Sob a Máscara escrita por Irene Adler


Capítulo 1
Capítulo 1




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Foi em uma sexta-feira de pouco movimento que ele entrou na antessala de meu escritório como qualquer cliente normal faria, sem que eu suspeitasse que se iniciaria naquele dia a investigação mais interessante que havia feito até então, depois de quase três anos como detetive particular.

O homem tinha uma expressão fechada e olheiras de quem não dormia há pelo menos três dias.

— Ainda está atendendo?

— Vai ser meu último cliente do dia, pode se sentar. – Respondi e vi-o rapidamente sair da soleira da porta para a cadeira diante da minha mesa. – Comece do princípio. Quem é você, o que faz e porque está aqui.

Abri o caderno de anotações e peguei uma caneta antes que ele pudesse começar. O homem batia um dos pés no chão repetidamente.

— Meu nome é Joseph Miller, eu trabalho numa padaria. Estou aqui porque minha irmã desapareceu há quase dois dias. Ela foi trabalhar e não voltou. Nós moramos no mesmo quarteirão na Cidade Velha, passei no apartamento dela hoje mais cedo e os vizinhos me disseram que ela não voltou.

Perguntei-me porque ele não escolheu ir à polícia, mas tentei não julgá-lo, a maioria dos cidadãos não confiam na polícia de Gotham e meu trabalho como detetive já até um pouco conhecido; nunca havia deixado um caso sem solução. As chances dele eram melhores comigo do que com a polícia.

— Como é o nome da sua irmã? Quando foi a última vez que a viu?

— Olivia Miller, ela é quatro anos mais velha que eu e mora sozinha. Nos vimos pela última vez na semana passada.

— E vocês dois brigaram? Notou algo fora do comum? Qualquer coisa, por menor que possa parecer.

— Não, não brigamos. – Ele respondeu rápido e passou a mão pelos cabelos castanho-claros que usava em um corte baixo. – A minha irmã é... Uma pessoa difícil. Acho que foi tudo normal pros padrões dela. Nós conversamos, tomamos café juntos e ela se irritou quando tentei saber mais detalhes sobre como ela estava.

— Que detalhes?

— Sobre trabalho, se tinha algum relacionamento, esse tipo de coisa.

— A relação entre vocês não é boa?

— Nós até nos damos bem, mas ela é muito fechada e paranóica. Sempre acha que as coisas vão dar errado a qualquer momento, que tem alguém querendo prejudicá-la.

— E ela sempre foi desse jeito ou algum acontecimento específico a deixou assim?

Joseph deixou os olhos vagarem pelo escritório por alguns segundos antes de emitir uma resposta.

— Acho que ela sempre foi um pouco assim, nós fomos criados só pela nossa mãe, tivemos uma infância bastante difícil. Mas ela me parece ter piorado de uns anos pra cá.

— Não tem ideia do que possa ter causado essa piora? Ela saiu de um relacionamento complicado ou passou por alguma coisa no trabalho, talvez?

— Não sei dizer. – Ele suspirou. – Olivia nunca me contou nada sobre a vida amorosa dela, nem quando éramos adolescentes. Nem sei dizer onde ela trabalha agora, só sei que é garçonete no turno da noite, mas não sei exatamente em que horário.

Uma antiga colega de profissão, veja só. Será que ela também tinha uma vida dupla?

— E onde ela trabalhava antes?

— Numa lanchonete perto da nossa antiga casa que fechou depois que o dono morreu, já faz mais de sete anos.

— Não sabe nem em que parte da cidade ela trabalha? Ou qual linha de metrô ou de ônibus ela usava pra ir e voltar pra casa?

— Sei que ela usava o metrô, só isso. Lamento não poder ajudar mais.

Como ele podia saber tão pouco sobre a vida da própria irmã? Essa Olivia no mínimo estava envolvida com algo ilícito.

— Tudo bem, eu vou descobrir de algum jeito. Suponho que não tem as chaves do apartamento dela pra que eu possa ir lá dar uma olhada, não é? E pelo que descreveu da sua irmã, ela com certeza não deixa uma chave reserva com o porteiro ou em baixo do tapete.

— Não, não tenho. E tenho certeza que o porteiro do prédio também não tem.

— Eu posso arrombar a fechadura se não tiver nenhum problema. E seria melhor se o senhor estivesse presente, pra atestar que não vou roubar nada ou coisa do tipo.

— Tenho confiança no seu trabalho, senhorita Wright. Tem minha permissão pra ir lá e fazer isso sem mim em qualquer horário.

— Devo ir amanhã de manhã. Iria hoje mesmo, mas tenho um compromisso inadiável essa noite. – Falei enquanto procurava um bloco de anotações na gaveta da mesa para em seguida arrancar uma folha e estender na direção dele. – Pode anotar seu endereço, o dela e algum telefone pra contato.

Miller tomou o papel das minhas mãos e fez como eu pedi antes de devolvê-lo.

— Vocês dois tem algum parente vivo na cidade? Alguém de quem Olivia fosse próxima.

— Não, nossa mãe morreu há dois anos. Não tínhamos mais ninguém.

— Algum amigo próximo dela que você conheça?

— Como eu disse, ela não contava muita coisa, então não sei.

— Pode me mostrar alguma foto da sua irmã?

Esperei que ele fosse tirar o celular do bolso e me mostrar uma foto, mas ao invés disso Joseph retirou uma foto da carteira e a colocou em cima da mesa. A fotografia estava dobrada ao meio e abri-a para revelar a imagem de uma mulher com os cabelos que quase lhe chegavam aos ombros tingidos de um loiro claríssimo e grandes olhos verdes. Era linda.

— Pode ficar com a foto se quiser. – Ele quebrou o silêncio há pouco instaurado.

— Vou te devolver quando encontrar a Olivia.

— Muito obrigado, senhorita Wright. Sinto muito por não poder ajudar tanto, queria saber mais sobre a minha irmã, mas ela nunca deixou eu me aproximar de verdade. – Notei que ele batia uma das mãos no joelho direito.

— Não se preocupe com isso, o senhor fez o que podia. Eu assumo daqui pra frente. Solucionei todos os meus casos até hoje. – Parei de anotar e peguei um cartão de cima da mesa. – Me ligue se lembrar de alguma coisa. Qualquer coisa.

— Farei isso. – Ele disse já se levantando. – Mais uma vez obrigado, senhorita Wright.

— Não tem de que.

Observei-o se levantar e quando estava prestes a ir embora, uma ideia me ocorreu.

— Sr. Miller, uma última pergunta. Disse que sabia que sua irmã ia sempre de metrô pro trabalho; como descobriu isso?

— Uma noite eu liguei e ela disse que não podia falar porque ia soltar do metrô e já estava atrasada pro início do turno. – Ele deu de ombros. – Por quê?

— Nada, foi só um palpite que eu tinha. Começo a trabalhar no caso amanhã, ligo se tiver mais alguma pergunta.

Miller saiu do local deixando-me sozinha com meus pensamentos. Se ela atendeu antes de descer do metrô significa que sempre descia em alguma estação em que o metrô é de superfície, essas eram as únicas com sinal de celular. Talvez fosse uma pista fraca, mas ainda assim era uma pista.

(...)

Quando coloquei os pés diante da mansão, a porta me foi aberta antes que pudesse tocar a campainha e fui recebida por Alfred.

— Senhorita Lauren, entre. Como foi o trabalho hoje?

— Foi normal. Acho que vou ter um caso interessante pra trabalhar nos próximos dias. Um desaparecimento.

— Patrão Bruce vai adorar ouvir sobre, tenho certeza.

— E falando nisso, onde ele está? Espero que em casa, ele me fez prometer que iríamos juntos ao evento as prefeitura hoje.

— Ele está dormindo, senhorita.

— Dormindo? – Falei sem esconder a insatisfação. – São 7 da noite, eu não acredito nisso.

— Ele voltou pra casa com o Sol quase nascendo noite passada e precisou ir para uma reunião importante da empresa hoje, então não teve tempo de dormir. Mas se quiser posso chamá-lo.

— Não, não, deixa que eu faço. Você protege ele demais, Alfred. – Eu disse quase deixando escapar um sorriso.

— Suponho que já é tarde para mudar. Ah, e antes que eu me esqueça, ele deixou um presente para a senhorita.

— É claro que deixou. Foi tudo calculado pra que eu não ficasse brava.

O mordomo pegou uma caixa preta de cima da mesa da sala e me entregou. Abri-a para encontrar um vestido preto e um cartão. A caligrafia fina desenhava as palavras “Para a dama que é sempre a mais bela em qualquer salão .”  Só então um sorriso de verdade perpassou meus lábios. Guardei o bilhete e tirei o vestido da caixa, era um tomara que caia com uma fenda que provavelmente terminaria acima da metade da minha coxa esquerda.

— Vou acordá-lo porque daqui a pouco precisamos sair. E prometo tentar fazê-lo ficar em casa hoje. – Falei na direção de Alfred depois de devolver o vestido à caixa.

— Você é a minha última esperança, senhorita Lauren. – Ouvi a voz do mordomo enquanto já subia as escadas.

— Obrigada pela confiança.

Entrei no quarto e fechei a porta atrás de mim fazendo o mínimo de barulho possível. Bruce não deu o menor sinal de que acordaria enquanto eu descalçava os sapatos e me despia por completo. Vi que o celular dele estava na mesa de cabeceira ao lado da cama antes de pegar o meu na bolsa, apoiar-me no parapeito da janela e ligar pra ele.

O som do toque do celular invadiu o quarto e Bruce acordou com um susto e ia virando-se na direção do aparelho quando me avistou nua.

— Boa noite, Sr. Wayne. – Falei ao desligar meu próprio celular.

— Hoje é meu aniversário? – Ele sentou-se na cama.

— Ah não, ainda faltam alguns meses. – Saí da janela e fui em direção à cama. – Mas sabe que dia é hoje? O dia que me fez prometer que eu sairia cedo do trabalho pra ir a um evento com você e te encontrei dormindo em casa.

— Por um momento pensei que fosse amanhã. – Disse ainda com os olhos fixos em mim.

— Não pensou não. Sei que Alfred deve ter lembrado hoje mais cedo. – Tirei o vestido preto da caixa e o coloquei apenas para tentar sem sucesso fechar o zíper nas costas. – Fecha pra mim?

O bilionário enfim saiu da cama e colocou-se atrás de mim.

— Tem certeza de que precisamos ir? – Os lábios dele estavam próximos ao meu ouvido enquanto fechava o zíper.

— Tenho. Foi você quem disse que precisávamos ir.

— Mas acho que mudei de ideia. – A mão dele em minha cintura me fez virar para encará-lo. – Você não?

Passei o braço ao redor do pescoço dele e beijei-o longamente.

— Não. – Falei assim que nossos lábios se separaram. – Você foi a pessoa que mais doou dinheiro pra essa iniciativa da prefeitura de combate às drogas. Vai parecer estranho se não for. - Desvencilhei-me dos braços dele. – E agora eu preciso terminar de me arrumar. Te aconselho a fazer o mesmo.

— Quando voltarmos pra casa mais tarde, você não perde por esperar, senhorita.

— Estarei ansiosa.

Sentei-me no banco da penteadeira que Bruce havia comprado poucos meses depois que começamos a namorar. Agora eu já quase morava na mansão, mas ainda mantinha meu apartamento alugado na Cidade Velha.

Passei rímel e um batom vermelho e procurava por grampos na gaveta quando vi o reflexo do bilionário no espelho, terminando de abotoar a camisa branca.

— Agora me diga, como você prefere? – Peguei a escova e penteei meus cabelos soltos. – Assim... - Enrolei-os e fiz um coque alto. – Ou assim?

— Assim as pessoas notariam menos se eu por acaso deixasse uma marca no seu pescoço. – Ele desmanchou o coque que eu tinha feito e meus cabelos caíram soltos até os ombros. – Mas você fica linda dos dois jeitos.

— Acho que prefiro o coque. – Falei e ele sorriu.

Bruce saiu do meu campo de visão e voltou com o paletó do smoking já vestido. Olhei-o procurar uma caixa preta de veludo da primeira gaveta da penteadeira para tirar dela o primeiro colar com que me presenteou e colocá-lo em mim. Manteve a mão em meu pescoço antes de dizer:

— Perfeita.

(...)

O salão do prédio da prefeitura ainda era o mesmo das minhas lembranças do primeiro evento social no qual acompanhei Bruce. A luz amarelada, os garçons servindo champagne e os convidados que, por mais que variassem evento após evento, no fundo eram sempre os mesmos.

Bruce demonstrara o traquejo social que possuía e me fez participar das mais diversas e entediantes conversas. Imaginei que entraríamos em uma bastante longa quando avistei o prefeito Anthony Garcia vir em nossa direção.

— Sr. Wayne, é sempre um prazer. – Apertou a mão de Bruce. – Obrigado por comparecer hoje. E quem é a bela senhorita?

— Lauren Wright. – O prefeito pegou minha estendida e a beijou.

— Eu deveria me lembrar desse nome?

— Deveria sim, estava em todas as páginas policiais quase três anos atrás. – Respondi. – A garota que foi sequestrada pelo Coringa e salva pelo Batman duas vezes. Mas preferiria que lembrasse como a detetive particular que nunca perdeu um caso.

— Pode estar certa de que vou me lembrar da próxima vez. Agora se me permite, senhorita Wright, gostaria de falar com o Sr. Wayne a sós. Prometo não demorar.

— Vou beber alguma coisa. – Falei na direção de Bruce.

— Eu te encontro daqui a pouco. – Ele deu um beijo em meu rosto antes de eu me afastar.

Observei os dois conversarem de longe por dois ou três minutos. O prefeito gesticulava demais e meu namorado fingia prestar-lhe atenção. Decidi pegar uma taça de champagne quando o garçom parou ao meu lado, mas outra pessoa tentou pegar a última taça da bandeja ao mesmo tempo que eu.

Ao meu lado estava um homem bastante calvo e com um nariz proeminente. Era tão baixo que mal chegava aos meus ombros.

— Perdão, senhorita, pode pegar. – O homem falou e eu peguei o copo. – Oswald Cobblepot, é um prazer.

Lembrava-me desse nome, Bruce já o havia mencionado. Algum empresário envolvido em negócios escusos.

— Igualmente. – Falei sem emoção. – Sou Lauren Wright.

— A detetive?

— Eu mesma.

— Ouvi muito sobre a senhorita.

— É, aposto que sim.

— Talvez eu devesse te contratar para descobrir quem é que anda atrapalhando meus negócios.

— Também ouviu dizer que ela está comigo? – A voz de Bruce soou atrás de nós e me salvou de ter de responder.

— Só fiz uma proposta de trabalho à moça, Wayne. Acho que ela pode responder por si mesma. – Cobblepot respondeu depois de se virar na direção do bilionário.

— Estou ocupada com outros casos no momento, sinto muito. – Falei e senti Bruce passar um dos braços em volta de minha cintura.

— Como eu já imaginava. – Meu namorado disse com deboche. – Agora se nos dá licença.

Bebi o que restava do champagne e devolvi a taça para a bandeja de um garçom enquanto nos afastávamos.

— Por que é só eu te deixar sozinha por cinco minutos que você atrai as piores pessoas de Gotham? – Bruce perguntou.

— Não sei, talvez seja um talento. Mas o que o prefeito queria?

— Meu apoio público nas eleições do ano que vem. Ele tem medo de não conseguir vencer contra seu admirador Cobblepot.

— Cuidado com o ciúme, Sr. Wayne. O que respondeu pra ele?

— O que sempre respondo; que não apoio nenhum candidato publicamente. E não estou com ciúmes, é que você parece atrair todos os homens que estão em situação de conflito com a lei nessa cidade.

— Incluindo você, não é?

Nós dois rimos, mas vi Bruce mirar a janela e a expressão dele endureceu rápido demais. Avistei o batsinal no céu e entendi.

— Alfred vai vir te buscar. – Ele me abraçou e falou próximo ao meu ouvido. – Nos vemos mais tarde.

— Eu poderia voltar dirigindo.

— Você bebeu.

— Só três taças de champagne. Está com medo que eu vou destruirseu Lamborghini.

— Já disse que não. E agora eu preciso ir.

— O que aconteceu com o “quando voltarmos pra casa você não perde por esperar”? Estava muito ansiosa pelo meu castigo, Sr. Wayne.

— Te acordo quando chegar.

— Promete?

— Prometo.


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Notas finais do capítulo

Conforme prometido, voltei e trouxe esse capítulo de presente de Natal atrasado pra vocês. Não deixem de comentar pra me contar o que acharam e me avisem se tiver algum erro.



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