Sobrenaturais escrita por Panqueca de Grão de bico


Capítulo 2
Capítulo Dois


Notas iniciais do capítulo

Oiii, espero que goste!



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Fazia uma semana desde que o seu ex-namorado tinha aparecido no meio do seu quarto. O deixando bastante confuso, mas também... aliviado. Antes o que havia era um grande ponto de interrogação. E agora sabia os motivos do término, da partida. Entendeu seu lado. Sim, ainda era estranho pensar que Ara lia mentes e se teletransportava. Assim como foi um dia para sua irmã saber que ele era assexual. Obviamente que eram características diferentes, mas eram características fora do padrão. 

 

Ara resolveu aparecer e visitar sua mãe e irmão, e ele. Porque o grupo que o estava perseguindo parecia ter desistido. Não falou quando apareceria de novo, e Lauro não conseguiu perguntar. Embora quisesse muito saber. Contara para Lídia. Bem, omitiu a parte de leitura de mentes e teletransporte. Só disse que Araniel havia aparecido e se explicado.

 

"Eu gosto de vocês juntos, no entanto, gosto mais de você, mano. Ele podia ter te falado, não sei. Te deixou sofrendo sem saber o motivo do término... Sei lá."

 

Lauro só conseguia pensar no quão solitário foi todos esses anos, em como foi difícil para uma criança, descobrir mais uma característica que não seria compreendida. Algo que, diferente da bissexualidade, ele não contou para a mãe e o irmão. Eles encaravam o sobrenatural, o que não podia ser explicado, como coisas demoníacas. Embora, não só uma vez, Ara pensou em contar. Perdendo a coragem logo em seguida.

 

Se despediu da irmã, estava atrasado. Hoje, quarta, era dia de Lauro passear com o cachorro de Dona Lúcia. Glauber, o porteiro, como sempre já o esperava segurando Todi pela guia. O animal ficou feliz ao vê-lo, fazendo festa.

 

— E aí, Glauber, tudo certo?

— Tá tudo tranquilo, meu parça!

 

Eles não podiam papear muito, cada um tinha seus afazeres. Mas às vezes Glauber aparecia nas festas da tia Lili. A primeira vez que viu o homem de um metro e noventa sem a tradicional camisa e gravata, foi estranho, porém logo se acostumou. Afinal, ele mesmo que o convidara. Vindo acompanhado da noiva e da irmã. Gui nunca tinha vindo a uma festa da sua tia. Ara sim. Antes deles, Lauro se apaixonara algumas vezes por garotos alo, alossexuais - o contrário de ace, assexual.

Uma vez se declarou, o garoto era bi, mas além dos beijos, queria algo mais. Ante a recusa de Lauro, romperam antes mesmo de começar. Depois disso resolveu só se relacionar com aces. Um relacionamento já era complicado o bastante para ter que ficar com um alo. Para ele parecia muito difícil uma relação entre alguém sexual e alguém não sexual. Embora no grupo que participava, haver pessoas aces namorando ou casadas com pessoas alo. Mas ele não sabia como administrar isso.

 

Voltou ao edifício de dona Lúcia, entregou o cachorro para Glauber, que lhe entregou seu pagamento. Quando estava numa loja de eletrônicos comprando um fone, a irmã de um ex-colega de escola ligou. Marina. Queria pintar a parte externa de sua loja.

 

                       ...

 

Passou dois, três, quatro meses. E Ara não apareceu mais. Lauro conseguiu um emprego fixo como garçom na lanchonete de uma prima. Ananete. Estava se animando para fazer um curso técnico. Torcia para que Ara estivesse bem. Ainda usava o que ele tinha lhe dado.

 

Ele não conseguia se comunicar a distância, havia dito. Então, por enquanto, recorria a pedras encantadas. Precisava que Lauro usasse sempre o cordão. E se estivesse em apuros, apertasse com força a pedra. Que ele viria.

 

Seu turno só começava à tarde. Acordou às 9 horas. A casa trancada. Morava com seu pai, mãe e irmã. A irmã era professora numa creche, o pai eletricista numa empresa, e a mãe cozinheira na sua antiga escola. Tomou um suco, biscoitos, e comeu um pedaço de mamão. Deitando no sofá e ligando a TV.

 

Os canais nesse horário se dividiam entre desenhos, noticiário e videoclipes. Decidiu pela terceira opção. A banda que tocava, Os Felipes, tinha um som maneiro. Lauro acabou dormindo ao invés de levantar e fazer o almoço.

 

Acordou sobressaltado. Com o corpo dolorido. E só começou a se sentir assim, depois que começou a usar essa pedra no pescoço. Talvez não tivesse nada a ver, e só estivesse doente, precisando ir ao médico. Algo que ele já deveria ter feito? O preconceito dentro de si o fazia pensar em não usar mais, só pro precaução. E ir logo ao médico, tipo agora?

 

E se estivesse morrendo? Além da dor no copo, sentiu uma ânsia de vômito. Talvez fosse uma virose, ou estivesse morrendo. Seria triste não poder se despedir de seus pais e de sua irmã. Estava delirando? Se tivesse forças para levantar, certamente procuraria um termômetro, sua mãe guardava um no armário da cozinha. Jurava que estava febril, sentia-se muito febril. Até manter os olhos abertos estava difícil. Sua hora havia chegado.

 

"Ele é um pouco dramático, sabe. Você vai entender o dia que ele gripar." A lembrança veio do nada. Sua irmã nesse sofá, nessa sala, conversando com alguém. Mas quem? Estava quase lembrando, porém não conseguiu. Agora o tempo passava de um jeito estranho. Sem conseguir se mover para espiar o relógio de parede, ou levantar e ver no celular. As horas pareciam longas, sua família nunca chegava.

 

Dormia e acordava. Sem perceber quando começava a dormir, quando se dava conta, estava abrindo os olhos. Marejados. Lágrimas lavando o rosto. Choro ou olhos irritados? Já não sabia de nada. Em certa altura, por alguns segundos, esqueceu onde estava. Se lembrando logo em seguida.

 

Dormiu de novo, acordando com o barulho do crepitar de fogo. Mas onde? Agora só silêncio. Tentou mexer o corpo... em vão. Como se tivessem passado cola no sofá. Ainda seria drama pensar em morte? Quando você ficou mal num nível que não parece nada com uma gripe? Talvez, se, quando não estivesse mais assim, pudesse pensar que era exagero pensar que ia morrer. Mas primeiro precisava melhorar.

 

E, sem surpresa nenhuma, acordou. Estava ficando bom em dormir sem perceber. O que, na verdade, todo mundo fazia. Quem é que tem como perceber o exato momento que dorme? Se bem que às vezes percebia... o que não vinha ao caso agora. E sua família, já não era para estarem aqui para o almoço? Depois voltando apressadamente para a máquina de dinheiro - o emprego? Bem, máquina de dinheiro para os chefes, não para eles - os funcionários. Para eles era máquina de explorar mesmo.

 

Acordou tossindo. Sonhara. Tudo pegava fogo. Seu olfato não estava muito bom, mas sentiu um odor de material queimado. E se não foi só um sonho? Impossível, pensou. Logo repensando. Ser teletransportado por seu ex também era impossível, e no entanto... Começou a entrar em pânico, não conseguia se levantar. Precisava salvar a casa, as coisas. Foi então que tirou a pedra de dentro da camisa. Não precisava apertar, ela estava iluminada. Tinha detectado o perigo. Esperava que Ara pudesse vir ajudá-lo.

 

Acordou com alguém falando. Aliviado constatou que era Ara. Para depois ficar alarmado e dizendo fogo, fogo, fogo. O outro tentou acalmá-lo. Sua irmã apareceu no seu campo de visão. O rosto avermelhado, os olhos marejados. Então percebeu que não estava dentro de casa. Estava num quarto de hospital. Tentou se levantar, mesmo com movimentos lentos, ainda um pouco dolorido, conseguiu se sentar. Pelo estado da irmã, as notícias não eram boas. Ele a chamou para perto e se abraçaram. Olhando para Ara, abraçado a irmã, perguntou o que havia acontecido. Sua casa realmente pegara fogo. O único cômodo intacto foi a sala, onde ele estava. Os bombeiros não encontraram nada que pudesse ter iniciado o incêndio.

 

Para a surpresa de Lauro ele estava bem. Só que por ter ficado tanto tempo inalando fumaça ficaria em observação. E só amanhã teria alta. Ara quis ficar com ele. Os pais e a irmã iriam ficar na casa da tia Lili. Lauro pediu perdão aos pais, que o abraçaram e o beijaram. Dizendo que não havia nada que perdoar. Que, sim, perderam coisas materiais. Mas o principal, ele e Lídia, não. Isso sim não podiam perder...

 

Quando foram embora, pode chorar. De raiva, frustação. Não conseguiu salvar a casa que seus pais compraram com tanto sacrifício. Iam ter de recomeçar do zero. Perderam tudo, os móveis, suas roupas. Ara o confortou com seu abraço e suas palavras. E mesmo querendo não perguntou o que aconteceu exatamente. Mas Lauro contou. Precisava contar. Ara ficou em silêncio, pensativo. 

 

— Sei que não é o momento, porém, já ouvi relatos, e... o que aconteceu com você parece a manifestação de uma habilidade.

 

Tinha razão, não era o momento. Tudo que menos precisava era ter habilidades sobrenaturais. Sua vida já era complicada o bastante. E se não estivesse tão cansado e sonolento por causa da medicação, talvez tivesse discutido. Teve um momento que abriu os olhos por breves segundos, e Ara não estava lá, horas depois quando acordou, Ara estava dormindo sentado. Teve vontade de o convidar para dormir na cama. Ele estava bem, poderia sentar um pouco. No entanto, se o fizesse, o acordaria sem garantia de que ele conseguiria dormir de novo.

 

No outro dia Lauro teve alta. A caminho da casa de sua tia, num táxi pago por Ara, ele o convidou para morar com ele. Estava dividindo um apartamento com Nina e Laura. Lauro agradeceu, mas recusou. Tinha um emprego fixo agora. Como também não queria deixar a família nesse momento. Ara foi convidado a ficar para o almoço.

 

"É que tia Lili, tenho que pegar o ônibus, para chegar no meu trabalho a tempo." Ele se despediu de Lauro sorrindo levemente. Não tiveram tempo de conversar. No entanto, ele apareceu no outro dia, e no outro dia, e no outro dia. Ele tomava café da manhã todos os dias com Lauro e sua família. Trazendo comida ou para o próprio café da manhã ou para o almoço.

 

O grupo que o perseguia havia aparecido, por isso não voltou. Porém, depois do incêndio, percebeu que tudo realmente é muito efêmero. E não queria deixar de estar com Lauro com medo de que viessem atrás dele. Ele poderia ter morrido, e ele ficaria devastado. Arrependido por ter estado distante.

 

—  A existência já é dura o bastante para você ter de ficar longe daqueles que ama, sabe.

 

Lauro guardou essas palavras. Sim, a realidade era tão imprevisível, cruel e injusta muitas vezes. Iria também se permitir estar com quem o fazia bem. Sem perguntas. Apenas curtindo os momentos. Amanhã poderia não ter nada disso, afinal.


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Notas finais do capítulo

Eiii, espero que tenha gostado!



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