Lígia e Miguel em Ecos do Amor escrita por Lashippadora


Capítulo 2
Ecos de uma entrevista




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/798793/chapter/2

  ECOS DE UMA ENTREVISTA

 

      - Alô! – Miguel atende a ligação de Lígia.

—  Miguel??

— É ele, quem fala?

— Oi, é Lígia Macedo, a jornalista que te procurou mais cedo. Tudo bem?? Você tá podendo falar agora? – Miguel está no barco atracado na baía de Guanabara, é onde ele mora, é o lugar que ele chama de lar pois não gosta de criar raizes, prefere a instabilidade das águas do que a das pessoas. No entando, o barco é bastante confortável e provido das coisas que um homem solteiro necessita para sobreviver no mar ou em terra firme.

— Claro, pode falar. – Responde prontamente.

— Estou escrevendo sobre a importância da Antártida.

— O Lauro me falou.

— Ele me recomendou você, então acabei dando uma olhada nas suas pesquisas e me interessei muito, é justamente o que eu  busco pra colocar na minha matéria.

— Bom, acho a iniciativa muito boa! – Diz Miguel sentando na cama embutida, passando o fone de um ouvido para o outro. – Você quer marcar uma entrevista comigo pra conversar sobre minhas descobertas.

— É, mas principalmente porque você tem experiência!  Será que você pode me ajudar?

— Não faço nenhuma objeção, pelo contrário, gosto que mais pessoas procurem conhecer sobre esse assunto.

— Então posso agendar uma entrevista para amanhã?

— Você conhece um barzinho na Rodrigo de Freitas? O clima é agradável, ar livre, lá a gente pode conversar de frente pra natureza.

— Conheço, pra mim tá ótimo!  - Lígia ficou imensamente feliz por ele ter topado ser entrevistado. O bar na lagoa Rodrigo de Freitas é maravilhoso, Lígia também gosta do espaço aberto que o lugar proporciona. Ela e Irene às vezes vão lá só pra bater um papo e escapar da loucura da rotina do trabalho, é mais ou menos um pit-stop dos estressados. Então a entrevista foi agendada para as 4 da tarde.

      Quando desligou o telefone Lígia estava contentíssima porque com a ajuda de Miguel seu trabalho será concluído dentro do prazo ou até mais cedo, pois ele é a fonte certa, muito melhor do que qualquer Google. Ainda bem que tinha falado com Isabel sobre esse trabalho, felizmente a terapeuta se lembrou que o marido tem contato com o pesquisador e professor Miguel Sanches, ela não conhece pessoalmente, mas  Lauro sempre toca no nome dele durante as refeições.

        Finalmente a cozinha está limpa e Lígia pode descansar na cama, deitar ouvindo jazz no volume mais baixo possível para não atrapalhar a leituda do livro emprestado por Isabel, porém o cansaço não deixa que leia mais do que duas páginas e logo adormece com o livro aberto sobre o peito. O despertador acorda Lígia, são 15 para as 6 da manhã, está um belo dia lá fora, o Rio amanheceu ensolarado e radiante, as pessoas estão se exercitando no calçadão de Copacabana, os surfistas pegam ótimas ondas e as barracas nas praias estão todas abertas, enquanto isso, dentro do quarto, com os olhos fechados,  Lígia procura pelo celular para desligar o alarme.

— Bom dia pra mim! -  se espreguiça pra alongar o corpo e encontra o livro jogado no chão, ela guarda na mesinha de cabeceira, em seguida puxa as cobertas e vai entrar no banho. Após o banho , procura entre as roupas o look do dia, então decide usar uma calça jeans e uma blusa listrada.  Na boca o nude de sempre, nos olhos o rímel escuro e pra variar, ela calça sapatos com os saltos mais altos.  Também hoje não tomará o café em casa pois prefere passar na cafeteria , dessa forma ganhará mais tempo.  No meio do trânsito seu celular toca, Lígia coloca no viva voz para atender a chamada da mãe. Dona Dália quer notícias da promoção no Jornal onde a filha trabalha, a senhora está ansiosa pra saber de todos os detalhes. – Estou falando com a mais nova chefe de redação?

— Bom dia, né mamãe?

— Bom dia. Então, você foi promovida?

— Ainda não sabemos, nada foi decidido! – Lígia está chegando na rua do Jornal e logo terá que parar para pegar sua bebida matinal, mas enquanto isso, tem que aguentar a mãe falando sobre a importância desse cargo em sua vida. No fundo, dona Dália realiza os próprios sonhos na vida das filhas, Lígia acha isso uma bobagem porque tanto ela quanto Irene já pagaram o preço alto demais pelas decepões que a mãe suportou na juventude.

— Minha filha estou te sentindo tão desanimada!

— Deve ser porque estou ocupada com outros projetos . E de verdade não estou preocupada com isso agora.

— Como não? Lígia você não deve falar assim, você precisa mostrar interesse! – Lígia revira os olhos, está cansada das coisas idealizadas por Dália.

— Eu preciso desligar agora, estou entrando na redação. Beijos!! – Lígia está parada na frente da cafeteria, pronta para descer e sair de lá com o copo de café nas mãos.

   A sua manhã passa lentamente, a jornalista aproveita para anotar pontos que pretende discutir com Miguel, ela está animada, quer aproveitar a entrevista para caprichar na matéria, disso dependerá seus projetos para o futuro. Subir no Jornal não é ruim, se a promoção vier, provavelmente aceitará, mas ela sonha com outras conquistas, por exemplo,  com o grande prêmio Euclides da Cunha, o reconhecimento é o que toda profissional como ela sonha e aguarda desde o vocacional.

      Em meio aos cuidados para com o compromisso de mais tarde, Eliandro bate na bancada e distrai a colega, então ela ergue os olhos sobre os óculos de graus e ele está lá, parado com a cara de bobo da corte, cara de quem não desiste de levar fora. Um dia Lígia vai precisar ser mais grossa pra fazê-lo cair em si.

— Desculpa te atrapalhar, mas é que eu tô indo almoçar, queria saber se você não quer ir comigo!

   Ela sente um desconforto por causa do convite mas não gostaria de repetir a experiência do dia anterior. – Eu tenho trabalho, vou almoçar depois!

— Eu posso esperar você terminar!

— Não, que é isso?  Pode ir, não precisa esperar por mim. – Felizmente ele não insistiu, porque Lígia não saberia como fazê-lo entender que aquela situação está ficando chata.     

     Na ONG, Miguel está sentado na mesa e gira a cadeira enquanto olha pro computador, está estudando sua recente pesquisa, revendo detalhes que talvez a jornalista gostará de saber, nesse momento entra Lauro , Miguel ergue o rosto e sorri para o amigo.

— Atrapalho??

—Já acabei por aqui! – Diz fechando o laptop.

— Você tem tempo pra almoçar agora? – Miguel aceita o convite e os dois saem no carro de Lauro. Enquanto passam pelas ruas à procura do restaurante, Lauro quer saber de Miguel se ele pretende voltar para as viagens pela Antártida.

   Miguel pretende retornar em breve, mas por enquanto não tem uma data marcada. Dessa vez  passará  1 ano navegando pois quando está sozinho, desbravando as geleiras, fotografando pinguins e leões marinhos, se sente completo e realizado. A solidão que para muitos é assustadora, não é para o pesquisador, no entanto, ninguém conhece os verdadeiros motivos que fazem Miguel desaparecer sem deixar rastros.

— Essas viagens são muito importantes para você, não é?

— São sim!! Fazem parte de mim!

— Mas e se um dia você se apaixonar, Miguel, como vai ser?

— Como assim?

— Eu digo, e se um dia você gostar de uma mulher, gostar de verdade, pra valer, você seria capaz de largá-la sem mais nem menos, só pra continuar com suas aventuras?

— Antes de tudo eu não vou me apaixonar por ninguém e depois minhas pesquisas não são aventuras, elas são importantes e você sabe disso!!

— Mas vamos levantar a hipótese de você conhecer alguém e  – Lauro insiste porém Miguel corta seu raciocínio.

— Bom eu nunca vou deixar isso acontecer!

— Você fala como se tivesse o domínio do coração, mas nem tudo é como a gente quer, Miguel!!

— Lauro eu não posso deixar que nenhuma mulher se aproxime de mim esperando viver comigo dessa forma como você tá falando.

— Por que não? Você é um cara livre, disponível.

— Por favor, eu prefiro mudar de assunto!

— Tudo bem, desculpe. – Lauro continua dirigindo e se cala para respeitar o pedido do amigo, ele conhece Miguel há um bom tempo, no entanto jamais o viu acompanhado, parece que está sempre sozinho também não comenta nada sobre a vida sentimental, nunca sabe se está ou não brigado com a namorada, se é que ele tem uma. Mas para não deixar o clima tenso prevalecer, ele faz outra pergunta. – Você falou com a Lígia?

—A jornalista? – Lauro acena que sim e presta atenção na direção. – A gente marcou uma entrevista para as 4 da tarde.

— Ela é uma excelente profissional.

— Você me disse que ela é amiga de sua mulher.

— Isabel conhece a Lígia há mais de 10 anos. – A hora do almoço passou voando, ninguém percebeu a velocidade com que os ponteiros trabalhavam, por isso, o almoço passou mais rápido do que a manhã que costuma ser tão curta.

       Por volta das 2:30 da tarde, Lígia deixa a sede do Jornal para pegar o carro no estacionamento pois não quer se atrasar pegando trânstio lento. De salto e cachos soltos ela usa uma bolsa grande para caber todos os aparatos que gosta de carregar nas entrevistas.Leva as pastas com os destaques das pesquisas do entrevistado, blocos para anotações, além do gravador para arquivar toda a conversa. Lígia entra no carro e liga o som, está tocando Blowin` in the Wind, essa canção arranca um sorriso dela pois de algum jeito essa música sempre toca em certos momentos de sua vida. A jornalista passa com o carro pelos principais cartões postais da cidade. Do Corcovado sente o Cristo abençoar seu caminho, pois uma onda de sensações boas invadem seu coração e lhe dão paz. Do outro lado do bairro, Miguel está indo na mesma direção, mas está com a cabeça vazia pois é despretensioso, deseja apenas dar as informações que a moça necessita e voltar pro barco que ele chama de casa. As 15:39 Lígia para o carro no estacionamento do bar escolhido por Miguel e ocupa a vaga disponível que o manobrista destina para ela, em seguida desce segurando tudo que vai usar na entrevista, trava o carro e entra no bar que está quase vazio, porque é quinta-feira. Ela escolhe uma mesa à beira da lagoa por causa da preferência do entrevistado. Coloca a bolsa no braço da cadeira e olha pro relógio, tá perto das 4 horas. O atendente pergunta o que deseja beber,  Lígia aceita uma água com gelo e limão e avisa que está esperando uma pessoa. Nessa hora, lá fora, Miguel também chega e estaciona o carro ao lado do dela, só que ele não faz a mínima ideia dessa coincidência. Então entra e procura pela jornalista e enxerga uma mulher sentada nas mesas externas, é ruiva, está bebendo água e está sozinha, mas antes de dar um passo para ir ao seu encontro , o rapaz que atendeu Lígia pergunta se está sendo aguardado por alguém e mostra a mesma pessoa que ele já tinha percebido.

— Obrigado! – Agradece. São 4:01 da tarde, Lígia olha o relógio pela sétima vez, não gosta de atrasos pois é sempre pontual.

— Lígia Macedo?? – A voz grave de Miguel faz ela tirar os olhos do Relógio e olhar pra ele. Está à sua frente um homem alto, ombros largos, de barba e usando jeans com camisa social. É atraente, bonito, um pouco sério ou talvez tímido. Lígia sorri e se levanta para recepcioná-lo. Os dois dão dois beijos nas buchechas e então tomam seus assentos. – Eu peguei trânsito. – Miguel está quase se desculpando por chegar 1 minuto atrasado.

— Tudo bem, eu sei como é essa cidade! – Eles estão de frente e Miguel se sente desconcertado pois não esperava que a jornalista fosse tão charmosa. – O que você quer beber? – Lígia é extremamente comunicativa e desenrolada,  o oposto dele,  pois Miguel é melhor escrevendo as palavras.

— Aceito um café simples.  – Ela pede um café para ele e outra água, mas dessa vez com gás.

— Então a senhora está escrevendo sobre a Antártida?

— Me chama de você, por favor. – Miguel consente. – O Jornal me pediu para desenvolver uma coluna dedicada aos continentes.

— Você quer começar com a Antártida, pelo que entendi.

— Isso!!

— Então, o que exatamente você quer saber?

— Só um momento por favor! – Lígia pede um tempo para tirar o gravador de dentro da bolsa para começar  gravando tudo. Porém, quando Miguel ver o que ela está fazendo não gosta.

— Por favor, não quero ser gravado!

— Eu estou apenas gravando sua voz.

— Peço que não insista, ou vou embora! – Miguel se levanta e afasta a cadeira, Lígia não sabe o que fazer pois não entende a atitude dele.

— Desculpa, é só um procedimento padrão, mas se não tá legal pra você, eu paro. – Lígia desliga e devolve o aparelho para dentro da bolsa,  então ainda constrangido, Miguel senta novamente e se desculpa, explica que prefere conversar olhando no olho pois tudo que ela irá escrever deve sair do coração, das coisas que aprendeu ouvindo ele contar e não se baseando nos arquivos.

— Resumir é muito mais fácil, por isso as pessoas estão perdendo o prazer de escutar com a alma. – Lígia está impressionada, ela sempre sabe o que falar e o que expressar , mas nesse momento está completamente desarmada. Então toma ar nos pulmões, respira fundo e presta atenção à tudo que Miguel tem pra ensinar. Ele narra minuciosamente suas viagens à bordo do veleiro, fala das paisagens deslumbrantes escondidas nos paredões de gelo que se estende por todo o continente, da vida marinha e dos animais que residem somente naquela parte do mundo. Lígia esboça um sorriso quando ele narra sobre a aurora boreal, e se empolga quando o pesquisador conta a história dos pássaros que são espíritos dos navegadores que não tiveram a sorte de voltar pra casa.

— Tudo naquele lugar é único, Lígia. Mas pode acabar se o homem não mudar o comportamento.

— Percebo que você se identifica bastante com o trabalho que desenvolve. Você fala com amor, eu gosto disso, acho animador entrevistar pessoas apaixonadas pelo que faz!

— Se você gosta da natureza ela gosta de você! Respeito gera respeito, a recíproca tem que ser verdadeira, senão não adianta passar horas e horas falando aqui com você, nem com ninguém!!

— É verdade, você tem razão!!

    Miguel continua narrando as maravilhas, Lígia permanece atenta, mas de vez enquando ela se distrai com o brilho no olhar dele e então pensa como deve ser fantástico conhecer todas as coisas descritas por Miguel.  Os dois não veem o tempo passar, mas ele para de falar para fazer a jornalista apreciar o crepúsculo vespertino pois o sol está partindo e as luzes da cidade estão se acendendo. Ver o entardecer sob a perspectiva de Miguel  é a primeira vez na vida de Lígia, ninguém jamais parou com ela para visualizar o sol deixando o dia e falando coisas tão bonitas. Sem dúvidas, ela não esquecerá  essa entrevista!!

     Depois de fazê-la apreciar o pôr-do-sol, Miguel pergunta se  ficou dúvidas ou se deseja fazer mais perguntas, nesse momento acontece algo indescritível pois eles se calam e os olhos falam. Lígia gosta do que está sentindo mas ele não sabe o que fazer, então prefere finalizar a entrevista.

— Obrigado, Miguel, eu não vou esquecer  a gentileza que você me fez vindo até aqui.

— Agradeça ao Lauro, foi ele quem insistiu que eu viesse.

— Claro, agradecerei sim!!

— Espero que sua matéria ajude na conscientização das pessoas! – Ele se levanta. – Bom, eu vou agora! – Lígia também sai da cadeira para se despedir. Miguel estende a mão para ela e aperta educadamente. Ela está serena porque a noite tem o poder de deixá-la mais bonita, então  sorri e Miguel  vai embora abalado com algo que ele não sabe o que é. Lígia permanece de pé olhando o moreno sumir pela porta do bar, em seguida toma suas coisas e faz o mesmo, só que Miguel ainda está no estacionamento, está dentro do carro quando a jornalista passa do lado. Ela pega as chaves e abre a porta, nessa hora, uma rachada de vento bagunça seus cabelos. Graças ao vidro fumê, ele pode observar sem ser visto.  Curiosamente, Miguel não sabe o porque gosta do jeito dela, nem sabe porque não consegue sair dali.

— Você sabe que essa mulher não é só para encontros casuais, Miguel!! – Ele deixa o pensamento sair alto enquanto Lígia consegue sentar no banco. Ela liga o carro, acende os farois, dá ré e deixa o local.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Lígia e Miguel em Ecos do Amor" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.