Onde crescem as rosas selvagens escrita por themuggleriddle


Capítulo 4
1.3




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A garota que encarava Hermione no reflexo da janela que dava para o fundo do Lago Negro tinha olheiras fundas sob os olhos e uma expressão vazia no rosto. Ela franziu o cenho em uma tentativa de imitar a si mesma quando ficava irritada, mas a feição parecia falsa naquele rosto fantasmagórico no fundo do lago. Seu pai costumava imitar a filha quando ela estava irritada em uma tentativa de fazê-la rir. Aquilo não funcionava muito quando a própria Hermione tentava imitar a si mesma.

O som de conversas preenchia o salão comunal. Um grupo de garotas estava parado perto da entrada, arrumando seus cachecóis e toucas, vestindo luvas e capas, prontas para encarar o dia frio que as esperava do lado de fora do castelo. Dorea e Arantxa haviam convidado Hermione para as acompanhar no passeio até Hogsmead, mas a garota apenas as olhou de forma vazia e disse que preferia não sair. Aquela expressão, Hermione havia aprendido, era tão efetiva quanto o seu rosto bravo. As pessoas tinham tanto medo do vazio emocional quanto da raiva.

Pelo vidro, olhando através do seu próprio reflexo, a bruxa acompanhava o movimento de suas colegas. Os cabelos loiros de Malfoy, parcialmente escondidos por debaixo de um gorro de lã, se destacavam no meio do grupo. Depois de alguns minutos, elas saíram e Hermione pôde voltar a se concentrar, sem a conversa incessante atrás de si.

A garota respirou fundo, se levantou da poltrona na qual estava sentada e estendeu os braços acima da cabeça, esticando a coluna. Sua respiração pareceu trancar enquanto tirava os sapatos e os empurrava para debaixo da poltrona, pouco antes de sentir seus dedos formigarem ao enfiar a mão no bolso da saia para sentir o cabo da varinha ali guardada.

Olhando novamente para o reflexo na janela, Hermione sentiu uma leve pontada de satisfação ao ver algo diferente em seu olhar. Era sutil, mas algo entre as sobrancelhas um pouco franzidas e os lábios tensos dava a impressão de determinação. Ela sentia falta daquilo, de se sentir determinada a fazer algo, fosse estudar ou ajudar seus amigos.

A pontada de determinação havia voltado desde que Hermione notou que quase todos os alunos da Sonserina iriam sair naquele fim de semana. A sensação era pequena e frágil, mas estava lá. Ela se forçava a lembrar de coisas que já havia feito e que haviam necessitado de determinação (ou talvez fosse teimosia e, quem sabe, uma pitada de maldade): a acne mágica de Marietta Edgecombe, as vestes incineradas do Professor Snape, Neville petrificado no meio do salão comunal, a memória de seus pais… Ela podia ser aquela Hermione outra vez, bastava se esforçar um pouquinho.

Hermione puxou o ar com força outra vez e apertou o cabo da varinha entre os dedos. Ela nunca havia sentido remorso após ter tomado medidas extremas, não quando essas medidas extremas eram necessárias para ajudar ou proteger aqueles que ela amava. A necessidade a empurrava para tais ações e, no fim, as situações se resolviam da melhor forma possível, em parte por conta do que ela havia feito (junto, é claro, com a imprevisibilidade de Harry e a criatividade de Ron).

Em silêncio e sentindo os pés demorarem mais do que o normal nos degraus, a bruxa subiu até o dormitório feminino. O local estava vazio, como esperado, fazendo com que ela pudesse observar tudo com calma. A cama que prendeu a sua atenção foi a mais simples depois da sua, com menos objetos pessoais extravagantes pendurados no dossel ou na mesa-de-cabeceira.

Hermione segurou a respiração por um segundo enquanto esticava a mão para encostar no caderno que descansava sobre o travesseiro, ao lado de um frasco de tinta fechado. Desviou os dedos então para um suéter jogado no meio da cama. A lã era mais grosseira que as das roupas fornecidas por Arantxa Malfoy e, na barra da peça, uma etiqueta de tecido exibia o nome “T. M. Riddle” em letras de forma.

Aquele suéter poderia facilmente pertencer ao T. M. Riddle que ela havia planejado conhecer, ao rapaz órfão que crescera em Londres e que um dia se tornaria Lord Voldemort. Era confuso e irritante pensar que aquele nome agora pertencia à outra pessoa, alguém tão diferente e tão similar ao mesmo tempo. Thomasin, apesar do corpo, era Tom em todos os aspectos: na inteligência, na magia forte, na solidão conhecida no orfanato, na ambição exacerbada pela Sonserina, no sangue mestiço, na elegância conquistadora e nas palavras bem calculadas e convincentes. Thomasin Riddle tinha tantas chances de se tornar algo como Lord Voldemort quanto Tom Riddle. Aquele universo tinha tantas chances de ganhar um novo Lorde das Trevas quanto o seu, mesmo com todas as diferenças entre eles.

Hermione notou que seus dedos agora agarravam o suéter com tanta força que suas articulações estavam esbranquiçadas. Em sua cabeça, um zumbido incômodo deixava tudo mais confuso e a impedia de elaborar melhor os pensamentos, algo que havia se tornado comum desde que chegara naquele tempo.

A garota puxou a varinha do bolso e foi na direção do banheiro do dormitório.

Na Grifinória, o banheiro era relativamente simples, parecido com o que esperava de um banheiro comunitário em um colégio qualquer. Na Sonserina, a realidade era outra.

A pedra escura do chão e das paredes parecia brilhar mais do que o normal, provavelmente fruto de algum feitiço de polimento, e a luz esverdeada que entrava pelas janelas dava ao local uma atmosfera sombria e elegante. Ao invés de chuveiros coletivos, ali haviam duchas individuais, cada uma separada por boxes de madeira e cortinas de veludo verde escuro. As pias, todas distribuídas em um balcão hexagonal de pedra esculpida, tinha torneiras prateadas em formato de serpentes. Entre as pias e os chuveiros, duas colunas de pedra formavam um arco e, dentro deste, mais cortinas verdes estavam penduradas. No centro do cômodo, no entanto, estava a maior extravagância: uma banheira de pedra grande o suficiente para acomodar ao menos seis pessoas. Pela experiência que tivera desde a sua chegada, a bruxa sabia que era raro alguém usar a banheira, afinal, não valia a pena enchê-la para ficar apenas cinco minutos sem ter outra pessoa interrompendo o momento de relaxamento.

Foi ali que Hermione encontrou Thomasin.

Por entre o vapor que se erguia da água quente, era possível ver a cabeça da garota descansando sobre a beirada de pedra da banheira. Em algum lugar entre seus pensamentos interrompidos pela metade, Hermione notou que fazia sentido Riddle querer se dar o luxo de um banho como aquele, afinal, na Londres da década de 40 um banho quente era como um tesouro.

Em um dos bancos próximos às pias, as roupas de Thomasin estavam dobradas, ao lado da varinha de madeira pálida esculpida no formato de um osso. Hermione respirou fundo, aproveitando por alguns segundos o vapor perfumado que enchia o banheiro, antes de guardar a varinha no bolso outra vez. Riddle estava desarmada e seria injusto atingi-la pelas costas com um feitiço.

O banheiro estava imerso no mais absoluto silêncio e o zumbido estava cada vez mais alto nos ouvidos de Hermione, agora misturado à sensação pulsátil causada pelos batimentos acelerados. Ela se aproximou da banheira, erguendo as mãos e sentindo as pontas dos dedos cada vez mais amortecidas.

Um movimento sutil de Thomasin e o barulho da água foram o suficiente para que Hermione entrasse em ação.

Antes que percebesse, suas mãos estavam na cabeça de Riddle e os dedos estavam enroscados nos cabelos escuros enquanto Granger a forçava para debaixo da água. Para alguém menor que a própria Hermione, Thomasin tinha uma força assustadora: ela tentava empurrar-se para cima e erguia os braços acima de si, alcançando a outra bruxa e apertando os seus pulsos e antebraços. Hermione segurou com mais força os cabelos da garota e subiu na beirada da banheira para ter mais acesso a ela, vendo o corpo pálido da outra se debater sob a água.

Seus braços doíam, tanto da força que fazia para manter a cabeça de Riddle submersa quanto pelos arranhões e apertos que sentia em sua pele. De vez em quando, ela podia ver o nariz ou a boca da garota surgir na superfície por alguns segundos, o que fez com que ela fizesse mais força e se debruçasse mais sobre a água. O zumbido havia cessado, assim como todo e qualquer pensamento, e tudo que sobrara fora o próprio coração em seus ouvidos, o barulho da água se agitando e seus próprios grunhidos.

Havia algo diferente crescendo no peito de Hermione. Uma sensação curiosa de euforia ao notar que estava conseguindo manter Thomasin mais tempo debaixo da água e uma satisfação ao perceber que as unhas da garota agora não a atacavam com tanta força. Ao se dar conta daquilo, Granger sentiu seus braços relaxarem por um segundo, travados pela hesitação e surpresa, as quais duraram apenas o suficiente para ela se lembrar que precisava fazer aquilo. Também foi tempo suficiente para Riddle alcançar o seu suéter e a puxar para a frente com toda a força contida naqueles braços magros.

O mundo girou por alguns segundos, logo antes de Hermione atingir a água. Com os dedos ainda enroscados nos cabelos de Thomasin, Hermione puxou o ar assim que voltou à superfície. Viu Riddle com a cabeça para fora da água, respirando em grandes golfadas de ar e tentando se afastar. Com um grunhido quase animalesco, Granger a puxou para trás e a forçou para baixo até conseguir passar as pernas por cima dos ombros da outra para ajudar a mantê-la ali.

E, então, algo a acertou das costas com força o suficiente para que ela soltasse Thomasin e batesse contra a beirada da banheira. Com as costelas doloridas, a bruxa sentiu Riddle se desvencilhar de suas pernas e então ouviu a respiração ofegante da sonserina. Antes que pudesse se virar, alguém a agarrou pelos ombros e a ergueu da água, fazendo-a gemer cada vez que sentia seu corpo bater nos degraus da banheira, antes de ser jogada no chão.

Quando ergueu o rosto, viu a ponta de uma varinha entre os seus olhos. Do outro lado, havia Arantxa Malfoy com olhos cinzentos faiscando e lábios repuxados em uma expressão quase assustadora. A frente das vestes da garota estava completamente encharcada e seus dedos apertavam a varinha com tanta força que começavam a perder a cor.

“O que você estava fazendo!?” perguntou Malfoy por entre os dentes.

Hermione ficou em silêncio, levando uma mão até as costelas doloridas. Atrás de Arantxa, Thomasin estava arqueada por cima da beirada da banheira, sacudindo com a tosse forte que a assolava. A garota sentiu os olhos arderem e cerrou os punhos, as unhas machucando as palmas das mãos. Aquilo era mais assustador que encarar o seu bicho-papão: em questão de segundos, havia perdido a chance de fazer o seu trabalho e a segurança que Hogwarts oferecia. Riddle e Malfoy iriam levá-la até o diretor e ela seria expulsa.

“Não vai falar nada?” Arantxa insistiu, encostando a varinha sob o queixo de Hermione e o erguendo.

“Arantxa.” A voz de Riddle saiu rouca e baixa, mas foi o suficiente para fazer a loira se virar com prontidão, tal qual um cão que ouve o apito de seu dono.

O rosto de Thomasin estava mais pálido do que o normal e seus cabelos eram um emaranhado molhado em sua cabeça. Apesar da aparente fragilidade, com movimentos lentos e respiração entrecortada, a garota manteve o rosto sério enquanto se erguia e saía da banheira. Como se a situação já não fosse esquisita o bastante, a sonserina permaneceu de pé, encarando Hermione por alguns segundos, sem se importar com a poça de água que se acumulava ao redor de seus pés.

Hermione abaixou o rosto ao vê-la se ajoelhar na sua frente, mas logo sentiu os dedos de Riddle segurarem o seu queixo e erguerem o seu rosto outra vez. O rosto dela, pálido o suficiente para destacar as sardas no dorso do nariz, não parecia estar tomado pelo ódio como esperado, mas por curiosidade. Os olhos azuis analisavam todo e qualquer detalhe com minucia e Granger sentiu o estômago revirar ao notar uma pequena mancha avermelhada que circundava a íris do olho esquerdo da garota. Lembrou-se da aparência de Voldemort que Harry descrevera: olhos vermelhos com pupilas em fenda, como uma cobra.

A bruxa abriu a boca para falar, mas sentiu o ar faltar quando as mãos de Thomasin se fecharam ao redor de sua garganta. A pressão dos dedos não era suficiente para lhe cortar o ar, mas ela sentia como se algo estivesse lhe trancando a traqueia. Magia. Riddle estava usando magia para asfixia-la, mas também fazia questão de manter os dedos em seu pescoço, apertando o suficiente para que suas unhas a machucassem.

Quando o ar voltou a entrar, Hermione ouviu-se puxar a respiração de forma brusca, perdendo o equilíbrio e sendo amparada por Riddle.

“Não vai me dizer por quê fez isso, não é?” a sonserina perguntou com uma voz aveludada. Granger sentiu-se enjoada ao notar que ainda estava sendo segurada pela outra de forma quase que delicada. “Tudo bem, não precisa falar agora.”

Thomasin se levantou e, com a água ainda pingando dos cabelos e escorrendo pelo corpo, apanhou a toalha que havia deixado do lado da banheira. Como se nada tivesse acontecido, ela se secou com calma, antes de desembaraçar os cabelos com os dedos.

“Venha aqui,” disse Malfoy, que até então havia permanecido em silêncio e em guarda, e se aproximou da outra.

Hermione observou a loira afastar os cabelos escuros do rosto da colega e torcer o nariz ao notar a mancha avermelhada em seu olho. Ela ergueu a varinha e murmurou algo, fazendo o sangue acumulado ao redor da íris se dissipar, como que absorvido pelos capilares que irrigavam a área. Com uma delicadeza surpreendente, Arantxa ergueu a outra mão e passou a ponta dos dedos abaixo do olho de Thomasin, limpando as gotas de água ali.

Hermione observou as duas saírem do banheiro, Arantxa arrancando os sapatos e Thomasin enrolada na toalha. Assim que a porta se fechou atrás delas, a garota voltou a sentir dificuldade para puxar o ar e estremeceu com soluços. Só notou as lágrimas quando uma delas escorreu para o canto da boca, espalhando o gosto salgado pela sua língua. Por baixo da frustração, no entanto, ela sabia que as garotas não a denunciariam para o diretor. Aquele momento bizarro regado a água e vapor perfumado seria um segredo delas. Ninguém saberia como as manchas arroxeadas foram parar em sua garganta ou como Thomasin acabara com os ombros arranhados e uma terrível dor no pescoço.

No entanto, ela sabia que aquilo não passaria despercebido. No momento em que Hermione tentou afogar Thomasin Riddle, ela havia, sem querer, comprado o interesse e curiosidade da garota.


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