Konoha Before The Time — Arco 1: Instinto escrita por ThaylonP, Luizcmf


Capítulo 6
CAPÍTULO 06 — O Animal Que Vem de Longe




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A chuva castigou os ponchos dos integrantes do Time 09. Mesmo que estivessem usando as vias principais, cobertas pelas grandes copas das árvores ao redor da Aldeia da Folha, vários pingos ultrapassavam as folhas para atingi-los. Kusaku sugeriu que mudassem para a floresta, mas o professor afirmou que isso poderia levantar suspeitas para quem estivesse por perto observando os três. Precisavam agir como comerciantes, nômades, viajantes, mas nunca como ninjas.

Misashi caminhava com mais afinco, sempre atento aos arredores apesar de manter-se embaixo do chapéu que adquiriu antes de deixar a vila. Kusaku vinha logo ao lado, coçando a mão para não sacar o caderno e dizer o que observava. Uma vez, enquanto evitavam um buraco na estrada, comentou:

— É a primeira vez que deixo a vila. É estranho, depois de ter estudado tanto sobre o lado de fora — explicou, parecendo um tanto preocupado que a prática fosse tão diferente da teoria.

O caminho ficou íngreme a medida que andavam, e depois das primeiras cinco horas de caminhada, já haviam coberto um bom terreno graças ao relevo inclinado para baixo, os morros ajudavam a descer as enormes encostas do País.

Asami sentia os braços dormentes de tanto carregar as sacolas. Sua respiração pedia uma pausa, e tendo a experiência de viagens de longa distância, interpretou aquele como o momento ideal para pararem.

— Yasuhiko-sensei. Podemos fazer uma pausa? — perguntou. Viu o professor mexer os ombros, e antes que ele pudesse responder, ela completou: — Mercadores costumam almoçar a esta hora.

O professor olhou para trás, avaliou o pedido. Depois, olhou para as sacolas nas mãos da garota e para os dedos esbranquiçando com o esforço de carregá-las.

— Está bem, vamos parar por aqui.

Yasuhiko encontrou uma pedra maior, na beirada da estrada. Foi até lá guiando os alunos e pediu que fizessem um círculo, sem fogueira. Agora, a chuva havia estiado, sobrando uma leve garoa que umedecia os pés e braços do grupo. Asami foi a primeira a se acomodar, largando sua carga, seguida de Kusaku e Misashi. O sensei ficou de pé um instante ainda, encarando o céu a procura de algo.

Faz tempo que não a vejo, será que se empoleirou em algum lugar?

Quando se deu por satisfeito, sentou-se junto aos demais. Asami já desembrulhava as quatro marmitas, entregando uma para cada membro. Avançou na sua rapidamente, sem fazer menção de aguardar pelos outros. Era como funcionava em sua família grande, e ali não seria diferente. Kusaku pegou a marmita e a encarou, um tanto impressionado com sua pressa. Depois, fitou seus dedos: a maioria estava marcada pelas alças das sacolas. Olhou para Misashi, que devolveu um olhar neutro, então, resolveu tirar sua curiosidade do caminho.

— Por que você está carregando isso, Asami? — perguntou, tentando não soar como um confronto. — Fica mais difícil de caminhar, e vai te cansar mais rápido.

Misashi apanhou o hashi e fez uma volta no lámen, puxando uma porção para a boca. O professor olhava os três, esperando a interação terminar.

— Não está cansando, eu estou bem — respondeu a garota, escondendo as pontas dos dedos debaixo do embrulho da marmita. — E além do mais, a gente precisa agir como comerciantes. Esses são nossos produtos, nosso disfarce — justificou, abrindo um sorriso.

Kusaku avaliou a situação, estranhando uma série de falhas naquela desculpa.

— Mas como você saberia que isso seria um fator da missão antes do professor chegar e nos contar? Não tem como, isso é só coisa sua — o menino pontuou. — Estou perguntando porque pode nos atrapalhar na hora de fugir, ou caso quisermos fazer uma emboscada.

— Mas também pode nos ajudar a nos esconder — rebateu, depressa. — A gente pode aproveitar só o lado bom disso — explicou ela, sentindo a conversa estreitar.

— É bem inconsequent... — começou Kusaku, mas foi interrompido por uma voz ríspida vinda de Misashi.

— Deixa — interveio, sucinto. — Se é coisa dela, é dela. A gente não se mete.

Os três trocaram olhares rápidos. Asami estranhou a defesa, estava muito bem na situação, e poderia circundar qualquer indagação do colega. Kusaku pensou em seguir adiante e ignorar o rapaz, mas desistiu quando viu que Misashi voltava a sua comida, sem disposição a entrar na conversa.

— Tudo bem — o professor falou, para criar uma cisão entre os assuntos. Levantou-se de uma vez, deixando o embrulho com a marmita no chão. — Comam direito, sem pressa, mas também não se acomodem. Temos que aproveitar que a chuva diminuiu. Enquanto isso, darei uma olhada nos arredores.

Os alunos concordaram, cansados de pisarem com sandálias encharcadas. Kusaku torceu a borda do poncho, fazendo escorrer um pouco de água. Asami foi a primeira a notar que o sensei comera tudo num minúsculo intervalo de tempo, talvez menos de cinco minutos depois de terem sentado para a refeição.

— Ele mal engoliu a comida — comentou, levando um bolinho de arroz à boca.

— Ele está certo em fazer isso, devemos ir mesmo antes da chuva voltar — Kusaku afirmou, num tom de reclamação.

Após a frase e uma leve concordância por parte da garota, houve um silêncio repentino. Os três mal haviam tido tempo para interagir, por isso não sabiam nem se gostavam ou não um do outro. Logo, a opção era o som da mata balançando próximo deles, e do vento acertando seus ouvidos. Asami, entretanto, não conseguia conter uma série de perguntas que tinha sobre aquilo tudo, então decidiu começar pelo que podiam conversar na ausência do professor.

— O quê vocês acham que ele fez de tão importante, para ser o único capacitado para essa missão? — ela perguntou.

— Ele deve ser algum ninja relevante em algum cerco importante — Kusaku foi vago, mas assim que terminou sua refeição, traçou uma linha no chão como se para fazer um esquema simplificado. — Eu li que houve uma batalha na fronteira com a Chuva onde cinco ninjas impediram o avanço de um batalhão de trezentos homens. Um deles pode ser nosso sensei. Porque, há duas coisas que se sabe sobre os participantes do nosso lado desse conflito — o garoto ergueu os dedos.— Uma é que eram bem jovens, e a outra — ele engasgou. — É que só um deles retornou da fronteira.

O garoto deixou a fala reverberar, e no silêncio, só sobraram os pingos caindo nas folhas atrás do grupo.

— Eu já pensava que podia ser ele, mas não há registros desse ninja — Kusaku explicou. — Então, pode ser ou não.

Misashi desviou o olhar da conversa e retornou em seguida, insatisfeito.

— Não importa quem ele seja, se é uma dessas figuras ou não. Se ele é tão importante quanto diz — o garoto fez uma pausa para encarar os parceiros. — É porque matou muita gente.

— Você não deveria generalizar, Misashi-kun. O sensei fez o que foi preciso para proteger nossa nação, assim como qualquer shinobi ou kunoichi faz ou faria pela sua! — Asami saiu em defesa.

— Não estou generalizando, é a verdade. Um herói, ou uma figura marcante numa guerra — o garoto encarou Kusaku, depois voltou a olhar Asami. — É quem matou mais gente do lado inimigo. Só isso. Os vencedores são os que mataram mais.

— Mas não é a toa! — a menina rebateu, sentindo o sangue esquentar. — É por um bem maior.

— E que bem é esse, Asami? — Misashi indagou, apertando o rosto. Estava calmo, apesar da discussão fervendo. — Não vejo nenhum. Nem pra Konoha, e nem pra nós.

Asami baixou a marmita, acertando a terra com força.

— É uma questão de tempo! Não dá pra plantar uma semente hoje e querer ter uma árvore amanhã — disse, tentando fazê-lo entender.

— Mas dá pra saber em que terreno está plantando — o garoto engoliu, tanto a comida quanto o tema. — E nunca vi nada crescer da guerra além de mais guerra — o menino fez uma pausa, encarou a garota de forma mais firme. — O quê acha que pode acontecer quando entregarmos o Tratado? Acha que o país da Terra vai aceitar de bom grado e nunca mais haverá guerra? Que desistirão dos conflitos que os fizeram guerrear acima de tudo?

— Não tem como ter certeza... — a menina balançou a cabeça, recolheu-se até se recompor. — Só nos resta acreditar que sim.

O garoto se calou, ainda mantendo o olhar firme. Parecia querer decifrar de onde vinha tudo aquilo. O olhar dela permaneceu em sua direção, então, ela prosseguiu.

— Não adianta ficar emburrado esperando que o mundo melhore. As pessoas precisam se mover pra que isso aconteça — ela amassou o que sobrou de sua comida, enrolou num embrulho e pôs de volta na bolsa. — E concordo com você, guerra não é uma coisa boa, mas a mudança que elas geram são necessárias.

Necessárias, Misashi pensou, engatilhando uma resposta. Contudo, antes que pudesse despejá-la na companheira de time, teve que refrear o corpo com a chegada do sensei. Apareceu num salto, atrás de Asami, e encarou o grupo com um olhar de comando, para que os três levantassem de uma vez. Assim que ficaram a postos, ele disse:

— Preciso que vejam uma coisa — informou, puxando o poncho para cima.

Os Genin se posicionaram, recolhendo suas coisas e cobrindo o lugar do acampamento com terra. Kusaku partiu junto ao professor, deixando os dois outros para trás. Antes que Asami saltasse, ela foi impedida por uma mão que lhe empurrava um embrulho. Com o susto, a menina acreditou que entrariam numa outra discussão sobre a guerra e a função dos ninjas, entretanto, quando olhou o objeto, viu que se tratava da marmita de Misashi, comida pela metade.

— Come — ele disse, sem olhá-la diretamente nos olhos. — Eu vi seus dedos, cê deve tá exausta. E vai só piorar se não comer direito.

O garoto concluiu a entrega e saltou em direção à mata, acelerando para escalar um tronco. Asami parou antes de partir, ainda sem ação.

— Misashi-kun... — murmurou a garota, confusa com a postura do rapaz.

O que há com ele?

Ao perceber que estava ficando muito para trás, deixou o questionamento para mais tarde e empurrou todo o conteúdo da marmita para a boca. De qualquer forma, Misashi tinha razão: estava gastando o dobro de energia por carregar aquele peso inútil. Engoliu depressa e partiu para a copa de uma árvore.

Os quatro se ajuntaram no meio da corrida, subindo as árvores pelos galhos mais baixos e escalando a medida que o professor subia. Por um momento, ele parou, olhou os arredores e saltou para baixo outra vez, finalmente decidido de para onde ir.

Ele desceu sobre uma pequena clareira cercada de arbustos, e o grupo desceu atrás. No centro da área, haviam marcas que levavam até um bicho morto cercado por moscas. Os alunos se surpreenderam com a visão, e tomaram esse momento para se aproximarem com cautela. O professor, por outro lado, foi até o corpo mais rapidamente, chegando próximo e empurrando-o para virar de frente para eles. Na nova posição, apresentava diversos cortes nas laterais do corpo, fundos e escuros. Além disso, tinha um fedor de podre, junto das moscas que já haviam feito morada no corpo envelhecido.

Será que... Kusaku evitou conclusões precipitadas, mas sua boca falou antes de seu cérebro, referindo-se ao estado dos golpes no corpo.

— Isso não foi feito por uma espada — o garoto deixou escapar, olhando o professor em busca de permissão pra continuar.

— Então, você acha o mesmo — o professor comentou, como se tivessem falando a mesma língua. — Machado?

O garoto abaixou-se, e de repente sua postura mudou. Ficou mais ereto, os movimentos acertados, como se ele soubesse exatamente como se portar diante daquilo. Ele tocou na criatura sem problemas com o estado do corpo em decomposição.

— Cutelo — respondeu baixo.

O professor fez que sim. Misashi cerrou os olhos e encarou Asami.

— Eu perdi alguma coisa? — Misashi perguntou, voltando a olhar o bicho morto no chão. Agora, depois de acostumado com a cena, ele conseguia definir que era um cervo.

— Coitadinho... — Asami compadeceu-se, pousando as caixas no chão.

— O quê mais, Kusaku-san? — Yasuhiko perguntou.

O garoto olhou, estranhando a posição que o professor concedia, mas sabendo exatamente o que fazer em seguida.

— Deve estar morto a pelo menos três dias, e não foi atacado aqui. O senhor já deve ter deduzido isso, imagino — Kusaku direcionou, e colocou as mãos na ferida. Estava muito certo de cada nova dedução.

Como ele sabe disso? Misashi perguntou-se, cruzando os braços.

— Também vi umas pegadas dele que sobraram no barro. Vindas do oeste — o professor esticou o braço, depois falou para o garoto. — Agora, me diga. Sei que sabe sobre isso... é um cervo das fazendas da família Nara?

Kusaku refreou-se um pouco, mas foi até a boca do bicho e tentou abri-la. Avaliou os dentes, a língua e a garganta. Alguma coisa ali lhe deu a resposta, e ele a disse em seguida:

— É sim — engoliu em seco. — Não sei o que está fazendo aqui.

Misashi buscou Asami uma segunda vez, confuso quanto ao assunto paralelo a ele. Com uma mas mãos sobre a boca para conter o enjoo, a garota também escondia um pequeno sorriso, admirada com as habilidades de Kusaku. Percebeu que o parceiro a encarava e ergueu as duas mãos.

— Não sei muita coisa também — afirmou, como se rendida.

Yasuhiko estreitou o olhar. Enquanto isso, Kusaku seguia explorando as cavidades do corpo, avaliando e medindo com as mãos enluvadas.

— Keido — o professor começou a explicar enquanto o menino se levantava. Ele tirava um cantil da bolsa e derramava o conteúdo sobre as mãos. — Os melhores médicos que tivemos na Guerra. Os verdadeiros heróis no fronte — Kusaku terminou de lavar as mãos, e o professor dirigiu-se a ele. — Lutei com alguns de seus tios e com seu avô. Homens brilhantes.

O garoto encolheu, abaixou a testa.

— Também são grandes fornecedores de medicamentos, tanto pra Vila quanto para os soldados. E claro, o mais importante para nós aqui — avançou o professor. — Muito próximos da família Nara. As famílias dividem as fazendas ao noroeste do país.

Misashi deixou-se surpreender, olhando o garoto ao lado com outros olhos. Ele deve ser bem rico, pensou, comprimindo os lábios.

— E o que significa esse cervo estar morto aqui? — Misashi perguntou. — Cês devem saber.

Kusaku não ousou responder, esperou que o professor continuasse.

— Não é só o fato de estar aqui. Poderia ser um desgarrado que saltou a cerca, se perdeu e não conseguiu voltar. Mas, se fosse o caso, ficaria pra lá, teria encontrado um dos rios que corta o país e talvez, teria morrido perto — justificou, levantando um dedo. — O problema é que esses cortes de cutelo parecem ter sido feitos em corrida, dá pra ver pelas bordas esgarçadas do ferimento. Ele foi perseguido, até perto daqui. O que significa que quem atacou, não deve estar muito longe daqui — terminou de explicar, mas concluiu a informação na cabeça.

E não são ninjas, não usariam cutelos para atacar. A não ser para uma emboscada, mas ninguém cruzaria a fronteira correndo esse risco.

— Será que fizeram isso com um desgarrado ou atacaram as fazendas? — questionou Kusaku, baixinho.

— Tem que ser bem burros pra isso, porque seriam perseguidos pelas duas famílias — disse o professor, balançando a cabeça. — De qualquer modo, é bom ficarmos atentos a qualquer sinal semelhante. Se virmos outros corpos, é provável que tenham atacado alguma cerca.

Mas por que libertar cervos?, o professor voltou a perguntar.

— Mas sensei, por qual outra razão alguém atacaria um cervo inocente, se não fosse para caçá-lo? — Asami questionou.

— Isso pode ser um treinamento — cochichou Kusaku.

— Treinamento? — Misashi quis saber.

— Há um tipo de treinamento para testar ataque em um alvo em movimento — o menino fez uma careta. — Alguém coloca um ou vários bichos para correr e você parte atrás na tentativa de abatê-los. Mas isso... é um treinamento muito antiquado para ninjas. E essas marcas... são muito imprecisas pra terem sido feitas por alguém treinado numa Academia.

Pode muito bem ser alguém de fora de uma, pensou Yasuhiko, levando a mão ao queixo.

O professor negou o pensamento.

— É, temos algumas teorias.

— E o que a gente faz com isso? — Misashi questionou, apertando mais os braços.

O grupo se entreolhou. O professor refez o olhar cerrado.

— Depende do que for, mas como temos que esperar por tudo, é bom que tomemos precauções — sugeriu, mexendo no bolso do colete.

Mal deixamos a aldeia e já temos problemas, pensou Asami, apreensiva, encarando os cortes no animal.

— De qualquer forma temos que apertar o passo, certo?

— Temos, temos sim — respondeu o professor, olhando à distância. O papel saiu do bolso dele e abriu na mão. Nele, haviam os desenhos toscos do Time 09. — Mas vamos ter que criar outra forma de agir. Kusaku, pode nos explicar o que pensou?

Os três olharam surpresos para o garoto, agora de cabeça baixa, como se num respeito absoluto pela equipe. Ergueu a cabeça devagar para conseguir fitar cada um dos integrantes. E quando notou que esperavam algo dele, viram-no afirmar levemente com a cabeça.

 


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