Emma & Jake escrita por Almofadinhas


Capítulo 10
Capítulo 10 ❄ Jake




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Eu já tinha visto coisas estranhas acontecerem, mas nunca imaginaria estar no Centro da minha família numa sexta-feira à noite, rindo na companhia de uma garota. Especialmente se essa garota fosse uma que me achasse irritante da cabeça aos pés. Era como se eu estivesse em uma realidade paralela, onde eu e ela sempre nos demos bem.

Minha mãe tinha me avisado que ela usaria um pedaço do rinque nas sextas, mas pela cara de surpresa, acho que ela esqueceu de mencionar à Emma que quem estaria dando aulas nesse horário seria eu.

Emma ficou no seu canto treinando o que quer que precisasse treinar para o Mundial, enquanto eu ensinava algumas coisas de hockey para as crianças que estavam na aula. Quando elas foram embora, fiz o que sempre faço: usei o rinque vazio para meu próprio treinamento. Eu estava arremessando alguns pucks no gol quando ouvi Emma dizer atrás de mim:

— Assim é fácil jogar, não? Nem goleiro tem.

Ela tinha acabado de cair e mesmo assim achou que era uma boa ideia tirar meu sarro. Eu sabia que ela não negava nenhum desafio, então estendi meu taco para ela jogar, já que considerava o hockey uma atividade tão simples. É engraçado como as pessoas podem ser excelentes em alguma coisa e péssimas em outras. Acho que ela demorou uns 10 minutos para contornar os obstáculos e ainda conseguiu errar o gol. Sem querer ofender, mas eu já tinha visto crianças de quatro anos sem nenhuma habilidade jogarem muito melhor.

Eu tinha certeza que ela ficaria irritada, mas era impossível vê-la tentar alguma coisa no esporte que eu jogo desde criança e não fazer nada. O hockey é um dos esportes mais populares do Canadá, quase todos assistem ou sabem jogar – exceto ela, aparentemente. Para minha total surpresa, ela não me xingou ou patinou para o outro lado do rinque, mas continuou parada escutando minha explicação sobre o esporte. 

Foi uma sorte eu ter buscado um capacete, porque nós apostamos corrida duas vezes e na primeira vez ela caiu antes de chegar ao fim e, na segunda vez, não freou a tempo e me atingiu, me derrubando junto com ela.

Era divertido assistir Emma fazer exercícios muito básicos do hockey. Na metade do tempo ela estava frustrada e xingando um pequeno disco de menos de 200g e na outra metade ela estava rindo da própria desgraça. Era impossível não dar risada junto com ela.

Quando Emma finalmente consegue fazer tudo certo e acertar o gol, nós recolhemos todas as coisas e colocamos de volta no saco de onde tirei. Estou pronto para deixar o rinque e ir guardar as coisas de volta no depósito, quando ouço ela me chamar.

— Onde você pensa que vai? Está na sua hora de ser um patinador artístico, esqueceu?

— Não vai dar – respondo – Meus patins não são adequados para isso.

— Que pena, porque o meu também não foi projetado para apostar corrida ou treinar hockey. Nós combinamos, agora vê se deixa de ser frouxo.

— Jura? Não me lembro disso.

Emma revira os olhos. Eu me lembro que combinamos, mas estou me fazendo de desentendido. Acho que é Emma quem não se lembra de que isso não vai ser exatamente justo, porque ao contrário dela, eu não sou tão ruim na patinação artística quanto ela é no hockey.

— Ok, você está certa – falo – Me diga o que fazer.

Ela fica parada por um tempo, me analisando com aquele par de olhos verdes que podem ser bem intimidadores. Eu sinto como se ela conseguisse enxergar até a minha alma.

— Eu sei que você sabe patinar, então não quero facilitar demais. Pode ser um giro básico em um pé só e também um salto. Eles são ótimos para testar o seu equilíbrio, sabe? E como você não tem o toe pick*, pode escolher se quer fazer um Loop, um Salchow ou um Axel

— Uau, eu tenho opções? Quanta gentileza.

— Aproveite, porque eu poderia ter sugerido um I-spin mas acho que sua perna não aguentaria.

— Sua bondade me emociona, Emma.

Teoricamente, eu sei como funciona cada elemento da patinação e suas regras. Já na prática, nunca mais treinei para valer. Vez ou outra reproduzo alguns giros ou saltos que aprendi quando era menor, apenas para não perder o jeito. Provavelmente Emma não sabe que eu ainda consigo fazer os elementos básicos, por isso me explica algumas coisas e reproduz o que devo fazer. É até bonitinho vê-la explicando o passo a passo de cada elemento, o que me faz pensar que ela seria uma boa treinadora se quisesse.

— E lembre-se de ser sofisticado. Ninguém patina como um bruto na patinação artística.

— Sim, senhora.

O giro em um pé só não é problema para mim, apesar de ele durar bem menos tempo do que deveria e me deixar tonto. O problema vai ser fazer um salto Loop. Me recupero do giro e preparo para saltar. Não faço ideia de quantas rotações eu dou, só reparo que tropeço ao pousar e caio de bunda no chão.

— Você fez um Double Loop?! – Emma exclama, boquiaberta – Um double?! Eu esperava um salto simples, no máximo.

— Não sei. Eu fiz?

— Fez!

— Bom, eu caí, então não conta muita coisa.

— Ah, cale a boca. Você começou certinho, era só questão alinhar o tronco na saída. Que injusto!

Eu sorrio. Ela está realmente muito surpresa comigo.

— O que é injusto? – pergunto me levantando, porém já imagino qual seja a sua resposta.

— Você! Eu sou péssima no hockey e você não só é bom no hockey como ainda faz saltos duplos! E em um patins desses – ela fala, apontando para meus pés.

— Esqueceu quem são meus pais, Emma? Eu tinha a impressão de que você passava a semana toda na companhia da minha mãe.

— Não, mas mesmo assim...

— Eu cresci aqui – explico – Comecei a patinar com dois anos e minha única referência era a patinação artística. Acho que você não se lembra por que mal tinha começado a fazer aulas de patinação, mas eu "competi" até os sete anos.

— Eu já esperava que você soubesse patinar, mas sei lá... Estou impressionada. Já tentou fazer um Lutz no meio de uma partida para distrair os adversários?

— Nunca tinha pensado nisso, mas é uma boa ideia. Acho que o treinador apoiaria.

— Aposto que sim. E se não funcionar, você pode fazer um giro sentado ou então um Camel.

— Tenho certeza de que eles seriam grandes aliados.

✦✦✦

O dia do nosso jogo contra a Universidade de Lethbridge finalmente chegou. A melhor parte é que jogaríamos em casa, o que significava que não precisávamos viajar para outro lugar e ainda contávamos com a imensa torcida do pessoal da nossa universidade, que ia em peso acompanhar os jogos.

Certamente não seria um jogo fácil, pois o time de Lethbridge estava muito forte esse ano. Enquanto eu me preparo para o jogo e visto meu uniforme, penso no que Emma me disse há uns dias atrás no Centro – talvez não fosse uma má ideia fazer um salto no meio do jogo para distrair o outro time. Óbvio que não era possível, mas as vezes dava vontade.

Nós entramos no gelo sob muitos aplausos e gritos da nossa torcida. Precisamos garantir a vitória hoje com pelo menos dois pontos de vantagem para nos classificarmos.

O primeiro tempo é muito disputado, mas conseguimos encerrar com um placar favorável de 2x1. Nosso treinador parece prestes a ter um colapso nervoso enquanto conversa com o time durante o primeiro intervalo. Voltando para o segundo tempo, Lethbridge faz um gol e permanecemos assim por um bom tempo de jogo, até que, faltando uns 10 minutos para o intervalo, nosso time marca um gol e desempata o placar.

É na metade do terceiro e último tempo que um problema surge para mim. Como jogador de hockey, eu estou acostumado a colidir com outros jogadores durante a partida, é completamente normal. Porém, algumas vezes, as pancadas podem acabar sendo mais do que uma simples colisão.

Eu patino rapidamente para defender meu lado do rinque do ataque adversário e acabo esbarrando nos demais jogadores, como geralmente acontece. Entretanto, no meio dessa confusão de jogadores tentando recuperar a posse do puck, sinto meu corpo ser empurrado contra a lateral do rinque. O problema é que minha perna não me acompanha na mesma velocidade e acabo sentindo meus músculos se contraírem de um jeito que não deveriam.

Uma dor súbita se espalha pela minha perna, mas tento continuar jogando. Logo percebo que não vou conseguir, pois mal consigo me equilibrar e patinar como deveria, quem dirá continuar no jogo.

Saio do rinque apoiado em um colega de time, que me ajuda a chegar até o banco. O treinador faz uma substituição e o jogo retoma sem a minha participação.

Apesar de estar sentindo uma dor chata, continuo assistindo o resto da partida com meus colegas. É difícil assistir o jogo do banco, principalmente porque nosso time está sofrendo para manter o placar e porque meu cérebro constantemente me lembra que eu deveria estar no gelo agora, não sentado aqui.

Nos minutos finais, Justin e Oliver conseguem marcar mais dois pontos para nós – o que garante nossa vitória com três pontos de vantagem, um ponto a mais do que deveríamos conseguir para o time se classificar.

Ao invés de ir para as comemorações, vou para o consultório médico após a partida. Depois dos exames, o médico confirma o diagnóstico de tendinite. Ele me explica que eu provavelmente já tinha algumas microlesões pelo uso excessivo da musculatura e, durante o jogo, acabei lesionando mais ainda. Ele explica que não é nada grave, mas que eu preciso ficar sem jogar oficialmente por pelo menos duas semanas. Duas semanas é tempo demais, além disso é uma péssima hora para precisar ficar de fora – meu time tem um jogo marcado para daqui 10 dias (semifinais!) e eu deveria jogar, não ficar assistindo do banco.

Que merda.


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Notas finais do capítulo

*Toe pick: a parte da frente da lâmina, parece uma serra.



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