Pétalas do Caos escrita por BellatrixOrion


Capítulo 5
Capítulo 4 – Uma Dívida Indevida




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Capítulo 4 – Uma Dívida Indevida

Sangue.

Escarlate e espeço.

Manchava a neve imaculada.

O silencio sombrio da floresta era preenchido pela cacofonia da batalha enquanto a paisagem despedaçava-se de acordo com a dança ditada por seus combatentes.

Ele já podia sentir o cansaço pesando sobre seus ombros, as Criaturas do Caos eram insistentes, fortes, obstinadas, não iriam embora enquanto não tivessem o que desejavam, e isso já era um fato irrevogável.

Mas ele não poderia deixa-las simplesmente agarrar aquele velho homem e o leva-lo a força de volta para o castelo como nada mais que uma amontoado de carne, elas o matariam no processo certamente.

E isso era algo que ele não poderia aceitar.

Esforçava-se para distrair a criaturas o quanto podia, a luta estava intensa, as garras perfurantes dos lobos marcavam sua pele pálida, arrancando sangue e mais sangue de cada doloroso novo corte, mas mesmo com todos os seus esforços elas continuavam avançando na direção que o homem tentava fugir. O comerciante, inclusive, não parecia muito melhor, seu corpo não estava apto para lidar com aquele frio invernal, e se ele não encontrasse uma maneira de barrar o avanço das criaturas, logo teria que lidar com elas e com o homem junto, ai sim não haveria mais nada que ele pudesse fazer.

Precisava levar o homem de volta antes que o pegassem.

Mas, falar era muito mais fácil que fazer.

Não poderia simplesmente levantar voo e alcançá-lo, os lobos seriam muito mais rápidos que ele. Segura-los ali também já estava se tornando inviável, a mancha vermelha ao redor de seus pés já havia tomado por completo a neve do solo, mesmo que os lobos não pudessem matá-lo, bastaria que ele não pudesse mais se mexer para que então alcançassem sua presa. 

Ele não tinha muito tempo.

Por isso, foi assim que, com um movimento rápido, aproveitando-se da distração das criaturas que, mais uma vez, tentavam seguir atrás do comerciante, lançou-se sobre uma delas. Por sorte sua força foi o suficiente para derrubá-la, ambos rolaram algumas vez até serem aparados pelo grosso tronco de uma das árvores, mas o lobo não estava disposto a se render tão facilmente, ele esganiçou e debateu-se tentando se soltar, mas ele não cedeu, pressionava o focinho da criatura com força contra a neve gelada enquanto tentava controlar o grande corpo que lutava por ar e liberdade.

Os outros lobos do bando interromperam sua perseguição quando ouviram os sons do que ficou para trás, aquela dezena de olhos demoníacos voltaram-se para ele e rosnaram furiosos enquanto o assistiam agarrar, agora, a Criatura do Caos pelo pescoço, ele os encarava de volta com seu olhar rubro e aterrorizante, mas por alguma razão as criaturas não tentaram avançar, contentando-se em apenas observar enquanto o monstro sufocava o lobo até ele desfalecer e se desfazer em poeira negra.

Não houve tempo para contar.

Mas ele estima que tenha sido, no máximo, um centésimo de segundo.

Um centésimo de segundo em que tudo pareceu congelar num vórtex temporal.

Esse foi o tempo que as Criaturas do Caos ficaram imóveis.

Para então saltaram em profunda fúria e furor em sua direção.

}|*|{

A galopes rápidos, Sakura desbrava a floresta adormecida no sono invernal.

O vento gélido a muito já tinha tirado o a sensibilidade de suas maçãs do rosto, suas mãos estavam frias como uma pedra de gelo, seus ombros tremiam sem qualquer controle, mas a adrenalina não a permitia estar consciente de todas essas reações, restando apenas um formigamento incomodo e constante para mantê-la presa a realidade. 

Afinal, sua mente estava longe.

Pensava no pior.

Pensava no que faria se encontrasse seu pai em perigo.

“Como poderia ajudá-lo?”

 Pensava no que faria se chegasse tarde demais.

“Como contaria para suas irmãs?”

Pensava no que faria caso tivesse que protegê-lo.

“Ela estava pronta para morrer por ele?”

Questionamentos e mais questionamentos insistiam em lhe atormentar mesmo que não pudessem levá-la a lugar algum, ou melhor, até poderiam, mas certamente seu destino final era o poço escuro e sem fim que geralmente Sakura tentava guardar seus anseios mais aterradores, mas que constantemente emergiam novamente para assombrá-la.

Por um breve momento a imagem de sua falecida mãe pairou sobre seus pensamentos.

A menina não chegou a criar muitas memórias da matriarca Haruno, afinal, a perdeu muito jovem. Sua única referência era um quadro da mansão que fora pintado com toda família, Kisashi e Mebuki jaziam no centro, seu pai de pé por trás de sua mãe que encontrava-se sentada confortavelmente sobre uma poltrona muito luxuosa, Karin estava logo ao lado da mulher, Ino do outro, próximo de Kisashi, enquanto que Sakura, ainda muito pequena, acomodava-se no colo de sua mãe. Era uma pintura bonita, mas que ela só conseguia contemplar nas vezes que decidia aventurar-se no escritório de Kisashi. Não sabia dizer se o homem a mantinha somente para si para evitar algum tipo de desconforto para as filhas ou apenas não quisesse abrir mão da única imagem eternizada que tinham de Mebuki.

Era curioso sentir falta de algo que nunca teve, ela pensava. De algo que não se lembrava.

Só a possibilidade de também perder seu pai já a angustiava, mas o aperto que sentia em seu coração todas as vezes que a imagem da matriarca Haruno materializava-se diante de si chegava a ser aterrador. Como se existisse algo mais que ela não se lembrava. Algo importante perdido dentro de si mesma, mas longe do alcance de suas mãos.

E quase como um presságio de suas divagações, um som grutal emergiu do meio das árvores estremecendo até o íntimo de sua alma.

No susto, Sakura puxou as rédeas do cavalo, fazendo-o empinar e quase a derrubando no processo. O fenômeno acústico tinha sido tão alto que parecia estar acontecendo bem diante de si, mesmo que sua visão apenas conseguisse alcançar árvores e mais árvores cobertas de neve.

Olhou ao derredor ansiosa, agarrando firmemente o grosso galho que trouxera. Talvez a cena parecesse cômica aos olhos de qualquer um que se prestasse a assistir, mas a verdade era que a menina tremia-se por inteira. Não sabia o que esperar. Não sabia o que poderia encontrar. Restava-lhe apenas ela e ela mesma para se proteger do desconhecido e nada mais.

Outro farfalhar de galhos e mais um estrondo se fizeram presente, estes foram capazes de convence-la de que ela não era a única tremendo ali, tudo ao seu redor parecia estremecer com seja lá o que estivesse acontecendo. 

Algo grande, definitivamente grande.

Desceu do cavalo ainda em posse do pedaço de madeira, as juntas de seus dedos estavam doloridas, e não era exclusivamente por culpa do frio, segurava tão firmemente sua arma improvisada que mal notou quando uma farpa cravou-lhe a carne. Estava tensa.

Com medo.

Por um breve momento arrependeu-se de não ter corrido atrás de Sai para lhe pedir ajuda.

— Não fique se prendendo ao que deixou de fazer, Sakura – Advertiu a si mesma, quase que instantaneamente, num suspiro. Provavelmente numa tentativa falha de controlar as próprias ansiedades – Não temos tempo para isso.

E como uma resposta imediata, outro grande barulho emergiu do meio da floresta, chamando sua atenção para uma direção específica.

Ao longe, por entre as árvores, ela pode observar uma silhueta destacar-se. Não tinha uma forma nítida, os troncos não facilitavam sua visão e não havia absolutamente nada que a ajudasse identificar do que se tratava, poderia ser qualquer coisa, qualquer animal, desde um simples e inofensivo coelho ou mesmo um urso solitário, mas independente do que aquilo poderia ser, a única certeza que ela tinha era que “a coisa” estava vindo diretamente em sua direção, cada vez mais próximo e mais rápido.

Posicionou-se em defensiva enquanto aguardava para dar o próximo passo, não arriscaria perder o momento certo para fugir ou mesmo para se tranquilizar, e com isso em mente, forçou sua visão para tentar decifrar melhor o que estava vindo. Obviamente, a opção de coelho já havia sido descartada, era nítido que o que estava a caminho era muito maior que um coelho, mas certamente também não se tratava de um urso.

Aos poucos as sombras da floresta deram espaço para frestas de luz solar se infiltrarem, e com um rápido filete, Sakura pode vislumbrar ao longe uma cabeleira loira grisalha que ela reconheceria em qualquer lugar.

— PAI! – Gritou extasiada, sentindo seus olhos merejarem. Desatou a correr na direção que ele vinha sem nem pensar duas vezes, mal percebendo que havia abandonado sua arma para trás, ou mesmo a sensação de perigo que ainda pairava sobre a floresta, o simples fato de saber que o homem estava vivo já lhe trazia o alívio que tanto ansiava sentir, e para ela, isso já bastava.

Mas, obviamente, nada ainda estava acabado.

— CORRA SAKURA! SAIA DAQUI! – O comerciante respondeu em desespero ao reconhecer a figura de sua filha mais nova no meio daquela vastidão de árvores secas e neve – VOCÊ PRECISA FUGIR! – Gritava e gesticulava desordenadamente ainda com alguns bons metros de distância – ELES ESTÃO QUASE-

Mas o homem não pode continuar, pois no mesmo instante, do meio das árvores, algo surgiu num voo rasante arrastando as criaturas do caos e vários troncos junto consigo.

Tanto Sakura quanto Kisashi tiveram que se jogar na direção contrária para não serem atingidos.

A menina rolou algumas vezes até finalmente conseguir parar próximo de alguns arbustos, sua cabeça girava e seu corpo doía, foram longos instantes até que finalmente conseguisse voltar a estabilizar os próprios sentidos e se forçar a erguer ao menos o tronco. Pode notar que sua blusa, outrora branca, agora estava manchada e encharcada graças a terra e a neve. O contato do tecido contra sua pele quente causou-lhe calafrios extremamente desagradáveis, mas ao menos a ajudaram a estabelecer seu juízo por completo e fazer sua cabeça parar de girar.

Tentou usar as mãos para se erguer, e pela primeira vez, pode notar a farpa incomoda bem no centro de sua palma esquerda. Mesmo com o corpo pesado e dolorido, ela conseguiu ficar de pé, e numa análise rápida, pode concluir que os estragos não tinham sido tão graves, havia escoriações e um pouco de sangue em seus cotovelos e joelhos, mas nada que viesse a ser um problema. Era em momentos como aquele que ela agradecia a si mesma por ter tido a brilhante ideia de usar calças, mas praguejava a falta de um casaco grosso para protegê-la daquele frio.

Olhou ao redor a procura de seu pai e, depois de breves segundos de angústia, arregalou os olhos em desespero ao encontra-lo a poucos metros de distância de onde ela mesma estava. O homem jazia caído e desacordado com um grosso troco de árvore sobre seu corpo, a neve abaixo dele manchava-se de vermelho graças a um corte em sua têmpora, além de várias outra escoriações e machucados que se protuberavam sobre sua pele clara e frágil.

Imediatamente Sakura se pôs a correr em sua direção, mas antes que pudesse ao menos dar dois passos inteiros, teve seu trajeto bruscamente interrompido por uma outra árvore sendo arrancada e lançada para fora do solo. Jogou-se mais uma vez sobre a neve gelada, desviando a tempo do impacto que acabou arrastando pelo menos mais três outras árvores consigo. Olhou horrorizada o estrago, mas foi somente ai que a menina finalmente pode discernir o que estava causando todo aquele pandemônio de caos e desordem, mas, definitivamente, não esperava que o que encontrou conseguiria lhe tirar todo o ar que ainda restava em seus pulmões.

Um lobo negro, envolvido em pura fumaça, agonizava aos pés das raízes sobressaltadas das árvores caídas. Seu corpo certamente era bem maior que o de um lobo comum, mas a única semelhança parava exatamente ai, aquilo era um lobo, mas ao mesmo tempo não era, pois o resto não podia ser comparado a absolutamente nada que a garota já tenha visto em vida.

— Por Deus, o que...? – Com um último suspiro, o animal se desfez em poeira negra, sendo levado pela brisa gélida que continuava a castigar a floresta.

Sakura virou-se na direção que a criatura foi lançada não conseguindo conter sua curiosidade, e como se já não tivesse tido coisas estranhas o suficiente para um único dia, mais uma vez foi surpreendida com pelo menos mais cinco lobos negros rosnando e uivando para algo que estava no centro do círculo que os animais formavam.

Ela, absolutamente, não estava disposta a perder tempo ali para descobrir o que aquelas coisas tanto queriam, principalmente agora que elas aparentemente não haviam notado sua presença ou a de Kisashi.

Novamente, a menina correu até seu pai, mas sem interrupções dessa vez. Ajoelhou-se próximo do rosto do homem e o sacudiu de leve na esperança de consegui-lo trazer de volta aos sentidos.

— Vamos, pai! – Dizia ansiosa, não perdendo de vista a movimentação das criaturas que estavam a alguns metros de distância, atenta a qualquer indício de que haviam sido descobertos – O senhor precisa acordar! – Porém, mesmo assim, ela não obteve respostas do homem. Aproximou o lado direito de seu rosto da boca rachada do velho comerciante com um aperto profundo em seu peito, mas logo um pequeno alívio pode acalentar seu coração ao constatar que Kisashi ainda respirava.

Por sorte, mesmo que ele estivesse preso embaixo do tronco, um banco de neve o havia protegido, afundando seu corpo e evitando que seus ossos fosses esmagados no processo. Sakura poderia tirá-lo dali, mas se não tivesse cuidado, a estrutura de neve que estava segurando a árvore poderia desabar e acabar piorando a situação de Kisashi na melhor das hipóteses, ou matá-lo, na pior.  

Tentou primeiro puxá-lo, mas logo percebeu que seria impossível sozinha com toda aquela neve pressionando o corpo do homem cada vez mais pra baixo. Olhou, então, ao redor e acabou encontrando pedaços quebrados de galhos robustos que poderia usar de calço na estrutura, os pegou o mais ligeiramente que pode, sempre mantendo-se o mais discreta que seus pés desengonçados e barulhentos podiam ser.

Voltou novamente até o pai ofegante, com os braços abarrotados de madeira dos mais variados tamanhos, e assim, usando as próprias mãos, a garota começou a cavar ao redor do corpo dele. Na altura dos acontecimentos, as mãos da jovem já deveriam estar dormentes por causa do frio e de sua pouca roupa, mas foi somente quando ela começou a cavar que ela pode sentir o verdadeiro significado de quando dizem que “o gelo pode queimar”.

A sensação era horrível, como se diversas agulhas estivessem cravando sua carne ao mesmo tempo, e se a farpa presa na sua mão já a estava incomodando desde que se deu conta da presença da maldita, agora a dor só piorava.  Mordia os lábios para não gritar, o gosto metálico que se espalhava por sua boca servia como um lembrete para ela manter o controle, a vida de ambos estava em suas mãos agora e ela não podia falhar.

Quando enfim conseguiu uma altura boa de distância entre a neve e um dos lados do corpo de seu pai, Sakura pegou a estaca e a cravou bem ali, fortificando a sustentação dela com mais neve e terra. Conseguiu colocar pelo menos duas antes de apressar-se e ir para o outro lado para repetir o processo.

A poucos metros de distância, ela ainda podia ouvir o barulho da batalha que se seguia com toda intensidade. Pelos sons e tremores, ela podia jurar que mais árvores tinham sido arrancadas. Precisou parar a escavação pelo menos duas vezes para evitar que as estacas do outro lado acabassem cedendo.

Com esforço, cravou mais duas do outro lado. Para então voltar ao outro e colocar mais duas. Fez assim até que tivesse certeza que oito galhos, suficientemente grossos, estivessem devidamente presos e segurando aquele tronco no lugar dele.

Sentou-se por um breve momento para recuperar o folego. Apertava as mãos uma contra outra para tentar fazer o sangue voltar a circular enquanto soprava vento quente sobre elas, as pontas dos dedos estavam praticamente azuis e seus ombros tremiam descontroladamente.

— Céus, isso precisa dar certo. – Proferiu entre dentes enquanto olhava para seu pai ainda desacordado. Considerando o estado que ela mesma estava, eles não tinham muito mais tempo.

Assim que se sentiu pronta, posicionou-se de frente para seu pai, colocou seus braços por de baixo dos dele e começou a puxar. Suas juntas doíam, parecia faltar-lhe força num primeiro momento, mas aos poucos o corpo do homem começou a se mover.

Entretanto, antes mesmo que a menina pudesse comemorar a pequena vitória, a grande árvore se deslocou, fazendo um barulho alto o suficiente para atrair a atenção de um dos lobos para a direção que eles estavam.

Seu sangue gelou de imediato.

No momento que se virou na direção da luta viu o animal monstruoso avançar a passos contidos até eles com aqueles olhos demoníacos sedentos por sua morte.

Em desespero, voltou a agarrar o corpo desfalecido de Kisashi e a puxar, agora, sem qualquer cuidado. A menina lutava contra a vontade de chorar, mas continuava se esforçando, usando as forças que tinha e também as que não tinha para salvá-lo. Ela não podia perdê-lo também. Não depois de tudo. Principalmente agora.

Graças aos céus, mesmo com o deslocamento do tronco, Sakura já havia puxado o suficiente do corpo do homem para fora, assim evitando que acabasse preso novamente. A única coisa que ainda o prendia era a neve.

A menina olhou mais uma vez para trás a fim de saber quanto mais tempo tinham, faltava pouco para solta-lo por completo agora, mas o lobo negro já estava a poucos passos de alcança-los.

 O tempo já tinha acabado.

Sem ter nada mais que pudesse fazer, Sakura agarrou o galho mais grosso e pontiagudo que pode alcançar e virou-se de frente para o lobo, apontando sua arma na direção da coisa enquanto se colocava na frente de Kisashi.

Ele não iria morrer.

Não se ela pudesse evitar.

Encarrou os olhos negros pronta para o que veria.

Nem si quer piscou quando a criatura pulou voraz em sua direção.

E com um grito, que pareceu sair do mais profundo da sua alma, ela aguardou o decreto final do destino.

.

.

.

Decreto este que não veio.

Num piscar de olhos, não era mais o lobo de trevas que estava diante de si, mas sim um par de asas cinzentas que tinham o formato de mãos. A criatura barrou o animal segurando-o pelo pescoço, sufocando-o até ele explodir em poeira negra como tinha acontecido com o outro. Ele virou o rosto na direção da menina, como se quisesse ter certeza que ela estava bem, porém, no instante que os olhos de Sakura encontraram os olhos daquele que havia acabado de salvar sua vida, o tempo pareceu congelar.

“ - Sei que está tentando me proteger... Mas, por favor, não o machuque mais...! Não seja um monstro como ele diz que você é! Por favor!”

A lembrança materializou-se de imediato em sua mente, quase como se ela pudesse estar a vivenciando naquele exato momento. As mesmas sensações, os mesmos sentimentos, ela foi inundada por uma avalanche de memórias tão grande e intensa que quase jurou que o ar havia escapado completamente de seus pulmões.

Ele definitivamente estava muito diferente, as asas, o cabelo, seu tamanho, a ausência das marcas negras...

Mas Sakura jamais o esqueceu.

Aqueles eram os mesmos olhos vermelhos que ela sempre ansiava revisitar em seus sonhos.

Os mesmos olhos intensos e inesquecíveis que ela apenas tinha perdido as esperanças de um dia poder voltar a vê-los pessoalmente.

— É você... – Sussurrou, não como uma pergunta, mas como a maior constatação que ela já havia feito em sua vida – O garoto daquele dia. O garoto que me salvou.

Sakura não sabia se ele a havia compreendido, não conseguiu extrair absolutamente daquela face completamente ausente de expressões, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa novamente, os outros lobos avançaram furiosos até eles.

Imediatamente, ele se interpôs na frente de Sakura, usando uma de suas mãos para deixa-la ainda mais protegida atrás de si e das grandes asas. Ainda haviam quatro animais ferozes rosnando em completa fúria, eles os rodearam e os encaravam numa posição que poderiam atacar a qualquer momento. Sakura segurava firmemente sua lança improvisada enquanto intercalava seu olhar entre os lobos negros e Kisashi que estava logo atrás de si, tentava a todo custo manter o máximo de calma humanamente possível para aquela situação. Mesmo seu salvador estava tenso, ela pode constatar, a rigidez de seus ombros, o vinco profundo entre suas sobrancelhas perfeitamente negras no exato momento que ele se virou e a privou da visão de seu rosto... A situação não era boa. Ela estava com medo.

E quando enfim pareceu que os animais iriam avançar sobre eles, um uivo profundo inundou a floresta.

No mesmo instante as feições das criaturas suavizaram, como se toda a raiva tivesse sido arrancada deles. A fumaça negra da qual pareciam ser feitos suavizou-se gradativamente a ponto de não passar mais que um cinza extremamente claro e suave enquanto seus olhos, outrora negros, agora brilhavam num amarelo brando e acolhedor.

Os lobos, então, caminharam pacificamente até eles, o homem não baixou a guarda mesmo sabendo que o perigo havia passado, permaneceu protetoramente ao lado da garota de cabelos rosados enquanto os animais chegavam cada vez mais perto dela. Sakura, por sua vez, já sentia um estranho alívio percorrer seu corpo, e por isso, quando um dos lobos se aproximou de si ela não temeu em estender a mão e tocar no longo focinho de fumaça. O pequeno toque foi o suficiente para aquecer seu corpo por completo, livrando-a enfim das tremedeiras e do formigamento dos dedos já completamente enrijecidos por causa do frio.

Enquanto isso, os outros foram na direção de Kisashi, e com um movimento rápido e certeiro, o puxaram de baixo do amontoado de neve. Sakura imediatamente livrou-se do braço protetor de seu salvador e correu até seu pai. O coração aos pulos só se acalmou quando enfim o apoiou contra seu peito e viu a cor voltar para sua face, o machucado em sua testa se fora e, poucos segundos depois, ele já estava abrindo os olhos.

— Pai? Está bem? Consegue me ouvir?

— Oh... Sakura...? O que... – O velho comerciante piscou algumas vezes até conseguir trazer sua consciência de volta, olhou para a filha com os olhos cheios de lágrimas e apenas a puxou para um abraço reconfortante depois de tanto tempo – Oh, minha menina!

— Está tudo bem agora pai, está tudo bem – Dizia enquanto dava leves tapinhas em suas costas, finalmente se permitindo chorar de alívio.

Um breve momento de silencio e paz os envolveu até que fossem despertados pela voz profunda do homem sombrio que estava agora de pé os encarando seriamente.

— Ainda não acabou. – Disse dirigindo seus olhos escarlates na direção de Kisashi, evitando propositalmente os esmeraldinos que o encaravam em completo questionamento – Não sei por que as Criaturas do Caos se acalmaram, mas se você não voltar para o castelo elas não tardarão em voltar para te caçar de novo.

— Caçar..? Pai, do que... do que ele está falando? – Sakura olhava entre seu pai e seu salvador com ainda mais dúvidas do que respostas.

Mas, mesmo antes que Kisashi pudesse responder a filha, o homem lhe tomou a palavra.

— Ele pegou algo que não devia. Lhe demos abrigo e comida na noite de tempestade, mas ao invés de apenas ir embora como tantos outros já o fizeram, ele nos roubou e condenou a todos por sua ganância – Proferiu com amargura na voz – Se ele não voltar para o castelo as Criaturas do Caos voltarão, e pode ser que não consiga sobreviver a uma segunda chance.

—Isso... É verdade pai? – Questionou com uma leve pontada de decepção em sua voz, não conseguindo evitar o olhar que direcionou ao velho comerciante.

— E-eu n-não sabia! – Abaixou os olhos, envergonhado, sem coragem alguma de encarar a filha – Eu apenas peguei um ramo! Um ramo de árvore como um presente para você! Não achei que seria amaldiçoado por causa disso e-

— Nós já estamos amaldiçoados! – Corrigiu o outro, não conseguindo conter a raiva em sua voz e avançando até eles a passos duros – Mas agora pela sua dívida, talvez não tenhamos mais esperança!

— Calma, por favor! – Sakura se levantou, colocando-se na frente do pai e encarando a criatura com firmeza – Precisa haver algum outro jeito além de condená-lo a apodrecer o resto da vida nesse “castelo”, seja lá onde ele esteja!

— Não é assim que funciona, garotinha— Bufou frustrado e irritado por ter que estar explicando a mesma coisa novamente – A magia do caos só funciona com trocas equivalentes – Ele disse se referenciando aos lobos que continuavam ali aguardando – “Ao roubar da árvore, ela roubou sua liberdade”, não há o que fazer. O que fizemos aqui apenas atrasou o inevitável. Se ele não vier comigo, o caos virá cobrar sua liberdade, e com ela, possivelmente sua morte. E eu não quero mais esse fardo para carregar. – Finalizou num rosnado, finalmente encarando os brilhantes olhos esmeraldinos que não se desviaram dele nem si que por um segundo.

— Mas... E se... E se... – Sakura piscou algumas vezes, processando as novas informações e tentando encontrar uma solução para tudo aquilo. Mesmo que se esforça-se as possibilidades eram mínimas, eles não teriam chances contra aqueles lobos, e talvez suas irmãs também pudessem entrar em perigo caso não seguissem o que estava sendo dito, mas a possibilidade de seu pai ser condenado a uma eternidade preso a matava internamente, ela não poderia deixar que isso acontecesse. Foi ai que um pequeno feixe de luz iluminou sua face e seus pensamentos lhe trazendo uma ideia insana, mas provavelmente a única com uma pequena ponta de esperança – E se eu for no lugar dele?

— Não! Definitivamente não, Sakura! – Kisashi exaltou-se e se levantou, agarrando o braço da filha para afasta-la do monstro – Não posso deixar que você pague por um erro meu! Não vou te condenar a essa vida!

— E SE EU for no lugar dele? – Ela ignorou deliberadamente o pai, puxando o braço de volta e virando-se na direção dos lobos, de alguma forma, algo em seu interior dizia que eram eles quem deveriam decidir.

Como se a entendessem, entreolharam entre si por um breve momento e então acenaram positivamente.

— Eles... Aceitam a troca... – O homem interpretou, mas tão menos disposto quanto o próprio comerciante com a ideia impensada da garota – Sabe que se aceitar, não poderá mais voltar para casa, não sabe? Quer se condenar a passar “o resto da vida presa a aquele castelo”? – Enfatizou, usando as próprias palavras que ela havia usado anteriormente.

— Minhas irmãs precisão dele... – Respondeu – Elas já perderam a mamãe, pai – Disse voltando-se novamente ao patriarca Haruno – Não podem perder você também... Eu não posso te perder! – Segurou docemente as mãos calejadas do senhor e as envolveu com as suas – Se eu souber que o senhor está seguro em casa, com Ino e Karin, estarei tranquila pelo senhor. Elas jamais dariam conta de cuidar da casa e evitar o poço sem fim que estão nossas finanças, só o senhor poderá trazer a paz que precisamos.

—Mas, Sakura...

— Eu posso fazer isso – O interrompeu – Pelo senhor, pelas minhas irmãs e... Pela mamãe.

Kisashi encarou os olhos brilhantes de Sakura, mas o que viu foi a versão mais jovem de sua esposa, sempre determinada e bondosa, se colocando a frente de tudo se isso significasse proteger aqueles que ela amava.

— Ela estará segura lá? – Perguntou ao homem de asas, sério, mas ao mesmo tempo melancólico – Pode me prometer que nada vai acontecer com ela? Que ela vai ter uma vida digna? Que ela ainda vai sorrir apesar de tudo? Que... – Mas ele não conseguiu terminar, sua voz embargou-se até que tudo não passasse de murmúrios incompreensíveis misturados a um choro triste e sôfrego.  Sakura o abraçou forte, também não conseguindo conter as lágrimas. O homem por outro lado, preferiu virar o rosto, tanto em respeito quanto em constrangimento, por sentir-se como um intruso naquela despedida tão cruel.

— Eu... – Pronunciou-se depois de algum tempo, mas ainda sem conseguir encarar qualquer um dos dois – Posso conseguir que ela escreva para vocês, ao menos como uma maneira de compensá-la por... Por... Tudo. – Concluiu, ainda sem saber ao certo lidar com toda aquela situação.

— Obrigada – Sakura agradeceu tocada, abraçou mais uma vez o pai e enfim soltando-se de seus braços – Está na hora.

Com essa deixa, os lobos logo saíram, mas rapidamente retornaram com o cavalo da família Haruno que havia fugido novamente com toda a confusão, Sakura ajudou o pai a subir na montaria, mas antes que se fosse, ele entregou seu casaco para ela.

— Foi um presente dele – Disse se dirigindo a criatura alada com um meneio de cabeça, ele em contrapartida apenas correspondeu ao gesto – Mas acredito que lhe será mais útil que a mim até voltarem para... bem, o castelo. Só, por favor, não faça mais loucuras como essa de enfrentar uma floresta pós tempestade sem um casaco, minha filha.

— Eu prometo, pai. – Respondeu com um sorriso, grata por ele tentar manter as coisas agradáveis mesmo diante de uma situação como aquela.

— Eu te amo minha querida, cuide-se.

— O senhor também.

E com um gesto simples o cavalo tomou seu rumo pelo que ainda restava da trilha depois da luta que devastou boa parte da floresta.  Dois dos lobos o acompanharam enquanto os outros dois aguardavam pacientemente ao lado dos dois jovens.

— Espero que minhas irmãs consigam entender sem causar uma confusão maior – Ela murmurou consigo mesma enquanto ainda observava a silhueta do pai até que desaparecesse por entre as árvores.

— As Criaturas do Caos deixaram tudo as claras, não se preocupe. – O homem lhe respondeu, surpreendendo-a por ter conseguido ouvir algo dito tão baixo. Talvez ele a tenha ouvido na primeira vez também?

— Certo... – Mesmo que ela não tivesse ideia de como os lobos poderiam explicar tudo o que aconteceu, Sakura preferiu não se prender muito a isso, depois de hoje, ela não poderia duvidar de mais nada por um bom tempo - Vou confiar em você, então. – Disse sorrindo.

Mas ele não respondeu mais nada, apenas se aproximou dela, e sem cerimonias, a pegou no colo. A garota foi apanhada totalmente desprevenida, dando um gritinho de susto com a ação inesperada.

— Desculpe, eu te machuquei? Está tudo bem? – Questionou preocupado, avaliando se tinha feito algo de errado, mas apenas conseguiu arrancar um riso divertido dela, que não conseguiu não achar graça com a reação exagerada.

— Não deveria pegar jovens damas sem seu consentimento, senhor – Ralhou em tom de brincadeira, mas ele pareceu levar aquilo muito mais a sério do que ela estava levando.

— Não irá se repetir – Concluiu sério, a encarando profundamente. Mais uma vez as memórias de sua infância invadiram sua mente, fazendo-a parar de rir e suas bochechas corarem. Ainda não parecia real, poder encontrá-lo depois de tanto tempo. Talvez um dos motivos de não estar tão assustada era justamente pelo que aconteceu naquele dia, sabia que ele não a machucaria, e mesmo que seu coração estivesse em pedaços por nunca mais poder ver sua família ou mesmo ir a outros lugares, ela sabia que estaria segura, e afinal, estava fazendo isso por seu pai, era o suficiente.

Ele então olhou brevemente para as Criaturas do Caos e acenou, com o sinal elas se dispersaram pela floresta, deixando ambos a sós.

— É melhor você se segurar firme – Advertiu. A princípio Sakura não entendeu exatamente o que ele queria dizer, mas logo a compreensão lhe atingiu ao perceber qual maneira eles iriam utilizar para chegar ao castelo.

— Espera, nós vamos voando?! – Sua voz esganiçou pelo repentino pavor que assolou suas entranhas. Transpassou ambos os braços ao redor do pescoço de seu salvador como instinto e o encarou horrorizada. “Como ele poderia estar tão calmo?”

— É o jeito mais rápido – Deu de ombros, já se preparando para levantar voo.

— Espera! Espera! – Ela disse mais alto que gostaria, e teve mais certeza ainda quando o viu virar-se mais uma vez para ela com uma cara realmente desconfortável – E-eu ... é... bem, eu nunca fiz isso – Falou baixinho, sem jeito, e evitou encara-lo por vergonha, mas para seu alivio, ele não a ignorou como achou que faria.

— Disse que confiaria em mim, não disse? – Mais uma vez, ele a surpreendia usando suas próprias palavras. Voltou a encará-lo, mas acabou por se surpreender com um rosto muito mais suave que antes.

— Sim... – Ela respondeu.

— Então, apenas confie.

Sakura limitou-se a apenas acenar que sim com a cabeça e se acomodar da melhor maneira possível.

Ele, por outro lado, reforçou o aperto para manter o pequeno corpo da menina mais firme e seguro contra o seu. Mais uma vez suas bochechas coraram, mas ela preferiu não dizer nada, apenas apreciando a preocupação dele em deixá-la confortável.

Apesar do dia ter sido cheio de momentos corajosos, principalmente vindos de sua parte, Sakura já estava saturada de tanta adrenalina, por isso quando o homem abriu as asas, ela fechou firmemente os olhos e acomodou sua cabeça na curva do pescoço dele, evitando ver o momento que deixariam o chão.

E quando aconteceu, ela teve certeza que seu coração estava prestes a sair pela boca.

Entretanto, depois da emoção inicial, o vento contra seu rosto foi a primeira coisa que ela se permitiu apreciar, logo, uma sensação boa foi tomando conta do resto de seu corpo, e claro, sua curiosidade insaciável não a permitiu seguir a viagem sem ao menos dar uma espiadinha.

Afinal, quem teria a chance que ela estava tendo de poder voar como um pássaro?

Quando finalmente tomou coragem, pela terceira vez naquele dia, sentiu o ar fugir de seus pulmões. A paisagem belíssima da floresta nevada inundou seus olhos, eles não estavam tão alto quanto ela achou que estariam, apenas um pouco acima das copas ressequidas das árvores. Apesar de parecer consideravelmente mais frio do que quando estava no chão, não era um frio desconfortável, muito pelo contrário, chegava até mesmo a ser prazeroso sentir aquele tipo de formigamento em suas bochechas. Observou maravilhada tudo que seus olhos podiam alcançar, e não poder conter o suspiro de surpresa ao avistar ao longe o que deduziu ser o “castelo”.  

Como nunca tinha ouvida falar que ali antes era um reino, ela não sabia dizer. Em modéstia parte, a seção de história da biblioteca da cidade tinha sido praticamente devorada por Sakura ao longo dos anos, ela conhecia aquele lugar como a palma de sua mão, e podia dizer com tranquilidade que nunca lera nada sobre um reino em Konoha.

“Talvez eu devesse perguntar a ele?” – Pensou consigo, ao olhar para o homem que a carregava.

Entretanto, um estalo de consciência a despertou para a coisa mais importante que deveria ter feito, mas se esquecera completamente de fazer.

— É... Com licença?

— Hum?

— Desculpe estar perguntando isso só agora, mas... Qual é o seu nome?

Ele a olhou surpreso, talvez por nem mesmo ele ter se atentado a esse pequeno detalhe, mas rapidamente voltou sua atenção para o trajeto que estavam fazendo.

— Sasuke. Sasuke Uchiha.

—Muito prazer, Sasuke. Eu sou Sakura Haruno.

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Notas finais do capítulo

Oi oi pessoal! Tudo bem com vocês?
Peço desculpas pela pequena demora, esse capítulo acabou ficando mais dificil do que eu imaginava, mas nada que uma maratona não resolveu :v
Espero que tenham gostado, e eu tenha compensado o atraso com esse cap gigante kkkkk
Não esqueçam de comentar que isso me motiva muito!!!

Nos veremos em breve!
Beijinhos de estrelas

~Bellatrix ♥



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