Os dois lares de Panetone escrita por Fuqboi


Capítulo 3
Monstro verde com luzes


Notas iniciais do capítulo

Oi, xuxus, tive um bloqueio enoooorme com esse capítulo e bom, por que não ler uma historinha de natal em março? Sjskjsk

Só queria agradecer demaaais pelos comentários de Indie e EsterNW no último capítulo! ♥



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"Eu não quero perder o feriado

Mas eu não posso parar de olhar seu rosto

Porque eu estou sentindo uma coisa

Seus lábios nos meus

Isso é um Feliz Natal"

ㅡ Mistletoe, JB

 

ㅡ Eu não vou ㅡ André declarou no meio do pet shop.

Panetone estava quietinho em seus braços, sem se preocupar com o cachorro que latia agitado. Tinha passado tanto tempo com André o forçando a experimentar roupinhas natalinas, que sequer possuía energia para implicar com o cachorro de volta.

Ele jurava que ainda podia ouvir aqueles malditos sinos que enfeitavam todas as fantasias.

ㅡ Eu sou sua irmã mais velha, você tem que me ouvir.

ㅡ Eu tenho 25 anos, Ju ㅡ respondeu acostumado com as provocações da irmã.

ㅡ Não importa, ainda é um moleque. E tem que passar o Natal comigo.

ㅡ Não tô a fim de ficar no meio daquele monte de parentes.

ㅡ Toma vergonha na cara e muda a desculpa pelo menos.

ㅡ O.k., eu não tô a fim de ficar no meio deles e ver eles me tratando como se eu fosse uma menina. Tá bom agora?

ㅡ Eu faço que nem quando você tinha 15 anos. Lembra da buzina? Resolvemos o problema de anos, numa ceia ㅡ na época seus parentes supunham que seria uma fase, não se preocupavam em respeitar, alguns até diziam coisas ruins sobre o menino e a educação que seus pais haviam lhe dado.

E, mesmo que as pessoas mais próximas dele se atentassem a usar seu nome social e pronomes, não era o comportamento de boa parte da família. André tentou evitar ao máximo interações desnecessárias, até a ceia. Ele não iria, se não fosse pela ideia maluca de Juliana.

Sua irmã pegou uma buzina de ar e a cada vez que se referiam a André pelo nome morto, ela acionava o objeto. Ele podia se lembrar bem de seus pais contendo a risada diante dos familiares desconcertados.

Mais tarde, agradeceram a Juliana pela ideia e André soube que, independente das reprovações alheias, ele teria ao menos três pessoas ao seu lado. As mais importantes.

ㅡ Pena que não durou muito.

ㅡ Sabe, eu posso ir aí. Tô com saudades da peste do meu irmãozinho e do seu gato chato.

ㅡ Ei! O Panetone tá te ouvindo. E não precisa, eu me viro aqui, você sabe que eu gosto de ficar sozinho.

ㅡ Panetone? ㅡ perguntou confusa. ㅡ Fala pro Gato que eu não vou levar presente se ele continuar com essa cara feia pra mim. E você, senhor, tem que parar de ficar trancado em casa. Mamãe e papai tão mandando um abraço. Eles falaram pra eu te deixar quieto, esse lance todo de respeitar seu espaço, mas eu vou te perturbar mesmo assim porque te amo.

ㅡ Tô com saudades deles.

ㅡ "Deles"? Por isso eu preferia ser filha única.

ㅡ Juliana! Para de drama. Eu também tô morrendo de saudades de você, você sabe que não é nada pessoal. Não tenho problema nenhum contigo e nossos pais.

ㅡ O problema é o resto da família.

ㅡ Sim.

ㅡ Você não devia se afastar assim da gente por causa deles. Eu sei que no meio do ano você vem pra cá direto, mas... sei lá, é Natal ㅡ estendeu-se uma pausa cortada apenas pela mente barulhenta de André. Ele estava cansado desse assunto, cansado de se explicar, mas também entendia o outro lado. Era uma conversa antiga e não se resolveria num telefonema no centro do pet shop.

Suspirou e tentou mudar de assunto, logo sendo interrompido.

ㅡ Bom, se você se sente melhor assim tudo bem. Juro, eu só encho o saco porque sinto sua falta aqui decorando tudo. A gente amava isso quando criança, só que eu nunca ㅡ nunquinha mesmo ㅡ vou querer que você se exponha a uma situação desconfortável só pra me agradar. Mas ano que vem você trata de arrumar essa sua casinha aí, porque vamos nós três passar o Natal com você vendo o Gato destruir sua decoração ㅡ no fim, independente da enorme teimosia, ela sempre o entendia.

E essa constatação o fez sorrir aliviado. Ele obviamente sabia que respeito era o mínimo, porém, nesses pequenos detalhes, ele se sentia a pessoa mais sortuda do mundo.

ㅡ Ah! Ele tem outra dona! Aquela história de gatos com múltiplos lares é real. E eu... ㅡ desviou sua atenção para o mostruário com cartões natalinos ㅡ eu não pretendo passar o Natal sozinho.

ㅡ Como assim?!

ㅡ Eu tô no pet shop, não tem como explicar agora...

ㅡ André! Como assim?

ㅡ A vendedora tá me chamando. Tchauzinho! Te amo.

André guardou o celular e pegou um cartão antes de encaminhar-se para o caixa. A frase estava pronta, bastava só pôr o nome do animalzinho. Não custava tentar.

 

Larissa estava desembrulhando alguns presentes, quando Panetone pulou pela sua janela. 

Apesar de não se preocupar em aderir aos costumes e decorações da época, sempre mandava algo para sua família tentando compensar a ausência. E, consequentemente, recebia outros presentes dela. Haviam chego há alguns dias, mas conteve a curiosidade até a data, sentindo-se boba, já que ela mesma não ligava para essas tradições.

Panetone subiu na mesinha e sentou-se em cima de um dos embrulhos. Estava novamente carregando um bilhete.

Larissa abriu o envelope que o gato trazia e notou ser, na verdade, um cartão todo decorado com estampas de patinhas e bengalas doces. Ela achou uma graça.

Abriu-o e se deparou com o convite.

Panetone perguntou se você quer passar o Natal conosco.

Não pensou muito antes de aceitar.

Diz pro panetone que eu aceito |

Mas só se me mandar foto dele com aquele cone |

Sério ele deve ter ficado uma gracinha qnd voltou do veterinário grogue e com o cone depois de castrado |

| kkkkkkkkkk

| Tá na mão

[imagem]

| Qnd ele ia pro corredor ficava andando em zigue-zague tontinho

Larissa riu alto e deparou-se com a carranca mal-humorada do felino.

ㅡ Tá me olhando assim por quê? ㅡ perguntou ainda rindo.

Panetone miou irritado e deu as costas para a mulher.

ㅡ Até parece que sabe que tô falando de você.

Humanos.

 

Fazia calor e as ruas estavam mais movimentadas que o de costume. Se não fosse por alguns pisca-piscas enfeitando a fachada de poucas casas, podia-se dizer que nem parecia uma tarde de Natal. Pelo menos não as que a mídia vendia.

Parecia um dia ensolarado normal, com Larissa usando seu vestido amarelo favorito para uma visita comum... Ao menos era o que dizia a si mesma para se convencer de que a situação não era minimamente estranha.

Há alguns dias, ela tinha certeza de que passaria o feriado no sofá recebendo ligações animadas de sua avó. Agora, estava a caminho do outro quarteirão para passar o Natal acompanhada por seu vizinho ㅡ quase desconhecido ㅡ e seu gato espertinho.

Ela gostaria de saber como e por que atraia esse tipo de situação para sua vida. Porém, não tinha nada a perder. Tudo seria no máximo entediante e ela daria um jeito de voltar para o seu cantinho.

Mas André era falante e parecia ser gente boa. E Panetone estaria lá, certamente aprontaria algo para os fazerem rir.

E não foi diferente.

Quando André abriu a porta, o gatinho a recebeu com uma fantasia incrivelmente fofa de rena e a cara emburrada.

ㅡ Nossa, mas ele amou mesmo a fantasia ㅡ ironizou.

A casa de André parecia ter saído de uma revista sobre imóveis e decorações natalinas. Não estava abarrotada de enfeites, mas havia bastante para uma casa tão pequena. Se fosse com outra pessoa, Larissa teria achado a decoração brega, no entanto, André tinha a habilidade de compor tudo de forma que não pesasse. Ela não sabia exatamente disso, porém pelas suas roupas ㅡ com toucas, suspensórios e camisas estampadas ㅡ ela tinha uma noção.

Não havia reparado antes, mas André estava de avental e com farinha até a cabeça.

ㅡ Foi mal a bagunça ㅡ Larissa entrou e logo pegou Panetone. ㅡ Eu tava fazendo uns biscoitos e... acho que deu pra ver que sou péssimo nisso.

ㅡ Parece que você brigou com a farinha.

ㅡ E ela ganhou. Definitivamente.

ㅡ Eu te ajudo.

André a olhou animado.

ㅡ Você sabe cozinhar?

ㅡ Nem de longe. Só que duas pessoas fazendo bagunça na cozinha é melhor que uma ㅡ compartilharam um sorriso e foram para a massa, com Panetone circulando entres suas pernas. ㅡ Isso é gengibre?

ㅡ Sim! E olha ㅡ ele girou animado, procurando algo nos armários e voltou com um cortador de biscoito em formato de homenzinho.

Larissa sorriu ainda mais. Sua primeira reação seria comentar que André era bem clichê, mas julgou que soaria ácido, mesmo que não fosse a intenção. Na verdade, a animação dele era contagiante.

ㅡ Parece que eu tô dentro de um filme. Você sempre arruma assim?

ㅡ Tento, mas o Gato não deixa durar muito ㅡ Panetone soltou um miado repreensivo e caminhou para longe dos dois. ㅡ Miau nada.

 

Os biscoitos ficaram horríveis.

Mas Panetone pouco ligava, pois seu objeto de interesse estava pendurado na árvore brilhante. E próximo ao chão.

Seus donos conversavam animados no sofá, alheios a qualquer peripécia do gatinho. Seria tão fácil.

Atento, Panetone apoiou-se em suas duas patinhas traseiras e tentou alcançar o enfeite que lhe seria útil. Desequilibrou-se, tentou novamente e errou a direção. Estava perdendo a paciência, e numa última tentativa recuou, encolheu-se nas patas dianteiras, levantou o traseiro olhando atentamente para o visco e pulou.

O que viu em seguida foi novamente um borrão verde cheio de luzinhas.

Árvore 2 x Panetone 0

Estava mais uma vez sob a árvore caída.

ㅡ PANETONE!

Ele não soube quem gritou, mas pela raiva seria facilmente André.

Dessa vez não se embolou no pisca-pisca, contudo também não conseguia sair debaixo daquele trambolho. Esperou furioso pela ajuda de algum de seus humanos.

ㅡ Ano que vem ponho uma grade nessa árvore.

ㅡ Olha a carinha de irritado dele ㅡ Larissa abaixou-se para acariciá-lo, porém André logo o soltou e Panetone pôde correr para o lado oposto da sala.

Para longe daquele monstro verde com luzes.

 

ㅡ Você tava esperando visitas? ㅡ Larissa perguntou olhando ao redor.

Depois da confusão, ambos sentaram-se no sofá de frente para a TV e engataram numa conversa casual.

ㅡ Hum, não? ㅡ respondeu confuso, porém, ao notar o olhar de Larissa vagando pelos enfeites, entendeu a quê ela se referia. ㅡ Ah, porque eu arrumei isso tudo?

ㅡ Achei lindo, mas não é muito comum por aqui. Não pra mim. Acho que lá em casa nunca pus nem árvore ㅡ André cruzou os braços, apoiando-os no encosto traseiro do sofá, e a olhou curioso pedindo para prosseguir. Larissa imitou o gesto. ㅡ Quando eu era criança sempre quis ter aquelas decorações lindas e tal, mas minha família achava besteira. Fora que seria um gasto que podia ser usado de outra forma, né. A gente sempre se preocupou mais em passar as comemorações juntos, o resto não importava muito.

ㅡ Mas agora você tá aqui sozinha ㅡ André pensou alto, arrependendo-se logo em seguida. ㅡ Não, não... sozinha tipo sozinha, porque tem o Panetone eu aqui, mas...

ㅡ Eu entendi ㅡ sorriu pelo jeito atrapalhado de André. ㅡ Não é como se meu emprego me desse férias nessa época, no máximo umas folgas. Sempre vou pra Minas no meio do ano, quando posso ficar um tempão lá. Mas e você? Tem uma história por trás disso tudo?

André respirou fundo.

ㅡ Mais ou menos. O pessoal na minha casa gostava disso, e eu amava organizar com meus pais e minha irmã. Era a melhor parte dessa época, antes da casa encher de parentes e começar a ceia e as discussões. Então, acho que arrumar tudo me faz lembrar de casa. Me leva um pouco pra perto dos meus pais e é tranquilo. Acolhedor. Entende?

ㅡ Bastante ㅡ acrescentou lembrando-se do porquê de amar tanto a cor amarela. E de como ela a fazia se sentir na casa de sua avó, de quando acordava já com o sol pintando todo o quarto de amarelo, do sentimento de aconchego que crescia dentro de si.

Acolhedor.

 

Panetone acordou de seu cochilinho após ouvir seus donos rindo absurdamente alto. Marchou em busca de algum lugar silencioso, longe de humanos e suas histórias desinteressantes, para tentar dormir novamente.

Entretanto, algo prendeu sua atenção.

No canto oposto da sala, perto daquele monstro verde horrendo, havia a peça-chave de seu recém-abandonado plano.

Com toda a confusão que ele causara, o visco acabou caindo da árvore e provavelmente ninguém se importou ao ponto de pô-lo de volta no lugar.

Sua missão ainda estava de pé.

Ou melhor, jogada no chão, prontíssima para ser resgatada.

Panetone saltitou para perto do enfeite e o mordeu, carregando com cuidado para não soltá-lo. Foi para o sofá e deu o melhor de si para pular e se equilibrar no encosto. Acima de seus donos, bem no meio deles, Panetone exibia o pequeno visco pendurado entre seus dentinhos.

André o olhou incrédulo e Larissa parecia não entender.

ㅡ Panetone agora deu pra começar a carregar planta também?

Panetone sempre achou Larissa mais esperta que André, mas neste momento ele decidiu rever seus achismos.

ㅡ Na verdade... é um visco ㅡ ele engoliu em seco.

Larissa achava uma graça vê-lo constrangido naquela situação. Obviamente ela sabia o que era um visco, e sabia ㅡ mesmo que fosse inacreditável ㅡ qual a intenção de Panetone ao pendurá-lo sobre eles. Mas, ainda assim, decidiu perguntar falsamente desentendida.

ㅡ Visco?

André parecia processar o que iria dizer. Ela se aproximou.

ㅡ É, sabe. Meu Deus, isso é muito clichê... ㅡ falou consigo mesmo. Larissa riu e continuou o fitando. Ele sustentou o olhar, visivelmente menos tímido. ㅡ Tem umas histórias sobre viscos em filmes e um monte de músicas. Você deve conhecer o costume.

Dessa vez, os dois se aproximaram. André podia sentir a respiração calma de Larissa e olhar de julgamento de Panetone pesando sobre si.

Pareciam querer ver o quanto suportariam a aproximação. André agora sabia que, desde o momento em que Larissa pôs seus olhos no visco, ela havia entendido a situação. E isso o fez se permitir brincar com o momento, ver até quando resistiriam. Não havia pressa.

Até que, com os lábios entreabertos, Larissa sussurrou.

ㅡ Acho que sei o que significa.

E o beijou.

Não houve surpresa. Começou calmo, como se estivessem se conhecendo ㅡ e realmente estavam. Porém, não contavam com o fato de que seriam abruptamente interrompidos por Panetone, jogando o enfeite em cima deles e pulando do sofá.

Olharam-se e já estavam rindo de novo do felino malcriado. André fez careta para o gato e Larissa o puxou de novo para si, dessa vez pegando-o desprevenido, mas não menos interessado.

Panetone, ignorando-os novamente, saltou para dentro da caixa vazia de panetone, que estava jogada no chão, e encolheu-se numa bolinha de pelos.

Constatou que sua tese estava certa.

Sem os gatos, os humanos estariam perdidos.


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Notas finais do capítulo

[Peguei inspiração pra cena da buzina num texto do Tumblr]

Passando aqui pra lembrar que eu não podia deixar de desenvolver a 1ª cena, pq ela diz MUITO sobre o André, por isso o capítulo ficou maior que os outros
E queria falar tbm que a vivência dele enquanto pessoa trans representra uma pequena parcela dentro da comunidade, porque ela é enorme e cada pessoa tem experiências diferentes, ok?
Isso é óbvio, mas tem gente que acha que todas as pessoas trans são iguais, então eu só queria deixar isso bem claro.

E obrigada DEMAAAIS por quem leu até aqui, esse conto é super especial pra mim ♥



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