Um Beijo de Natal escrita por queijo e uvas passas


Capítulo 1
Capítulo 1: Luana




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/798138/chapter/1

O calor do início do verão me deixa sonolenta, mas eu gosto disso. Gosto da sensação do sol no meu rosto e de como minha pele se aquece. Gosto de poder acordar às dez horas da manhã e ainda ter o dia inteiro para aproveitar, porque o sol só se põe às oito horas da noite. Gosto de poder usar roupas leves, tomar sorvete e ir na piscina. A maioria das pessoas inveja os países do hemisfério norte por terem o Natal no inverno, mas eu honestamente não vejo motivo para invejar isso. Por que alguém precisa de neve quando se tem a pele beijada pelo sol?

"Luana?" Minha mãe tirou-me dos devaneios. Olhei para ela esperando que falasse algo. "Não se esqueça de encomendar os doces pra semana que vem. Precisa fazer isso hoje pra dar tempo de ela se organizar." 

"Tá bom, mãe."

Minha mãe era dona de um escritório de advocacia tributária e todo final de ano dava uma festa de Natal antecipado para os outros advogados e funcionários. Eu, como boa filha, a ajudava sempre. Para ser honesta, é bom ter dois Natais e poder comer muito. A parte chata é precisar ligar para resolver as coisas e enfeitar a casa, porém esse é um preço que estou disposta a pagar.

 

***

 

Após duas semanas, chegou a véspera da festa. Minha mãe estava muito nervosa, porque queria que tudo estivesse perfeito. Ela ainda precisava trabalhar, então as responsabilidades de decorar a casa caíram sobre mim novamente. Convenci a mãe a fazer uma festa na piscina esse ano e acho que será muito bom.

"Ah, você vai adorar a Lu, ela é uma graça." Era a voz da minha mãe. Com quem ela conversava? Não conseguia entender, a minha mãe era do tipo que surtava se alguém visse a casa antes de tudo estar pronto. "Luana! Aí está você."

Virei-me e me deparei com a garota mais linda que já tinha visto na minha vida. O cabelo castanho reluzia e os olhos brilhavam ardentemente. Ela tinha um estilo clássico e feminino de se vestir, bem diferente do meu, mais voltado para tomboy

"Alice, essa é a Luana, minha filha. Lu, a Alice é filha da Vânia e se ofereceu pra ajudar."

Eu não sabia porque a mãe havia permitido que ela me ajudasse e visse tudo bagunçado, contudo eu só podia agradecer aos céus. Seria um deleite olhar para Alice o dia inteiro e ficar sozinha com ela. Eu não pretendia tentar nada, até porque ela tinha muita cara de ser hétero, contudo olhar não machuca, não é?

Minha mãe me lançou aquele olhar de "se comporte e cuide bem da nossa convidada" e saiu, deixando-nos a sós. 

"Olá?" disse Alice, tímida. Percebi que estávamos há uns dois minutos nos encarando sem falar nada. Na verdade, eu a encarava e ela apenas olhava a casa, absorvendo o ambiente, o que deixava tudo mais estranho.

"Hã, oi. Tudo bem?" Minha voz saiu mais insegura do que eu realmente gostaria.

"Sim, e você?"

"Tô bem." Silêncio.

"Bom, vamos começar o serviço então."

"Claro. O que precisa que eu faça?"

Disse-lhe como a minha mãe gostava da casa decorada. Era sempre a mesma coisa: pisca-pisca rodeando as arestas entre as paredes e o teto, guirlandas nas portas e janelas, um presépio em cima da mesa da sala de estar e uma bela e grandiosa árvore de Natal. Nos outros anos, em que apenas eu trabalhava, demorava a tarde inteira, entretanto, com a ajuda de Alice, acabamos tudo em duas horas. Não conversamos nesse tempo, apenas para pedir se tal enfeite estava torto ou coisas do gênero, o que me deixou um pouco decepcionada. Realmente queria conhecê-la e saber coisas a seu respeito.

"Agora que terminamos, não quer ver um filme pra descansar um pouco?" pedi a ela, na esperança de que ela dissesse que sim.

"Eu não queria incomodar, talvez seja melhor eu ir pra casa…" Alice estava tão fofinha sendo tímida, tudo que eu queria era apertar suas bochechas.

"Você não tá incomodando. Não quero ficar sozinha, por favor, vê um filme comigo." Me arrependi de ter falado daquela forma. Se ela ainda não havia sacado que eu queria desesperadamente beijá-la, aquele seria o momento em que ela notaria. 

… Ou não. Ela me deu um sorriso sincero e sentou no sofá.

"O que quer assistir?"

“Não sei, Alice. Hum. Já assistiu Brooklyn Nine-Nine?"

“Pior que não.”

“Então chegou a hora.”

Minhas esperanças eram de que ela gostasse da série e, ao conversar sobre, descobrisse as coisas de que ela gosta. E funcionou. Depois de assistir cinco episódios seguidos, pausei a Netflix e pedi a ela o que estava achando.

“Luana, eu amei! Sério.” O jeito com que ela falou meu nome fez meu coração rodopiar. 

“Qual personagem é seu preferido?”

“Capitão Holt, com certeza. Ele sofreu muito preconceito, mas continua firme no trabalho dele. Isso é muito inspirador.”

“Ah, eu adoro a Gina. Ela é sensacional.” Alice concordou comigo. “Você tá com fome, aliás?”

“Um pouco.”

“Quer comer o quê? Ou melhor, vem comigo na cozinha e escolhe algo.”

Olhamos os armários e a geladeira. Eu queria muito conversar, mas estava nervosa; já parecia ruim o bastante ela aparentar não querer estar ali e eu não queria forçar a barra. Será que ela se sentia desconfortável em minha presença? O que eu poderia fazer para mudar isso?

“Que tal pipoca, Lu? Posso te chamar de Lu, né?” Minha vontade era de responder que ela poderia me chamar do que quisesse, contudo apenas assenti. Comecei a fazer a pipoca. Enquanto isso, ela puxou assunto sobre Brooklyn Nine-Nine, o que me deixou aliviada. 

“Eu adoro o fato de que o Holt tem uma bandeira do Orgulho Gay na mesa dele. E do lado da bandeira dos Estados Unidos, ainda por cima” disse rindo. Céus, a risada dela era tão bonita. Foco, Luana. Não olhe para a boca dela.

“Você faz parte da comunidade LGBTQIA+ ou é só apoiadora?” Droga, não deveria ter pedido isso.

“Faço parte. Sou bi.” Congelei naquele momento. Só conseguia pensar que talvez, só talvez, eu tivesse uma chance de verdade de ficar com ela. 

“Eu sou pan” falei, pensando em qual seria sua reação. Um brilho de surpresa atravessou os olhos dela. Por um segundo, um esperançoso segundo, pareceu que ela me olhava com desejo. Porém logo esse momento se dissipou. Após a pipoca terminar de estourar, coloquei tudo em uma bacia e fomos para a sala. 

Dei play  em Brooklyn Nine-Nine, mas dessa vez estávamos tensas ao assistir. O único som que ressoava além da tevê era o barulho da nossa mastigação, o que nos deixava em um silêncio desconfortável. Quando fui pegar mais pipoca, minha mão encostou na mão da Alice e um calafrio percorreu meu corpo. Nos olhamos por alguns segundos e, repentinamente, ela se levantou. 

“Acho melhor eu voltar para casa, tá ficando tarde.” Ela gaguejava e parecia muito nervosa.

Limpei a garganta. “Hum, claro.” Abri a porta e Alice praticamente saiu correndo da minha casa. Ela me odiava. Amanhã seria constrangedor. Seria péssimo. Mas acima de tudo seria uma tortura.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um Beijo de Natal" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.