A Criança do Labirinto escrita por Daniela Lopes


Capítulo 8
Hóspede ou prisioneira?


Notas iniciais do capítulo

Jareth analisa o comportamento de Helen às voltas com os servos do castelo. Ela está cada vez mais à vontade, mas continua arredia com ele. Maria Tyton descobre o que o filho havia feito e se preocupa com os resultados disso.



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Maria ouviu o relato da pequena duende e suspirou. Albert estava ao lado dela, afagando suas mãos com carinho. Ele percebeu a consternação no semblante da amada e falou:

—Talvez seja um engano e...

—Não. Não é... Jareth não está bem. Não pensou no que fez. Eu... Acha que devo me intrometer nisso? Devo deixar que a mesma história se repita?

—É diferente da sua, minha querida...

—Não, meu amor... Há uma criança envolvida. Isso faz com que seja algo tão terrível quanto o que vivi com meu filho! Ele não tinha o direito de...

            Albert, o simulacro do marido de Maria, abraça a mulher e beija-lhe o rosto. Seus braços a apertam contra si e ele murmura:

—Eu sei que não sou uma pessoa de verdade... Apenas uma imitação do homem que você amou um dia, mas eu me sinto feliz por ser esse homem pra você. Nem sempre temos o que desejamos, mas podemos ter aquilo que é preciso para curar uma ferida no coração e na alma.          

            Maria olha o homem e diz:

—Acha que Jareth está...

—Acho que você precisa conhecer essa pessoa e descobrir como ela veio parar aqui. Depois poderá confrontar seu filho. Se ele tomou uma decisão baseada na raiva, mágoa ou desespero, essa moça vai precisar de sua ajuda.

            Maria apoia a cabeça no peito de seu companheiro e fecha os olhos:

—Obrigada, meu amor.

Ele sorri e beija o rosto dela mais uma vez. Ao longe, o sol daquele mundo se punha devagar, dando lugar à noite.

Jareth caminhava pelo corredor rumo ao seu aposento. Ouvia um burburinho de vozes e risos um pouco à frente e percebeu que um grupo de goblins e fadas se amontoavam junto à porta do quarto ocupado por Helen. O rei aproximou-se e seus súditos se afastaram rapidamente, baixando as cabeças, visivelmente constrangidos. Jareth olhou-os com uma raiva crescente e falou:

—Eu creio que quem está nesse aposento não seja da conta de vocês...

            Um dos goblins falou, gaguejando:

—M-mestre! Perdoa! Ela... Está cantando! E tem um cheiro bom! Ela sorri pra nós e...

            As palavras do duende fazem o Rei goblin se aproximar e tocar a maçaneta, hesitante por um segundo, para em seguida abrir a porta de uma vez. Helen estava sentada na cama, penteando os cabelos, tendo ao lado da cama a serva duende. A jovem se assusta com a presença dele e Jareth se volta para a pequena criatura:

—Saia.

            Deixados a sós, Jareth se aproxima da cama e observa Helen, que se cobre com a coberta e permanece calada, olhar baixo e uma leve contração no rosto. O Rei goblin olha ao redor e diz:

—Se precisar de alguma coisa, sabe que pode pedir aos meus servos...

            Ela balança a cabeça. Ele suspira:

—Esteja livre para circular pelo castelo... Você não é prisioneira aqui. Durante o tempo que ficar, você pode...

            Helen ergue o rosto e seus olhos se encontram com os de Jareth. A boca dela treme de leve enquanto fala:

—Quando a... Criança nascer... O que vai acontecer com ela?

—Meu herdeiro? Será criado nesse castelo, claro! Vou ensiná-lo toda sorte de magia e tudo sobre o reino. Ele vai herdar meu trono e ser um rei tão...

            Os olhos de Helen se enchem de lágrimas:

—Ele será... Meu filho também.

            Jareth estaca, surpreso com as palavras dela. Não havia considerado essa situação e não tinha resposta para ela. Deu as costas e caminhou para a saída. Antes de fechar a porta, escutou os soluços da mulher. Sentiu-se estranho com aquilo e seguiu para seu quarto, onde se despiu e deitou na imensa cama, olhando a lua que brilhava sobre seu reino.

Recordou-se dos dias que passou na casa de sua cativa, no mundo dos homens e de como seria fácil viver aquela vida, se esquecendo totalmente que era o Rei goblin e  que um dia conheceu uma menina chamada Sarah. O sono não veio e Jareth vestiu uma capa longa e pesada, teleportando-se para o labirinto, onde caminhou por longas horas, meditativo, até que o sol despontou no horizonte.

De volta ao seu quarto, ele vestiu-se e seguiu para a parte do castelo habitada por Maria. Encontrou-a desperta, tomando uma ceia matinal na companhia de seu amado Albert. Ela sorriu ao vê-lo:

—Querido Jareth! Tão cedo me visitando?

            Ele se inclina, mas nada diz e ela suspira:

—Pelo visto não dormiu esta noite... Quer me contar algo?

            Ele se senta ao lado dela e toma sua mão:

—Pelo seu olhar, sei que tem algumas perguntas pra mim, Maria...

            Ela olha o rosto dele por alguns minutos e diz:

­_Gostaria de ouvir você me chamar de mãe de vez em quando... Isso é muito importante pra mim.

            Ele suspira e sorri:

—Então, mãe... O que você quer saber?

            Ela sorri:

—Minha serva falou com sua... Hóspede. Você sequestrou uma mulher grávida do mundo humano?

            Ele ergue o rosto para a mãe:

—Não é o que parece...

—Pra mim, parece. Já levou em consideração a família dela, o pai da criança e...

            Temeroso com a reação de Maria, Jareth fala mesmo assim:

—A criança é minha... Meu filho.

            Maria se ergue da mesa de uma vez. Seu rosto fica corado e os olhos furiosos miram o Rei goblin:

—Como... O que foi que você fez?

            Jareth se levanta da cadeira e se aproxima da mãe:

—Maria... Eu...

            A mulher anda de um lado a outro do salão. Albert observa a cena em silêncio, até que se levanta da mesa e vai até ela:

—Querida. Pare.

            Ela encara o companheiro e ele a segura pelos ombros:

—Deixe Jareth se explicar.

            O Rei goblin está com o rosto sombrio. Os punhos cerrados, a voz baixa, grave e o corpo tenso indicavam seu estado de espírito:

—Eu sou Jareth, o Rei dos goblins. Minhas ações e decisões dizem respeito a mim apenas. Eu decidi que terei um descendente e herdeiro do meu trono. Não importa o meio que escolhi para ter o que desejo. Ao fim de tudo, minha vontade prevalecerá.

            A mulher sente o corpo trêmulo. O Rei goblin falava com firmeza, mas por trás disso, ela podia sentir a mágoa que se agitava no interior dele:

—Meu filho...

            Jareth sai dali rapidamente sem dar chance de Maria argumentar com ele. Seguiu para a sala do trono, de onde estaria a par de todos os eventos do reino. Então encontrou o salão do trono vazio, sem a presença habitual de seus lacaios selvagens. Ele olhou ao redor e falou:

—Onde diabos estão...

            Então ouviu ao longe o som de vozes, risos e rumou na direção delas. Seguiu por corredores e aposentos que há muito não visitava e sequer lembrava existir. Quando percebeu o som mais próximo, deparou-se com a cozinha do castelo e nela, os duendes, goblins e outras criaturas do castelo se amontoavam ao redor de uma grande mesa, onde Helen e Hoggle depositavam em bandejas o que parecia ser panquecas. A serva duende ajudava, entregando a guloseima para cada um dos presentes ali e eles comiam, deixando cair migalhas nas roupas e no chão, fazendo bagunça como sabiam fazer bem.

            Helen ria, descontraída, e não percebeu a presença do Rei. Ela segurava uma espátula de ferro e virava a panqueca numa chapa improvisada sobre o fogão à lenha. Hoggle entregou a ela outro ovo tão grande quanto de uma avestruz e Helen exclamou:

—De qual bicho mesmo é esse ovo?

—Pássaro do pântano. Tem dois bicos, três olhos e...

—Certo! Acho que prefiro imaginá-lo como uma ave do meu mundo...

            Ela misturou o ovo com uma farinha escura e outros temperos numa tigela de madeira, despejando aquele creme na chapa já bem quente. O cheiro era convidativo e todos pareciam contentes em comer aquilo.

De repente, um dos goblins sentiu a presença de Jareth, oculto no umbral da porta e soltou um grito de susto. Todos os outros se viraram de uma vez e o silêncio ocupou o lugar. Helen ergueu o olhar na direção da porta e Jareth apareceu das sombras. Ele olhou ao redor e sorriu no canto da boca:

—Ora! Um café da manhã no meu castelo e fui o único não convidado?

            Os duendes e goblins ficaram em silêncio, imóveis e com os olhos muito abertos. O medo que sentiam era quase palpável e Helen percebeu a tensão no ar. Abandonou a espátula e virou-se para o Rei:

—A culpa é minha, caso decida punir alguém por isso. Eu os chamei aqui e disse que faria meu café da manhã.

            Jareth olhou o rosto da mulher. Os olhos dela estavam levemente inchados, saldo das lágrimas da noite passada e ela trajava um vestido simples, sem adorno algum. A única coisa que ela usava era o colar presenteado por Jarod, quando estavam no mundo dos homens.

            O Rei goblin ergueu as mãos:

—Certo. A culpa é sua. Então continuem sem mim... Estarei no salão do trono, sozinho...

            Hoggle entregou um prato para a serva duende e essa ergueu para Helen. A jovem olhou a pequenina e perguntou:

—O que? Quer outra pan...

—Para o mestre.

            Helen olhou para a porta. Jareth estava fora de vista. Ela virou a massa na chapa aquecida e tostou uma panqueca extra, colocando no prato oferecido pela duende. Pouco depois, Jareth escutou passinhos se aproximando e o cheiro familiar encheu o local. A duende ergueu o prato para seu mestre:

—Come, mestre! Bom! Bom!

            Ele recebeu o prato e olhou com cara feia para a duende. Ela correu dali e ele sorriu. Cheirou a panqueca e mordeu um pedaço. Fechou os olhos e suspirou, apreciando o sabor que tomou conta de sua boca. Devorou a guloseima e abandonou o prato no chão ao lado do trono. Em sua mente, as lembranças de quando viveu na casa de Helen insistiam em voltar. A imagem dela na cozinha, preparando o desjejum para os dois, sempre sorrindo, sempre gentil, atormentava-o. Arrependeu-se de receber a panqueca e de comê-la.

            Os duendes e goblins ajudaram Helen a arrumar a cozinha. Era uma atividade totalmente inversa do que tinham costume, pois eram exímios bagunceiros. Helen ria toda vez que um deles derrubava um balde de água e escorregava, fazendo todos os outros ovacionarem e rirem loucamente.

Cansada do folguedo, Helen informou aos companheiros que precisava se recolher e saiu dali, rumo ao quarto. Pouco acostumada com os corredores e escadarias, Helen foi parar no salão do trono e deparou-se com Jareth sentado, pensativo. Ela virou-se rápido para sair quando ouviu:

—Espere.

            Helen fechou os olhos e esperou. Viu o prato vazio no chão e escutou os passos de Jareth se aproximando. Ela sentiu o cheiro dele, o calor do corpo dele próximo ao seu e seu coração disparou. Queria negar a si mesma que sentia falta de Jarod, de seu toque e que aquela criatura ainda tinha muito do seu amante. A voz dele fazia sua pele arrepiar:

—Gostei do que fez na cozinha... Isso indica que, no fim das contas, não se sente uma prisioneira.

            Helen suspira:

—Não importa. Quero me recolher agora... Com licença.

            Então ela sente uma forte tontura e cambaleia para frente. Jareth se assusta:

— O que...

            Ele envolveu a cintura dela antes que caísse e ergueu-a nos braços. Carregando a mulher para o quarto dela, chamou a serva duende e falou, nervoso:

—Quero uma curandeira aqui. Mande procurarem no reino quem faz esse tipo de coisa!

            A serva corre dali rumo ao pátio onde os goblins e duendes se reuniam para jogar, lutar e outras atividades quando não estavam a serviço do seu mestre. Ela chamou e informou a ordem do Rei e os servos saíram apressados para buscar a tal curandeira. Não só pela ordem do mestre, mas aquelas criaturas sentiam necessidade de ajudar a mulher.

Continua...

   

 


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Notas finais do capítulo

A gravidez de Helen avança e fica cada vez mais difícil afastar o Rei goblin. Ele por sua vez vai se inteirando da situação dela e busca compensar tudo com palavras amigáveis e liberdade de circulação no castelo, na tentativa de amenizar a tensão entre eles. Poderá Helen perdoar o rei por tê-la enganado daquela forma? Alguma chama ainda existia?
Tem mais vindo por aí!
Boa leitura!



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