, Namikaze Minato tornou-se o Quarto Hokage.

Shisui se culpava por tudo isso. Ele havia falhado em impedir que o pai seguisse aquele caminho sombrio. 

Ele se sentia impotente mediante à crescente revolta dos Uchiha contra a vila e assistia sua família e seu mundo ruirem em velocidade acelerada. 

Shisui se sentia fraco. Fraco demais para salvar qualquer um deles.

E, como consequência de sua fraqueza, mais uma tragédia. Mais um segredo. 

Fuyuki estava morto porque Shisui viu refletida no amigo sua própria impotência. O ódio de si mesmo dominou seu coração. Mas foi outra pessoa pagou com a vida.

Não foi apenas pela irresponsabilidade de Fuyuki. Não foi para levar justiça para o pelotão morto. 

Shisui invejava o amigo há muito tempo. Sentia que nunca alcançaria suas habilidades. Não importava o quanto ele se esforçasse ou aprendesse com os outros, Fuyuki estava sempre à sua frente. 

O jovem Uchiha tinha total consciência de seus atos, por mais que ninguém tenha percebido. Shisui deixou seu seu amigo morrer de propósito. 

Há quatro anos ele traiu o próprio clã em nome de seu sonho, seu apreço pela vida e desejo pela paz. 

Agora ele tinha matado seu amigo e distanciava-se cada vez mais de seu sonho...

Talvez fosse essa a verdadeira natureza dos Uchiha. 

***

‘Clã... Vila... Amigo... Vida... Morte... Guerra... Paz... O que essas palavras significam?!’ 

Shisui se tornou um ninja com o único propósito de proteger seus amigos e com as próprias mãos, ou pela recusa de entendê-las, matou um deles. 

Faltava pouco para o sol nascer e Shisui pulava entre os galhos das árvores deslocando-se velozmente para o oeste. 

A noite anterior foi dedicada aos fantasmas frescos em sua memória.

Durante toda a noite ele não conseguiu fechar os olhos. Sempre que o fazia, a imagem de Fuyuki lhe saltava à mente. 

Inicialmente era como a reencenação insistente do episódio que ele jamais seria capaz de reparar. 

Mas, à medida que a madrugada avançava, a imagem do amigo lhe chegava como um cadáver sombrio, perturbando sua consciência como se exigisse justiça. Como se exigisse que Shisui assumisse de vez uma posição.

Ele estava pronto para enlouquecer. A culpa consumia sua mente e seu corpo com um ódio crescente do mundo, dos outros, mas, sobretudo, de si mesmo. 

A escuridão tomou sua alma como substância, como se Shisui estivesse se afogando em um poço de lama. 

Por mais que tentasse fugir, a sombra apossava-se de seu corpo. 

‘O que foi que eu fiz?!?!’ 

Seus olhos ardiam ao acumular uma grande quantidade de chakra involuntariamente em torno de seu globo ocular. Um líquido quente, espesso e vermelho escorreu pelo rosto do jovem Uchiha. 

Aquilo era… poder!

Agora Shisui corria em busca de respostas. 

Ele tinha plena consciência da magnitude do poder que o havia alcançado. E, por isso, precisava decidir o que faria agora que era um shinobi em posse do Mangekyou Sharingan.

‘Que tipo de shinobi eu sou?’ 

Era a resposta para essa pergunta que ele buscava. 

Seria um shinobi de Konoha, um Uchiha comprometido com o clã, uma pessoa vil dominada pelo próprio ego…?

A resposta para estas questões não estava em sua vila. Tudo isso começou quando Shisui deixou aquela mulher escapar.

A primeira vez que sentiu o poder tomar forma na superfície de seus olhos, ele arriscava a vida para salvar seu pai. 

Mais vidas foram salvas naquela noite. E isso fez com que o jovem Uchiha acreditasse que este era o propósito de seu poder.

Mas da segunda vez... o poder que condensou-se transformando seus olhos, era fruto da culpa, do ódio e do desespero.

Ao adentrar o país da Chuva Shisui se transformou em um adolescente ruivo e magricela, usando as roupas e o brasão do lugar. 

Poderia ser apenas um instinto, mas Shisui agiu com a certeza de era ali que iria encontrá-la.

Ele confirmou a hipótese ainda antes do esperado. 

Aparentemente todos da região conheciam uma mulher de cabelos vermelhos, usuária de ninjutsu médico. 

Provocando um ferimento superficial de kunai em seu próprio braço e declarando urgência a um lavrador, Shisui conseguiu até o endereço residencial da mulher. 

A segurança daquele país era digna de pena.

‘É este o lugar!’ 

Shisui alcançaria suas respostas assim que atravessasse a clareira à sua frente. 

Ele parou antes de adentrar o território da residência, pousando em um galho espesso da última árvore. 

Depois cancelou o jutsu de transformação. Se fosse enfrentar aquela mulher seria como ele mesmo, sem qualquer disfarce.

O sol tinha nascido a algum tempo e agora colocava-se brilhante no céu límpido. 

A casa a qual o shinobi observava era rodeada por um cercado de madeira. No quintal, verde pela grama, um varal suspendia lençóis que balançavam com o vento.

“Baachan!!” a voz estridente foi acompanhada de uma criança pequena que, desengonçada, correu pela porta em direção a um jardim de flores silvestre que cresciam debaixo da cerca no entorno da propriedade “eu vou fazer uma surpresa para quando a mamãe chegar do trabalho”.