Um Feliz Super Natal escrita por Karina A de Souza


Capítulo 1
O Visco das Conexões


Notas iniciais do capítulo

Um feliz super natal à todos vocês!



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Naquela manhã eu fui acordada com All I Want For Christmas Is You, da Mariah Carey.

—Muito criativo, Klaus. -Murmurei, esfregando os olhos.

—Obrigado, Mally. -Começou a sair do quarto. -Vamos lá, todo mundo, contagem regressiva, o natal tá chegando!

Quando eu era criança, o natal era meu feriado favorito. Minha família fazia questão de ser um dia com todo mundo reunido, comidas típicas e decoração pra se perder de vista.

Depois que Marie se casou e mudou para Austrália com o marido, não apareceu mais pro natal. Dava desculpas toda vez e passava o feriado com os sogros na mansão deles. Com isso, minha mãe desanimou com o natal e as coisas esfriaram.

Comecei a me perguntar no começo de novembro se iria passar o natal em casa... Agora eu sabia a resposta.

—Vocês querem ajuda com a decoração?-Perguntei, na hora do almoço. Allison gesticulou com o garfo.

—Nós adoraríamos. Mas primeiro temos que ir às compras. Não tem uma única decoração de natal nessa casa.

—Nada?

—Natal não era o estilo do papai. -Vanya comentou. -Eu lembro como a Grace achava lindo as luzes... As árvores... Mas ele nunca a deixou decorar a casa. Era “perca de tempo”.

—Nós treinávamos na parte da manhã. -Allison disse. -E tínhamos a tarde livre. Mas não era natal. Nunca foi. -Ela pareceu triste, mas se recompôs rapidamente. -Você vai ficar aqui com a gente, não vai?

—Vocês querem que eu fique?-Perguntei.

—É claro. Você é da família. -Sorri.

—Você vai convidar sua filha?

—Preciso conversar com o pai dela primeiro. Negociar.

—Você consegue, tenho certeza. Estou doida pra conhecer a Claire.

—E ela quer muito conhecer todo mundo. Bom, meninas, temos que ir às compras antes que acabe tudo.

—É dia 26 de novembro. -Vanya lembrou.

—Eu sei, estamos muito atrasadas com as compras de natal. -Levantou. -Vamos lá, nós temos uma missão.

***

Na calçada, Vanya e eu observamos a rua cheia de neve e os carros passando devagar. Algumas pessoas lançavam olhares curiosos para a mansão e pra gente, mas ninguém disse nada.

—Então, -Vanya começou, arrastando a bota no chão gelado. -como é esse lance de... Klaus disse que você é demissexual. O que é isso?

—Em resumo básico, demissexual é alguém que tem atração sexual apenas por alguém com quem tem algum laço afetivo, intelectual ou emocional. Uma conexão real.

—Isso tem alguma coisa a ver com você se apaixonar?

—Eu nunca me apaixonei, então não sei dizer. Mas atração sexual é diferente de atração romântica, então eu acredito que uma coisa não afeta a outra. Eu ainda tô aprendendo. Mas e você? Você já se apaixonou?

—Já. -Colocou as mãos no bolso. -Não acabou bem... Talvez amor não seja meu lance. Existe alguma categoria pros azarados?

—Vanya, você é uma pessoa incrível. É talentosa, e um pouco tímida, sim, mas... É tão bom conversar com você. Sério, eu sei que às vezes desanimamos... Mas você vai encontrar uma pessoa tão fantástica quanto você. -Sorriu.

—Você devia voltar pra faculdade.

—Acho que meu lance agora é ter super poderes mesmo. Mas eu ainda faço consultas grátis com direito à toques e abraços curativos.

—Estou pronta!-Allison anunciou, saindo da mansão.

—Por que demorou tanto?-Vanya perguntou. -Estamos esperando há mais de vinte minutos.

—Eu não demoro pra me arrumar.

—Demora. -Assenti, concordando.

—Tenho certeza que Diego é o que leva mais tempo pra se arrumar.

—O que? Não. Às vezes ele nem penteia o cabelo.

—Não é? Ele tá parecendo um homem das cavernas. Estou quase usando o rumor para fazê-lo cortar aquele cabelo horroroso.

Pegamos um Uber para o centro e Allison nos guiou para uma grande loja que parecia cara. Um rapaz atrás do balcão teve um pequeno surto quando a viu e veio correndo na nossa direção

—Meu Deus, é Allison Hargreeves!-Exclamou. -Eu vi todos os seus filmes! Eu posso bater uma selfie com você?

 

—É claro. -Ela respondeu. O rapaz pegou o celular no bolso e não perdeu tempo em bater a foto.

—Obrigado. Eu posso ajudar em alguma coisa?

—Na verdade, pode sim. -Allison tirou uma grande lista da bolsa.

—Uh, me deixe pegar um carrinho.

Sabe, minha família não era rica, a gente se considerava classe média. Ver Allison passeando pelos corredores e escolhendo as coisas sem nem olhar para os preços fez eu me sentir num episódio de Keeping Up With The Kardashians.

Enquanto Todd, o fã animado de Allison ia empurrando o carrinho, ela ia verificando a lista e pegando o que queria. Vanya e eu seguíamos atrás, meio embasbacadas.

—Eu achei que ia ser um natal simples. -A violinista comentou.

—Acredito que quando se tem um alto orçamento... Você pode optar por coisas não simples.

—Definitivamente sim.

—Ei, eu quero esse Papai Noel Gay!-Parei de andar, girando na direção da voz. Klaus acenou. Me separei de Vanya e me aproximei dele.

—Por que acha que ele é gay?-Perguntei.

—Ele tá usando maquiagem.

—E...?

—Tem um arco-íris desenhado no gorro dele.

—Ainda não prova que é um Papai Noel de decoração gay.

—Querida, meu gaydar é afiadíssimo. O seu é que precisa dar uma melhorada. -Ri.

—O que você tá fazendo aqui?-Largou o Papai Noel e deu de ombros.

—Tava entediado.

—Só isso?-Suspirou, olhando pra porta da loja.

—A neve tem me deixado meio ansioso. Ainda lembro da Rússia, do frio... -Fez uma pausa. -Você pensa nele? No Dimitri?

—Tento evitar. Me deixa triste. Gosto de pensar que ele não sofreu... Que está num lugar bom e terá mais sorte na próxima vida.

—Você acredita nesse lance de reencarnação?-Olhou pra mim.

—Acredito. Qual é, a gente se conhece de outra vida, com certeza. Você virou meu amigo assim. -Estalei os dedos. -Temos uma conexão que eu não sei explicar.

—Uma conexão?-Assenti.

—É. Acho que não tem outro nome pra isso. -Sorriu. -Você pode se juntar à gente. Allison prometeu pagar chocolate quente depois das compras.

—Chocolate quente com minhas garotas favoritas? Eu não posso recusar. -Entrelaçou o braço no meu. -Vamos lá, talvez eu consiga convencer Ally a comprar o Papai Noel Gay pra decoração.

***

Luther estava em outra super maratona quando o encontrei naquela tarde. Depois de assistir Vis a Vis e The Witcher em tempo recorde, ele havia começado Grey's Anatomy.

—Posso te interromper um pouquinho?-Perguntei, parando perto do sofá. Luther levou um tempo pra desgrudar os olhos da tela, então pausou a série e olhou pra mim.

—Tô adorando Grey’s. Espero que ninguém mate o George, ele é um cara legal. -Assenti, sabendo o quanto ele ia sofrer com essa série.

—Luther, nós temos uma missão.

—Na lua?

—Não. Aqui na Terra mesmo.

—Ah. -Coçou a cabeça. -E precisa mesmo de mim?

—Você é o único que pode me ajudar.

—Tudo bem. -Ficou de pé e olhou para o roupão que usava. -Acho que preciso me trocar.

—Okay. -Parei, ouvindo o som da TARDIS. -Nossa carona acabou de chegar.

***

—Então... O que a gente veio fazer aqui?-Luther perguntou, enquanto o Doutor fechava as portas atrás de nós.

—Precisamos de uma árvore de natal. Disse à Allison que cuidaria disso, mas não tenho força pra cortar ou levar um pinheiro. O Doutor também não.

—Aí você notou que precisava de um macaco adestrado.

—Não, eu precisava de um cara forte e sensível o suficiente para escolher a melhor árvore. -Ele ajeitou a postura.

—Eu?

—É claro. Precisamos da melhor. Allison vai ficar impressionada e feliz. Ela quer que o natal seja perfeito.

—Então vamos fazer ser. Acho que vi uma árvore boa por ali. -E saiu andando. Sorri.

—Luther é seu namorado agora?-O Doutor perguntou.

—Não. -Respondi, espantada. -Por que tá perguntando isso?

—É o Diego então?

—O que?

—Por que chamou o grandalhão quando podia comprar uma árvore que podia ser entregue em casa?

—Por que Luther anda muito pra baixo. Achei que dar uma missão pra ele seria bom. Viu a cara dele? Já está animado. -Comecei a andar. -O lance do namorado... Perguntar esse tipo de coisa não é o seu estilo.

—Eu estava sendo gentil.

—Também não é seu estilo. -Ri.

—Só estava puxando assunto. Não te vejo desde que...

—Desde que a Babá voltou com um novo rosto e mais assassina do que nunca. Eu estou bem. E como você está?

—Bem.

—Ótimo. Ah. Vou passar o natal com os Hargreeves. Você está convidado.

—Natal. -Assenti. -Com os Hargreeves.

—Tá ficando surdo, vovô?

—Você realmente gosta deles.

—Ciúmes?-Olhou pra mim.

—Você parecia muito perdida quando começou a viajar comigo. Não parece perdida agora. Encontrou seu lugar.

—Independente de onde eu esteja, sempre vou ser sua amiga e extremamente grata por ter me salvo tantas vezes. Eu com certeza teria morrido naquela última invasão Dalek se não fosse você. Nunca vou conseguir agradecer o suficiente.

—Só estava fazendo meu trabalho.

—Sabemos que não é trabalho. Você tem um coração muito bom, Doutor. Rabugento ou não.

—Na verdade são dois.

—Dois o que?

—Corações.

—O que?

—Hey, aqui!-Luther gritou. -Eu achei a árvore perfeita! Será que algum de vocês trouxe um machado?

***

—Ela é linda!-Allison elogiou, andando em volta do pinheiro. -A melhor árvore que poderíamos ter.

—Foi Luther que escolheu.

—Foi?-Olhou pra ele, que assentiu. -Excelente escolha. Onde vocês encontraram?

—Ah, Mallory foi quem teve a ideia. -Luther começou. -Ela pediu ajuda pro Doutor e...

Me afastei devagar sem que os dois notassem e fui até a porta da sala onde Klaus assistia.

—Qual seu plano mirabolante, Mallyzinha?-Perguntou.

—Você é quem tem os planos mirabolantes aqui, Klaus.

—Está tentando juntar os dois.

—E deixar Luther mais feliz, ele anda meio pra baixo. -Cruzou os braços.

—Você não acha sinistro os dois se gostarem?

—Não acredito que algum dia eles tenham se visto como irmãos. Isso é uma coisa que não se pode forçar. Crescer com outra criança não faz dela sua irmã. Irmandade é uma coisa natural. E eles não se veem como irmãos.

—Você é uma cupido muito espertinha. -Ri.

—As pessoas às vezes precisam de uns empurrãozinhos.

—É. Algumas demoram muito pra notar algo que está bem na frente delas.

—Isso ainda é sobre Allison e Luther?-Deu de ombros.

—Talvez, sei lá, tanto faz. Ah. Diego está te procurando. Você tem treino.

—Nada de folga pelo visto.

—Nope. -Suspirei.

—É melhor eu ir. -Comecei a me afastar. -Diego tem a terrível mania de levar pessoas em cima do ombro quando elas não querem ir à algum lugar.

***

Com uma lista de compras na bolsa, eu caminhei pelas ruas procurando lojas que não fossem muito caras. Tinha um dinheiro guardado do meu último emprego, e queria pelo menos comprar uma lembrancinha de natal para o Doutor e os Hargreeves. Passei dois dias fazendo a lista, pensando o que seria adequado para cada um, então saí sozinha para minha aventura natalina.

Parei em frente à uma vitrine, vendo um belo vestido vermelho. Ele tinha alças finais, o que cortava meu ânimo. Ainda não me sentia segura o suficiente para não usar mangas longas e esconder as queimaduras no meu braço esquerdo.
De repente uma mão agarrou meu ombro.

—Davies!

—Meu Deus!-Me virei, o coração disparado. -Você quase me matou de susto. -Lila sorriu.

—Você precisa ficar mais atenta, garota. Podia ser a Babá.

—Eu sei. O que tá fazendo aqui?

—Estava te seguindo. -Ergui uma sobrancelha.

—Por... Quê?

—Tédio. E é fácil te seguir, eu podia ter te matado ou roubado cinquenta e sete vezes. -A ideia me deixou apavorada.

—Mesmo?

—E eu precisava de alguém normal.

—Eu sou normal?-Me olhou de cima abaixo

—Com certeza. -Decidi não me ofender com isso, então apenas respirei fundo.

—Por que precisa de mim?

—Qual é a do natal?

—O que?

—Natal. Tá todo mundo animado, enfeitando tudo, e tem velhos gordos de roupa vermelha em todo canto. O que tá rolando?

—Também não teve natal na sua infância?

—Você conheceu a Gestora?-Neguei com a cabeça.

—Bom... O natal é uma data festiva anual. Começou como comemoração do nascimento de Jesus... Mas hoje é uma data mais voltada pro consumismo. Ainda assim, é um feriado para unir a família, as pessoas que você ama e... Ficar junto, em paz... Essas coisas.

—Os velhos barbudos...

—Representações do Papai Noel. Se criou toda uma história de que ele dá os presentes de natal.

—Claro, por que faz todo sentido um velho estranho dando presentes.

—É mais pras crianças...

—O lance não devia ser as crianças não aceitarem presentes de velhos estranhos?

—O Papai Noel é bonzinho.

—E quem garante isso?-Se encostou na parede de uma loja. Suspirei.

—Você tem um ponto.

—Então natal é sobre um velho que pode ser ou não um sequestrador de criancinhas e o aniversário de alguém que nem tá mais vivo?

—Okay, não, você não pode falar essas coisas. Nós precisamos conversar sobre isso. Se importa em me acompanhar? Eu tenho compras pra fazer.

—Tudo bem. -Deu de ombros, caminhando ao meu lado quando comecei a andar. -Não tenho nada pra fazer mesmo.

Lila e eu nunca trocamos tantas palavras. Ela me assustava um pouco, desde que a conheci no prédio da Comissão, no resgate do Doutor e do Cinco (uma longa história envolvendo agentes rebeldes que tentaram tomar a Comissão e destruir todas as potenciais ameaças, além de ter dedos da Babá - Missy, Mestre, seja lá qual nome atual desse ser).

A mulher tinha aparecido algumas vezes pra assistir meu treino com Diego e às vezes era minha oponente, mas parecia mais interessada em me bater do que conversar comigo. Ela era uma versão feminina do namorado só um pouco mais assustadora. Eu também tinha um pouco de medo de Diego até conhecê-lo melhor. Talvez se Lila falasse mais vezes comigo, acontecesse a mesma coisa.

***

—Eu tenho um presente pra você!-Klaus exclamou, abrindo os braços.

—Mas ainda não é natal. -Coloquei as sacolas no chão, perto da cama.

—E daí?-Deu de ombros. -Eu não vou aguentar esperar o natal. -Pegou uma caixa cor de rosa. -Abre, abre.

Tirei a tampa. Havia alguns papéis de seda por cima, aumentando o suspense, mas consegui encontrar um suéter no meio deles. O puxei para fora. Era meu estilo, com branco, cinza, roxo e preto num designe que eu conhecia.

—Subornei uma velhinha pra fazer esse suéter demissexual pra você. -Klaus disse. -O que achou?

—É lindo. Obrigada.

—Parece que alguém andou fazendo compras. -Apontou para as sacolas.

—Comprei algumas lembrancinhas pro natal. E não, você não pode espiar.

—Você é malvada.

—E você é ansioso demais.

—Um pouquinho, talvez. Vai, coloca o suéter. A velhinha disse que dá pra ajustar, caso precise, mas eu levei um dos seus suéteres pra ela usar como medida.

—Hum, esperto.

—Eu sou.

—Okay, agora vira aí.

—Sério?-Sorri. Ele revirou os olhos teatralmente e virou de costas. Tirei meu casaco e passei o suéter por cima da cabeça. -Pronta?

—Pronta. -Virou pra mim.

—Oh, muito melhor que os suéteres de vovó. -O alarme de emergência soou de repente, cortando o momento.
Klaus e eu corremos para o primeiro andar, encontrando os outros irmãos.

—O que aconteceu?-Vanya perguntou.

—Quero saber quem vai me ajudar a enfeitar a casa. -Allison respondeu. -Voluntários?

—Eu não acredito. -Diego murmurou. -Você apertou o botão de emergência por causa disso?

—Sem voluntários? Eu preciso usar o rumor?-Todos ergueram as mãos. Allison sorriu. -Ótimo. Vamos começar!

***

Acordar naquela manhã de natal foi como voltar à infância. Não era como se eu tivesse 31 anos. Os Hargreeves tinham reacendido minha magia de natal interior.

O dia passou calmo, até a parte da noite. Lila chegou na hora marcada e Klaus pegou no pé dela assim que a viu. A mulher, como sempre, vestia preto da cabeça aos pés.

—Quem morreu pra você estar de luto?-Perguntou, apontando.

—Ninguém ainda. Quer ser o primeiro?

O Doutor chegou logo depois.

—Você tá atrasado. -Avisei, indo abraçá-lo.

—Você sempre diz isso.

—Vou parar de dizer quando ser pontual. -Olhou em volta.

—Fizeram tudo isso?

—Allison foi bem exigente.

A lareira acessa exibia meias com nomes de todo mundo. A árvore que Luther escolheu estava num canto, lindamente enfeitada, com dourado e vermelho, e uma bela estrela no topo, vários presentes ao seus pés e algumas pinhas artificiais. Duas mesas repletas de comida estavam do outro lado da sala, a maioria encomendada por Allison, por que ninguém na casa era muito bom na cozinha. Vanya e eu tínhamos feito alguns cookies, nós tínhamos recusado a ajuda de Klaus, com medo de “ingredientes” extras que ele poderia colocar. Na porta de entrada da sala, uma bela guirlanda de visco, que também tinha sido obra de Allison. Eu suspeitava que esse era o motivo de Luther estar com as bochechas tão vermelhas, mas também podia ser o vinho no copo dele.

—Gente!-Allison chamou, na porta. -Ela chegou!

Todos se ajeitaram em seus lugares, como se a rainha em pessoa estivesse chegando.

Allison foi para o lado e uma menina entrou na sala. Usava um suéter rosa, o cabelo estava dividido em dois e ela exibia um sorriso tímido. Claire.

—Vou apresentar todo mundo. -Allison disse, trazendo a filha pra dentro da sala. -Esse é o Luther...

—Spaceboy!-Claire exclamou, animada. -Você é o tio Luther, que estava na lua!

—Sou eu sim. -Ele confirmou, sorrindo. -É muito bom te conhecer.

—Eu pesquisei bastante sobre a lua, mas você pode me contar sobre ela?

—É claro que posso. -A menina o abraçou.

—Esse aqui é o seu tio, Cinco. -Allison apresentou. O garoto estendeu a mão.

—É um prazer, Claire. -Disse. A menina ignorou a mão e o abraçou. Klaus fez um “awn” e se calou quando o irmão o encarou com um olhar mortal.

—Esse é Diego, seu tio, e Lila, a namorada dele. -Diego ergueu a sobrinha num abraço e Lila fez uma careta quando a menina a abraçou, sorrindo pra ela quando se afastaram.

—Muito fofa. -Disse, dando batidinhas desajeitadas na cabeça dela.

—Essa é a tia Vanya.

—Você toca violino. -Claire comentou. -A mamãe disse que é muito boa.

—Eu vou tocar hoje. -Vanya disse. -Você pode dizer se concorda.

—Legal. -Abraçou a número 7.

—E esse... -Allison começou.

—Eu sou o titio Klaus!-Interrompeu, abraçando Claire. -Você é uma gracinha. A gente vai se dar muito bem.
—Vocês devem ter a mesma idade mental.

—Ei.

—Essa é Mallory, amiga da família. -Sorri.

—É bom te conhecer. -Afirmei. -Seu cabelo é lindo.

—Valeu. -Disse, me abraçando. -O seu é lindo também.

—Obrigada.

—E por último, -Allison começou. -o Doutor. É um amigo da família também.

—Suas sobrancelhas são grossas. -Claire comentou. -Eu gostei. -Nunca vi o Doutor sorrir pra uma criança antes disso, mas lá estava ele, sorrindo e estendendo a mão num punho para que Claire batesse o dela.

—O tio descolado. -Provoquei, quando a menina se afastou.

—Eu sou descolado. -O Doutor disse.

—Oh, é claro.

—Eu sou jovem, Mallory. Estou por dentro do que vocês jovens terráqueos falam que é moda.

—Alguma ideia do que significa meu suéter?-Franziu a testa.

—Cores?-Segurei o riso.

—É, você acertou. -Alguém cutucou meu ombro. Klaus. -Oi.

—Você tá usando meu presente. -Comentou.

—Estou. Eu gostei. É fofo.

—Eu ou o suéter?

—Deixa eu pensar... Hum... O suéter.

—Ah. -Fingiu uma cara triste. -Essas garotas de hoje em dia são difíceis de agradar.

—Precisa se perguntar se quer mesmo agradar essas garotas.

—Bom, talvez tenha uma que eu quero mesmo.

—É? Eu não tava sabendo disso. -Cruzei os braços. -Quer me contar mais sobre?

—Vou pensar no assunto. -Balançou os dedos na minha direção e se afastou para uma das mesas.

Ri e me virei para o Doutor, para encontrá-lo do outro lado da sala, falando com Lila.

—Eu não vou pedir desculpas por isso. -A mulher disse. -Estava seguindo ordens.

—Segue ordens sem questionar? Parabéns, você tem um cérebro de pudim.

—Repete isso.

—O que tá acontecendo ali?-Perguntei, quando Cinco parou ao meu lado com sua taça de vinho.

—Lila já tentou matar o Doutor. -Respondeu tranquilamente.

—O que?

—A Comissão tentou por anos, mandou diversos agentes... Inclusive Lila. Como pode ver, nem a filha da Gestora conseguiu. A Grande Anomalia Destruidora Temporal segue viva e intacta. -Olhei para o Doutor e para Cinco de novo.

—Você tentou? Tentou matar o Doutor?-Me encarou.

—Não. Ele está vivo, não é? Não tive minha chance.

—Que... Bom.

—É, o Doutor não foi útil em deter os últimos dois apocalipses, mas imagino que tenha parado muito mais que isso. E impactado não só o mundo como o universo.

—Isso é verdade. Não digo isso só por que há alguns anos eu... Fiquei cara a cara com a morte. -Toquei meu braço esquerdo cuidadosamente. -Ele me salvou. Salvou muitas pessoas. Tem marcas do Doutor por todo planeta Terra e pelo universo à fora. Se a Comissão tivesse matado o Doutor... As consequências seriam desastrosas.

—Vocês não estão falando de coisas ruins, estão?-Allison perguntou, se aproximando. -É natal, não quero ouvir sobre apocalipses, ou mortes... É natal.

—Desculpa.

—Venham, Vanya vai tocar pra gente.

Me sentei no sofá entre Klaus e o Doutor. Pela primeira vez os Hargreeves ficaram quietos. Vanya colocou o violino no ombro e começou a tocar Silent Night.

Violino era meu instrumento musical favorito, mesmo que eu não fizesse ideia de como se tocava. Vanya fazia parecer muito fácil, como se o arco fizesse parte dela.

—Você tá chorando. -Klaus sussurrou, se inclinando na minha direção.

—Essa música me faz chorar. -Sussurrei de volta. -Ela é linda. -Segurou minha mão.

—Eu sempre choro com versões acústicas de I Will Survive, então te entendo. -Sorri.

—Você é inacreditável.

—Não me diga que percebeu só agora.

Vanya terminou de tocar e pareceu surpresa com as palmas que recebeu. Claire praticamente pulou do sofá.

—Você tem que tocar no meu aniversário! Você sabe a música da Elsa?

—O Doutor sabe de cor. -Murmurei, ele me deu uma cotovelada de leve. -O que? Não fui eu assistiu Frozen 77 vezes.

—Não foram tantas.

—Não é o que o histórico da TARDIS diz. -Fiquei de pé.

—O que eu disse sobre ficar longe do meu histórico?-Ri.

—Tarde demais.

—Que babado é esse que eu perdi?-Klaus perguntou.

—Desculpa, minha boca é um túmulo. -Comecei a me afastar pras mesas de comida.

—Ah, Mallyzinha, não faz isso comigo não! Nunca deixe uma fofoca inacabada, mulher!-Me puxou pra trás, pela cintura.

—Klaus, não!-Segurei o riso, o rosto vermelho.

—Uh, alguém manda aqueles dois pra um quarto!-Lila gritou. Klaus se afastou, erguendo as mãos. Allison limpou a garganta.

—Lila, modos. -Pediu. -Criança na área.

—Ah, desculpa, coisinha. -Allison ergueu uma sobrancelha.

—Quanta elegância. -Cinco provocou.

—Veja a elegância disso aqui. -Mostrou o dedo do meio pra ele.

—Lila!-Allison gritou, cobrindo os olhos de Claire.

—Ops.

***

Claire engatou uma conversa com Luther sobre a lua. Parecia animada em mostrar pra ele tudo o que tinha aprendido em suas pesquisas e tirar dúvidas. O número 1 nunca pareceu tão feliz numa conversa. Allison observava com um sorriso no rosto. Era muito fofo.

Cinco, Lila e o Doutor estavam numa discussão no canto que eu não consegui acompanhar, eles falavam rápido demais. Não sei como se entendiam.

Perto das mesas, Klaus e Diego cochichavam de maneira bem suspeita, e eu não fazia ideia do que estavam falando.

—Antigamente eu ficaria preocupada. -Vanya comentou, lançando um olhar para os irmãos enquanto ajeitava o arco.

—E hoje em dia?-Perguntei.

—Ainda preocupada. -Rimos.

—Você toca muito bem. Sempre te ouço quando está praticando no quarto, nunca tinha visto de fato. É incrível. Como se o violino e o arco fossem partes suas. -Sorriu.

—Obrigada. Eu toco desde criança, levou um tempo... E pronto. -Fez uma pausa. -Você já pensou em tentar?

—Acho que eu não levo jeito.

—Não dá pra saber sem tentar. Eu posso reservar algum horário pra você. Não precisa me pagar.

—Vou pensar nisso.

—Notei que tem muitos presentes em baixo da árvore. -Allison comentou, parando ao meu lado.

—Obrigada por me lembrar, eu comprei lembrancinhas pra todo mundo. Gente, podem prestar atenção aqui um minuto?-Me afastei até a árvore. -Hora dos presentes.

—Comprou presentes pra todo mundo?

—Não queria deixar passar em branco. Vamos do começo. Número 1!-Entreguei um envelope para o homem. -Realmente foi difícil, até lembrar o quanto você gosta de maratonas.

—Um cartão de presente da Amazon Prime. -Leu em voz alta. -Eu queria mesmo ver algumas séries deles.

—Tem trinta dias pra maratonar todas.

—Valeu.

—Número 2!-Entreguei o embrulho para Diego.

—Você não precisava, não, Davies. -Disse. Dei de ombros. Ele tirou o papel de presente e riu, erguendo a camiseta preta com o símbolo do Batman. -Você é terrível.

—Achei apropriada. Número 3!

—Eu!-Allison disse, erguendo a mão. Sorriu vendo o par de brincos dourados. -Mallory, eles são lindos. Obrigada. -Me abraçou. -Vou colocar agora. -Se afastou até um espelho.

—Número 4!

—Você vai me deixar mimado. -Klaus avisou, apontando pra mim.

—Não me responsabilizo por isso. Aqui. Você acabou me dando a ideia, por que... Foi difícil. -Tirou um suéter de dentro do embrulho.

—Com as cores da bandeira pansexual... Temos suéteres combinando! Eu amei!-Me abraçou com força. -Sai todo mundo da frente, eu preciso vestir isso. -Ri.

—Número 5!-Entendi a caixa. O garoto pareceu meio perdido e surpreso.

—Você... Não precisava. -Murmurou.

—Não, mas eu quis. -Pegou cuidadosamente a caixa e a abriu, revelando uma xícara branca com o símbolo da Umbrella Academy de um lado, “5” de outro e alguns bombons de café dentro.

—Obrigado, Mallory.

—Número... 7. -Vanya se aproximou, tímida. -Foi difícil, talvez você não goste... Mas pode trocar, se quiser. -Estendi o pacote. Ela o abriu e tirou a pulseira marrom com um violino e notas musicais.

—É linda. -Afirmou. Obrigada.

—Agora, as pessoas de fora. Claire.

—Eu também vou ganhar?-Perguntou.

—É claro. Pensei bastante sobre coisas que sua mãe me contou sobre você. Ela disse que gosta de histórias.

—Eu gosto.

—Bom... Espero que goste. -Pegou o livro das minhas mãos e tirou o papel de presente com rapidez.

—Um livro! Mãe, você tem que ler pra mim!-Mostrou a capa para Allison. -Olha! “A Vida Não Me Assusta”. Gostei. Obrigada, tia, Mallory.

—Ah, eu não sou...

—Você não é namorada do tio Klaus?

—O que? Não... Eu... Não.

—Ah. Bom, devia ser. -E correu até a mãe para mostrar o livro. Respirei fundo.

—Doutor, sua vez. -Estendi a caixinha.

—O que é?-Perguntou.

—Vai ter que abrir. -Ergueu uma sobrancelha, mas abriu a caixinha.

—Um relógio de bolso.

—Achei que era bem seu estilo... E talvez te ajude a ser pontual. -Sorriu.

—É apropriado.

—É sim. E por último, mas não menos importante... Lila. -A mulher pareceu surpresa.

—Eu?-Apontou pra si mesma. Assenti. -Como sabia o que me dar?

—Lembra quando saiu comigo naquele dia?-Estendi a caixinha. -Notei que algo tinha te interessado.

—Não acredito!-Desfez o laço e abriu a caixa. -Garota esperta.

—O que é?-Diego perguntou. Lila colocou os óculos escuros. -Ah.

—Suas habilidades de observação estão ficando melhores.

—Tive em quem me inspirar. -Afirmei, ela sorriu.

***

Depois da ceia, Vanya tocou mais algumas vezes e Claire fez todo mundo cantar junto as canções de natal.

A noite se estendeu e logo a sala foi ficando vazia. O Doutor foi o primeiro a ir, agradecendo pelo relógio e pedindo desculpas por não saber o que me dar de presente.

—Mas você sempre pode pedir uma viagem especial na TARDIS. -Avisou.

Lila e Diego foram depois, sendo expulsos por Allison após se agarrarem em baixo do visco como se estivessem sozinhos.

Cinco se despediu rapidamente e subiu com sua xícara cheia de café e os bolsos cheios de bombons.

Vanya guardou o violino e se foi, bocejando e desejando feliz natal.

Luther carregou uma adormecida Claire para cima, com Allison ao lado.

Fim da festa de natal.

—A gente pode arrumar isso amanhã. -Klaus avisou.

—Eu sei, mas não precisa ficar tudo jogado até lá. -Empilhei os pratos de papel.

—Obrigado pelo suéter, eu realmente adorei. -Sorri, vendo-o usar a peça.

—Não sabia o que te dar de presente, até que você me deu isso. -Apontei pro meu suéter.

—Não precisava ter gasto comigo. Você já é um bom presente. -Ri.

—Okay. -Fiz uma pausa. -Ben está aqui?

—Difícil não estar.

—Posso falar com ele?-Assentiu, as mãos ficando azuis. A forma azulada de Ben apareceu na minha frente. -Oi.

—Oi. -Saudou, surpreso.

—Desculpa, eu não sabia o que te dar de presente.

—Imagina, você não precisa... Eu estou... Morto. Mas gostei das flores.

—Que flores?-Klaus perguntou.

—Ela não disse? Colocou flores no meu túmulo. -Sorriu. -Obrigado. Ele tem razão, você é mesmo um pontinho rosa de felicidade e apoio. Me sinto vivo perto de você.

—Ei, ei, ei...

—Não desse jeito, Klaus. Mallory tem um poder de cura, de vida... Ficar ao redor dela é... Como estar vivo de novo, é reconfortante.

—Fico feliz em poder ajudar. -Avisei. -Feliz natal, Ben.

—Feliz natal. -Sorriu uma última vez antes de desaparecer.

—Você mima ele demais. -Klaus debochou.

—Acho que ele merece, por aturar você o dia todo. -Provoquei.

—Ai. -Rimos. -Já terminou com o lance a arrumação?

—Por que está com tanta pressa?

—Bom... Tem uma coisa...

—Uma coisa? Que coisa? O que você aprontou agora?

—Nada, ainda. -Estendeu a mão. -Vamos?

—Se você insiste. -Segurei a mão dele e me deixei ser puxada até a porta da sala. -Por que paramos?-Olhou pra cima. Segui o olhar dele. -O visco.

—Você conhece a tradição?-O encarei.

—Conheço. -Ergui uma sobrancelha. -Você quer me beijar?

—Quero. Mas não vou. A não ser que queira. A decisão é sua. Não sei se você... Sei lá, gosta de mim dessa forma... Você disse, esses dias, que temos uma conexão... Essa conexão é o suficiente pra querer me beijar?-Sorri.

—Bom... É sim. -Dei um passo na direção dele. -Se eu contar que é meu primeiro beijo, você vai achar patético?

—Não. Mas vou ser obrigado a te dar um beijão de cinema. -Ri.

—Então tudo bem.

Sorriu e me puxou pela cintura, me beijando em seguida.

E foi como a coisa mais natural do mundo, como se já tivesse beijado Klaus Hargreeves milhares de vezes antes.

Uma bomba de arco-íris, confete, foguetes e borboletas explodiu no meu peito, espalhando eletricidade por todo meu corpo. Eu não queria parar de beijá-lo, e pelo aperto na minha cintura, Klaus pensava o mesmo.

Ao fim do que pareceu uma vida inteira, nós nos separamos.

—Beijo de cinema concluído. -Brinquei. Ele riu e ajeitou meu cabelo. -Feliz natal, Klaus.

—Feliz natal, Mallory.


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Notas finais do capítulo

E aí, alguém shippa Mallory e Klaus?



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