Dois Amigos no Natal escrita por Haru


Capítulo 1
— One Shot




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— Dois Amigos no Natal

Arashi se inclinou sobre o corrimão metálico da sacada onde parou e apoiou os braços nele. Amanhecia, o sol ainda não havia dado as caras — aliás, tímido como estava naquela semana, ninguém apostaria que ele sairia de trás das nuvens no natal da presente manhã. Foram o mesmo frio e a mesma neve caindo do céu quase que o mês inteiro. Pensando sobre o mistério da calma que cercava aquele dia todos os anos, Arashi perpassou seus lisos e negros cabelos com as mãos, os retirando da testa e jogando-os para trás. Aguardar um desastre ou uma invasão alienígena era sua tradição pessoal.

Tudo o que o abrigava do frio eram uma camiseta branca fina, uma calça jeans azul escura e um par de botas de couro pretas. Graças a seus poderes, não importava o quão abaixo de zero estivesse, nenhuma temperatura o afetava. Seu jovem rosto cor de bronze se mantinha firme, impassível. O mesmo não se podia dizer de seu amigo. Gray veio para fora com uma espessa jaqueta negra de couro, um agasalho cinza por baixo dela, um segundo agasalho vermelho, uma luva grisalha de lã em cada mão, calça cumprida, uma dupla de botas justas e uma caneca cheia de café quente.

Por pouco Arashi não deixou uma risada escapar quando olhou rápido para trás e o viu vir daquele jeito.

— Eu teria trazido café pra você também, mas sabia que você ia rir de mim quando me visse desse jeito. — Foi sua justificativa. Apoiou-se no corrimão, dirigiu seus olhos verdes para as estrelas que restavam no céu semiescuro e escondeu a franja loira cacheada debaixo da touca vermelha que cobria metade de sua testa.

Arashi deu de ombros.

— Parei de beber café. — Retrucou, olhando as ruas lá em baixo.

— Por quê? — Gray assoprou a caneca. — A Kin te proibiu?

— Muito engraçado. Por que você estava na rua aquela hora? Sua namorada número oito descobriu a número sete?

— Não, estamos no meio da semana, ontem não era o dia da número oito. — Replicou Gray. — E o senhor, tava fazendo o que na rua aquela hora?

— Hoje é o dia mais frio do ano. Falta uma semana pra cirurgia que vai retirar os meus poderes, eu queria testar pela última vez minha resistência sobrenatural ao frio. Não consigo me imaginar sem meus poderes. — Confessou.

O loiro bebeu mais um gole do café e pensou nas palavras do amigo.

— Você não é o único que não te imagina sem seus poderes, guerreiro glacial. — Chamou Arashi com o apelido pelo qual ele era conhecido e temido no mundo todo. — Foi o sub líder da equipe dos retalhadores de elite, derrotou todos na disputa por esse cargo. — Contou. Não quis assumir em voz alta, mas ele mesmo foi um dos concorrentes de Arashi e um dos derrotados. — Sacrificou a própria vida para salvar o reino. Hoje divide com a Kin o posto de primeiro ministro do Reino de Órion... foram escolhidos pelo próprio Hayate.

Arashi estendeu a mão direita, fez uma estrela ninja de gelo flutuar sobre ela e comentou:

— Abrir mão disso ainda é melhor do que a morte.

— Se você chama monogamia de vida...

— Eu estava em dúvida sobre quem convidar pra ser meu padrinho futuramente, mas agora eu tenho certeza de quem não chamar.

Gray riu.

— Era brincadeira! — Tentou retirar o que disse, embaraçado. — Até eu sei que um dia vou ter que parar com uma garota, sabe, eu vejo como você e Kin são felizes, o jeito que cuidam um do outro e penso comigo mesmo que se todos tivessem isso, se todos pelo menos buscassem isso, o mundo seria um lugar muito melhor. — O jovem ouvinte de suas palavras o encarava com uma cômica cara de quem diz "você não está enganando ninguém". — Não? Nem por um segundo?

O guerreiro glacial balançou a cabeça e não respondeu verbalmente.

— A pior parte de abdicar dos meus poderes vai ser ver meu reino, meus amigos, minha irmã e ela precisando de ajuda... e não poder fazer nada. Quando eu era criança e vi aquilo acontecendo com meus pais através de uma fechadura, eu prometi pra mim mesmo que nunca mais ficaria parado vendo alguém sofrer, principalmente se tratando de alguém que eu amo. Eu vou voltar a ser aquela criança indefesa e tola. — Se abriu.

O loiro se afastou do corrimão.

— Ei, como eu disse, você quase sacrificou sua vida por esse reino, salvou a todos nós. Tudo o que conquistarmos em benefício do nosso lar, por nosso mundo, terá sido graças a você. Daqui para frente, seu maior feito será confiar a segurança do mundo a nós. — Tentou confortar Arashi.

Arashi se armou com uma espada de gelo, girou velozmente e desferiu um corte contra Gray, que se protegeu usando duas adagas.

— Como eu posso confiar a segurança do meu reino a alguém que não pode vencer um retalhador adoecido? — Arashi explicou seu ataque repentino. Gray soltou uma ligeira gargalhada.

— Concordo com você, amigo. — Respondeu, ergueu a perna e tentou chutá-lo no rosto, mas o que atingiu foi a cabeça de um boneco de neve. Arashi ressurgiu em suas costas, usou uma nova espada de gelo para degolá-lo e o errou, Gray escapou com um salto mortal para trás e largou dezenas de adagas na frente.

Após se esquivar do ataque de Arashi, Gray voltou onde as lâminas flutuavam, as pegou ainda no ar e usou duas delas numa investida frontal contra o inimigo. Arashi engrossou o braço com tantas camadas de gelo que foi capaz de se escudar da investida de Gray, o loiro pegou duas outras das que estavam no ar, atacou o guerreiro glacial novamente, viu seu oponente desviar-se do primeiro ataque, enterrou a segunda faca no escudo preso ao braço do moreno mas descobriu que conseguiu isso porque ele permitiu.

Através do braço direito de Arashi cresceram tentáculos de gelo que envolveram Gray e o puxaram para mais perto. Sem que o guerreiro glacial percebesse, Gray usou o calcanhar para chutar uma das adagas até a mão e a luta se encerrou com um apontando uma lâmina para a garganta do outro. Os dois estavam rendidos.

No meio daquele cenário, Arashi começou uma conversa:

— Quando nos conhecemos, você conseguia ser mais arrogante do que a Kin. Se achava o melhor só porque a maioria das garotas da escola viviam atrás de você, ficou mais humilde depois de perder a primeira luta. Pra mim. Hoje, você se contenta com um empate.

— Hoje você e eu empatamos. — Replicou Gray. Sorridente, removeu a adaga da garganta do oponente e continuou: — Acho que nós dois melhoramos. Feliz natal, amigão.

Arashi reduziu a água a espada de gelo que usou para render Gray, o libertou dos tentáculos e concordou:

— Sim. Feliz natal, amigo e futuro padrinho.

Caminhando sobre o azulejo cor de rosa claro da sacada da casa do loirinho mulherengo, o guerreiro glacial enfiou as mãos dentro dos bolsos da calça e fitou as nuvens. Gray tinha razão, dali em diante seu dever seria confiar em seus amigos. A verdadeira ironia era que, na amizade dos dois, Arashi costumava dar os conselhos. Muita coisa mudou naquele mês de natal e precisava se acostumar.


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