A Song of Kyber and Beskar escrita por Gabi Biggargio


Capítulo 17
Capítulo XVI - Nebulosa


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus amores! Como vocês estão?

Cá estou eu com mais um capítulo fresquinho pra vocês. Espero muito que gostem! Pessoalmente, esse é um dos meus favoritos até agora, 100% focado no Qui-Gon!



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O Jedi não se lembrava ao certo do que havia pensado quando entrou no hiperespaço. Na verdade, aquilo fora a coisa mais estúpida que já fizera na vida. “Não precisa calcular a rota R3”, ele dissera ao pequeno droide astromech acoplado nos fundos da nave doada pela Casa Real de Naboo. “A Força irá nos guiar”.

Ele conseguiu ouvir o bipe de desaprovação do droide no exato momento em que fechou os olhos. “Vá até o lugar de origem da Força na galáxia, nas regiões do Núcleo”, ele se lembrava da figura de sua visão ter lhe dito isso. Mas o Núcleo era uma região muito vasta. Esse tal lugar de origem da Força poderia estar em qualquer lugar dos milhares de anos-luz do núcleo.

Já seria isso parte de seu treinamento? Seria esse o seu primeiro teste? Encontrar esse lugar?

O que ele pensava em fazer era loucura... Entrar no hiperespaço a esmo era um absurdo. Era insano e inconsequente. As chances de se chocar violentamente contra um asteróide ou mesmo um planeta, logo no primeiro segundo, eram absurdas. Afinal, era para isso que os droides astromechs estavam acoplados às naves. Para calcular uma rota no hiperespaço e garantir que o piloto da nave saísse com vida dela.

Mas, como o droide iria calcular uma rota para um local que nem mesmo Qui-Gon sabia qual era?

Havia uma única forma de chegar a esse local, então. A forma absurda, insana e inconsequente. Mas a única forma possível.

De olhos fechados enquanto a sua nave vagava a esmo acima da atmosfera de Naboo, Qui-Gon empurrou uma alavanca à sua frente. Ao som dos gritos desesperados do droide astromech, a nave adentrou o hiperespaço.

 

— Viu, R3? Eu disse que não precisava se preocu...

Foi o que Qui-Gon começou a dizer assim que saíram do hiperespaço. Mas ele jamais completou à frase, pois, à sua frente, algo o silenciou completamente. Uma visão que arrepiou cada pelo de seu corpo, deixando-o temporariamente petrificado. Apavorado e inebriado ao mesmo tempo, perplexo com a beleza e com o poder do que via à sua frente, dando-lhe um calafrio interminável.

A frente da nave, encontrava-se uma imensa nebulosa. Mas, ao contrário das demais nebulosas que Qui-Gon já vira na vida, aquela emitia uma intensa, maravilhosa e mortal luz dourada. Como se toda a sua infindável e imensa extensão fosse feita do mais puro ouro de toda a galáxia. Ramos serpenteavam ao seu redor, em movimentos ritmados e hipnotizantes, quase como se... tivesse vida?

— R3, onde estamos?

Qui-Gon queria a localização exata. Aquele lugar precisava ser inserido no mapa da galáxia, mais cedo ou mais tarde.

— Como assim seu localizador não funciona? – ele perguntou impaciente após o bipe do droide. – Consegue, ao menos, identificar o que há no interior da nebulosa?

Mais um bipe, mais uma negativa.

— Então, nós vamos ter que ir pessoalmente descobrir.

O droide bipou continuamente em puro desespero, crente de que adentrar a nebulosa seria o fim dos dois.

— Sim, R3, eu estou nervoso – assumiu Qui-Gon. – Mas não com medo. A Força não me mandaria a um lugar desses para me matar. Não agora, pelo menos.

Dito isso, o mestre Jedi acionou uma das alavancas à sua frente e a nave se adiantou para a nebulosa. Conforme se aproximava, a escuridão do universo que o envolvia desaparecia e a nave era cercada pela claridade ofuscante da nabulosa. Os controles tremiam nas mãos de Qui-Gon e já não pareciam mais responder aos seus comandos.

— Está controlando a nave, R3?

Mais um bipe, mais uma negativa. E, pela primeira vez, Qui-Gon estava com medo. A nave tremia, seu interior se tornava cada vez mais frio. Ele encostou no assento, sem saber o que esperar, mas vendo na meditação e na sua fé na Força as únicas formas de se acalmar.

Ele fechou os olhos. Ele respirou fundo. A nave tremia cada vez mais. A nave se tornava cada vez mais fria...

Até que tudo cessou. A nave não mais tremia e o frio fora substituído por um calor inexplicável. Quase como se alguém estivesse ao seu lado. Um calor vivo.

E, finalmente, Qui-Gon se permitiu abrir os olhos.

Ali, no centro da nebulosa e envolto por um céu dourado, havia um pequeno planeta. Pequeno, não. Minúsculo. Acinzentado e com a superfície craquelada, com pequenos vulcões que liberavam na atmosfera uma poeira dourada que era captada pela nebulosa, colorindo-a.

Sem que Qui-Gon ou R3 manipulassem os controles, a nave foi guiada até a superfície aparentemente deserta e morta do planeta, aproximando-se da cratera de um desses vulcões: um local pedregoso e rodeado por centenas de formações de cristais de diversos tamanhos.

E, mesmo diante do desconhecido, Qui-Gon se sentia... bem. Não havia mais ansiedade ou medo. Apenas uma sensação inexplicável de bem-estar que ele jamais alcançou em nenhuma de suas meditações, mesmo as mais intensas. Uma sensação de bem estar que parecia se elevar em escala logarítimica conforme se aproximava da nuvem de poeira dourada que emanava da cratera.

Alguns segundos foram necessários até que Qui-Gon percebesse que já estava, novamente, sob controle da nave.

— R3, vamos descer na cratera – ele disse. – Sim, nós vamos! – o Jedi completou ao ouvir os bipes de protesto do droide.

Contra a vontade do astromech, Qui-Gon guiou a nave para o interior da cratera, baixando-a lentamente. E, pela segunda vez naquele dia, ele se surpreendeu. Diferentemente da superfície morta e devastada, o interior da cratera era um lugar cheio de vida.

O interior da cratera era, na verdade, uma imensa e colossalmente gigantesca caverna. Em seu interior, ilhas flutuantes, tal qual como a sua superfície (tantos metros abaixo), abrigavam toda a forma de vida vegetal que se pudesse imaginar, conhecida ou não. Plantas que pareciam animais ou animais que pareciam plantas? Seriam necessariamente animais ou plantas? Ou seria algo que jamais havia sido visto na história?

Mas algo retirou Qui-Gon de seus devaneios. Um vulto escuro que pareceu cruzar o seu campo de visão, voando de um lado para o outro, perdendo-se em meio a todas aquelas formas da vida da mesma maneira repentina com a qual surgira. Antes que pudesse chegar a uma conclusão, a nave chegou à superfície e ele a pousou.

E, no momento em que abriu a nave, a sua terceira surpresa. Não havia ar. Mas ele também não precisava respirar. Era estranho... Como se, ali, seu próprio corpo pudesse se auto-sustentar. Como se, cercado por toda aquela vida, respirar se tornasse algo quase que supérfluo. Irrelevante.

“Bem vindo, Qui-Gon Jinn.”

Assustado ao ouvir aquela frase tão claramente em um lugar aparentemente desprovido de vida inteligente, o mestre Jedi se virou. E, à sua frente, ele reconheceu o vulto que vira instantes antes: a figura misteriosa que tivera durante seu período de inconsciência na caverna. Flutuando, a figura trajava uma túnica preta da cabeça ao pés, utilizando uma máscara mortuária com uma expressão serene.

— Quem é você? – Qui-Gon perguntou.

“Isso é relevante?”, uma voz, nem masculina e nem feminina, ecoou sem sua cabeça.

A figura pousou. Ao redor do ponto que seus pés tocaram o solo, mais e mais plantas surgiram. Instantaneamente. Quase como se fosse... magia? Não... “Magia” era um termo impróprio utilizado pelos não-sensitivos para explicar a Força entre si. Para um usuário da Força... e, principalmente, para um Jedi... o uso daquele termo era uma heresia. Mas Qui-Gon não conhecia nada na Força que pudesse explicar aquilo.

“Venha comigo”, disse a figura, após se colocar cara a cara com o perplexo Jedi. “Precisamos começar o seu treinamento.”

A figura, então, deslizou, afastando-se de Qui-Gon lentamente, o suficiente para que ele pudesse segui-la.

Sim... o treinamento... afinal, era por isso que Qui-Gon estava ali.

Conforme a figura deslizava, as plantas se deslocavam, abrindo passagem para ela e para Qui-Gon. As plantas se deslocavam como se não houvesse raízes, mas, ao mesmo tempo, mantinham-se firmes ao solo. Era um tipo estranho de vida, de fato.

— O que, realmente, eu devo saber sobre tudo isso?

Qui-Gon resumiu todas as suas perguntas naquela que mais lhe atormentava. Era mais do óbvio que a Força tinha desígnios específicos para ele, mas o Jedi se encontrava confuso, sem saber em que lugar ele se encaixava nos imensos planos da Força. Seria a sua participação tão importante assim?

“Você sabe o que precisa saber para esse momento”, ele ouviu a voz em sua cabeça e, nesse momento, uma pequena construção se tornou visível entre as plantas. “Logo outros momentos irão chegar. Então, logo você saberá mais.”

A construção tinha uma forma ovóide, feita de uma material sólido que lembrava concreto, mas, o mesmo tempo, parecia diferente de tudo o que Qui-Gon já vira na vida. E, apesar de sua consistência, essa se assemelhou a um plasma quando uma porta oval se abriu, um buraco formado pela retração do material sobre si mesmo. A figura se manteve imóvel, do lado de fora da porta. Mesmo sem que ela dissesse uma única palavra, Qui-Gon soube que ela esperava que ele adentrasse a construção. Assim ele o fez, sendo surpreendido pela quarta vez.

Era um espaço pequeno, que muito se assemelhava a uma cabana. Mas o teto e as paredes eram decorados com entalhes de runas. Runas que ele não conseguia ler, mas que, por algum motivo, pareciam-lhe familiares. Apenas quando a porta se fechou, após a figura se juntar a ele no interior da construção, foi que Qui-Gon se lembrou da visão que tivera durante seu sono, logo após ser resgatado: estava em um pedaço do próprio espaço, caminhando por pontes invisíveis marcadas por runas muito semelhantes às que via no interior da cabana.

Quando as runas começaram a brilhar em um laranja fosforescente, Qui-Gon percebeu que não estava mais sozinho com a figura misteriora: outras haviam se juntado a eles, tranjando túnicas e máscaras mortuárias muito semelhantes, mas se diferenciando entre si pelas expressões contidas nas máscaras. Alegria, medo, raiva, dúvida... Várias expressões que sumarizavam todos os sentimentos que Qui-Gon sentira desde que chegara naquele lugar tão pitoresco.

“O que faz aqui?”, perguntou agressivamente figura cuja máscara mortuária expressava raiva.

— Eu que pergunto – retrucou Qui-Gon, educadamente. – Por que fui convocado a esse lugar? Ela – ele apontou a primeira figura – me disse em uma visão que preciso aprender a manifestar minha consciência após a morte. É verdade?

“Por que estamos fazendo isso com ele?”, a figura cuja máscara mortuária expressava tristeza se adiantou para a primeira, a mais serena delas. “Ele não vai conseguir. Ninguém vai.”

“Não somos nós que decidimos isso, mas a Força”, foi a resposta. “A Força nos incumbiu desse trabalho, e não é nossa função questionar. Nossa função é exercer o que nos foi ordenado e ensiná-lo o Grande Dom. Tenho a benção de vocês para começar o treinamento?”

As figuras não responderam. Elas se encararam por alguns segundos, flutuando sobre Qui-Gon. Por fim, elas se aproximaram em um abraço coletivo e Qui-Gon pôde ouvir todas falando, em uníssono “Que assim seja, por todas são uma e uma são todas.”

Quem raios eram aquelas pessoas? Qui-Gon não fazia idéia de por onde começar a responder a própria pergunta, mas lhe era muito mais do que evidente que aqueles seres eram extremamente poderosos na Força. E algo lhe dizia que ele deveria se sentir muito grato – e muito honrado – por ter sido escolhido para aprender com elas. Mas, mesmo assim, a dúvida ainda assolava o seu coração.

Quase como se lendo os seus pensamentos, a figura serena se adiantou e perguntou:

“Você veio a nós com apenas boas intenções e luz em seu coração?”

— Eu vim cumprir com o meu dever, seja ele qual for – Qui-Gon foi o mais sincero possível em sua resposta.

A figura serena se afastou e todas elas se deram as mãos. No instante seguinte, sem saber se havia dado a resposta correta, Qui-Gon viu todas elas começarem a rodar à sua volta. Inicialmente, devagar. Mas, conforme ganhavam velocidade, o mestre Jedi já não mais conseguia distinguir uma da outra. Até que, por fim, sua visão foi ofuscada por um intenso lampejo de luz.

No instante seguinte, Qui-Gon se viu deitado em meio às plantas, do lado de fora daquela misteriosa cabana. À sua frente, diversas pequenas ilhas flutuantes pareciam formas uma trilha até uma ilha maior, onde, evidentemente, ocorriam uma tempestade. Quase como se o interior daquela caverna tivesse um clima e um microclima próprio.

— Vai me dizer onde estou? – ele perguntou, quando a figura serena voltou a surgir à sua frente. – Ou o que devo fazer?

“Você está em um dos poucos lugares na galáxia onde a Força se origina”, ela começou a explicar. “Esse é lugar de paz e, principalmente de equilíbrio, onde a Força-viva, liberada de um ser vivo quando ele morre, retorna para a Força-cósmica, reabastecendo um estoque quase ilimitado de Força no universo e permitindo que essa seja, novamente, convertida em Força-viva, em algum lugar da galáxia. Uma reciclagem e um transporte de Força que os Jedi, atualmente, chamam de midchlorians. Você está aqui para aprender a quebrar esse processo, mantendo a estrutura da sua Força-viva intacta mesmo após a morte, sem que ela retorne para esse local.”

— E assim, podendo manifestar minha consciência após a morte – Qui-Gon arriscou.

“Exato”, respondeu a figura. “E, antes de mais nada, para que você possa preservar todo o seu eu após a morte, você deve saber exatamente quem você é. Cada virtude e...”, a figura apontou para a ilha maior, sob a tempestade, “... cada defeito.”

A figura se afastou em silêncio.

E, nesse momento, Qui-Gon sabia que estaria sozinho dali por diante.

 

A ilha sob a tempestade muito se assemelhava ao restante da cratera, com plantas esquisitas e formações de cristais. Mas se diferenciava no fato de que tudo ali estava morto ou morrendo. O solo era seco e pedregoso, as plantas estavam quebradiças e até os cristais tinham sua superfície irregular e desgastada. A sombra das nuvens acima dava ao local uma aparência macabra, fazendo com que um calafrio percorresse a espinha de Qui-Gon no momento em que ele pisou lá pela primeira vez.

No restante da cratera, o Jedi sentia uma intensa presença da Força. Nem de luz, nem das trevas. Mas da Força. Mas, naquela ilha em particular, ele sentia uma intensa presença do lado sombrio. Uma presença estranha, como se ele estivesse sendo observado, seguido, analisado por alguém com a única intenção de lhe causar mal. Um mal que ele desconhecia, mas que, por algum motivo temia profundamente.

— Quem está ai? – ele perguntou no exato instante em que o som de folhas secas se partindo chegou aos seus ouvidos.

Ele se virou rapidamente na direção do som, observando atentamente as folhagens secas na intenção de identificar qualquer movimento. Por alguns segundos, ele se manteve imóvel, a mão a centímetros do sabre de luz preso em seu cinto. Seu coração disparando em seu peito, uma gota de suor frio escorrendo pelo seu rosto.

Então, Qui-Gon viu.

Uma lâmina de plasma verde surgiu entre as folhagens, aproximando-se e saindo em direção à clareira onde ele estava. E, com ela, ele viu duas pessoas. A primeira, uma figura humanóide na forma de uma sombra, apontava um blaster para as folhagens, atirando repetidamente. A segunda, também humanóide e na forma de sombra, brandia o sabre de luz, defletindo os disparos do blaster enquanto se aproximava de seu combatente.

A primeira figura arremessou algo contra o seu agressor, mas esse, com um rápido movimento de mãos, usou a Força para desviar o objeto, uma granada de mão que explodiu a alguns metros dele. Qui-Gon podia sentir na Força o desespero da primeira figura enquanto ela se afastava, retirando um segundo blaster e atirando repetidamente. Mas isso não era nem de perto o suficiente para conter o suposto Jedi: esse, defletindo os disparos com a lâmina de seu sabre, conseguiu se aproximar. Com um golpe, ele destruiu os dois blasters de uma vez. Com um segundo golpe, o homem caiu ao chão, com os joelhos feridos e incapaz de andar.

“Por favor...”, Qui-Gon ouviu a primeira sombra implorar, levantando os braços acima do rosto, em uma tentativa inútil de se defender do sabre de luz que o Jedi brandia acima de sua cabeça.

Apenas nesse instante, Qui-Gon percebeu o que estava acontecendo.

Estava de volta a Dantooine. E, por mais que abominasse a agressividade do Jedi no combate, ele percebeu que aquele Jedi não era ninguém mais, ninguém menos, do que ele mesmo. Prestes a executar aquele tirano de forma tão fria. Estava mais do que claro que a ilha queria que ele revivesse seu momento de maior dúvida e fraqueza. Mas, para quê? Com qual finalidade a ilha o colocaria de volta naquela memória?

“Para mudar o que aconteceu”, ele disse pra si mesmo.

Claro... A ilha lhe dava uma segunda chance. Não de mudar o que havia acontecido, isso era impossível. Mas de se redimir com a Força.

Em um salto, Qui-Gon agarrou o sabre de luz em pleno ar, pousando no chão ao lado dos dois combatentes a ponto de conseguir bloquear o próprio golpe: lâminas amarela e verde se encontraram e, no instante seguinte, o Qui-Gon-sombra o olhou furiosamente.

Seu rosto era de uma fumaça escura como a treva no coração do mais odioso dos Siths, mas ele ainda conservava alguns traços do Qui-Gon original. Seus olhos vermelhos brilhavam na escuridão daquela ilha, parecendo ver a alma do próprio Jedi.

— Eu esperava você aqui – disse a sombra.

E, nesse momento, a sombra mudou seu oponente: em um rápido giro, ela se afastou de seu oponente derrotado e atacou Qui-Gon com o sabre de luz. Em instantes, os dois estavam engajados em um violento duelo, talvez o mais violento que Qui-Gon já entrara na vida. E a sombra parecia prever cada um de seus movimentos, assim como ele podia prever os dela: os dois lutavam com a mesma forma de combate.

Mas não era essa a questão. Mais do que a forma de combate, a sombra era Qui-Gon. Os dois eram a mesma pessoa. Os dois oponentes se conheciam melhor do que qualquer um. Se assim o era, os dois estariam engajados em uma luta eterna. E, no momento em que Qui-Gon chegou a essa conclusão, a sua sombra pareceu chegar também: a sombra ria e parecia se divertir com o duelo.

A primeira figura arremessou algo contra o seu agressor, mas esse, com um rápido movimento de mãos, usou a Força para desviar o objeto, uma granada de mão que explodiu a alguns metros dele. Qui-Gon podia sentir na Força o desespero da primeira figura enquanto ela se afastava, retirando um segundo blaster e atirando repetidamente. Mas isso não era nem de perto o suficiente para conter o suposto Jedi: esse, defletindo os disparos com a lâmina de seu sabre, conseguiu se aproximar. Com um golpe, ele destruiu os dois blasters de uma vez. Com um segundo golpe, o homem caiu ao chão, com os joelhos feridos e incapaz de andar.

“Por favor...”, Qui-Gon ouviu a primeira sombra implorar, levantando os braços acima do rosto, em uma tentativa inútil de se defender do sabre de luz que o Jedi brandia acima de sua cabeça.

Apenas nesse instante, Qui-Gon percebeu o que estava acontecendo.

Estava de volta a Dantooine. E, por mais que abominasse a agressividade do Jedi no combate, ele percebeu que aquele Jedi não era ninguém mais, ninguém menos, do que ele mesmo. Prestes a executar aquele tirano de forma tão fria. Estava mais do que claro que a ilha queria que ele revivesse seu momento de maior dúvida e fraqueza. Mas, para quê? Com qual finalidade a ilha o colocaria de volta naquela memória?

“Para mudar o que aconteceu”, ele disse pra si mesmo.

Claro... A ilha lhe dava uma segunda chance. Não de mudar o que havia acontecido, isso era impossível. Mas de se redimir com a Força.

Em um salto, Qui-Gon agarrou o sabre de luz em pleno ar, pousando no chão ao lado dos dois combatentes a ponto de conseguir bloquear o próprio golpe: lâminas amarela e verde se encontraram e, no instante seguinte, o Qui-Gon-sombra o olhou furiosamente.

Seu rosto era de uma fumaça escura como a treva no coração do mais odioso dos Siths, mas ele ainda conservava alguns traços do Qui-Gon original. Seus olhos vermelhos brilhavam na escuridão daquela ilha, parecendo ver a alma do próprio Jedi.

“Eu esperava você aqui”, disse a sombra.

E, nesse momento, a sombra mudou seu oponente: em um rápido giro, ela se afastou de seu oponente derrotado e atacou Qui-Gon com o sabre de luz. Em instantes, os dois estavam engajados em um violento duelo, talvez o mais violento que Qui-Gon já entrara na vida. E a sombra parecia prever cada um de seus movimentos, assim como ele podia prever os dela: os dois lutavam com a mesma forma de combate.

Mas não era essa a questão. Mais do que a forma de combate, a sombra era Qui-Gon. Os dois eram a mesma pessoa. Os dois oponentes se conheciam melhor do que qualquer um. Se assim o era, os dois estariam engajados em uma luta eterna. E, no momento em que Qui-Gon chegou a essa conclusão, a sua sombra pareceu chegar também: a sombra ria e parecia se divertir com o duelo.

“Como espera que isso acabe?”, a sombra o questionou, zombando dele. “Acha que um dos nós ai conseguir derrotar o outro?”

E, nesse momento, a sombra reagiu. Ela girou em seus próprios calcanhares e, com um movimento rápido, afastou o sabre de Qui-Gon para o lado, permitindo que ela enterrasse o próprio sabre no peito do Jedi. E, nesse momento, Qui-Gon sentiu uma imensa dor. Uma dor paralisante que iniciava em seu peito e parecia se dissipar para todo o seu corpo. Uma dor que durou até o momento em que a sombra retirou o sabre de seu peito.

E, então, não havia mais dor. Não havia nada. Era como se nada houvesse acontecido a ele. Não havia um furo em seu peito, não havia um rasgo em suas roupas. Ele estava intacto, vivo.

— Como...? – ele se questionou aos sussurros.

Nesse momento, a sombra assumiu a posção ereta, exibindo o próprio peito para Qui-Gon. Curioso, o Jedi avançou o sabre lentamente para apunhalar seu adversário, mas, surpreendentemente, esse não ofereceu resistência. Ele deixou ser apunhalado e, da mesma forma, nenhuma lesão ocorreu à sombra.

O que raios a Força queria com aquilo? Colocá-lo em um duelo contra si mesmo sem que um pudesse derrotar o outro? Qual era o ponto? Como terminaria aquele combate?

A sombra se afastou e Qui-Gon, finalmente, percebeu o que estava acontecendo.

Ele não deveria derrotá-la. Deveria se juntar a ela.

Eram a mesma pessoa. Ele, um Jedi que acreditava ter controle sobre si mesmo. Ela, uma figura espectral que nada mais era do que todos os seus defeitos. Mas, ainda assim, parte dele. E ele, mais do que ninguém, deveria saber aceitar isso.

Nesse momento, a sombra, caminhando para trás, se posicionou ao lado do tirano de Dantooine, ainda caído, gemendo de dor. E Qui-Gon soube exatamente o que deveria ser feito. Porque ele já tinha feito isso antes. Certou ou errado, pouco lhe importava. Era o necessário. Para o Conselho, uma heresia. Para Dantooine, uma vitória. Mas, e para Força?

Qui-Gon se juntou à própria sombra ao lado da sombra do tirano. Os dois se olharam por um instante. Estavam juntos naquilo. O Qui-Gon sombra sorriu para o original, ciente de todo o conflito que se desenvolvia em suca cabeça.

Juntos, os dois brandiram seus sabres de luz acima da cabeça.

No momento em que as lâminas de plasma tocaram a sombra do tirano dantooiniano, as duas sombras se dissiparam, desaparecendo da clareira e dando lugar à primeira figura com a qual Qui-Gon tivera contato, a com a máscara mortuária serena.

“Você passou no teste”, ela anunciou. “Mas, agora, deve passar pelo seu segundo teste. Deve enfrentar as tentações do Vale da Extinção.”

E, nesse momento, a figura flutuante apontou para a periferia da clareira. Na direção que ela mostrou, algumas árvores se movimentaram, da mesma forma que ele vira antes, formando um extenso corredor de escuridão.

Olhando atentamente para o tal vale, Qui-Gon, finalmente, desativou o seu sabre.

O Jedi avançou a passos lentos, as palavras da figura ainda ecoando em sua mente. Conforme avançava, uma névoa começou a rodeá-lo. E, em meio a toda a sua nebulosidade, Qui-Gon pode ver as plantas ao seu redor mudando de forma. Quando a névoa, finalmente, se dissipou, ele já não mais estava na floresta, mas no hangar de uma nave.

E havia o som de sabres de luz se chocando.

Imediatamente, ele se virou para olhar. De um lado, ele reconheceu uma figura espectral, que vestia um traje robótico preto em um capacete que muito se assemelhava a um crânio. Qui-Gon reconheceu imediatamente a figura de suas várias visões. Aquele ser segurava um sabre de luz vermelho e duelava contra um homem idoso, que segurava um sabre de luz azul. Demoraram alguns segundos até que o Jedi reconhecesse quem era o tal homem, mas seus traços eram inconfundíveis. Era Obi-Wan, muitos anos no futuro, já velho e cansado. Claramente em desvantagem.

Seu primeiro impulso foi avançar. Ajudar seu antigo Padawan naquele duelo. Mas algo lhe chamou a atenção. Uma porta ao seu lado se abriu e três pessoas adentraram o hangar: um homem alto e loiro, uma jovem trajada com roupas semelhantes à da realeza de Alderaan e um rapaz loiro com roupas de fazendeiro. E, da mesma forma que com a figura robótica, Qui-Gon reconheceu o terceiro rapaz. Durante seu sono induzido após o regaste, Qui-Gon tivera uma visão daquele rapaz, alguns anos mais velho do que via naquele momento, enfrentando uma figura muito poderosa no lado sombrio ao qual ele havia chamado de “alteza”.

O que a Força queria lhe dizer com aquilo?

“Ben...”, Qui-Gon ouviu o terceiro rapaz sussurrar.

E, mesmo à distância, Obi-Wan pareceu ter ouvido o chamado. Idoso, Obi-Wan apenas sorriu. E Qui-Gon reconheceu esse sorriso, já o tinha visto dezenas de vezes. Sabia que Obi-Wan tinha um plano. Sabia o que tinha que fazer.

Nesse momento, Obi-Wan assumiu uma posição de guarda. Mas não uma posição defensiva. Uma posição serena, de quem apenas esperava o seu destino se cumprir. E, por algum motivo, Qui-Gon sabia exatamente o que estava prestes a acontecer.

Mas não podia deixar acontecer. Não podia deixar que Obi-Wan fosse morto. Não ele. Não seu Padawan. Não seu querido e amado filho.

O Jedi agarrou o sabre de luz e o ativou, avançando contra o ser robótico que brandia seu sabre de luz vermelho, preparando-se para o golpe que tiraria a vida de Obi-Wan. Mas algo o impediu. Sua confiança em Obi-Wan, talvez. Afinal, seu Padawan não entregaria a própria vida dessa forma tão simples e sem propósito se não houve algo maior por trás de tudo. Algo que ele não compreendia, mas que Obi-Wan, certamente compreendia.

“Confie em seu Padawan”, era quase como se Qui-Gon conseguisse ouvir a si mesmo.

Mas, por quê? O que haveria de mais importante? Mais importante do que a vida de Obi-Wan? O que valeria a morte dele? Foi então que Qui-Gon percebeu o rapaz ao seu lado. O rapaz que, anos depois, estaria enfrentando aquele ser robótico e a tal “alteza”. Como um estalo em sua cabeça, Qui-Gon entendeu. Não se tratava dele, não se tratava de Obi-Wan. Tratava-se daquele rapaz, daquele fazendeiro. E não cabia a ele, um simples Jedi, entender o porquê. Cabia a ele garantir que fosse cumprido.

Essa era a sua missão.

Com dor em seu coração e usando uma força descomunal para não intervir, Qui-Gon assistiu Obi-Wan se golpeado e morrer. Uma lágrima escorreu de seus olhos quando soube que aquilo era necessário, quando viu o sabre de luz vermelho rasgar as roupas daquele que um dia fora seu Padawan.

Mas, não houve corpo. As roupas caíram ao chão, vazias. Obi-Wan havia desaparecido.

“Não!”, ele ouviu o rapaz gritar.

Qui-Gon se virou a tempo de ver o jovem apontar o blaster para frente, atirando contra o assassino de Obi-Wan. Soldados vestidos de branco que se encontravam entre o rapaz e os duelistas se viraram contra ele e começaram a atirar.

Não havia tempo para lamentar a morte de Obi-Wan. Havia um propósito. Um dever a ser cumprido.

Qui-Gon estendeu a mão para frente e, com a Força, conseguiu fazer com que os disparos dos soldados fossem desviados, passando longe de atingir o jovem fazendeiro. Esse, por sua vez, parecia confuso. Como se estivesse ouvindo uma voz de alguém que não estava ali, olhando para os lados com uma expressão perplexa.

Independentemente do que ouvira, havia funcionado: o rapaz atirou algumas vezes antes de conseguir subir em uma grande nave próxima. A rampa foi recolhida e, em poucos instantes, a nave estava fora do hangar, direcionando-se para o espaço aberto.

O lampejo de luz da nave entrando no hiperespaço ofuscou as retinas de Qui-Gon e, em instantes, ele estava de volta a floresta, com a figura mascarada à sua frente, flutuando sobre um pequeno lado na orla da floresta. Um lago cujas águas terminavam em uma ampla cachoeira.

— Então é isso? – quis saber Qui-Gon. – Eu vou ser responsável por esse garoto?

“Você estará morto muito antes que esse garoto seja concebido”, disse a figura, serena. “Mas sem a sua intervenção, ele jamais existirá. Você será responsável por colocar as peças certas, no local certo, no momento certo.”

— E como devo fazer isso? – ele perguntou.

“Em breve, você vai se deparar com algo que vai te impressionar mais do que tudo o que está vivendo agora”, a figura lhe explicou. “Um garoto. Um garoto que será desacreditado pelo seu Conselho, mas que é será mais importante do que qualquer outra pessoa. Um garoto que será a peça-chave para tudo o que está prestes a acontecer. E o seu trabalho é garantir que ele se torne um Jedi.”

Tudo aquilo ecoava na cabeça de Qui-Gon, resgatando memórias e conhecimentos. Ele já havia ouvido algo assim antes, quando ainda era um Padawan subversivo que gostava de estudar temas que o próprio Conselho preferia ignorar. Como profecias.

— Você está se referindo à profecia do Escolhido?

“Vocês, Jedi, o chamam assim”, a figura serena respondeu. “Entre nós, ele tem outro nome. Mas sim, é a ele a quem me refiro.”

— E o que isso tem haver com meus testes? – Qui-Gon quis saber.

A figura o olhou por alguns instantes, como se analisasse se ele era digno da resposta.

“Em seu último teste, você fez o que seus instintos julgaram o que era certo”, foi a resposta. “Deixou seu Padawan ser morto para que um destino maior se concretizasse, mesmo sem saber que o que estava para acontecer. Você faria o mesmo por esse garoto que vai encontrar se soubesse o que ele vai fazer?”

— E o que ele vai fazer?

A figura se afastou e, por algum motivo, Qui-Gon imaginou que ela deveria estar rindo dele.

“Isso não ter diz respeito”, ela respondeu. “O que te diz respeito é que deve ser feito.”

E, finalmente, Qui-Gon entendeu. Diferentemente do que ele havia pensado antes, ele não era a causa e nem a solução para nada. Ele era apenas mais uma peça em um imenso tabuleiro controlado pela própria Força. Uma peça na “grande ordem das coisas”, como Maz havia lhe dito em Takodona. E não cabia a ele entender, não era ele quem controlava o tabuleiro. Cabia a ele executar.

Aquele era a sua ordem. Aquela era a sua missão.

Mais do que qualquer ordem que o Conselho lhe desse, transformar aquele menino em um Jedi era o que a Força queria dele.

“Mas agora, para concluir o seu treinamento, você deve passar pelo último teste”, a figura continuou.

As outras figuras flutuantes se materializaram ao lado da primeira em um intenso lampejo de luz. A cuja máscara mortuária expressava raiva foi a primeira a avançar.

“Você voltará para Coruscant”, ela disse. “Lá, deve enfrentar os Siths e tudo que você mais teme!”

Houve silêncio. Qui-Gon encarou aqueles seres por um instante. Para ele, estava mais do que claro como concluir o seu treinamento e quais eram os seus deveres. Mas, havia uma última dúvida que ele ainda não tinha uma resposta.

— E quanto ao retorno dos Siths? – o Jedi perguntou, por fim. – Qual o meu papel nisso tudo? Devo comunicar o Conselho?

A figura cuja máscara mortuária expressava tristeza foi quem se adiantou.

“Se o Conselho não vai acreditar em você quanto ao garoto, você acha que vão acreditar em você quanto a algo dessa magnitude?”

— Então, o que devo fazer? – Qui-Gon estava impaciente. Não nervoso, mas ansioso.

“A única coisa que te resta a fazer”, foi a resposta da figura com máscara mortuária expressa dúvida.

Antes mesmo que aquele ser lhe respondesse, a resposta se formou em sua cabeça. Ele já sabia qual era. Em Dagobah, Qui-Gon conversara com a alucinação do mestre Sith. E ele havia utilizado exatamente as mesmas palavras com a qual aquele ser flutuante e misteriosa havia se dirigindo a ele: havia uma única coisa que ele podia fazer em relação ao retorno dos Siths. Para sinalizar a real importância e veracidade desse retorno. Para convencer o Conselho de que o retorno dos Siths não se tratava apenas de uma ameaça fantasma, mas de um destino certo que se aproximava a cada momento.

— Morrer... – ele sussurrou.

E, dessa forma, todas as figuras desapareceram. Da mesma forma repentina que havia surgido.


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Notas finais do capítulo

E ai? O que acharam?

Comentem, meus amores! Adoro interagir com meus leitores, ver as reações de vocês com a leitura, e estou sentindo bastante falta disso. Vamos interagir, meus queridos ♥

Beijinhos e até o próximo!



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