28 de Março – Planície de Efraria – Primavera

O parque de Efraria era iluminado pela ascensão da lua cheia logo acima, sendo uma típica noite clara, um alívio para herbívoros que viviam ali, pois com a cautela se vem a visibilidade. Diferente dos outros viventes do parque, um em especial estava aflito enquanto fazia seu caminho pelas folhas secas. Era uma fêmea de lobo cinzento, sozinha no breu da floresta. Tinha em seu pescoço o típico colar de rastreamento que nos possibilita identificá-la, o apelidaram de “Silver”, a única sobrevivente de um massacre que aconteceu com a alcateia Sussurros da Noite, após saírem do parque e acabarem em um local de caça.

Ela havia passado grande parte do inverno esperando pelo retorno de sua alcateia, mas ao fazer aquela escolha ela não só se salvou mas sim como outras vidas dentro de seu ventre, sim, Silver ficou prenha durante do inverno, mas infelizmente o isolado que a engravidou não apareceu mais nas redondezas, e a equipe de estudo do parque supõe que ele tenha sido pego por uma armadilha de caçadores, que estavam invadindo a reserva. A neve derreteu e acabou alagando a floresta que o sol não toca, sendo uma das primeiras vezes que viu algo dessa magnitude acontecer, mas com a morte de sua alcateia ela não podia mais viver naquele ambiente hostil por conta própria, a fazendo se mover para o norte em direção as regiões montanhosas onde havia territórios propícios para serem usados.  

Suas costas eram formadas por uma grossa camada de pelo com uma tonalidade escura, mais voltada para cinza quente, que ia ficando mais claro no formato de degrade. Possuía grandes olhos âmbar e uma estrutura esbelta, agora alargada dos lados por conta de sua futura ninhada, que ela sentia que já estava por vir, tinha que ser rápida.

Os odores trazidos pela leve brisa alertavam a fêmea sobre o caminho oculto pelas sombras, estava ciente de que bestas a observavam na escuridão das árvores. A tensão percorria a sua espinha conforme adentrava a fundo na imensidão da floresta. Algo lhe dizia que a vida de seus filhotes poderia acabar em instantes se não fosse cuidadosa.

Seus aguçados ouvidos captaram o som de galhos sendo quebrando em meio as sombras. Seus instintos primários a forçaram a parar e checar. Pôde ver olhos brilhando em meio a ausência de luz. A besta, escondida entre as árvores e incomodada com sua presença, não pensou muito antes de investir contra o canídeo que já começava a correr. Ao emergir da escuridão e agora iluminada pelo luar a criatura finalmente pôde ser analisada pela loba que para o seu alívio era somente um velho alce irritado, criaturas sábias e solitárias que sempre estavam observando, mas fortes demais para serem caçadas e sem interesse para a maioria das coisas, não foi difícil se afastar dele em segurança.

Naquela noite as estrelas se comunicaram com a futura progenitora, guiando e sussurrando em seus ouvidos conselhos e promessas que soavam utópicas, porém a atenção da loba estava voltada para o astro iluminado logo acima que trazia luz ao caminho a frente, evidenciando um grande lago que refletia as constelações acima. Silver se banhou no reflexo do que acreditava ser o próprio cosmos, se revigorando ao entrar em contato com cada estrela que encandecia o seu ser, trazendo forças e determinação que a mesma não conseguia compreender.

Após nossa loba cruzar as águas calmas da madrugada conseguiu observar algumas rochas mais ao fundo, que formavam uma cavidade interna perfeita para o seu uso como toca. Se aproximando conseguiu ter a confirmação que o local estava vazio, nem se quer Baguara, a feroz puma que reinava aquela região com garras de aço, havia descoberto o local. Era um presente da própria lua para ela, que antes havia sido usada por outros isolados que vagavam pela paisagem desolada. Naquele dia três novas vidas saíram do ventre materno de Silver, seres que haviam sido abençoados pelo cosmos.