Sai brevemente antes de Anna-Ester bater a porta de seu apartamento, enquanto ela trancava a mesmo olhei em volta para o corredor. Quando Anna-Ester passou apressada por mim, parei minha inspeção e agilizei meu passo para acompanhar ela. Minhas cortesias haviam acabado, agora Anna-Ester iria sofrer todos os malefícios possíveis de ter uma alma penada á assombrando.

Quando o elevador chegou no último andar ela cumprimentou o porteiro de forma amigável e abriu as portas bonitas que davam acesso a rua, logo após ter saído da residência tomei impulso e subi nos ombros de Anna-Ester, eu não tinha o mesmo peso físico que pessoas normais mas fornecia um peso muito diferente, ela abaixou os ombros sem nem mesmo perceber, além de me sentir menos vulnerável a claridade perto dela, também conseguia receber um pouco da energia de Anna-Ester, substituindo essa mesma energia por uma sensação de cansaço e desconforto. Alguns humanos haviam apelidado essa mesma sensação de “peso” o que teoricamente não deixava de ser.

Ela arrumou algumas vezes a mochila em seus ombros enquanto caminhava pela calçada de um parque que aparentemente fazia parte do caminho de sua faculdade, ela cruzou a rua indo em direção a uma cafeteria que ficava praticamente á duas quadras de seu apartamento, onde também era possível ver a entrada de sua faculdade.

Sai de seus ombros enquanto ela fazia seu pedido, andei pela cafeteira olhando em volta os detalhes do local até que meus olhos se encontraram com o de uma mulher, ela estava olhando diretamente em minha direção como se realmente conseguisse me ver. Encarei novamente a garota ruiva esperando que ela fizesse alguma coisa mas após um tempo ela apenas desviou o olhar e continuou andando, dei de ombros com o acontecimento recente e comecei a andar atrás de Anna-Ester que nesse momento saiu rapidamente do café andando em direção a faculdade.

Já dentro do campus acompanhei Anna-Ester até ela parar de forma abrupta e acenar para uma garota de cabelos completamente pretos que estava sentada embaixo de uma árvore repleta de flores roxas, deveria ser um jacarandá – era incrível a capacidade de reconhecer o nome das flores quando você já partiu dessa para melhor.

A garota que se aproximou era bonita de um jeito diferente do de Anna-Ester, seus olhos negros como seus cabelos chamavam atenção em sua pele levemente leitosa, ela também era um pouco mais alta que Anna-Ester. Com as duas conversando enquanto andavam, consegui descobrir que a garota era a mesma que Anna-Ester estivera falando no outro dia, Lise.

Anna-Ester e Lise se sentaram em uma das cadeiras do amplo auditório, descobri logo depois que era uma sala de cálculo depois dos choramingos de Anna-Ester e o sorriso satisfeito de Lise.

Com a cabeça apoiada em seus braços bebericando o café pelo canudo, Anna-Ester começou a reclamar.

— Nossa hoje eu dormi muito mal– levando uma de suas mãos até seu pescoço e continuou – Acredita que acordei com torcicolo? Está uma dor terrível. Eu nem consigo virar meus pescoço direito para a direita.

— Você dorme toda encolhida, eu falei que isso iria acontecer algum dia – Lise falou abrindo o caderno que estava olhando ao ar livre.

Anna-Ester fez uma careta mas logo depois sorriu.

— Aquele rapaz estava te olhando novamente hoje – falou com um sorriso malicioso se formando enquanto olhava para a amiga – Sabe o bonitinho.

Lise apenas suspirou como se estivesse impaciente. Mas antes que ela respondesse Anna levantou sua cabeça olhando para um ponto específico sendo acompanhada de Lise.

— Ela está realmente fingindo que não viu a gente? – Anna falou de forma cômica mas deixou transparecer um suspiro.

— Ela sempre faz isso, nem sei porque você ainda se surpreende – Lise falou fechando o caderno novamente e começando a se levantar – Vamos, ela faz isso por timidez.

Enquanto Anna e Lise pegavam suas coisas, olhei para a garota de cabelos chocolate que ambas falavam, ela tinha entrado em silêncio e se sentado a duas fileiras de distância, olhando agora ela parecia um pouco encolhida.

Acompanhei as duas garotas e quando elas entraram na fileira de carteiras juntas para se sentarem do lado da garota, entrei em uma fileira à frente e segui ambas até me sentar e me virar para vigiar Anna novamente.

— Ah, oi meninas – a garota de óculos falou claramente tímida.

Ambas as garotas responderam o seu comprimento  e se sentaram.

Fiquei lá escutando suas conversas e provocações em silêncio, eu sei que não deveria gostar de Anna-Ester e muito menos de suas amigas, mas elas eram pessoas bem divertidas.

Acompanhei a chegada de mais uma garota, essa era um pouco diferente das outras três, ela tinha o cabelos loiro cortado de uma forma meio repicada que o deixava com um volume rebelde além de algumas mechas coloridas e uma franja estilosa, ela se sentou despojada do lado de Lise e passou uma das mãos sobre seus ombros dando um tapa breve na parte de trás da cabeça de Anna-Ester que a encarou com um olhar irritado.

— Vocês viram o garoto bonitinho da Lise? – perguntou sem cumprimentar as outras, indo direto ao assunto.

— Eu vi! – Anna falou levantando uma das mãos e batendo um dos ombros em Lise.

— Engraçado vocês falam tanto desse garoto mas eu nunca vi ele – falou a garota de cabelos pretos – Ainda acho que vocês estão tentando me enganar.

— Elas não estão mentindo, hoje eu vi ele quando estava entrando na faculdade – a garota tímida de óculos que descobri a alguns minutos atrás que se chamava Angely disse de forma baixa levantando os olhos de seu caderno.

— Até você, Angely! – Lise falou como uma acusação que apenas despertou um sorriso na garota de óculos – Vamos falar da paixonite da Anna-Ester, isso sim é um assunto bom – falou tentando mudar o foco do assunto e conseguindo.

— Verdade, como foi ontem? – a garota de cabelos loiros falou – Não me diga que aquela sua amiguinha foi junto é estragou tudo.

— Claro que ela foi. O trabalho era em grupo, Eloise – Anna falou olhando para a loira como se fosse óbvio.

— Não gosto nada daquela menina. Ela parece um pouco possessiva – Eloise estalou os dedos em direção a Angely que estava no lado oposto da fileira – Lembra aquele dia que estávamos indo para o refeitório e ela parecia achar que a Anna era propriedade dela e saiu arrastando ela quando a gente se aproximou?

Era meio estranho imaginar Angely e Eloise andando juntas, uma era completamente tímida e a outra era cheia de atitudes, era quase incompatível imaginar as duas sendo amigas. 

— Ela é meio estranha, parece não gostar muito da gente, Anna. – Angely falou olhando para a amiga ao seu lado.

— Vocês estão enganadas – Anna defendeu – Ela até me deu um creme ontem.

Levantou o braço e o cheirou de leve, aquilo quase me provocou risadas. Talvez as amigas de Anna estivessem certas, a garota que falavam não queria realmente seu bem já que por causa dela agora eu estava assombrando sua vida.