Sacrifícios escrita por Shalashaska


Capítulo 14
Órion


Notas iniciais do capítulo

Boa noite ♥ E Feliz dia das Mulheres!
Assim como dito num trailer há muito, muito tempo, parte da jornada é o final... E aqui está o último capítulo. É o fim.
Ao menos por enquanto haha Já que vocês sabem que não consigo deixar de escrever sobre a Wanda, winterwitch, etc etc.
Foi um prazer compartilhar essa fic com vocês. Nos encontramos nos comentários!
Boa leitura.



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03/11/2023

Novi Grad, Sokovia

17:02

 

O toque frio das mãos de Wanda trazia Pietro de volta para um universo que finalmente parecia real. Já fazia um tempo desde o estalo — ou como diziam, o blip — e as coisas começavam finalmente a se acertar. Carol Danvers retornara ao espaço para resolver outras atividades; Nebula e Gamora estavam recuperadas de seus últimos ferimentos e os Guardiões — Pietro ainda achava esse nome demasiadamente pretensioso — seguiriam logo viagem, incluindo Thor em sua tripulação. Todos estavam bem: Sam, Bucky, o tal Peter Parker, a turma do Instituto Xavier… 

Era outro mundo para Wanda também. Era inevitável que os cinco anos desde Thanos tivessem transformado as pessoas, as cidades…Então, além de ficar a par do que acontecera em locais importantes e familiares como Genosha e Sokovia, Pietro acompanhou sua irmã quando ela quis rever conhecidas como Tempestade, Shuri ou até mesmo verificar onde estava Visão.

O último assunto era mais pesado. Em termos técnicos, Visão ainda era um sintozóide feito de vibranium e propriedade do governo; não tinha religião, apenas um termo assinado com a ONU. Seu corpo, portanto, não recebera ritos. Apesar dos protestos de Steve, Tony e Rhodes na época de sua morte — cinco anos atrás — ao fim o corpo ficou sob os cuidados da SWORD, e o máximo que puderam se certificar foi que o sintozóide fosse apenas estudado tal qual um corpo doado à ciência. Era melhor do que ficar em algum lugar fácil de ser furtado e seu memorial em Nova York foi mantido.

A visita foi tensa, breve e infelizmente mediada pelo diretor Hayward, um sujeito que Pietro pegou antipatia imediata. 

Ao menos o retorno de Natasha, depois que Steve Rogers fez sua viagem ao Reino Quântico, foi um bálsamo aos ânimos de todos. Ela foi recebida com abraços e lágrimas, mas reclamou da ausência de sua vodka. Ao fim, uma viagem foi estabelecida: Natasha queria checar como estava Liho, o gato que morava em seu apartamento em Moscou e que recebia cuidados aqui e ali. E, já que haviam se passado alguns dias desde sua última visita… Era melhor ir atrás dele.

Depois passaria em Symkaria, para ver Belova.

A família Lehnsherr-Maximoff havia apenas pegado uma carona na nave pilotada por Steve, parando em Sokovia. Talvez não fossem passar muito tempo ali, quem sabe ficassem na casa de Agatha Harkness ou rumassem para o sul, para Genosha. Podiam fazer qualquer coisa e ir para onde quisessem. Erik, na verdade, tinha algo em mente, mas não havia falado nada e nem Wanda havia arrancado a verdade dele. Pietro achava uma pena e ansiava por algum tipo de comemoração.

O primeiro ponto foi o memorial da Feiticeira Escarlate.

Não haviam tantas flores vermelhas e azuis quanto antes no campo em Sokovia devido às variações das estações, mas lá jaziam os pontos coloridos entre o verde que agora cobria a cratera onde um dia esteve Novi Grad. Era uma visão familiar para Pietro, o cheiro das plantas e o vento mais ameno a bagunçar seus cabelos prateados. Quantas vezes tinha ido até aquele exato local, para então ficar com as mãos enfiadas nos bolsos e com a boca murmurando o quanto sentia falta da irmã? Diante dele, jazia a imensa pedra vermelha com a alcunha da irmã inscrita, assim como algumas de suas qualidades. Vingadora. Heroína. Filha amada. E se antes Pietro encarava a solidez da pedra com desespero e dor, e então com aceitação e melancolia, agora aquele símbolo era um tanto peculiar. Algo que, talvez devesse ficar no passado…

Já que sua irmã estava ao seu lado.

Pietro podia falar de sua gêmea no tempo verbal presente agora e tê-la ao seu lado curara todas as suas feridas. Ele segurava a mão dela com leveza enquanto ela perscrutava cada palavra na superfície da pedra, cada fissura e reflexo na luz pálida. Depois parou e um esboço de um sorriso passou por seus lábios.

— Então… — Ela alongou as vogais em seu idioma natal, que usava quase sempre para se comunicar com Pietro. — Essa é a minha lápide.

O rapaz pôs a mão no topo da cabeça dela e bagunçou seus cabelos rapidamente, num gesto infantil e zombeteiro. Não se importou com os protestos da irmã, nem com a possibilidade dela arremessá-lo para longe com aqueles seus poderes escarlates tão fascinantes, tão letais. Maravilhosos.

— Não seja tonta, Wanda. Não tem como ser sua lápide porque não tem seu corpo aí embaixo. É um memorial. Só eu tive um túmulo.

— Céus, Pietro… — Sacudiu o rosto. Ao fim, ela somente o afastou com as mãos, não realmente desejando que ele ficasse muito longe. — E, o que houve com… Você sabe, seu corpo?

— Eu e Betsy conferimos um tempo depois, com um equipamento que ela trouxe de Genosha. Nada além de terra abaixo da grama.

Wanda sorriu, mas seu sorriso desapareceu com a brisa. De repente seu rosto ficou muito sério, os olhos vidrados em um ponto vazio. Wanda fazia aquilo às vezes, até mesmo antes dos experimentos da HYDRA em Sokovia, embora principalmente depois. Pietro estava acostumado. Podiam ser pensamentos alheios invadindo sua cabeça por causa de seus poderes, ou então lembranças. Tristeza. Naquele instante, poderia ser tudo isso. Sua irmã piscou e piscou, em seguida, o verde de seus olhos tornou-se muito brilhante, líquido, enquanto ela murmurava baixinho.

— Eu te visitava sempre que podia. No nosso aniversário. — Fungou, afastando as lágrimas. — No final de ano. E deixava pedrinhas.

Pedrinhas, pois flores murchavam e o que ela sentia pela família dela, por ele, era eterno. Ele sentiu a garganta se apertar e, para evitar que ela o assistisse chorando, puxou-a para um abraço apertado. No fundo, sabia que sua irmã entendia cada coisa que se passava dentro de seu cérebro, de seu coração. Ela o entendia completamente.

E veria que, assim como ela fez, Pietro visitou-a do modo que podia.

— Eu também, Wanda.

Ela chorou mais um pouco, desabando apenas fração do sofrimento que tinha passado por aqueles anos de terrível e, aparentemente, definitiva separação. Soluçava e o apertava um pouco mais forte e ele aceitava tudo aquilo, também com medo de piscar e não vê-la mais ali, não sentir seu abraço tão familiar ou ouvir sua voz. E Pietro falhou na tarefa de evitar o choro, pois uma dúzia de lágrimas foram mais rápidas em rolar pelo seu rosto do que o seu ímpeto de contê-las.

— Eu sinto falta da mamãe. — Ela disse, falando de Marya Maximoff. — De colher as flores na primavera e fazer comida nos feriados. E dos bonecos do papai.

— Que a gente levava na feira. E na volta nós trazíamos doces.

Ah, Pietro. — Ela se afastou um pouco, colocando as duas mãos em seu rosto. Ele, por sua vez, sentiu seu tórax ficar morno, afinal sem pressa para ir a lugar algum.  — É você mesmo. 

Ele lhe ofereceu um sorriso ladino:

— O único e perfeito irmão mais velho que você tem.

— Será?

— O que? — Ele riu e Wanda abaixou as mãos. — Acha que o Erik deu outras voltas por aí?

A expressão abismada de sua gêmea foi impagável. 

— Não, idiota. — Reclamou, rindo também. — É que ainda temos que calcular qual de nós passou mais tempo vivo do que o outro. Talvez eu seja a mais velha agora.

— Uh. Que mentira. Você vai ser sempre a Wandinha. — Bagunçou de novo os cabelos dela, enquanto alguns xingamentos escapavam de sua boca. Parou após alguns tapas ardidos no braço, que na realidade não doeram mais do que breves segundos. — Se bem que às vezes acho que poderemos ter irmãos mais novos.

O rapaz encarou seu pai, Erik Lehnsherr, ao lado de Natalya Maximoff e Wanda acompanhou o seu olhar. Os dois apenas conversavam e caminhavam juntos pelo campo, dando tempo para os gêmeos explorarem o lugar. Sem objetivo, sem rumo. Mas quando Natalya ofereceu a mão para o homem ao seu lado, Erik segurou-a com delicadeza.

Wanda franziu a testa.

— Será?

— Quem sabe?

Ela comprimiu os lábios e encarou o irmão.

— Não acho que nosso pai arriscaria ter mais filhos.... velocistas igual você.

Jamais ele ficaria irritado em escutar uma provocação dela. Só cruzou os braços e retrucou, adoravelmente ácido:

— Ou meninas esquisitas como você. Você vai ver, aposto que um filho seu vai puxar seu gêmeo aqui. Vai ser o filho mais legal.

Pietro recebeu um empurrão leve enquanto ela ria:

— Socorro.

Mas ele só segurou de novo a mão gelada dela, sentindo bem seus dedos magros e imaginando que sua pele era macia por causa do absurdo de hidratantes que ela tinha no banheiro. Pietro inspirou fundo, na sua vez de ficar sério e pensativo. Recordava-se do quarto dela na casa de Agatha Harkness, do banheiro bonito e bem organizado e como queria poder providenciar certos luxos para irmã. Na época, ele não sabia que o quarto era verdadeiramente dela. Não sabia de nada, afinal… Tinha acabado de voltar.

E tudo parecia tão estranho. Irreal. 

— Como…— Disse muito rápido, depois recomeçou: —  Como foi pra você acordar da morte, Wanda?

A Feiticeira demorou mais para responder. Inclinou a cabeça, comprimiu os lábios e ajeitou uma mecha de seu cabelo. Pietro sonhava com ela, com um lugar de egrégora laranja e estranha. Natalya havia dito que poderia ser algo que ele talvez estivesse vendo a mais por já ter visitado a morte, embora não tivesse certeza. E, dos gêmeos, era sempre Wanda que descobria as coisas. 

— Quase como acordar de um sonho que esqueci. De um pesadelo.

— Pra mim também.

— Você acha que pra Natasha foi assim?

— Talvez. — Ele deu de ombros, pronto para mudar o assunto para algo mais leve. Só sua expressão brincalhona fez Wanda ficar desconfiada, num esboço de um sorriso e erguendo a sobrancelha: — Mas não acho que ela queira falar disso agora, tão ocupada com o Steve.

— Deixe-os. Os dois têm muito o que compensar pelo o que não aproveitaram no passado. E nem é como se os dois estivessem colados um no outro! Aproveitamos a viagem com eles, lembra? Vão pegar o Liho.

— Tá, tá. — Imaginou que eles aproveitariam bem Moscou, mas não disse nada. 

Os dois super-heróis trouxeram a família Lehsherr-Maximoff para Sokovia e rumaram para noroeste, sem previsão certa para retorno. Uma semana? Quem sabe. Liho era um gatinho esperto, mas talvez não fosse encontrado fácil. Duas semanas, Natasha havia mencionado e é claro que ela era mais competente do que isso. Os dois só queriam férias. 

Enfiou as mãos no bolso e caminhou um pouco além do memorial vermelho, percebendo agora que nunca tinha passeado mais pela área, afinal, vinha apenas visitar Wanda nos últimos anos. Inspirou fundo, satisfeito pelo cheiro familiar da brisa, e então encarou a irmã:

— O que você tá pensando?

— Em casa. — Mesmo sem poderes telepáticos, Pietro entendia que ela se referia ao lar deles. Antes de tudo, da bomba, dos experimentos, das mortes. —  Às vezes… Penso em voltar a morar aqui. 

Oh. Onde? Numa cabana no meio da floresta?

O tom zombeteiro dele não a incomodava. 

— Por que não? — Abriu um sorriso tímido e travesso, daqueles que Pietro via quando ela concordava com algum plano tolo seu. —  Sou uma feiticeira, afinal.

— Vamos ter muito tempo pra pensar nisso ainda, Wanda. E se decidir construir uma casa, não esqueça de um quarto pra mim.

— E você me deixaria esquecer?

— Não. Nessa vida eu vou ser duas vezes pior.

Então Pietro ergueu o braço, chamando-a para outro abraço. Sua irmã respondeu prontamente ao pedido e ambos permaneceram assim, lado a lado observando o céu pálido, o campo com botões de flores onde um dia havia uma cidade, onde um dia foi cavada uma cratera e covas. Ele geralmente conseguia sentir o toque de Wanda em seus pensamentos, mas os anos tinham passado… E algo poderia ter mudado, não? Então ao mesmo tempo em que ela não parecia sondar suas sinapses, ele se esforçava para manter a postura de um irmão em que Wanda poderia se agarrar sempre que as coisas parecessem terríveis, sempre que uma bomba estourasse o teto de suas memórias.

Ainda que Pietro sentisse que, na realidade, era ele que se agarrava à presença dela como alguém que busca uma chama na escuridão. 

— Eu chorei tanto quando você se foi…

— Não precisa chorar mais. — Afirmou, pensando na realidade que ambos não precisavam mais. Havia mais o que fazer, mais o que se aproveitar. E ele estaria sempre lá para Wanda, sempre. —  Que tal a gente fazer uma visita para o Piotr? Ele vai gostar de ver uma velha amiga.

Ela pareceu confusa:

— Você o conhece?

— Sim. Ebony meio que… Me levou até lá.

Wanda suspirou, não muito surpresa. Na realidade, ele tinha quase certeza de que ela o entendia o felino tão bem à ponto de Pietro achar que o bichano simplesmente ainda falava. 

— Ele sempre está no lugar certo, na hora certa.

— Vamos, então. — Ainda abraçando-a de lado, Pietro puxou-a delicadamente para a esquerda e um pouco para trás, rumando para a direção onde ficava o lar daquele velho entalhador. — No caminho você me conta mais desse seu namoradinho boboca.

— Pietro!

Nenhum protesto ou reclamação afetou-o, pelo contrário: assistir sua gêmea ficar ligeiramente incomodada por suas zombarias em relação à Bucky Barnes somente o motivava a continuar. Ouvir sua voz, sentir o seu abraço, assistir sua irritação: Um sonho para Pietro Maximoff que tornara-se realidade. E, afinal, poderia escutar mais e mais da vida dela em primeira mão, suas aventuras e mesmo sua tristeza.

Nos últimos três anos, Pietro tinha montado um mosaico do passado de Wanda através de relatos. Agora poderia ouvir tudo com calma através dela mesma, de novo e de novo. Como um sonho doce. E Pietro amava coisas doces.

* * *

As noites em Genosha eram agradáveis e frescas.

Apoiada no terraço do principal prédio na capital da ilha, Genosha, Wanda Maximoff puxou o xale cor de vinho sobre seu vestido de alças vermelho, cobrindo os ombros para não se resfriar com o vento. Atrás de si, ocorria uma festa grande e todas as luzes estavam acesas.

A festa foi preparada em Genosha a fim de demonstrar união entre os povos mutantes e não-mutantes no combate a Thanos e também porque a reforma do Complexo dos Vingadores não tinha terminado ainda, já que a mente inquieta de Tony Stark planejara um projeto ainda maior e mais complicado que o anterior. 

É claro que não couberam todos aqueles que lutaram na batalha final, mas para ser justo, Kamar-Taj desfrutava de suas próprias cerimônias de agradecimento e os asgardianos restantes foram para Nova Asgard. Sem falar que a maioria das festas em comemoração a vitória já havia passado no mundo inteiro.

E é claro que em Wakanda foi melhor.

Wanda soltou um suspiro e encarou as luzes da cidade, a imensidão do mar logo adiante. Escapara um pouco da confraternização apenas para ter um pouco de ar, assim como seu corpo pedia de tempos em tempos. Estava se recuperando, afinal, e memórias sobre um espaço alaranjado e estranho ainda povoavam sua cabeça. Lembrava-se de ter uma sensação sem tempo, sem espaço. Só o começo difuso de consciência, que logo se apagava. Talvez tivesse chamado pelo irmão. O fato é que ali, agora, a Feiticeira Escarlate era apenas uma moça fugindo do barulho da festa para pensar um pouco, acompanhada por um gato preto elegante.

Ebony pulou para o apoio da sacada, recebendo agrados na cabeça, atrás das orelhas e nas costas felpudas. Ela ainda sentia falta da voz dele, mas agradecia ao fato do felino lhe ajudar sempre quando precisava; por exemplo a última ocasião em que se transformou uma fera enorme para abocanhar e rasgar o exército de Thanos. Conversou um pouco com o bichano sem esperar respostas e depois soltou um longo suspiro.

Ela estava melhor. Tivera todo um período de recuperação — ajudou Pietro com seus próprios ferimentos — sua família estava por perto e agora Nat estava lá, por mérito da ideia de Steve e pela capacidade dela própria de vencer o desafio proposto pela Juíza. O loiro estava bem também, aliviado como se todo o peso do mundo tivesse sido retirado de suas costas, e agora Steve e Natasha puderam finalmente dar uma pausa nas obrigações e responsabilidades para desfrutarem da companhia — e beijos — um do outro. 

Rosa e azul, duas auras adoráveis. Wanda não se cansava de vê-los, pois mesmo que fossem discretos na presença dos outros, restava sempre aquela dinâmica fluida, um olhar cúmplice e não raramente engraçado.

Durante as reformas do Complexo dos Vingadores, Wanda até conseguiu recuperar seus desenhos de Steve por meio de um feitiço, aquelas milhares de lembranças ilustradas a mão: Muitas Natashas desenhadas e outras memórias que explicaram a Wanda como o plano de viagem no tempo foi se desenrolando ao longo de dias, cenas protagonizadas por personagens adoráveis como Rocket, Thor e Scott Lang.

Tinha achado que seus objetos estariam todos perdidos após cinco anos, mas felizmente as coisas mais importantes estavam com Pietro, que já havia lhe devolvido a tiara, e depois ele retornou a caixa inteira de pertences para a verdadeira dona. Agora era só voltar a decidir o que colocava numa mochila ou o que espalhava pela casa de Agatha, Genosha e Outer Heaven. 

Talvez agora tivesse muitos lares.

Felizmente, a base voadora também guardou as coisas de Bucky, que ficou aliviado por ainda ter o iPod velho de Sam, o livro que foi presente de Wanda, e seus cadernos.

Ela se virou um instante para conferir a festa como mera observadora, olhando uma cena viva que mais deveria ser outro quadro ricamente pintado por Steve. Tantas auras de texturas diferentes, cores diferentes, e passados completamente distintos. Próxima a cor rosa de Romanoff, havia o brilho perolado de Yelena Belova, que havia confessado ter tirado uma cópia da foto das duas bailarinas juntas — então a imagem não havia se perdido para sempre após o velório. Ao lado dela, Silver Sable, ex-integrante do grupo já dissolvido na ONU — os Mata-Capas — e líder de Symkaria, ria das histórias com uma taça na mão. Na festa, a mulher relaxou e conversava com todos os conhecidos de sua namorada, Yelena, pedindo desculpas por ter ficado afastada por todos esses anos. O luto havia sido muito grande, mas logo recomeçariam os projetos de assistência às vítimas do estalo e, agora, aos novos sobreviventes.

Era interessante observar cada um deles vestindo sua melhor roupa, seu melhor sorriso. Em outra parte do ambiente, estava a maioria do grupo do Instituto Xavier. Ororo era uma atração em si mesma, deslumbrante como sempre, exibindo um cabelo invejável e uma calmaria absurda. Mal parecia que ela e seu par, T'Challa, haviam desaparecido por cinco anos devido ao estalo, mas Wanda também estava ciente que outra qualidade da senhorita Munroe era o controle sobre as próprias emoções. Era uma condição de usar seus poderes e ela transparecia apenas simpatia enquanto falava com Gamora, a moça verde.

Porém Jean estava um tanto… Diferente do que Wanda se lembrava e não era apenas porque seu relacionamento com Scott e Logan sofrera severas sequelas da tragédia de 2018. Havia algo em sua aura, uma sensação de que algo poderoso dentro da telepata havia sido revirado.

Wanda compreendia a ruiva mesmo sem entender completamente sobre o que aquilo se tratava. Sentia algo semelhante dentro do peito e, assim como a outra mutante, apenas fazia o possível para sorrir e continuar seu dia.

A boa notícia era que o trio Emma, Raven Darkholme e Elizabeth Braddock estava unido de novo no mesmo recinto. Existia algo doce em observá-las bebendo e conversando após tantos infortúnios. As três eram poderosas, mas já haviam sofrido tanto… E ainda eram devotas ao ideal de um mundo melhor aos mutantes, aliadas ao expoente de tal missão: Erik Lensherr. Cada uma delas havia feito sua parte, as três Erínias de seu pai.

Emma quase partira-se em pedacinhos, mas o repouso, somado a um feitiço em conjunto de Harkness e Strange, fizera verdadeiros milagres. Felizmente, Psylocke nada sofrera na batalha final e Mística ficou em Genosha, administrando a ilha durante a ausência de todos.

Wanda passou os olhos por Logan, de olho em Anne Marie e seu namorado, Remy LeBeau; viu Clint conversando com Scott Summers, com Lucky ao seu lado, depois encarou Shuri e Sam debatendo sobre a playlist claramente decidida por Pietro Maximoff.

Mas era melhor debater sobre isso do que aguentar o círculo de piadas entre Rocket, Rhodes, Thor e Scott Lang. Banner só assistia, ainda usando uma tipóia.

Por fim, observou a família Stark. Existia sempre um nervosismo quando Tony Stark se dirigia a Wanda, devido ao passado duro e amargo dos dois. Ela tivera um severo trauma em sua vida quando um míssil atravessou sua casa, matou seus pais e exibiu durante dois dias a palavra Stark em sua cara. Tudo isso foi só o começo de uma longa história e ela tinha dado o troco, quando o infectou por medo e paranoia.

Portanto, era difícil para o Homem de Ferro estar ali, mas ele fazia o possível para se retratar pelos próprios erros e aceitava agora esse convite implícito de paz. Estava com o braço enfaixado, ainda que não estivesse num estado tão grave quanto Banner. Trouxera Pepper Potts, tão educada e diplomática, além da filha Morgan e… Algumas peças extras, como Nebula e Peter Parker. Eles estavam todos perto de Erik Lensherr e Charles Xavier, mas enquanto os adultos dialogavam, Peter cuidava das aventuras perigosas de Morgan Stark e Laura Howllet, atacando as comidas na mesa.

Nebula só parecia piorar as coisas, incitando-as a comer.

Como chamariam aquela festa? Só festa parecia algo leve demais para o significado que o evento carregava, embora confraternização soasse formal demais. Tony queria uma cerimônia de desfuneral, mas isso foi rejeitado —por outro lado, felizmente a sua oferta de shawarmas na festa foi aceita. Então Magneto ofertou o espaço para o evento logo depois de ter reformado o memorial na praça de Idílio. 

Naquele instante, seu pai narrava pontos interessantes de sua história aos Stark junto a seu velho amigo, Charles Xavier. Eles haviam comentado algo sobre tomar um whisky e jogar xadrez, mas isso ficaria para depois. Veio Natalya Maximoff e segurou com carinho o ombro de Erik, dando a ele mais uma taça de champanhe. O olhar dele à tia de Wanda foi longo, intenso… Afinal, ela estava linda e os dois estavam apaixonados. Não, é claro, que os dois admitissem aos outros, ou ainda não.

Foi nesse instante que Wanda notou que alguém caminhava até ela. A figura era alta, tinha as mãos no bolso do terno escuro e arrancou um sorriso tímido de sua boca. Bucky ficava bem em roupas escuras e naquela noite ele quis impressionar a família de Wanda com aquele terno de corte perfeito e a camisa também preta. Sua silhueta era esguia e elegante, sua aura amena esquentou quando viu o sorriso de Wanda.

— Oi, boneca.

— Oi, James.

Apesar do charme discreto dele — ou não tão discreto assim, dependendo do momento — Bucky parecia não saber lidar quando Wanda descaradamente o encarava com fascínio, perscrutando cada detalhe de seu rosto. Ele era lindo, gentil, e as pernas da Feiticeira bambas ao ouvirem sua risadinha incontida, resmungando algo fofo sobre não aguentar o olhar dela. Não demorou para que Wanda o puxasse para um abraço longo, forte, aspirando seu perfume suave.

Beijou com carinho e firmeza, depois os dois voltaram sua atenção para o cenário no horizonte. Ebony, por sua vez, já estava quase dormindo e jazia naquela sua posição de esfinge na sacada, com as pálpebras fechadas. Bucky abraçou-a de novo, porém por trás do corpo dela, e depois de depositar um leve beijo em sua nuca, questionou:

— O que você tanto olha aqui fora?

— Eu não sei.

A respiração dele roçou um pouco mais forte em seu pescoço, denunciando que ele não acreditava totalmente naquilo. Seus pensamentos também remoeram o fato de que Wanda, apesar de ter de volta sua amiga e seu gêmeo, ainda jazia triste por ter pressentido a vida de Visão se fragmentar em vão. Ninguém queria que ela se sentisse culpada e no fundo ela sabia que não deveria se sentir assim, mas... era difícil.

Enquanto encarava o cenário, não estava olhando puramente o nada. Era o futuro. O passado. Planos feitos e desfeitos, memórias agudas e uma sensação ora de peso, ora de vazio, e ora de flores. Coisas que só uma Feiticeira poderia ver, sempre dividia entre o caos do momento e o fogo da vontade de tocar a realidade com as próprias mãos.

O mundo tinha corrido mais cinco anos em torno do Sol, mas para Wanda — assim como qualquer outra pessoa dizimada pelo estalo — parecia ter se passado pouquíssimo tempo. Não sabia dizer quais eram exatamente seus objetivos agora, uma vez que tudo havia mudado. Visão estava morto, por suas mãos. Pietro ressuscitara. Natasha se foi e retornou.Foi até mesmo difícil conversar com Stephen Strange, que lhe ofereceu estadia no Kamar-Taj para discutir assuntos importantes… Como a possibilidade de abrir uma escola de feitiçaria. Num primeiro momento, Wanda riu e achou que ele queria uma aluna, mas na realidade ele desejava uma professora.

A Feiticeira Escarlate educadamente prometeu pensar no assunto. Já tinha muito o que pensar e naquele momento não iria decidir nada.

Então ela agradecia a quietude compreensiva de James Barnes, que embalava-a com zelo. Era mais uma não-conversa deles, aquele silêncio cômodo onde nada diziam, e tudo entendiam um do outro. Após alguns minutos, ele comentou:

— Sabe… — Sua voz grave ressoou pela pele dela. — Eu não achei que nossas férias acabariam assim.

— Cinco anos no futuro? Nem eu.

Os dois riram e ele disse;

— Vamos sempre nos meter em encrencas assim?

— Acho que não podia ser diferente. — Ela sentiu seu tórax ficar morno. Amava quando ele lembrava das conversas anteriores dos dois, repetindo coisas que uma vez foram ditas em contextos tão diferentes. A cada vez que eles trocavam tais palavras, era como seu uma nova camada de sentimento cobrisse seu coração. — Mas eu não tô sozinha.

— Não mesmo. — Bucky riu, encostou o nariz de leve no pescoço dela e depois beijou sua pele. — Eu até iria falar para tirarmos novas férias… Mas sem viagens por enquanto.

— É, temos muito o que resolver. Reorganizar.

— Estive pensando em cortar o cabelo.

Wanda se desenlaçou brevemente do abraço, virando-se para encará-lo. Naquela tarde, Natasha já havia lhe dito que iria fazer uma franja.

— Sério?

— É. — O rosto dele estava adorável, sem graça. Wanda já dissera uma vez que gostava de seu cabelo, embora ela claramente tivesse uma verdadeira adoração por ele inteiro. Seu amante ficaria bem com ou sem cabelo comprido. — Sabe que teu irmão fez quase um coque em mim durante a batalha, não sabe? Que vergonha.

Então o riso de Wanda veio: seus lábios pintados por um batom escuro se alargaram, seus dentes refletiram a luz que os alcançava e ela riu e riu, imaginando a cena de Pietro cuidando das belas madeixas de James Barnes.

— Eu sabia que vocês iriam se dar bem.

O soldado riu de lado, nem um pouco irritado pela risada dela. Apenas estava… Curioso. Encantado.

— Eu gosto de te ver assim.

— Assim como?

— Sorrindo.

Wanda lhe ofereceu uma expressão amorosa.

— Está muito galante esta noite, senhor Barnes.

— Ouvi dizer que certa feiticeira gosta.

— Ouviu certo.

Lançou seus braços ao redor do pescoço dele e beijou-o de novo, sentindo o gosto ainda do champanhe em sua boca. Ela o acariciou na nuca, na base do pescoço e agora segurava delicadamente a linha reta de sua mandíbula enquanto o xale e a alça do vestido de Wanda lutavam para ficar no lugar, mesmo com os toques do soldado. 

Tinha sido precavida ao colocar um pequeno feitiço no batom, para que não o borrasse de maneira sórdida enquanto o beijasse com avidez.

Urgh.

Os dois pararam ao ouvir o som daquela reclamação, vendo Pietro observando-os ao mesmo tempo que bebia, provavelmente, sua vigésima taça de espumante. Não lhe deixaria bêbado, pois seu metabolismo não permitiria, mas o mutante gostava da sensação e do gosto. Ebony miou para ele, quem sabe concordando com o protesto.

— Eu até falaria para vocês dois arrumarem logo um quarto, mas não quero dar ideias.

Wanda apertou a mão direita de James com força, implorando silenciosamente para que não dissesse a resposta que ele havia pensado, sobre como já tinham feito algo antes da festa. A sokoviana somente assentiu ao irmão, sua face na mais perfeita inocência, enquanto o deboche subia e descia em James Barnes. 

Não era nem a frase de Pietro que havia deixado-a com vergonha, eram os devaneios libidinosos do soldado.

Entendendo que Pietro queria também um tempo com a irmã, Bucky deu um beijo rápido nela e meneou a cabeça em direção ao cunhado, cumprimentando-o de forma breve e educada. Antes de partir, chamou o gato preto para lhe acompanhar até a festa lá dentro.

— Acho que vou dar uma volta com Ebony. Quem sabe a gente acha o gato da Natasha por aí.

Depois que o soldado partiu, Wanda constatou, utilizando sua língua materna:

— Ás vezes eu sinto que você e nosso pai se uniram para implicar com o James.

— Qual é, quem tem apelido de “Bucky”?

A noite ouviu o som do tapa que ela deu no ombro do irmão, ardido mesmo sobre roupa. Ele reclamou ao mesmo tempo que riu, afastando a mão dela e depois colocando sua taça sobre a sacada. Wanda supôs que ele estivesse mais tonto naquela noite porque Kitty Pryde não compareceu a festa, mas não estava certa sobre isso.

Embora fosse fofo imaginar.

E é claro que ele vestia um tênis branco mesmo que o restante da roupa fosse mais elegante, com uma calça e um blazer azul marinho. Naquele instante, Wanda só era capaz de admirar a própria figura do irmão, os cabelos prateados sob o luar e sua aura cerúlea.

— Dê um desconto para o Erik. — Continuou. — Ele não tem nenhuma outra diversão. Sem falar que já existe a Natalya para mimar o Bucky, fazer as sobremesas que ele quer… E olha que eu sou o sobrinho dela, não ele.

— Você que é mimado.

Pietro a mirou fundo antes de proferir um belo elogio:

— Chata.

— Tonto.

— Não pode me ofender com algo que é verdade.

Ela riu, depois sacudiu a cabeça levemente.

— Você é impossível!

E parecia impossível mesmo.

Era difícil acreditar: Pietro estava ali com ela, em carne e osso e deboche. Não saberia dizer a extensão do ritual que o trouxera de volta a vida ou o custo que isso implicava, mas para que isso importava agora? Era sua aura favorita de volta no mundo, seu coração completo. O interessante era notar que ele estava um tanto mais calmo, quem sabe pelos anos que se passaram desde seu renascimento somados a uma boa terapia, e seu comportamento errático era mais concentrado em respostas sem pensar do que algo de fato perigoso. 

E Wanda também estava diferente sob os olhos dele. Sem olheiras, sem vingança correndo desenfreada por suas veias. A menina doce, poderosa e compassiva que ela sempre foi tinha, afinal, aflorado longe de camadas e camadas de privação e ódio.

Haviam amadurecido um longe do outro nos últimos anos, mas era infinitamente melhor que estivessem ali, naquele doloroso planeta, unidos: os órfãos de Sokovia, mutantes, aprimorados, roms, judeus. Irmãos.

Ainda que Pietro agora morasse em Genosha e Wanda ainda transitasse de lá para cá, eles fariam um jeito de fazer tudo aquilo funcionar. Na realidade, a Feiticeira achava que nos próximos meses, ela não sairia de perto de sua família, de qualquer forma. 

Pietro envolveu-a num abraço apertado.

— Estamos juntos de novo, huh? — Imitou a forma como se referiam aos dois no orfanato. — Os gêmeos.

Os olhos verdes da jovem foram incapazes de conter as lágrimas. Ela soluçou baixinho, tomada pelo sentimento em seu corpo, e respondeu:

— Você me encontrou.

— Sempre, Wanda. Sempre. — Então repetiu a promessa de infância — Eu não vou deixar você ir.

A Feiticeira demorou-se no abraço com o irmão, sorvendo de todos os detalhes de seu toque, seu perfume que lhe lembrava um pouco de casa e o calor que sentia de suas mãos entrelaçadas nas dele quando as noites em Novi Grad eram mais frias.

O vento soprou e eles afrouxaram o abraço, encarando o cenário iluminado de Idílio e depois o céu polvilhado de constelações. Era fácil identificar a sequência de três estrelas seguidas entre a escuridão e o cinturão de Órion.

— Você se lembra, Wanda? — Ele encarava o céu e apontou na direção dos astros. — Quando te ensinei essa constelação?

— Eu jamais esqueci. 

Era essa constelação que ela encarava madrugada adentro, pois a insônia e o luto não a deixavam viver e nem a deixavam dormir ou sonhar. A cada dia ela tentava recuperar seus cacos, e a cada noite era como se eles se espalhassem por aí. Existiam ocasiões em que ela conseguia encontrar pedaços de si em lembranças, existiam outras em que somente o brilho das estrelas lhe concedia o sono.

Apertou a mão quente de Pietro.

Não sabia de mais nada do futuro. Já tinha ficado oca, vazia; e então havia florescido e depois se tornado cinzas. Coisas improváveis continuavam a acontecer, mas ao menos… Ela se sentia mais forte, regada por um pouco de esperança.

Para Pietro, ela era sua parte vermelha, quieta e gentil. Para Wanda, ele era sua parte azul, volátil e ácida. Metades de um, finalmente inteiros.

Wanda, caótica e pulsante, achava que não era fisicamente possível seu corpo receber tantas doses de emoções intensas, mas ao mesmo tempo não se importava em desfalecer de tanta alegria no peito, hoje cheia de nuances e matizes. A cor azul retornara ao seu lado, para nunca mais partir.

Vermelho e Azul: essas duas auras se reencontrariam sempre, pois...

Eram gêmeas.


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Notas finais do capítulo

*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela I.M.A. Caso encontre algum erro (seja gramatical ou de continuidade), favor reporte à Shalashaska.

*Sobre Wandavision, fiquei mais satisfeita com o final do que achei que ficaria. Tive medo de seguirem a linha de surto emocional da Wanda até o fim e felizmente não foi isso que ocorreu. Sem spoilers por aqui, calma haha Mas ao fim, ela fez escolhas e rolou uma aceitação ali. Tenho minhas críticas, é claro, e quem quiser falar comigo, é só chamar.

*O costume de colocar pedrinhas quando se visita um túmulo é um costume judaico.