A Garota Que Amou Tom Riddle escrita por Dafne Guedes


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Para quem já conhece minhas fics, acho que nenhuma surpresa pelo capítulo longo. Para quem não conhece, bem-vindos!
Essa é uma fic que ocorre cinquenta anos antes de Lembrem-se de Cedrico Diggory, com a avó de Cordélia. (Não conhece? Passa no meu perfil e descobre!)
Boa leitura e nos vemos nas notas finais.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/797272/chapter/1

"Everything is easy in the middle of the night
Your eyes are stars, your skin moonlight
But with the sun, there comes the truth
It bares the soul and wastes the youth"

 

As masmorras da Sonserina estavam anormalmente silenciosas quando Asterope Black fez o caminho pelos corredores gelados em direção à sala de reuniões. Todos os seus colegas estavam em aula, como ela mesma devia estar, mas aparentemente isso não importava em nada para Nerissa Bloxam. Não era a primeira vez na semana que a tirava de aula para discutirem questões relativas ao seu casamento com o filho da outra bruxa, mas Asterope não via Hector, um ano mais velho, setimanista, sendo tirado de aula para aquelas discussões.

                Asterope estava prestes a virar o corredor da sala de reuniões, que ficava num acesso ao lado da entrada para o Salão Comunal da Sonserina, escondido em uma parede mais ou menos como a entrada para o Beco Diagonal, abrindo-se só mediante apresentação da senha, quando, sem aviso, outra pessoa virou o corredor; alguém em passos lentos e deliberados, como se tivesse todo o tempo do mundo.

                Asterope o viu antes que ele a visse, e arrumou suas saias rodadas que desciam até abaixo do joelho e a gravata-feminina verde-esmeralda num instante para que ficassem impecáveis. Tom levantou a cabeça como se saísse de um devaneio e colocou os olhos negros nela –seu rosto parecia mais encovado desde a última vez que o havia notado, mas ele abriu um sorriso de lado ao vê-la e diminuiu o ritmo de sua passada, colocando as mãos nos bolsos da calça. Seu blusão era o mesmo do ano passado, mas estava bem-conservado de forma que parecia novo. O nó de sua gravata havia sido dado à perfeição. Tudo nele era bem pensado; a insígnia de monitor brilhava em seu peito, lustrosa. Todos diziam que era uma questão de tempo até que, no ano seguinte, conseguisse a insígnia de monitor-chefe.

—Srta. Black. –A cumprimentou com um aceno de cabeça cavalheiresco. –Espero não precisar tirar pontos seus. Tem um passe?

                Asterope parou, quando estava perto o suficiente dele. Mais perto do que era bom para ela, sem dúvida. Os olhos negros dele eram perfeitamente educados, se mantendo numa distância segura de seu corpo, mas Asterope confiava o bastante em seu rosto para encantá-lo por si só; e simulou um sorriso brincalhão.

—Já disse que me chamasse pelo nome de batismo, Tom. –Respondeu. –E, de fato, tenho um passe para encontrar minha futura sogra na sala de reuniões.

                Assim que disse isso, a sonserina mordeu o lábio, querendo trazer as palavras de volta; a última coisa que queria era que Tom soubesse que estava noiva. Mas como não saberia? Todas as meninas de boa família ficavam noivas cedo. Suas primas Cedrella e Callidora, assim como Lucretia, so sétimo ano, e Elladora estavam perfeitamente noivas também –e Elladora tinha apenas nove anos. Tom, por outro lado, não deu a menor atenção ao fato. Ao invés disso, franziu a sobrancelha e se inclinou educadamente para ela.

—Você será nora de Nerissa Bloxam, não é? Que costumava ser uma Gaunt?

—Me impressiona seu conhecimento de todas as coisas, Tom, honestamente. –Asterope falou num tom lisonjeiro, acariciando o nome dele com a língua. –De fato, ela é. E não deixa nenhum de nós esquecer disso, embora todos saibam que o resto dos Gaunt, os primos que não conseguiram um bom casamento, sejam uns pobres maltrapilhos com fama de loucos.

—É mesmo? –Tom perguntou com ares distraídos, e Asterope se perguntou se o estava entediando terrivelmente com sua conversa. Eles passaram quase um minuto assim; em silêncio. Os olhos de Tom estavam no chão, mas pareciam ver além deste, e os de Asterope estavam nele, decorando as feições estranhamente aristocráticas num garoto sem sobrenome importante. Ele a olhou de novo, abrindo um sorriso polido. –Bem, Srta. Black, deixe-me acompanhá-la, sim?

—Asterope, Tom. –A sonserina insistiu, e aceitou o braço que ele a estendeu.

 

                A reunião foi como estavam sendo todas as reuniões, depois que um elfo doméstico relativamente jovem a tomou do braço de Tom e a guiou para dentro da sala onde a sogra a esperava. Asterope teve pouco ou nada a dizer sobre as decorações, os convidados e mesmo sobre seu próprio vestido, que a Sr. Bloxam já havia escolhido junto à sua mãe. Era uma tradição bruxa que o vestido da noiva refletisse as crenças do noivo e sua família, sinalizando que ela estava pronta para entrar nesta. O vestido de Asterope, feito pelos melhores designers bruxos, era uma senhora peça não branca, mas de um tom transparente com rendas negras.

                As poucas coisas sobre as quais tinha jurisdição eram logo amplamente criticadas pela outra bruxa, de forma sutil, quase um comentário, mas Asterope podia ouvir a insinuação por trás das palavras aparentemente inocentes, como aconteceu na escolha da madrinha:

—Bem, então sua irmãzinha Walburga vai ser a daminha, muito bem. –Dizia Nerissa, fazendo anotações num grande caderno branco onde estavam todos os detalhes da cerimônia. Isso havia sido escolha de Asterope, mas, por outro lado, como Walburga era a única garota da família em idade de ser daminha, não fora bem uma escolha. –E a sua madrinha?

—Cedrella Black. –Asterope respondeu com mais confiança do que sentia.

                Nerissa moveu umas duas páginas de seu caderno, parecendo procurar a folha onde estavam as anotações dos padrinhos.

—Sua prima, que está noiva de um Weasley? –A Bloxam torceu os lábios finos. –Bem, Hector escolheu Abraxas Malfoy. Você não é amiga da noiva dele? Isso seria apropriado. Aliás, por que não aquela sua prima que está noiva de um Yaxley? Lucretia? Ou aquela Callidora, que vai casar com Longbottom?

                A garota olhou ao redor da sala com impaciência. Ainda era começo do ano letivo, fim de setembro, mas a lareira estava ligada, fazendo com que a sala cheia de veludo verde e couro negro parecesse abafada. Havia um conjunto de chá entre elas, com duas xícaras de porcelana desenhada em padrões de lírios e cobras, colherinhas de prata e um belo bule que combinava com a xícara. O cheiro que vinha de dentro, por outro lado, era terrível: acônito e hortelã, duas coisas que Asterope detestava. Sentiu vontade de tirar a gravata para ficar mais à vontade, mas já podia antecipar o olhar que Nerissa a lançaria, então não o fez.

—Callidora, então. –Cedeu, como sempre cedia, ansiosa em evitar confusão. Além disso, não era como se estivesse ansiosa para o casamento. O anel de esmeralda em seu dedo pesava como um tijolo, a lembrando de suas obrigações para com a família.

                A esmeralda em seu anel a fez pensar em Hector; seus olhos verdes abertos, gentis e seguros. Estavam noivos desde a mais tenra idade; sete ou oito anos, talvez. Hector fora uma presença constante em sua infância; mas então ele fora para Hogwarts e fizera outros amigos. Em seguida, ela foi para Hogwarts e se aproximou de suas primas, e o noivo virou uma figura de fundo. Alguém a quem um dia ela seria mais próxima do que a qualquer um, mas não ainda.

                Então havia Tom.

                O outro sonserino era do mesmo ano que ela em Hogwarts, enquanto Hector era um ano mais velho. Riddle era gentil e distante. Desde o primeiro momento, Asterope havia gostado de seu rosto de nariz reto, seus olhos inescrutáveis e negros, o cabelo bem-penteado e os modos ligeiramente inadequados, mas esforçados. Não que, de alguma forma, ele desse a ela qualquer atenção além do estritamente necessário.

                A reunião com sua futura sogra acabou mais rápido do que Asterope previra; mas talvez a Bloxam estivesse começando a ficar tão cansada quanto a Black daquelas discussões. Veludo verde/seda branca, damasco/amoras. Questões que pareciam maçantes para ela, e que Asterope desejava que sua mãe, Irma Black, pudesse simplesmente tomar para si e resolver; afinal, não era para isso que ela devia estar presente? Seus pais negociaram a união, podiam muito bem acertar os detalhes do casamento. Mas então Asterope havia tido aulas de etiqueta por anos a fio, e devia saber melhor do que ninguém como organizar uma festa. Pedir ajuda seria uma desonra, nem que fosse apenas para vencer sua sogra na hora de abater as decisões.

—Asterope. –Nerissa chamou baixo. Tão baixo que a outra poderia ter fingido não ouvir e saído mesmo assim. Mas a Sra. Bloxam nunca a chamava pelo primeiro nome, por isso Asterope se virou para ouvir o que tinha a dizer, os olhos escuros desconfiados. –A data do casamento?

                Nerissa não olhou para cima ao perguntar isso, o que foi algo bom, porque não a pôde ver empalidecer e tremer como um tronquilho jovem.

—Mas eu ainda estou no sexto ano.

—O planejamento está avançado.

—Eu devo me formar...

—Bobagem, menina. –Nerissa levantou a cabeça de repente, o cabelo  negro e espesso caindo para os lados. –Precisa saber feitiços domésticos, isso é tudo. Vai ser uma Bloxam, não é como se precisasse de emprego. E tenho certeza que seus pais a ensinaram Artes das Trevas o suficiente para não se passar por idiota numa reunião de bons sangues-puros.

                Sem saber o que responder, a menina abriu e fechou a boca, ansiosamente. Mas demonstrar fraqueza não faria bem a nenhuma das duas. Uma das características mais importantes que um sangue-puro aprendia logo cedo era a altivez. Havia quem chamasse de frieza, mas estes não entendiam a importância do sangue e do status. Asterope fez sua melhor expressão educadamente desinteressada.

—Marque para o verão. –Disse, como quem não ligava, mas, na verdade, sabia que o verão era a estação mais longínqua. O resto do seco outono, um longo inverno e uma bela primavera entre eles.

—Tudo estará seco como a morte. –Foi a resposta de Nerissa, mas, sem tentar dissuadi-la, talvez notando sua agitação e agindo por bondade, embora isso fosse difícil de imaginar, se inclinou e escreveu alguma coisa em seu livro.

                O corredor para onde ela saiu estava vazio. Não que ela esperasse que Tom a houvesse esperado, mas não imaginara que estivesse tão vazio. Se estendia infinitamente à sua frente, paredes de pedra ligeiramente úmidas pelo ar frio, parecendo opressivas em sua escuridão, como se Asterope pudesse deslizar por entre as rachaduras e sumir se apertasse demais.

                Um passo após o outro, foi andando, sem muita esperança de chegar ao final, mas, contra todas as possibilidades, chegou. Alguns segundanistas saiam apressados do Salão Comunal e não a deram a menor atenção; sozinha, respirando em arquejos.

                Conseguiu fazer o seu caminho até o Salão Comunal da Sonserina, onde se deixou cair em uma poltrona de couro de frente para a lareira, sem se importar se estava faltando a aula de Transfiguração. Afinal, segundo o que sua sogra acabara de dizer, não é como se fosse precisar daquilo na vida que a esperava após o casamento. Uma Black se sentava como uma dama: as pernas bem juntas e fechadas, os pés no chão. A postura perfeita, a bunda na metade da cadeira. Naquele momento, porém, ela se deixou ser acolhida, quase engolida pela poltrona, e puxou as pernas para cima, as escondendo abaixo do tecido da saia.

                Do outro lado do Salão Comunal, um par de olhos verdes a olhava com curiosidade.

 

                Na manhã seguinte, Asterope foi acordada por suas duas primas. O dormitório estava vazio além delas. Jade Selwyn e Mina Bulstrode não estavam em nenhum lugar à vista. Eram Cedrella e Callidora em cima dela. As duas eram gêmeas e se pareciam tanto que chegava a doer nos olhos. Ali, cima dela, quando Asterope acabara de acordar, pareciam dois reflexos no espelho, sendo que era difícil dizer qual delas era o espelho.

—Isso chegou para você.

                Desorientada, Asterope se sentou na cama, esfregando os olhos e empurrando os cobertores para longe. Cedrella se afastou para buscar seu robe de seda cor de pérola, que colocou por cima dos ombros enquanto Callidora colocou em suas mãos um buquê de flores. Não eram flores caras, Asterope notou assim que as pegou; meras margaridas, provavelmente colhidas nos terrenos da escola. Hector costumava a presentear com tulipas negras como seu sobrenome, mas estas não haviam sido compradas. Junto deles, uma nota.

“Srta. Black,

 

Gostaria de saber se me encontraria na biblioteca essa tarde para me ajudar com uma pesquisa de história da magia.

Seu humilde servo,

Tom Riddle”

                As primas estavam lendo por cima de seu ombro e arfaram levemente. Ambas, como ela, eram noivas, mas Asterope não conhecia uma única garota da Sonserina que não fosse pelo menos platonicamente apaixonada por Riddle. Callidora era monitora ao lado dele, e frequentemente tecia elogios acerca de seus hábitos organizados e sua educação simples, mas eficiente.

                Por outro lado, até o dia anterior, ele jamais havia trocado mais do que um par de palavras com Asterope e, ela achava, certamente perderia todo o interesse que poderia haver ao saber que a garota era noiva. Mas, ao contrário, parecia que havia sido isso que o despertara para o fato de que Asterope era uma garota desejável e bonita, de boa família.

—Então? Você vai? –O tom de Callidora era uma mistura de reprovação e excitação. –Quero dizer, Hector não gostaria de saber que você anda recebendo flores de outro rapaz.

                Porém, Hector era a última coisa em sua cabeça naquele momento.

—Minha pena. –Pediu apressada a Cedrella, que foi ao armário de mogno escuro de frente para sua cama, procurar nas suas coisas seu material de escrita.

                Enquanto isso, Asterope se levantou apressada e se trancou no banheiro para vestir o uniforme: a camisa branca bem-passada de mais fios do que ela podia contar, o suéter da Sonserina que ela ajustara à sua cintura e a saia mídi do uniforme. Quando saiu do banheiro, pronta, penteada e perfumada, suas primas haviam colocado as flores num jarro de água límpida ao lado de sua cama e separado um grosso papel de linho para carta, onde ela escreveu uma pequena nota dizendo que encontraria com o rapaz por volta das três da tarde, após suas aulas.

                As três meninas, um pouco atrasadas, tomaram café-da-manhã apressadamente, talvez esquecendo algumas questões de etiqueta, como esperarem que todos comessem os sanduíches antes de comerem os scones, e foram para a primeira aula do dia, Transfiguração, com o professor Dumbledore, chegando a tempo de não perderem pontos.         

                O professor de cabelos acaju lançou a ela um tipo de olhar por cima dos olhos em meia-lua, mas não teceu comentários.

                Ninguém podia acusar as Black de serem más alunas. Podiam ser acusadas de várias coisas: de serem arrogantes, cruéis e às vezes agirem de forma superior. Mas prestavam atenção, respondiam o máximo possível de perguntas e jamais perdiam pontos por uniforme despadronizado ou mau comportamento.

                Em Transfiguração, estando no sexto ano, estudavam Transfiguração Humana Avançada. Não era particularmente a matéria preferida de Asterope, que era melhor pocionista, mas, para um Black, ir mal não era uma opção. O fato de, quando ela fez dupla com Riddle para fazerem transfigurações um no outro, Dumbledore ficar rondando-os, por outro lado, não ajudava em sua concentração.

—Seja mais gentil com sua varinha, Sra. Black. –O professor Dumbledore soprou, com uma piscadela. Asterope, desgostosa, soltou um pouco o aperto firme que vinha mantendo. –Isso.

                Sem medo de ser repreendida, ela fechou a cara para o mestre de transfiguração, enquanto ele seguia sorrindo bondoso e andava para a dupla ao lado. Tinha a distinta impressão de que Dumbledore não gostava dela como não gostava dos outros membros de sua família. Ao invés disso, ele parecia ter um amor aos sangues ruins, como a irritante Murta Warren, de seu ano da Corvinal, com seus óculos fundo-de-garrafa e voz estridente. Ou a aberração que era Rúbeus Hagrid.

                Quando voltou seus olhos para Riddle, ele parecia ter um tipo de sorriso nos lábios. Fácil para ele, ela pensou, mais derretida e menos agressiva, de quem todos os professores gostavam.

                Uma vez, finalmente, que a classe foi dispensada, ela pensou que Riddle, se apressando para andar ao lado dela na saída, a acompanharia para a aula de Poções, que teriam juntos. Mas, ao invés disso, ao lado da porta da sala de Transfiguração, alguém a esperava, e Riddle lançou um olhar para o rapaz e saiu na frente apenas com um aceno na direção dela.

                Hector não era um rapaz de má aparência. Tinha maças do rosto largas e altas, bonitos lábios cheios, cabelos castanhos que se encaracolavam como vinhas nas têmporas e olhos verdes intensos. Silenciosamente, ofereceu a Asterope um braço para acompanha-la pelo castelo, e ela aceitou o gesto, como deveria.

                A companhia de Hector era familiar e confortável. Não importava que sua mãe a houvesse colocado por maus bocados apenas no dia anterior, ela sabia que a culpa não se estendia a ele.

—Ouvi dizer que você marcou a data do casamento. –Ele comentou com ela. Embora a ideia a houvesse deixado nauseada no dia anterior, agora, ao lado dele, caminhando tranquila, percebia que havia sido um surto normal para uma noiva. –Sempre pensei que você gostaria de fazê-lo no inverno.

                Asterope encolheu os ombros delicadamente. Homens, sua mãe sempre dissera, gostavam de se sentir úteis. A melhor forma de conseguir algo de um homem era fazer parecer que ela dependia da ajuda dele, ou estaria perdida.

—Não quis me casar ainda esse ano. –Falou numa voz manhosa. –Você entende, não é? Quero dizer, queria me formar no sexto ano antes de...

—Claro que entendo. –Hector falou apressado, a parando no corredor para virar-se de frente para ela. Asterope tinha um denso cabelo escuro em cachos, que ele colocou atrás de sua orelha com delicadeza para ver seu rosto: os grandes olhos negros e o modo como ela fazia biquinho com o lábio polpudo. –Se você quiser, pode ser no inverno de seu sétimo ano.

                A garota olhou para baixo e depois para cima de novo, por baixo dos cílios.

—Sua mãe não gostaria disso. –Comentou num tom de voz cúmplice.

                Hector balançou a cabeça com determinação.

—O casamento é nosso. –Respondeu. –Vai ser do jeito que você quiser.

                Mordendo os lábios, ela o lançou um olhar de admiração.

—Ah, Hector! –Exclamou, se jogando nos braços dele. –Eu sabia que você entenderia.

 

                Uma vez que o noivo a deixou no corredor da sala de Poções e andou de volta para sua própria aula de Feitiços, Asterope ficou o olhando até que virasse na esquina, então abandonou todo o ar vulnerável e andou em toda a sua arrogância Black para a sala do professor Slughorn, que, ela sabia, jamais tiraria pontos pelo seu atraso.

                A sala já estava cheia de vapores distintos e diversos, em várias cores quando ela entrou. O professor, que lembrava um pouco um leão marinho, com sua barriga acima da linha da calça e um bigode cheio de cabelo, a guiou para o lugar vago ao lado de Mina Bulstrode, enquanto a estendia um convite que havia feito mais cedo a outros alunos para uma festinha particular em sua sala mais tarde.

                Asterope se deixou ser babada um pouco, enquanto montava seu quite de poções na bancada; o caldeirão de prata, a tábua de cortar, os instrumentos como pinça, faca e concha, todos bem organizados na bancada do jeito que ela aprendera com seu pai, que era um envenenador famoso. Não prestou atenção em mais nada. Leu rapidamente as instruções no quatro, para fazer um trabalho de separação; descobrir os ingredientes de uma poção a partir da poção pronta. Tirou o blazer de veludo verde-escuro e o colocou no banco atrás de si.

                A única coisa capaz de tirar sua atenção era Riddle, bem na bancada ao lado.

                Dessa vez, não por ele ser bonito; ou por, quando fazia poções, arregaçar as mangas da camisa branca até o cotovelo e deixar os braços à mostra, que pareciam pálidos e atraentes. Asterope queria saber como seria estar entre aqueles braços. Mas não era a questão. Não. A questão era que Riddle era a única pessoa naquela sala capaz de fazer um trabalho melhor do que o dela, sem jamais ter, como ela havia durante toda a vida, convivido com um pocionista.

                Cerrou o maxilar ao notar que ele havia acabado de anotar o primeiro ingrediente, enquanto o vapor cinza-azulado que saía de sua poção nada indicava.

                Ao fim da aula, embora ela tenha descoberto um bom número de ingredientes, foi Riddle que recebeu os parabéns do professor, por ter descoberto todos eles. Asterope saiu da sala como se esta estivesse pegando fogo, juntando suas coisas e as colocando de qualquer jeito na mochila. Eles eram geralmente adversários equilibrados, mas já era a terceira vez seguida que o outro aluno se saia melhor do que ela.

                Assim que escapou das garras do professor, porém, Riddle se apressou para fora da sala, cortando grupinhos de meninas andando juntas para alcançar os passos apressados de Asterope.

—Srta. Black! Black. –Ele exclamou meio sussurrando, quando chegou próximo o suficiente. Asterope fez como se não o ouvisse. –Asterope!

                Ela parou de supetão, se virando em um redemoinho de capa e saia. Riddle quase deu um encontrão nela. Estava mais próximo do que o decoro permitia por causa disso. Mais próximo do que qualquer homem que não seu noivo ou irmãos podiam ficar. Por isso, e pelo fato de que havia acabado de ficar sem ar, Asterope deu um passo para trás.

—Sim, Tom? –Perguntou docemente.

                Por um segundo, os olhos negros dele encontraram os olhos negros dela, frios e analíticos. Em seguida, como se o momento anterior jamais houvesse acontecido, ele era todo educação de novo, um colega aplicado desejoso de ajudar.

—Sua poção. –Ele disse. –Você não precisava ter colocado em fogo alto. Os vapores se misturam. Em fogo baixo teria sido mais fácil distinguir um por um.

                Os dois ficaram parados no corredor, trocando olhares. Riddle parecia esperar uma resposta dela, mas Asterope não tinha uma. Em sua experiência nada era de graça; nem informação, nem afeto, e certamente não uma ajuda em uma questão que era quase de competição entre eles. Ao fundo, alguém chamou Riddle. Os dois se viraram para olhar. Estavam de frente para a sala da professora Merrythought e o corredor havia esvaziado sem que notassem.

—Professora? –Riddle perguntou sem tirar os olhos da garota Black.

—Venha até aqui, Sr. Riddle. –Chamou a outra alegremente. –Tenho algo que você vai gostar de ver.

—Sim, senhora. –Ele fez menção de se virar, mas desistiu no último minuto. Quando se voltou novamente para ela, estendeu uma mão para o seu braço. Sua mão estava tão fria que Asterope quase se afastou. –Vejo você na biblioteca mais tarde.

—Decerto.

                Parecendo satisfeito, ele se virou e sumiu na sala de Defesa Contra as Artes das Trevas.

 

                Era tarde de aula. Todos os seus conhecidos estavam na aula de Trato das Criaturas Mágicas ou Adivinhação. Tendo dispensado ambas as matérias, Asterope fez seu caminho para a biblioteca usando um vestido de veludo verde escuro que descia até abaixo de seus joelhos em uma saia rodada. Quando entrou na biblioteca, estava vazia, exceto por alguns poucos setimanistas e quintanistas, estudando para os exames nas mesas mais à frente, onde podiam acessar a maioria dos livros com facilidade.

                A sonserina foi se embrenhando na biblioteca, à procura do colega que já devia estar esperando por ela, olhando pelo espaço entre as prateleiras para tentar visualizar uma cabeça de cabelos pretos como piche. O achou, finalmente, numa seção de registros bruxos: o lugar onde ficavam várias árvores genealógicas de várias diferentes famílias bruxas.

                Riddle estava debruçado contra um livro, mas outra pilha cheia deles se encontrava ao seu lado, parecendo ainda não terem sido consultados. Ele havia tirado o blusão e usava apenas a camisa branca social e o nó da gravata não estava perfeito. Asterope, que sempre admirou seu alinhamento, achou que ele ficava charmoso daquele jeito, um pouco desleixado.

—Pensei que não fosse vir. –Ele disse, sem levantar a cabeça, o que indicava que talvez a houvesse notado há algum tempo.

                Asterope cruzou o caminho até a mesa de madeira, colocando sua mochila em cima da bancada e puxando uma das cadeiras para se sentar, à direita dele.

—Você pediu minha ajuda num trabalho. –Sentou-se, com as mãos em cima do tampo de madeira; a palidez contrastando com o marrom escuro do mogno. –Do que precisa?

                Riddle estendeu uma longa mão por cima da mesa para alcançar um segundo livro, de capa de veludo verde escura e estranhamente familiar. Ele se desdobrava todo, abrindo-se em um grande leque, que mostrava uma série de árvores genealógicas de várias famílias mágicas, dos Peverell aos Weasley, então se embrenhando pelos Slughorn, Zabine e Black. Asterope se inclinou na mesa para ver melhor.

                Riddle apontou para ela o exato ponto que ele precisava.

—Os Gaunt são herdeiros de Slytherin, não são?

                Todo mundo sabia disso, então Asterope confirmou com um aceno. Tom pareceu insatisfeito, porém.

—Isso significa... –Ele continuou. –Que Hector Bloxam é o Herdeiro de Slytherin? Pode falar com as cobras e...

—Não. –Asterope o interrompeu imediatamente. Então pensou em como explicaria aquela questão para alguém que não era um sangue-puro e não havia crescido no meio. –Para nós, herança, passar a família adiante, é muito importante, entende? Já notou como os Malfoy tem sempre apenas um filho homem a cada geração? Isso é magia de sangue antiga. Para garantir que a linhagem desça em linha reta. Os Gaunt tinham algo parecido. Nerissa é filha de Menelaus, irmão mais novo de Marvolo. Entre os Gaunt, apenas o filho mais velho e as filhas mulheres recebem o dom de Slytherin. Menelau nunca o teve, nem Nerissa, nem Hector.

                Tom se recostou na cadeira com um tipo de elegância satisfeita. Como uma serpente descansando após uma grande presa. Asterope se sentiu estranhamente desconfortável. Eles estudaram apenas um pouco mais juntos, antes de ela se entediar com a falta de interesse que ele passou a demonstrar e sair da biblioteca, o deixando sozinho. Na saída, quando olhou para trás, o notou olhando para a mesa ao lado, onde estava Murta Warren, da Corvinal, do ano deles, que todo mundo sabia ser apaixonada por Tom. Os olhos dele tinham um brilho vermelho, mas quando Asterope piscou, havia ido embora.

 

                O natal na família Black era sempre um evento e tanto. Toda a família se reunia em Grimmauld Place e os mais velhos –Asterope, Callidora, Cedrella, Cygnus, Alphard, Lucretia e Orion –podiam contar para os mais novos –Walburga e Elladora –sobre todas as maravilhas de Hogwarts. Os meninos até exageravam algumas partes, como a lula gigante e os sereianos que se viam pela janela do Salão Comunal da Sonserina, para tudo parecer um pouco mais intimidador.

                Lucretia estava no sétimo ano, era monitora-chefe e estava para se casar com Edwin Yaxley, o que fazia dela a joia da família no natal daquele ano. Era a primogênita dos filhos de Arcturus e Melania, irmã mais velha de Orion e Elladora. Ganhou o lugar de destaque na mesa de jantar de mogno dos Black, na sala de jantar onde ficava uma grande lareira num canto e um armário de louças no outro. As grandes janelas com pesadas cortinas de veludo verde-fundo-de-garrafa davam vista para o Largo Grimmauld, branco de neve àquela época do ano.

                Outra questão em destaque naquele natal foi a questão do casamento de Cedrella. Os Weasley, pais de Septimus, estavam sendo investigados por associação com trouxas e a família estava preocupada em como anularia o contrato mágico que os ligava à família de cabelos ruivos, que fora assinado com o sangue de Charis e Belvina Black, pais de Cedrella e Callidora.

                Asterope não estava preocupada com nada disso. No dia anterior, descobrira que Tom não passaria o natal em Hogwarts como fazia todo ano. Eles fizeram a viagem no Expresso de Hogwarts na mesma cabine, conversando amenidades sobre as aulas; Tom era boa companhia. Afinal. Tinha os pensamentos no lugar certo sobre sangues-ruins, apesar de seu nascimento, e era aplicado o suficiente para que tivessem conversas acadêmicas de igual para igual.

                Estava pensando nisso, em seu lugar no sofá de couro, enquanto o resto da família discutia políticas (sua tia Belvina tentara aprovar um projeto de Caça aos Trouxas, que acabara de ser recusado pelo Ministério, por questões humanas). No natal, ela podia beber champanhe à vontade e o líquido dourado-claro a deixava leve e risonha, mas nada perto de Cedrella, que ria escandalosamente de algo que Alphard tinha dito. Asterope meditou se, mediante o possível rompimento de seu contrato de casamento, a prima não estaria tentando conseguir o próximo noivo em seu irmão mais novo.

                No dia seguinte, a tradição era que uma das muitas famílias bem-relacionadas desse um baile. Naquele ano foram os Burke, e Asterope gostou de aproveitar a situação para colocar um belo vestido de veludo com apliques de pérolas no busto e de decote ombro-a-ombro, mangas bufantes e os cabelos cacheados presos no alto da cabeça a não ser por algumas mechas rebeldes.

                Naturalmente Hector também estava no baile, e, como sua noiva, Asterope teve de fazê-lo companhia por todo o tempo, mas não se importou. Hector mantinha sua taça sempre cheia, embora ela bebesse pouco, porque seria péssimo ficar sincera na frente de todos aqueles sangues-puros, e Nerissa a lançava olhares venenosos, provavelmente por ela ter conseguido marcar o casamento para o inverno do ano seguinte.

                Mas ele não era a único. Todos os jovens puros-sangues estavam ali, ou seja, grande parte da Casa de Sonserina. Abraxas Malfoy, com a noiva. A prometida de seu irmão, Druella Rosier. Mina Bulstrode e Jade Selwyn. Antiope Burke, Gabriel Yaxley e Corvin Lestrange. Asterope adorava aquele clima: a seda e o veludo, renda e organza nas roupas. O champanhe borbulhante, o uísque de fogo de qualidade, não aquela porcaria Ogden que serviam no Três Vassouras.

                Ali, eles eram o melhor que uma futura sociedade de sangues-puros tinha a mostrar. Eram jovens, invencíceis, cheios de ideais e ideias. Conversavam, entre taças, sobre a limpeza do Ministério da Magia dos sangues-ruins e escória. Falavam abertamente, pois ninguém os repreenderia, sobre fechar o mundo bruxo completamente do contato com trouxas e, quando estavam mais ousados, em retomar os ideais de Grindewald e coloca-los em seu lugar: abaixo dos pés cobertos por sapatos bem engraxados.

                Ao fim da noite, todos retornavam às suas carruagens de luxo, sabendo que era o suficiente que pudessem manter aquela pequena versão da realidade do modo como queriam, sem ter de fazer nada para mudar o mundo do lado de fora para o modo que eles queriam que fosse.

 

                Assim que pisou em Hogwarts após as festas, usando uma bela capa de pele forrada de seda que ganhara de seu pai, Asterope soube que tom estava à sua procura. Discretamente, Asterope inventou uma desculpa para seus amigos; as primas, o noivo e os amigos dele, e escapou para o que tom havia afirmado ser uma sala no sétimo andar, junto de uma tapeçaria de Magnus, o Mago.

                Achou a sala sem problemas; Asterope podia se guiar por Hogwarts no escuro, ou no meio do caos, como se guiava em casa. A sala era uma câmara em forma de octógono, ligeiramente abandonada, e havia limo crescendo nas paredes. Também não haviam cadeiras, mas Tom se sentava num degrau junto da janela de vitral por onde passava uma luz difusa pela neve que caía, e emitia um som baixo que era como um silvo.

                Tom parou o que estava fazendo assim que Asterope empurrou a porta da sala para entrar, as luvas abafando o barulho de suas palmas contra a madeira. Os olhos negros inescrutáveis percorreram a bruxa, dos sapatos lustrosos ao colo coberto por um colar de esmeraldas que fora outro presente de natal. Asterope não se sentia inclinada a entrar na sala que parecia não ter sido limpa nos últimos cinquenta anos, mas Tom exercia um tipo de gravidade sobre ela e, sem que notasse, já se aproximava dele.

                Ele pareceu, porém, impaciente com sua hesitação.

—Quero mostrar algo a você. –Disse, de repente, sem a dar as boas-vindas ou perguntar sobre o seu natal.

                Atrás dele, havia uma pequena serpente. Não era um exemplar particularmente impressionante: era uma serpente d’água verde-clara, não tão maior que uma varinha e sem propriedades mágicas aparentes, mas Asterope não se aproximou dela mesmo assim. Tom se pôs de pé e voltou a silvar. A serpente levantou sua cabeça para ele, interessada.

                Talvez porque não esperasse o que vinha, a sonserina levou um longo momento para perceber que a serpente respondia ao silvo como se o entendesse. Deu um passo para trás, de repente, consciente demais de algum perigo que ela não podia ver.

—Como você está fazendo isso? –Perguntou numa voz surpreendentemente firme.

                Tom tirou os olhos da serpente para ela. Estavam absolutamente negros; parecia como se não tivesse pupilas.

—Eu fiz uma visita aos Gaunt nesse natal.

                Asterope se virou para ele, curiosa. Engraçado. Ela pensara ter ouvido o sobrenome sendo mencionado em alguma das conversas ao longo da noite de natal que tivera entre as famílias de sangue-puro. Mas já estava um pouco tonta do champanhe; além disso, havia sido uma conversa na roda dos adultos, e ela simplesmente não prestara atenção. Agora desejava ter prestado. Tom não esperou que ela respondesse.

—Morfino Gaunt foi preso por matar um trouxa. –Contou ele. –Uma família trouxa que vivia no vilarejo perto, Little Hangleton; os Riddle. Acho que não foi uma boa ideia revelar que a irmã dele, Mérope, teve um filho com o Riddle mais jovem.

                Seu sangue ficou ligeiramente gelado em suas veias. Tom não parecia abalado, mas quando ele parecera desde que ela o conhecera? Em outra situação, a morte de uma família trouxa não teria afetado Asterope nem um pouco, mas se afetava Tom, decidiu, então a afetava também. Estendeu uma mão para ele. Ele não fez nenhum gesto de reconhecimento, mas não se afastou quando ela a pousou, leve e quente, no ombro dele, finalmente ousando se aproximar. A serpente estava quieta, observando. Asterope, mais pelo seu bem do que por qualquer coisa, não a deu atenção.

—Você não precisa deles. –Disse ela. –Você é um Gaunt, e agora sabe disso. Achava-se que os Gaunt estavam perdidos para sempre, sem herdeiros masculinos, após Morfino. Mas você pode clamar o sobrenome. Ninguém vai ligar para a sua família trouxa, você é o aluno mais brilhante da escola. Pode refazer seu nome.

—Refazer meu nome? –Ele repetiu, olhando para ela com interesse.

—Sim. Lamento pela sua família trouxa, mas não precisa... –Ele a interrompeu.

—Lamenta? –Tom repetiu, o tom de voz morto.

                Se fosse outra pessoa, Asterope teria pedido a paciência com a repetição das coisas que ela dizia, mas como era Tom, ela estava prestes a levantar a mão livre ao seu rosto quando ele segurou seu pulso com força antes que alcançasse o rosto do rapaz. Discretamente, ela tentou puxar o braço de volta, mas o aperto dele era de ferro; não parecia, entretanto, estar prestando atenção nela.

—Não lamente. –Ele rosnou, a puxando para perto de forma que seus rostos estavam muito próximos. Asterope era uma cabeça mais baixa do que ele, mas ele estava inclinado sobre ela como um anjo vingador. –Eu estou satisfeito.

                Horror e admiração brigaram dentro dela. O horror por uma pessoa capaz de se satisfazer com a morte dos seus, e a admiração pelo compromisso com a causa; ficar feliz pela morte de trouxas, mesmo que fossem sangue de seu sangue. O aperto em seu pulso, porém, era forte.

—Está me machucando, Tom. –Disse para ele baixinho.

                Tom a soltou com força, quase a empurrando, mas, ao mesmo tempo, aparou sua queda pela cintura. A mão dele era quente e pesada na curva de seu quadril e Asterope fez menção de se aproximar ainda mais, talvez encostar o corpo ao dele. Ela se sentia quente e o pulso, onde ele a segurara, latejava agradavelmente por debaixo do couro da luva.

                Mas, assim que ela estava firme sobre os dois pés, ele se afastou.

—Não conte a ninguém por enquanto. –Sugeriu. Então se virou para a cobra e silvou mais um pouco; ela se enrolou em si mesma e morreu sufocada.

 

                Os acidentes começaram na semana seguinte, se é que podiam ser chamados assim.

                A petrificação de uma garota sangue-ruim do segundo ano causou um pouco de medo na escola. Mas então três outros alunos foram petrificados, todos sangues-ruins, e os seus colegas perceberam um padrão que podia fazê-los relaxar. Os professores não deixaram claro, realmente, essa ligação; embora apenas uma parte do corpo-docente estivesse em perigo, o horário de recolher foi imposto a todos.

                Não que isso parecesse importar. Asterope não podia deixar de notar que um pequeno grupo, envolvendo Tom, Abraxas, Nott, Mcnair, Crabbe, Goyle, Rosier e Dolohov, costumava se reunir em algum lugar nas masmorras após o toque de recolher. Não pareciam se importar em serem vistos saindo do Salão Comunal também; ninguém na Sonserina os entregaria para os professores. Em parte, por respeito. Eram alguns dos alunos mais ricos e brilhantes do castelo, e em parte por medo. Aqueles nomes já haviam estado envolvidos em outros incidentes desagradáveis ao longo dos seis anos em que estudaram ali.

                O diretor Dippet era um bruxo competente e um diretor sem mão firme. Mais de uma vez, havia cedido cargos de importância, como monitorias, para famílias sangue-puro por pura pressão. Com o Ministério da Magia pressionando a escola por respostas aos ataques que vinham ocorrendo, ele parecia nervoso, sempre suando pelos corredores e lançando olhares pelo Grande Salão durante as refeições, como se pudesse identificar o culpado apenas por olhar.

                Às vezes, Tom se juntava a ela ao estudar na biblioteca. Os dois sentavam-se ombro a ombro, os braços roçando quando se inclinavam para fazer uma anotação às margens do livro. Foi numa dessas tardes que eles foram abordados por um jovem Albus Dumbledore, de cabelos acaju e olhos espertos.

—Com licença, Tom. –Se aproximou o bruxo alegremente, com um livro de Transfiguração Avançada embaixo do braço. Embora houvesse falado com Tom, Asterope, que havia de forma nada inocente, colocado uma mão no braço dele para olhar a tarefa por cima de seu ombro, se virou também. –Ah, Srta. Black. Vocês dois deveriam já estar recolhendo suas coisas. É quase hora de se recolherem.

                Tom sorriu friamente, murmurou “tem razão, professor”, e começou a juntar seus livros. Asterope olhou para o outro com superioridade.

—É verdade o que dizem, professor? –Perguntou, num tom desdenhoso. –Que a criatura não ataca sangues-puros?

                Ao seu lado, Tom congelou. Albus fez uma expressão pensativa.

—É isso que parece estar ocorrendo, Srta. Black. –Admitiu. –Mas todos devemos nos cuidar.

—A escola tem alguma ideia do que está ocorrendo? –Insistiu. –Talvez o senhor tenha?

                Pensou ter visto os olhos dele fitarem as costas de Tom por um segundo, mas era difícil ter certeza. Dumbledore era reservado como um cofre no Gringotts, dos mais profundos.

—Muitas teorias. –Acenou vagamente. –Cada uma mais improvável que a outra.

                Asterope se virou para notar que Tom havia recolhido as coisas dela além das dele própria, e agora parecia ansioso para sair dali. O olhar que ele a lançou, porém, a deixou menos animada para sair com ele, e ela procrastinou arrumando o uniforme, sob o olhar dos dois bruxos: o de Dumbledore pensativo, o de Tom, falsamente paciente. Outra pessoa se aproximou deles; Minerva McGonagall, da Grifinória, uma mestiça que, diziam, era a melhor aluna de Transfiguração e Monitora-Chefe da Casa dos Leões.

—Com licença. Albus, este é o livro que vai usar na próxima aula...?

                Asterope teria ficado mais um segundo para ouvir a conversa. Diziam que Minerva era a aluna preferida do professor, que a permitia chama-lo pelo primeiro nome, segundo boatos, por uma aposta que haviam feito, sobre quem conseguia transfigurar-se mais rápido num animal; uma aposta que a garota ganhara para o bruxo mais brilhante do século. Mas Tom colocou uma mão em suas costas, a impulsionando a seguir para fora.

                Eles passaram silenciosamente pelos corredores, mas assim que pegaram o corredor adjacente ao Saguão, que descia para as masmorras –um corredor um pouco escuro, de luzes esverdeadas e cujos archotes eram sempre um pouco fracos –ele a empurrou contra a parede com um braço.

                A sonserina perdeu o ar quando as costas bateram nas pedras ásperas atrás dela, em seguida parou de vez a sua respiração quando Tom pressionou o corpo contra ela –quente, masculino, a cobrindo toda. Ele estava frio, porém, onde a pele se encostava na dela e seus olhos brilharam vermelhos por um segundo, então muito negros. As respirações dele se misturaram quando ela arfou. Ele falou baixo, tão baixo que ela mesma duvidou ter ouvido.

—Tenha cuidado com Dumbledore, Srta. Black. –Tom pediu, num tom sugestivo. A cabeça dele estava ligeiramente inclinada de lado, de forma que sua boca roçou no maxilar dela quando ele falou, e o hálito tocou o rosto dela. –Ele é mais esperto do que você o dá crédito; e já está de olho em nós.

—Em você, talvez. –Asterope ofegou um pouco quando o peito dele pressionou o dela, e um braço passou por de trás de sua cintura. Ele, ela e a parede, a puxando ainda mais para perto. Agora, cada centímetro do tronco deles estava junto; uma posição muito imprópria, mas ela apenas pensaria naquilo depois. Algo nela pulsava em seu baixo ventre, um comichão que a fazia querer se pressionar um pouco mais contra ele.

—Se eu for incriminado por sua causa, pode deixar que vou levar você comigo.

                Apesar do tom de ameaça, a voz dele era aveludada e os lábios macios acariciavam sua pele conforme falava. A mão livre dele, que não a segurava pelas costas, subiu pela sua cintura, costelas e fez o caminho até sua nuca; exceto que ao invés de a segurar de forma sensual, ele parecia como se pudesse a sufocar se quisesse. O corpo de Asterope ficou em alerta, quente e pulsante.

—Entende? –Ele insistiu.

—Entendo.

                A mão no pescoço dela se afrouxou até que fosse uma carícia. Os dedos frios tocavam sua nuca e seu pescoço. O braço atrás dela a soltou lentamente, mas não antes que ele beijasse o seu maxilar; um beijo sensual, um pouco molhado, que a fez entreabrir a boca e fechar os olhos, esperando que os lábios subissem até sua boca.

—Melhor que entenda mesmo. –Murmurou antes de capturar os lábios dela com os seus.

                Apesar de macios, eles também eram violentos. Asterope havia trocado uns poucos beijos roubados com Hector durante a vida, mas nada como o modo que a boca dele se moveu contra a dela, a forçando a se abrir, então entrando com uma língua quente que se enrolou na dela, enquanto as mãos passeavam pelo corpo dela, ameaçando entrar embaixo de seu uniforme.

                Asterope respirava em arquejos ofegantes conforme a boca macia dele beijava seu pescoço. Algo duro e quente a pressionava na altura da barriga e ele a puxou para cima bela bunda, empurrando seu quadril contra o dela, então a coisa quente e dura pressionava seu baixo ventre. Asterope gemeu, surpresa consigo mesma por aquele som, e ele levou uma mão a sua boca, a tampando.

—Shii. –Murmurou ele, baixinho no melhor tom aveludado que tinha.

—Tom. –Ela tentou falar, conforme a mão dele entrava debaixo de sua saia, fazendo o caminho pelas suas coxas pressionadas, procurando um lugar para tocá-la. Asterope manteu as pernas bem fechadas e, com toda a sua força de vontade, o empurrou. –Eu sou uma Black.

                Ela disse isso mais para si mesma do que para ele. Quando o olhou, sob a luz fria do archote quase apagado, ele parecia amarrotado e sexy, um sorriso quase cruel nos lábios cheios quando a olhou. Mais envergonhada do que jamais estivera antes, a bruxa passou a mão pelas saias, alisando-as, então notou os dois primeiros botões abertos de sua blusa; era para lá que Tom entrava.

                Colocou as mãos para cobrir o colo e andou para longe, envergonhada.

 

                Nas semanas seguintes, nada restou a Asterope além de evitar Tom o máximo possível. Ele parecia como se nada houvesse acontecido; a perfeita imagem do aluno exemplar. O monitor exemplar. Roupas em perfeito estado, gravata bem colocada ao redor do pescoço. Ela até o viu falar com Hector um par de vezes. Hector era um dos poucos alunos da Sonserina que não parecia ligar muito para Tom; e ela o viu recusando educadamente mais de um par de vezes fazer parte do “grupo de estudos” de Riddle. Mas não pareceu falar com o noivo sobre ela e seu comportamento questionável. Asterope estava quase se perguntando se aquilo havia mesmo ocorrido.

—Eu realmente achei que Riddle estava apaixonado por você. –Comentou Callidora quando notou a distância que eles haviam assumido um do outro. Era uma manhã de abril, e estava começando a ficar quente em Hogwarts. Asterope quase cuspiu seu copo de suco de abobora em cima de suas panquecas, mas não o fez. Callidora fez como se não percebesse sua agitação, e continuou num tom venenoso. –Mas parece que ele cansou de você. Melhor para ele; não poderia competir com Hector, poderia? Seus pais jamais a deixariam casar com um garoto de ancestralidade duvidosa.

                Asterope apertou os lábios numa linha fina e não respondeu.

                Olhou Tom do outro lado da mesa, mas ele não a olhou de volta. Conforme a garota Black se afastou dele, ele pareceu completamente desinteressado em tentar qualquer reaproximação ou, o que seria ainda mais decente, se desculpar por tê-la beijado, como um cavalheiro fazia. Tom Riddle era um garoto criado com os lobos, ela decidiu, e não merecia sua atenção.

                Ainda assim... ela sempre sabia.

                Tinha sempre plena consciência da localização dele. Nas refeições, na mesa da Sonserina, ou em sala de aula. Continuaram com a competição saudável em Poções, e Asterope vinha ganhando com uma frequência acima do normal, talvez numa tentativa inconsciente de chamar a atenção dele. Também sempre sabia quando ele saia para suas reuniões com os seguidores. Acompanhava-o com o canto dos olhos quando o grupinho saia do Salão Comunal sem se preocupar em ser discreto.

                Numa noite, após todos os seus colegas já terem se recolhido, e o Salão Comunal estar vazio, a lareira quase se apagando, Asterope se encontrava numa das muitas cadeiras de couro, sentada com as pernas para cima e o livro de Poções em cima dos joelhos quando Tom, sozinho, entrou agitado.

                Os dois se encararam através da sala escura. Fazia semanas que não se falavam agora; sobre nada. Ele se aproximou mesmo assim.

—Uma garota foi morta. –Anunciou, num tom entre o nervoso e o vitorioso.

                Asterope sentiu o sangue ficando gelado em suas veias. Não era normal falar de uma morte causada por você daquela maneira tranquila, mas não deixou demonstrar o seu incômodo.

—Quem? –Fez seu melhor tom desinteressado.

—Murta Warren.

De certa forma, ela nem estava realmente surpresa. Havia percebido, em seu tempo juntos, o quanto ela o incomodava; uma garota sangue-ruim, de grandes óculos-fundo-de-garrafa que o seguia para cima e para baixo.

Tom continuou:

—Olívia Hornby a encontrou há pouco no banheiro feminino do segundo andar.

—E daí? –Asterope fechou seu livro para olhar melhor para ele. Ele não a respondeu. Estava de pé junto da janela mais próxima, e a luz esverdeada do lago fazia sombras no rosto dele.

                Ela se levantou e ficou próxima, repetindo a pergunta.

—Dumbledore acha que isso significa que Hogwarts vai fechar se um culpado não for encontrado. –Ele murmurou mais para si mesmo do que para ela.

                Asterope deu de ombros.

—Deixe que fechem. –Disparou. –Gente como a gente não precisa dessa escola cheia de sangues-sujos e escória.

                Depois disso, as coisas começaram a se desenrolar muito rapidamente.

—Não seja burra! –Ele sussurrou, furioso. –Jamais foi minha intenção fechar a escola e....

                Asterope cresceu em fúria que se igualava à dele. Era o segundo insulto num espaço muiot curto de tempo.

—Como ousa? –Sussurrou de volta. –Eu sou uma Black, Riddle! Uma Black! Talvez esteja na hora de você se comportar como....

                Ele a interrompeu num tom de voz desdenhoso.

—Como o quê? –Riu em escárnio. –Você certamente não se comporta como uma Black, andando por aí, esperando uma migalha qualquer que eu possa a dar, com essa sua paixãozinha...

                Houve uma ligeira pausa enquanto ele apreciava o resultado de suas palavras na expressão dela.

—Seu mestiço imundo, você...

                O estalo reverberou pela sala quando, jogada no chão pela força do golpe, Asterope ofegou, levando uma mão ao rosto que esquentava e palpitava da dor. Jamais havia apanhado na vida. Não que seus pais não punissem os filhos, mas eram punidos com castigos de varinhas. Um bruxo não levantava a mão para o outro; isso era coisa que trouxas faziam.

                Raiva e humilhação lutavam dentro dela quando ela levantou a cabeça para o seu algoz.

                Riddle, por outro lado, olhava mais uma vez pela janela, como se já houvesse esquecido dela. Asterope respirou fundo, desejando que ele sumisse, e, sozinha, levantou-se apoiando-se no sofá para isso. Apenas quando se pôs de pé, ele virou os olhos para ela, completamente frio.

—Se quiser usar o que sabe sobre mim para me incriminar, saiba que não vai dar certo. –Ele avisou, olhando-a com superioridade.

                Asterope ouvia o sangue latejando em suas orelhas, abafando a voz dele.

—Não, Riddle. –Sussurrou baixo, mas sabia que ele ouvia. Magia corria pelas suas veias e ela sabia que qualquer coisa que dissesse em seguida seria uma maldição, não importava se estava ou não apontando sua varinha. –Esse sua incapacidade de sentir vai se voltar contra você, Riddle. Eu garanto.

                Ele sorriu. Ela se virou, e subiu as escadas para o dormitório, sentindo o rosto latejar e esquentar. No espelho do dormitório feminino, “isso não parece bem, srta. ” murmurou o próprio espelho, estava um vergão no exato formato da mão dele; a mão que ela havia permitido que a tocasse não muito tempo antes.

 

                No dia seguinte, toda a escola soube da prisão de Rúbeus Hagrid, um terceiranista da Grifinória com fama de ter uma afinidade por criaturas. Enquanto o anúncio foi feito, ela sentiu o olhar de Dumbledore a queimando da mesa dos professores. Ela não o encarou de volta.

                Hector Bloxam pareceu surpreso quando ela se aproximou, querendo adiantar o casamento. Tudo já estava planejado, disse a ele, que olhava seu rosto com curiosidade. Asterope se perguntou se a maquiagem por cima da sua bochecha esquerda o estava deixando curioso, mas não se explicou.

—O que quiser, Ast. –Hector respondeu, colocando os cabelos revoltos atrás da orelha dela para que visse melhor seu rosto.

                Asterope o amou um pouco naquele momento, e aprenderia a amá-lo ainda mais conforme se casassem.

                Também sabia que um dia Tom Riddle se arrependeria do modo como a tratara –e que então seria tarde demais. Afinal, os Black eram os melhores lançadores de maldições do mundo mágico, rezava a lenda.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então? Gostaram, não gostaram? Comentários são bem-vindos, sempre! Para quem conhece a Cordélia, ela lembra a Astérope? Acho que já sabemos de onde ela e o pai herdaram o dom em Poções.
Espero que tenham gostado de ler como eu gostei de escrever.
XOXO



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Garota Que Amou Tom Riddle" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.