Amor ao Lado escrita por Júlia Universe


Capítulo 7
Capítulo 7




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Heloísa

Já fazia algum tempo que vinha tentando esconder de mim mesma a verdade sobre meus sentimentos. Se apaixonar era algo arriscado e eu tinha aprendido na marra que essas sensações estão longe de ser a coisa maravilhosa que as histórias contam. São, na verdade, algo que te deixa vulnerável e estúpida — que vão fazer com que você não enxergue todos os problemas ao seu redor e, quando menos esperar, você estará largada no chão, em pedaços.

Tinha me apaixonado uma vez, a um ano e meio. E até hoje ainda descubro novos problemas que eu não percebia na época — como fui tola.

Então, a mera menção do clássico: "tem mais uma coisa que quero te dizer"  já tinha me causado arrepios. Enquanto nós dois continuássemos conversando, como se nada estivesse acontecendo — porque eu me recusava a reconhecer que havia algo a mais ali — estaria tudo bem. Piadas, brincadeiras, jogos... Aquilo era bom, seguro e confortável. Agora, um romance? Não. Isso apenas estragaria tudo.

Tentei descontrair e desviar o assunto, mas já sentia todo meu corpo tremendo de ansiedade pelas palavras que viriam a seguir — e eu tinha certeza que viriam, pois podia perceber a seriedade e firmeza no tom de Gabriel, o que era raro pra ele.

— Eu gosto muito de você. Acho que mais do que como uma amiga.

Mordi o lábio e contive a vontade de jogar o celular longe, em pânico. Porque você tinha que dizer isso, Gab? — agora que você disse em voz alta, não tem mais volta. Não estava pronta para entender as sensações que ele me causava e não sabia ao certo se queria.

Pude sentir minha garganta se fechando, meu coração acelerando e, de repente, meu quarto fechado estava muito mais quente do que minutos antes, o que me obrigou a jogar meu cobertor para longe.

Cada segundo parecia uma eternidade, enquanto eu permitia que o silêncio se estendesse entre nós. Implorava, mentalmente, que ele risse e dissesse que aquilo não se passava de uma pegadinha boba — por favor, Gabriel.

Se for apenas uma brincadeira, poderemos voltar as nossas conversas, mergulhados no escuro total de nossos quartos. Mas, no fundo, eu sabia que era real. Real demais — e isso me aterrorizava mais do que qualquer outra coisa.

Minha cabeça zunia e minhas pernas pareciam fracas. Ele disse algo que eu mal consegui ouvir e eu dei a primeira desculpa que me veio á mente:

— Meus pais acordaram. Preciso dormir antes que eles me xinguem. Depois nos falamos.

Desliguei desesperada, como se, caso eu passasse mais um segundo sequer na ligação, acabaria dizendo coisas que me arrependeria no dia seguinte ou, o que seria ainda pior, acabaria me derretendo pelas palavras do vizinho e falando com ele sobre sentimentos que eu não conseguia nem admitir para mim mesma.

Arremessei o aparelho do outro lado da cama, como se estivesse em chamas. Olhei ao redor, sem enxergar um palmo á frente do rosto sem a luz da tela. Passei as mãos no cabelo, tentando me acalmar e colocar a cabeça em ordem — o que era difícil quando seu quarto parece quente demais, pequeno demais e seu coração parece tão maluco dentro do peito que vai acabar pulando para fora.

Não posso me apaixonar por Gabriel Alexandre.

Mesmo conhecendo exemplos de lindos casais, como meus próprios pais, sabia que o amor não era algo bom — pelo menos não para mim. Ele te destrói e corrói de dentro para fora e ainda te faz acreditar que isso é algo que você deve almejar e gostar. Quando, na realidade, você deve fugir o máximo que puder. Se não, acabará com o coração partido, amizades perdidas e planos arruinados. E tudo que você pensava ser prazeroso, de repente, se torna mil vezes pior e extremamente doloroso.

E eu não podia viver isso de novo.

A luz voltou de repente, iluminando todo o cômodo ao mesmo tempo que o barulho da geladeira ligando podia ser ouvido em todos os cantos do apartamento. Era como se ela quebrasse a bolha confortável de escuridão em que eu e Gabriel estávamos antes, me puxando para a dura realidade: eu precisava me afastar dele.

Ainda com as mãos trêmulas, me forcei a pegar o celular. Ativei o modo avião, para evitar qualquer contato com o vizinho, e procurei pelas minhas músicas baixadas. Coloquei os fones de ouvido enquanto levantava para apagar a luz.

Voltei a me deitar na cama, me encolhendo no travesseiro e fechando os olhos com força, tentando controlar minha respiração. Me concentrei na música. Queria acreditar que tudo não tinha se passado de um pesadelo — Gabriel nunca disse nada e nós dois continuamos como bons amigos e nada mais.

Mas não havia imaginação suficiente no mundo para me iludir assim.

"Am I ready for love?

Or maybe just a best friend

Should there be a difference

Do you have instructions?"

— Música: Turning Out por AJR.

 

"Estou pronto para o amor?

Ou talvez apenas para um melhor amigo.

Deveria haver uma diferença?

Você tem instruções?"

— Música: Turning Out por AJR.

Não falei com Gabriel nos dias que se seguiram.

Sabia que isso era errado e que estava machucando alguém que eu gostava. Mas, toda vez que eu fazia menção de mandar uma mensagem ou abrir a janela, uma sensação agoniante dominava meu peito, minhas mãos tremiam e eu sentia a necessidade urgente de sair correndo. 

Pelo menos eu tinha uma desculpa. No dia seguinte à trágica declaração, meus pais receberam uma mensagem da coordenadora dizendo que eu não havia feito as redações pedidas pelo professor — o que eu considerei um exagero, já que me lembrava de ter feito algumas. Tá, tudo bem! Eu só fiz 2 das 7 propostas que estavam na plataforma — mas eu pretendia fazer todas as outras que viriam depois para compensar!

Infelizmente, meus pais ficaram sabendo antes que eu pudesse corrigir o meu estrago. Irritados, decidiram pegar meu celular por alguns dias, me devolvendo apenas no final da tarde, depois que minhas aulas e tarefas tivessem acabado. Tomavam novamente quando eu acordava para o primeiro horário.

Depois de dois dias ignorando as inúmeras mensagens do vizinho e os botões que ele lançava na janela fechada, decidi que seria melhor se eu lhe desse uma explicação. Poderia fingir que nada tinha acontecido naquela noite, não?

"Oi."

"Helô! Finalmente!"

"Estava preocupado com você."

"Tá tudo bem? Aconteceu alguma coisa?"

"Meus pais pegaram meu celular, porque não fiz as redações."

"Estou tendo que estudar pra valer agora."

"Puts, que merda."

"Eu provavelmente devia fazer o mesmo se quero passar na federal."

"Mas não tô muito preocupado."

"Meu pai já disse que se não passar é só tentar de novo."

"Entendi."

"Enfim, preciso ir."

"Espera"

"Você tem um tempo livre? Acho que precisamos conversar."

"Não posso agora."

"Me desculpa."

Não dou conta de fazer isso.

Desliguei o celular imediatamente, tentando conter a ansiedade que começava a subir pela minha garganta. Queria ser aquelas pessoas que sabem lidar com sentimentos e que conseguem continuar uma amizade tranquilamente depois de uma situação como aquela. E, acima de tudo, que conseguem controlar o que sentem. Mas não sou nada disso, porque sou fraca e medrosa demais — Gabriel merece alguém melhor.

Meus pais devolveram meu celular definitivamente no final de semana. Acho que estavam preocupados comigo, já que tinha parado de desenhar e mal saía do meu quarto. Tinha voltado a estaca zero — ao mesmo estado em que me encontrava antes de começar a pintar paredes e a falar com vizinhos.

Mas eu não era a mesma. Estar naquela situação, sabendo que havia um garoto incrível no prédio ao lado — o qual eu tinha machucado — era sufocante. Todas as outras atividades se tornaram desinteressantes e eu não tinha ânimo para mais nada. Os dias eram todos iguais e não havia ninguém com quem eu podia conversar da mesma maneira que falava com ele.

Foi aí que caixas começaram a chegar na minha porta. Tudo começou com três pacotes de bala fini e um bilhete: "Para tornar os seus estudos mais alegres. - Gab". Meu coração se apertou com aquilo, a culpa crescendo cada vez mais. Guardei os pacotes na geladeira e, de madrugada, devorei um a um, sem conseguir dormir.

Dois dias depois, uma caixa da WISH chegou. Havia um par de meias de carne e mais uma cartinha: "Achei essas meias bem baratas e pensei, porquê não dar para a Heloísa? - Gab". Não consegui não rir diante daquilo — ele é mesmo maluco. As meias eram horrorosas, uma das coisas mais estranhas que já tinha visto e, exatamente por isso, eram a cara dele.

Assim, várias coisas incomuns foram aparecendo na minha porta durante as duas semanas que se seguiram — um chapéu do nemo, um patinho de borracha com um chapéu de detetive, uma pequena almofada do Adam Sandler. Sabia que era mais uma forma de tentar chamar minha atenção e eu via, em suas cartas, que ele queria conversar comigo novamente. Todas elas vinham pequenas mensagens e "saudades de você" no final.

Meus pais estranharam aquilo e até me perguntaram se eu estava com problemas de compra compulsória. Me embolei para explicar, mas os convenci que não era nada que deviam se preocupar. Mas era difícil esconder o aperto que eu carregava no peito e a culpa que me consumia.

Me sentia péssima por não falar com o garoto. Não sabia o que fazer com aquele sentimento e com a situação em que estávamos metidos. Eu tinha visto uma garota incrível se transformar na frente dos meus olhos e destruir qualquer autoestima que eu tivesse. Tinha ficado mais de um ano para conseguir superar o que tinha acontecido entre nós. O meu amor tinha sido minha queda e foi muito difícil me levantar. Não podia me permitir cair de novo.

Não queria estragar a perfeita amizade que tinha com Gabriel, mas talvez já estivesse estragando. Toda vez que pensava sobre isso e tentava encontrar uma solução, meu estômago embrulhava, minha cabeça doía e eu afastava os pensamentos antes que aquela sensação me dominasse.

Um tempo distante para colocar a cabeça em ordem, era só isso que eu precisava — e eu dizia isso para mim mesma todos os dias, tentando me convencer de que estava tomando a decisão certa.

Na semana seguinte, nenhum outro presente ou bilhete chegou. Acho que ele estava desistindo de mim — e eu poderia culpá-lo? Qual era o sentido de enviar caixas e cartas para alguém que nunca responde?

Estava perdendo o amigo que tinha tornado meus dias melhores em uma pandemia horrorosa, que tinha me ajudado a voltar a pintar e com quem eu tinha desabafado e aberto meu coração como não fazia a muito tempo com ninguém — tudo por minha culpa.

E eu não tinha força ou coragem suficientes para consertar aquilo.


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