Amor ao Lado escrita por Júlia Universe


Capítulo 10
Capítulo 10




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Gabriel

Cinco dias se passaram em que eu mantive a janela fechada. A abria apenas quando tinha certeza que a de Heloísa não estava aberta também e, ainda assim, mantinha as cortinas fechadas. Era difícil conter o ímpeto de ir falar com ela, de mandar uma mensagem, mas minha mãe conversou comigo — de verdade, de uma forma que nunca havia feito antes — e me acalmou.

— Gabriel. —ela tinha dito— Você é um garoto maravilhoso. Se ela não consegue valorizar o que tem ao lado, a culpa não é sua. Talvez ela só esteja assustada, mas não é justo que te mantenha no escuro por tanto tempo. Você tem toda a razão de estar irritado e chateado. Se ela merecer todo o seu amor...

— E-Eu não a amo! —exclamei com as bochechas coradas, ao que ela respondeu apenas com um leve sorriso.

— Tudo bem. Se ela realmente for merecedora da sua afeição, então vai vir atrás para se desculpar. Você não pode ser capacho de ninguém, querido.

A conversa se estendeu por mais tempo, enquanto eu chorava em seus braços. Mas, assim que as lágrimas foram contidas e o desastre controlado, jurei a mim mesmo que seria a primeira e única vez que choraria por Heloísa Palhares. Eu não tinha feito nada de errado e a minha consciência estava limpa, não havia motivos para eu me castigar por aquilo — por mais que, durante a noite, era difícil dormir me perguntando o que eu poderia ter feito para evitar toda aquela situação.

Os dias se passaram com uma lentidão torturante e, toda vez que havia qualquer movimento perto da janela, eu me virava para lá, esperando pelo momento que ela iria me chamar — mas ele nunca vinha. Não havia nenhuma notificação interessante no celular, então também desisti de checar por alguma mensagem sua.

Passei boa parte dos dias — e das madrugadas — jogando videogames com meus amigos. Eles faziam piadas de como eu estava sumido e que estavam feliz por eu não ter me casado — "quase perdemos nosso amigo, mas ele escapou!", diziam.

Ainda assim, ao me deitar para dormir, todos os esforços para me distrair e tirar Heloísa da cabeça pareciam em vão. Ela aparecia em meus pensamentos e, algumas vezes, até em meus sonhos. Odiava como eu parecia sentir tanta coisa, enquanto ela não sentia nada. Cheguei a me questionar se eu não tinha apenas sonhado com a vizinha bonita e engraçada que apenas parecia gostar de mim. 

(...)

Foi na tarde do quinto dia, já perto do pôr do sol, que comecei a ouvir barulhos estranhos. Tinha acabado de ajudar minha mãe a guardar as compras quando entrei no quarto e comecei a ouvir um tac, tec, tac, tec constante. Franzi a testa, olhando ao redor do cômodo até entender que o som vinha da janela.

Caminhei a passos largos até lá, e a abri apenas o suficiente para espiar o lado de fora. Heloísa, tão linda quanto sempre, atirava o que pareciam ser botões na parte de metal da minha janela. Estava com os braços apoiados no batente, inclinando a cabeça para tentar me ver, segurando mais botões na mão esquerda.

Suspirei, o coração batendo tão alto que me deixava sem conseguir pensar direito. O que eu devia fazer? Abrir e falar com ela, como se nada tivesse acontecido? Continuar com a janela fechada e ignorar a batida dos botões contra o metal?

Se ela realmente for merecedora da sua afeição, então vai vir atrás para se desculpar.

Acho que ela tinha vindo, afinal — e merecia uma chance.

— Oi. —abri a janela, no momento que um botão voou em minha direção e eu o agarrei no ar, segundos antes de acertar minha cara— Olha, eu sei que joguei uma bola de papel na sua cabeça, mas eu acho... Assim... Só acho que um botão dói mais. Mas eu posso estar errado.

— Me desculpa! —ela gritou, levando uma mão a boca— Q-Quer dizer...

Ela tossiu, limpando a garganta e tirou o celular do bolso. O meu começou a tocar poucos segundos depois e eu atendi.

— Oi. Eu não quero ficar gritando.

— Oi. —respondi, colocando a mão livre no bolso para que ela não visse que tremia.

Ela abriu a boca algumas vezes, mas não disse nada. Levantei uma sobrancelha, esperando que ela dissesse as palavras que eu queria ouvir — apenas algumas palavrinhas.

— Me desculpa. —ela desviou os olhos de mim, encarando a própria mão— Eu não devia ter feito o que eu fiz ou te tratado como tratei.

— Não devia mesmo. —falei, me sentindo mal por aquelas palavras, mas que sabia que precisavam ser ditas— Eu não sou um brinquedo que pode ser descartado tão facilmente.

— E-Eu sei disso. —ela voltou a me encarar, mordendo o lábio antes de continuar— Eu estava assustada, Gab. Acho que aterrorizada é a palavra certa, na verdade.

Ela suspirou e notei que haviam olheiras embaixo de seus olhos.

— Q-Quando você disse que... —ela abriu a boca, mexendo uma mão no ar— Disse aquilo... Você sabe.

— Que eu queria ser mais que seu amigo? —perguntei, a observando engolir em seco.

— Isso. Eu não estava pronta para lidar com esse sentimento, na verdade, ainda não tenho certeza se estou. —ela comprimiu os lábios, pensativa, e completou— É muito difícil para mim. Eu não tenho experiências muito boas com essa coisa de relacionamentos. Principalmente os amorosos.

— Mas você nem me deu uma chance! Eu aceitaria um fora tranquilamente e...

— Eu não queria te dar uma fora! —ela gritou, me interrompendo e passando a mão livre no cabelo— Que ódio, Gabriel. Quando você vai perceber que eu também estou apaixonada por você?

Congelei, sem saber o que responder. As palavras sumiram totalmente, ao mesmo tempo que minhas bochechas ganhavam um tom de vermelho intenso. Heloísa está apaixonada por mim! — mas isso não faz o menor sentido. Se ela se sentia, assim porque...

— Foi isso que me assustou. Eu não queria estragar a nossa amizade, não queria te perder. Meu último namoro foi terrível. —sua boca tremeu levemente— Eu vi uma garota, que tinha se tornado uma grande amiga, se transformar em uma pessoa horrível quando começamos a namorar e, mais tarde, ela me traiu várias vezes. Não queria que o mesmo acontecesse com você.

— E-Eu nunca... —falei, ainda em choque.

— Eu sei. —ela interrompeu— Mas eu sou muito insegura. Já te contei sobre os comentários que tive que ouvir ao longo da minha vida, mas nunca te disse como isso tudo me afetou. —uma lágrima escorreu por sua bochecha— Essas coisas tornaram difícil eu me amar e ainda mais difícil acreditar que outra pessoa podia fazer isso. Quando você disse aquilo... Eu travei. Estava com tanto medo de que você fosse perceber que eu não sou tão maravilhosa quanto você pensa, de que eu fosse me machucar ou que você fosse. E, no final, acabei te machucando de todo jeito. E eu sinto muito, de verdade.

— Heloísa... —falei, com o coração apertado.

Queria ser o homem aranha para pular até sua janela e abraçá-la e beijá-la até ela perceber que não havia nada no mundo que poderia me fazer gostar menos dela, que cada pedacinho dela era perfeito do jeito que é. Se eu pudesse fazer com que ela se visse pelos meus olhos... Ela veria que, na verdade, é muita areia para o meu caminhãozinho, talvez para o caminhãozinho de qualquer um.

— Eu não posso te prometer que não vou surtar de vez em quando. Muito menos que, em um estalar de dedos, toda essa confusão dentro de mim vai sumir. —agora, mais lágrimas rolavam de seus olhos— Mas eu percebi que não é justo te culpar por coisas que os outros fizeram. Não quero que você me odeie ou pare de falar comigo, porque eu também gosto muito de você e não quero abrir mão da sua companhia, nunca.

Parte de mim queria destruir qualquer pessoa que a tinha feito se sentir mal. Mesmo sem detalhes sobre seu ex namoro — os quais eu não perguntaria a não ser que ela quisesse falar — eu já sentia tanta raiva da tal garota que agradeci por não saber quem ela é, caso o contrário, poderia acabar perdendo a cabeça.

A outra parte estava querendo sair voando e se sentia capaz disso; Heloísa também gosta de mim. Me belisquei para garantir que não estava sonhando e, quando a dor me atingiu, o sorriso cresceu em meus lábios. A realidade nunca foi tão maravilhosa quanto naquele instante.

— Quando eu disse que gostava de você, estava incluindo cada um dos seus defeitos também. Não que você tenha muitos, mas... —ela revirou os olhos, mordendo o lábio— Eu pensei que você não sentisse nada por mim. Quando desligou de repente, quando não respondeu mais e ignorou meus presentes... Eu sei que eram péssimos, mas era a intenção.

— Eu adorei cada um deles. —ela sorriu, finalmente parando de chorar— Me desculpa por isso. Toda vez que eu tentava falar com você, eu pirava. A ansiedade atacava e eu só sentia vontade de fugir, de desligar o que eu sentia.

— Me promete que vai parar de fugir? Me deixa te ajudar quando tudo não estiver bem. —como eu queria poder segurar sua mão agora— Eu quero poder ser seu apoio, Helô. Porque, sem dúvida nenhuma, se não fosse pela sua companhia, eu já teria enlouquecido a muito tempo.

Ela me encarou, com o sorriso mais lindo do mundo todo — e que eu sabia que nunca iria me cansar de ver — antes de se inclinar mais para frente da janela.

— Eu também não teria dado conta sem você. Mas... Uma última coisa.

— Diga. —falei, ansioso.

— Vamos com calma, pode ser? Ainda estamos em uma pandemia e eu não estou pronta para algo tão de repente e... Bem, você entendeu. —ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha, tímida.

— Claro. Eu também não gosto de apressar nada. Se bem que eu adoraria poder te levar para nosso primeiro encontro.

Ela levantou uma sobrancelha e o calor em meu peito se intensificou — podia sentir as coisas voltando ao lugar, se ajeitando. Tinha sentido falta de sua voz e nossas conversas.

— E aonde você me levaria?

— Que tal uma sorveteria? Aquela perto da boca do forno é muito boa. —sorri, já sonhando com todos os lugares que eu amaria levá-la.

— Não é uma má ideia.

— E quando eu tive uma ideia ruim, Helô?

Ela abriu a boca para responder, mas eu estendi uma mão no ar para interrompê-la.

— Não era pra responder! —então outro pensamento me atingiu e eu sorri ainda mais— E se eu comprar aquelas bolhas de hamster gigante? Vi um cara que fez isso para sair com a namorada. Poderia fazer a mesma coisa pra sair com você! Tenho certeza que tem uma dessas no wish.

— E aí está a sua ideia ruim. —ela comentou, rindo— E, calma, você está dizendo que sou sua namorada?

— Não. Eu vou querer fazer um pedido de namoro apropriado, no momento certo. —ela me analisou, com uma sobrancelha levantada— Mas pode anotar aí! —apontei para ela— um dia você, Heloísa Palhares, será a namorada de Gabriel Alexandre.

— Será? Eu posso dizer não.

— Eu duvido. —sorri, confiante.

— Você se acha demais.

— Só um pouquinho. —pisquei para ela.

O silêncio permaneceu entre nós, ambos com sorrisos bobos estampados no rosto. Mais uma vez, a falta de conversa não era desconfortável, muito pelo o contrário. Eu sentia que poderia passar horas apenas ao lado dela, sem dizer uma palavra, e ainda seria maravilhoso.

— Olha, eu acho que acabei de ter outra ideia ruim.

— Lá vem. —ela revirou os olhos— Qual?

— Se eu chegar na sua porta, você abre pra mim? Acho que eu preciso pelo menos te dar um beijo para garantir que tudo isso é real.

Suas bochechas coraram e ela mordeu os lábios. Seus olhos foram de mim para o chão algumas vezes enquanto ela pensava. Eu sabia que havia um risco, mas, naquele momento, eu precisava só de um instante com ela. Estava exausto de querer tocá-la e ser impedido pela distância que separava os dois prédios.

— Eu não saio tem mais de vinte dias, capaz de ser até mais de um mês. Minha mãe sai apenas para necessidade e toma todos os cuidados. Por favor, Heloísa. Será rápido. Quer dizer, a não ser que você não queira que...

— Tudo bem. —ela suspirou, vencida— Mas vem logo.

Ela desligou e sumiu da janela, me deixando parado ali, com um sorriso maior que meu rosto, encarando o espaço onde ela estava segundos antes. Balancei a cabeça, me forçando a voltar a realidade e sair correndo também. Gritei qualquer coisa para minha mãe enquanto pegava as chaves e ia embora.

Não registrei quase nada do caminho até a porta dela, mas, quando me dei conta, ela já estava ali, a abrindo para mim com um sorriso provocativo nos lábios. Ela estava tão linda que eu nem sabia o que dizer, apenas a encarava, totalmente encantado.

— Você veio mesmo.

— Lógico que vim. —falei, me aproximando, meus olhos caindo para seus lábios ao mesmo tempo que os dela encontravam os meus— Posso?

— Por favor. —ela respondeu, envolvendo os braços no meu pescoço.

Me inclinei, enquanto ela ficava na ponta dos pés, e a beijei. A beijei como se dependesse daquilo para viver — e talvez realmente dependesse. Seus dedos mergulharam em meus cabelos e a minha mão apertava levemente sua cintura, enquanto a outra estava em sua nuca.

Aquele foi o melhor beijo da minha vida.

E algo em mim dizia que seria apenas o primeiro de vários, porque eu não pretendia me afastar dela nunca mais. A partir daquele dia, minha janela ficaria sempre aberta para deixar o amor dela entrar — nossa, isso com certeza foi a coisa mais brega que eu já pensei. Sabia que se apaixonar deixavam as pessoas bregas, mas não sabia que era tanto.

FIM

 


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Notas finais do capítulo

Esse é um conto do projeto Júlia's Universe no twitter: @juniversew
Para ter acesso a conteúdos extras sobre os personagens desse conto e conhecer mais sobre as futuras histórias (que também serão publicados nesse perfil) não se esqueça de acompanhar e seguir pelo twitter.

Gostaria de agradecer, primeiramente, a Marcelle e a Gi, que foram as primeiras leitoras beta e me acompanharam no processo criativo desde que a ideia do conto surgiu até o final. Esse projeto provavelmente não existiria se não fosse pelo apoio imenso de vocês, pelas inúmeras mensagens e surtos que tiveram que aguentar e por todo o carinho que vocês me deram, mesmo quando eu pensava que não daria conta.

Também a Gabi, Laura, Ally e qualquer um que tenha se disposto a ler um trecho, a dar uma opinião e a me ajudar a contar uma história que vai além das minhas próprias vivências da melhor forma possível.

Agradecimentos ainda mais especiais as artistas Marcelle e Ceci, que se dispuseram a desenhar a Heloísa com seus traços (as artes podem ser vistas juntas dos outros conteúdos extras). Não se esqueçam de segui-las no twitter: celleart e c_q_art e também no instagram: cellesmi

E, por fim, mas não menos importante: OBRIGADA A CADA UM QUE LEU ATÉ AQUI.

Obrigada por terem lido a história da Heloísa e do Gabriel, por terem topado essa jornada comigo e espero, com todo meu coração, que vocês tenham gostado o tanto que eu gostei. Esse é um agradecimento sincero a todes que leram, compartilharam, ajudaram e comentaram. O apoio que recebi quando anunciei o projeto foi muito maior do que eu imaginava e eu sou eternamente grata a cada um que tirou um tempo para ler, seguir, dar um RT, enviar para es amigues e etc.

Em breve outros personagens irão contar a história deles para vocês e torço para que vocês fiquem para ouvir.



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