Chuva de verão escrita por Juillet


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Eu passei a maior parte do tempo sem saber o que escrever, e quando eu comecei a ter uma ideia, eu passei mais um bom tempo sem saber como escrever.
Nesse último mês eu fui muito inspirada pela imagem do meu avô paterno morrendo (de câncer). Foi uma das coisas mais tristes que eu já vi e me fez pensar nessa história desse jeito.
Boa leitura!



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Eu soube que teria a doença poucos meses depois de completar dezessete anos de idade. Meu pai, com quem jamais tivera uma conversa de verdade até aquele momento, excluindo comentários sobre o sol e a chuva durante o café da manhã, me chamou do quarto em que ele dividia a cama com minha mãe, me pediu para sentar ao seu lado e contou seu diagnóstico. 

— Papulária.

— Quanto tempo?

Uma gotinha de suor discreta escorrendo do topo de sua testa até a sobrancelha grossa.

— Ainda tenho pouco mais de um ano, eles disseram. Não está tão avançado, mas você sabe como é.

Depois daquele dia, meu pai gradativamente desaparecendo da casa. Se tornou tão silencioso quanto as paredes de madeira do quarto e o colchão da cama em que ele repousava. Os sintomas da doença o tornavam cada vez mais dependente de nós. Passava o dia todo na cama, ora sentado com as costas apoiadas em um travesseiro, ora deitado com o cobertor cobrindo até os ombros seu corpo que parecia cada vez mais ossos do que carne. Um pouco antes do fim, tudo o que podia ingerir era caldo de sopa de legumes, que minha mãe preparava todas as manhãs e pacientemente se sentava ao lado dele três vezes ao dia, até que terminasse de comer. 

Ele evitava olhar nos meus olhos, rejeitava qualquer tentativa de afeto por parte do Jorge, meu irmão mais novo. Ele sentia culpa. Sabia que seus genes condenados estavam em nós e que eventualmente teríamos o mesmo fim que ele.

Em alguns dias, quando chegava a noite e meu irmão e eu nos sentávamos perto de minha mãe para observá-la coser ou dobrar roupas, ela olhava para nós e havia uma espécie de hesitação cobrindo sua cara. Então ela sorria e chacoalhava a cabeça.

— O que estão fazendo aqui? Está na hora de dormir. Isabela?

Nossa irmã do meio, poucos anos mais nova que eu, aparecia correndo.

— Sim, mamãe?

— Pergunte ao seu pai se ele precisa de alguma coisa. E vocês dois vão logo para a cama. 

E nós obedecíamos.

Isabela era a única de nós que podia sentar na cama ao lado de nosso pai, arrumar os cobertores que o aqueciam, ajustar a altura do travesseiro e confortá-lo com conversas sobre não sei o quê. A doença não afetava mulheres. Ela estava salva dos genes que nos matariam um por um, primeiro o pai, depois eu e por último Jorge. 

Eu fingia não me importar. Quando o sol não estava tão forte e havia vento para nos refrescar, eu carregava meu pai no colo até uma cadeira do lado de fora da casa e o deixava lá. Seu corpo ficando cada vez mais frágil e magro, como se pudesse quebrar a qualquer momento em meus braços juvenis. Sentado em silêncio ao lado dele, eu me perguntava quem me carregaria da cama ao jardim quando fosse minha vez. Jorge, talvez, ou Isabela. 

— Onde estaremos daqui 20 anos? 

Mas Isabela e Jorge estarão casados, caso eles não se importem com a possibilidade de ter filhos homens e o gene maldito perseguindo-os como uma cobra rasteja silenciosa até sua presa. 

— Um dia ainda vão nos proibir de procriar.

Meu pai conversando com alguma coisa no teto, ou sua incapacidade de virar o pescoço para me olhar enquanto falava.

— Sabe que somos como pragas, não sabe?

E talvez viver até quase os quarenta anos ou um pouco mais pareça suficiente. Esperar o dia em que o cansaço será demais até para homens como nós e algum acidente no trabalho, o moço que carrega o carrinho de terra parando, abaixando-se e de alguma forma um desinteresse em seu jeito de falar.

— Quer que eu chame um médico? 

Levantar o carrinho e continuar andando. Ou talvez seja o cansaço de homens como nós que o faz ir embora e uma hora depois, talvez mais, um médico aparecendo desacompanhado, ou então nem médico de verdade, porque ninguém precisa de médico para saber como tratar cansaço. 

— Uma boa noite de repouso, senhor. 

É o suficiente para sabermos que agora somos o próprio cansaço e o ato de estar cansado nos impedindo de andar, comer, pensar em qualquer coisa além da incontestável verdade.

— Sabe que somos pragas, não sabe?

Que meu pai revelou alguns meses após eu completar dezessete anos de idade e de alguma forma a verdade incontestável gravada na ponta de sua língua para todas as vezes em que sentisse muito. No dia após a morte do meu pai, eu sentindo muito não por alguma lembrança afetuosa subindo a garganta e me fazendo chorar, mas a estranheza daquele homem grande e silencioso reduzido ao quadro pendurado na parede da sala de estar.


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