Primeiro, havia apenas a escuridão, seguida pelo silêncio completo. Era sempre assim, como se não existisse nada ou como se ela mesma não estivesse ali. Mas ela estava. E, ao se ver cercada pelo vazio novamente, o medo já a tinha deixado porque aquela cena se tornara familiar há muito tempo.

O cheiro de terra molhada era sempre a primeira sensação a lhe cortejar, seguido pelo barulho intenso do trovão que rompia a ausência de som. O fim do silêncio sempre era o momento em que o coração dela disparava, como se as batidas mais altas entrassem no mesmo ritmo da tempestade, enquanto o vento forte soprava contra a sua pele desnuda, arrepiando-a até o ultimo dedo do pé. E, por fim, no mesmo instante em que as primeiras gotas de chuva começavam a cair e escorrer pelo seu corpo, o raio cortava o céu completamente negro, sem lua e sem estrelas, rompendo-o e dividindo-o em incontáveis partes.

E, assim que o flash de luz atingia seus olhos, ela acordava sentada em sua cama com a lembrança de um milésimo de segundos do céu partido pelo relâmpago. Seu coração ainda estava acelerado, como sempre, acompanhando a respiração ofegante. Sua testa estava coberta pelo suor. Era como se ainda estivesse presenciando aquele momento e, ainda assim, independente dos sintomas que demonstrava, não havia temor em suas reações.

Aquele pesadelo nunca fora, de fato, um pesadelo.

Às vezes, aparecia quase todas as noites. Poderia desaparecer por meses e até mesmo anos para então voltar sem aviso algum. A repetição poderia ser causa para receio, porém ela não acreditava em premonições ou avisos. Além disso, sempre que presenciava aquela cena, a sensação não era a de estar vendo algo que ainda estava por vir, e sim de voltar ao passado. A familiaridade do cenário não se dava através da repetição; na verdade, desde a primeira vez, a sensação era a mesma. Entretanto, o que ela estava revivendo, exatamente, ainda seria impossível dizer.

Como ela sabia que não conseguiria voltar a dormir como em todas as outras ocasiões em que fora acordada abruptamente pelos trovões, levantou-se, abriu a janela e sentiu a luz do sol atingir seus olhos quase que de imediato. Já era hora de acordar, mesmo que o despertador não tivesse tocado.