Tempestade Azul escrita por MattSunshine


Capítulo 1
Obra de Arte


Notas iniciais do capítulo

Oie, pessoal, tudo bom com vocês? Sejam bem-vindos à minha primeira história original publicada. Espero muito que gostem ♥



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Adrian inclinou a cabeça de lado, admirando seu trabalho.

Não era exatamente uma obra de arte, mas era alguma coisa, e era bonito. Talvez dedicasse sua carreira à pintura, certamente teria um futuro promissor. Coçou o queixo, aprovando novamente o trabalho concluído.

No chão a seu lado, várias latas de spray amassadas e vazias tingiam o concreto do estacionamento, formando uma figura sem sentido e irreconhecível, como um arco-íris se decompondo em si mesmo. A parede à sua frente não estava muito diferente. Entretanto, o desenho nela tinha algo de diferente, algo de místico e vivo, mas talvez fosse simplesmente a consistência das cores.

Teria comprado neon por engano? Bom, pelo menos quem passasse por aquela rua à noite, teria o prazer de ver seu trabalho brilhante. Literalmente brilhante.

Um som de buzina às suas costas o fez largar a última lata que tinha em mãos, ainda pela metade, e se virar para encarar a fonte do barulho.

Era só o que faltava.

O homem de terno desceu do carro, batendo a porta com força em meio ao caminho. Não parecia ter gostado de sua arte, inclusive, estava com uma expressão de que a detestara. Adrian não se importava, mas o fato de ter sido pego o incomodava.

Pichava os muros daquela empresa havia anos. Claro que, a esse ponto, se aparecesse um único risco em qualquer lugar, ele seria o principal suspeito, então não fazia muita diferença ser pego em flagrante ou não, fora que haviam câmeras de segurança em todo lugar. Porém, havia algo degradante em ser pego no ato, um sentimento que ele não sabia explicar.

Além disso, não era pichação, era grafite. Uma verdadeira arte e as pessoas precisavam conhecer a sua.

Também pichava. Dependia muito de seu humor no dia. Em geral, se esforçava em um desenho mais profundo.

O homem estava parado em sua frente com os braços cruzados. A camisa se dobrava de um jeito estranho em seu peito, a boca em uma linha reta perfeita. Homens assim não o assustavam mais.

— O que acha que está fazendo aqui, garoto?

Adrian deu de ombros.

— Arte!

— Sabe que pode ir preso por pichar, não sabe?

— Sabe que é grafite, não sabe? É arte, em vez de reclamar, que tal apreciar?

Ele suspirou pesadamente. Quantas vezes já haviam pego o menor fazendo exatamente aquilo? Nem se lembrava mais. Era apenas mais uma segunda-feira normal.

— Venha comigo!

Não negou, sabendo que aquilo não era bem um pedido. O mais velho o segurou pelo braço e Adrian contraiu-se, puxando o braço de volta sem nenhuma gentileza.

— Me solta, eu conheço o caminho.

O funcionário bufou, não gostou da resposta, mas não o tocaria novamente. Ele saiu em sua frente, como se o guiasse. Adrian, sabendo para onde iam, o seguiu sem dizer uma palavra para dentro do prédio comercial pela entrada de funcionários próxima ao estacionamento. O homem deu entrada, ninguém perguntou sobre o menino, apenas reviraram os olhos ao enxergá-lo. Já era uma figura bem conhecida.

Atravessaram o longo corredor até o elevador, onde o adolescente apertou o botão para chamá-lo, ganhando um olhar impertinente do mais velho. Não gostava da companhia dele.

Inclusive, quem era ele? Adrian não lembrava de tê-lo visto antes. Seria um funcionário novo? Definitivamente não era um de seus favoritos.

Das pessoas naquela empresa, eram poucas que lhe chamavam atenção e mereciam seu apreço, fora isso, eram apenas perda de tempo.

O elevador chegou em um baque, as portas metálicas se abriram. O louro não esperou e entrou na frente, apertou o botão que indicava o último andar e encolheu-se em um canto, criando seu espaço. Durante o tempo que perdeu dentro daquele cubículo apertado, não iniciou uma conversa, apenas preocupou-se em mostrar o quanto desgostava da situação.

Com um tinido, as portas se abriram, dando visão a outro corredor, este mais bonito que o primeiro. Um tapete vermelho se estendia pelo corredor, de ambos os lados. Adrian tomou o da esquerda, não parando para admirar a vista da janela. O prédio era espelhado. Por fora, refletia as ruas e, por dentro, era possível ver os prédios e estradas abaixo.

Haviam poucas salas no último andar. Eles se dirigiram à última.

O homem segurou seu ombro para impedi-lo de continuar, o que resultou em um olhar irritado do garoto enquanto ele batia na porta. Adrian ignorou a boa educação e abriu a porta, entrando logo em seguida. Quanto antes terminasse ali, mais cedo poderia ir para casa, ou comprar mais tinta e spray.

A mulher atrás do balcão levantou os olhos e, ao ver quem era, revirou-os, ajeitou uma pilha de papéis, batendo-os na mesa algumas vezes. Arrumou os óculos no rosto e apertou os botões de um telefone sobre a mesa.

— Senhor Signor? Seu filho está aqui. — Desligou o objeto após dar o recado, em seguida virou-se para o homem parado à porta. — Pode deixá-lo aqui, obrigada!

Ele acenou rápido, emitindo um suspiro, e saiu do cômodo, deixando os dois sozinhos. Adrian sentou-se em uma das quatro cadeiras de couro que ali haviam, entre elas uma pequena mesa quadrada de vidro com revistas. As pegou, começando a folheá-las uma a uma até encontrar uma interessante. Era sobre arte.

Até a última vez que viera ali, não havia nada sobre esse tema.

— Gostou dessa? — perguntou a mulher da recepção, mal olhando para ele. — Comprei semana passada, pensei que iria te agradar. Casas e carros não fazem muito seu estilo.

Folheou as páginas da revista. Haviam diversas gravuras de desenhos tridimensionais, pinturas em tela e arte com objetos recicláveis.

— Que fofa, adorei — respondeu, fechando-a e deixando sobre seu colo. — Que amorzinho você, não acredito que pensou em mim.

— É difícil não pensar quanto você vem aqui quase toda semana. — Terminou de assinar um documento e largou a caneta de lado.

— Mentira! Não venho toda semana.

— Mas está quase. Aparece tanto aqui que está quase se tornando parte da mobília. — Retirou os óculos que usava, pondo-os sobre a mesa. Massageou as têmporas com os dois dedos. Adrian não sabia dizer se estava cansada ou irritada. — O que aprontou dessa vez?

— Ah, você sabe, o de sempre. Grafite.

— Então estava pichando as paredes de novo.

— Não é piche, é arte. — Levantou as mãos para o alto, como se pedisse paciência. — Por que ninguém entende isso?

O irritava ver que ninguém conseguia apreciar uma boa arte. As formas, as curvas... Aquilo era mais do que uma simples pichação, sem núcleo ou desejo. Seus desenhos eram bons, mas parece que não eram bons o suficiente para agradar a alta sociedade.

Então teria de melhorar.

— Não sei, pergunte para a chefia.

— Claro! — disse com ironia transparente. Não lhe surpreenderia descobrir que ele controlava até o senso de humor da empresa inteira. Controlador do jeito que era, isso seria bem de seu feitio. — Não me incomodo de dar algumas aulas de arte a ele.

Uma porta do outro lado se abriu e dois homens saíram, conversando entre si, e pararam no batente. Ambos usavam ternos escuros, um tinha cabelos castanhos e outro tinha cabelos louros curtos e espetados, eles apertavam as mãos um do outro e as balançavam no ar, em uma típica cena de quem fechava um acordo.

— Então nos vemos na semana que vem? — perguntou o louro, sem soltar a mão do outro. — Para fechar a transação?

— Certamente. Quarta à tarde estaria bom?

— Perfeito! — Finalmente soltou a mão do homem, dando um sorriso amistoso.

Com a pasta em mãos e desfazendo o sorriso, o de cabelos castanhos atravessou a sala em passos rápidos e se retirou, fechando a porta logo após.

Adrian volveu a cabeça, dando de cara com olhos azuis o analisando de cima a baixo, de forma minuciosa. Previu problemas a caminho. A secretária voltara para a pilha de papéis em seu balcão, fingindo anotar alguma coisa, mas pelos movimentos discretos de seus olhos era óbvio que prestava atenção no que acontecia à sua frente.

— Entre! — Deu a ordem, emburrado. Adrian bufou e fez o que lhe foi dito, entrando na sala onde a secretária não seria capaz de escutar.

A sala era completamente branca, exceto pelas cadeiras de couro, que eram negras, mas no geral parecia o corredor de um hospital. Aquele cara tinha uma obsessão por branco, porque não era possível usar tanto uma cor sem enjoar dela.

Pouco depois de a porta se fechar, Adrian sentou-se em uma das cadeiras, permitindo seu corpo ficar atirado no objeto. Aquilo certamente irritaria o mais velho e talvez essa fosse a real intenção. Só talvez.

O louro mais velho passou a ele com olhos cansados, deu a volta na mesa até estar do outro lado e sentar-se em sua cadeira de couro negro de encosto alto como um chefe mafioso, faltando apenas um gato rabugento para completar a imagem. Outra coisa que faltava era o olhar confiante e frio que, em vez dele, havia um olhar cansado e desistente de alguém que esgotara suas opções.

Ele se inclinou para frente, apoiando os cotovelos na mesa, juntou os dedos e apoiou o rosto neles.

— O que eu faço com você, Adrian?

O garoto deu de ombros.

— Não sei. O que quer fazer?

Sua frase foi a pólvora no fim do pavio. E resultou em uma explosão de raiva expressada por um soco na mesa de vidro que quase a fez rachar.

— Acha que estou brincando, Adrian? — Pelo tom contido, era evidente que queria gritar com o filho, mas apesar de as paredes darem certa privacidade, não eram privadas o bastante para abafar gritos.

— Do que você está falando? — perguntou, mantendo sua voz calma.

— Do que você acha? — Em um salto, saiu de sua cadeira e se dirigiu até a janela, apontando para baixo com a mão.

Apesar da paisagem urbana hipnotizante e, ao mesmo tempo, entediante, do outro lado do vidro, Mark se referia às paredes externas do prédio. As paredes que não eram compostas pelo vidro espelhado.

— Por que continua pichando o prédio? — perguntou, usando o resquício de paciência que lhe sobrara.

O garoto deu de ombros.

— Não sei.

Segurou-se para não ressaltar outra vez que o que fazia era arte. E, apesar de ter dito que não sabia o motivo de fazê-lo, a verdade era outra, mas não diria isso a seu pai. Após tanto tempo, literalmente anos, ele já deveria saber. Já deveria ter percebido, principalmente sendo algo tão transparente quanto era.

— Não sabe? — Debochou.

Adrian fechou os punhos diante da ironia do mais velho. Não gostava quando ele falava assim consigo. Era irritante. Do mesmo jeito que um pai dava um sermão ao filho por ser mal-educado. Se pudesse, levantaria daquela cadeira e sairia daquele lugar agora mesmo. Não terminariam essa conversa em casa, o maior motivo era o pai nunca estar lá. Embora, provavelmente, ligaria para sua mãe e dramatizaria a situação.

— Então é melhor descobrir logo. — Cruzou os braços em uma pose impotente. — Tem noção do quanto já gastei em tinta para apagar as besteiras que você desenha?

Então agora eram desenhos?

E como podia falar daquela forma de seus grafites? Eram formas contemporâneas de arte e o garoto teve certeza de que pintou sobre assuntos polêmicos. Pensou em cada pincelada, até mesmo as cores que teve de misturar quando não usava spray. Mas o que se podia esperar de Mark Signor?

— Não sei.

— Muito! — Jogou as mãos ao alto. — Muito dinheiro! Cada semana são duas latas de tinta novas. No mínimo! Enquanto isso, eu tenho coisas mais importante com o que me preocupar do que ficar comprando coisas para concertar suas besteiras.

Sempre tinha algo mais importante. Até estranharia se não tivesse. Quando fora a última vez que puderam fazer algo juntos? Apreciar uma refeição na mesma mesa? Adrian mal conseguia lembrar.

— É só não apagar — disse simplesmente, como se fosse resolver tudo em um piscar de olhos. E, de certa forma, iria. — Se dinheiro é o problema, é só ignorar.

— Somos uma empresa de respeito! — Vociferou. — Precisamos estar apresentáveis para as pessoas, não parecendo uma tenda de circo barata!

Tenda de circo? Era muita ignorância. Adrian apertou o couro do assento, cravando suas unhas nele. Não daria ao pai a satisfação de vê-lo irritado. Não que essa fosse a intenção dele, mas com certeza não teria esse pequeno deleite.

— As pessoas gostam de arte — comentou com sinceridade. — Um lugar colorido atrai mais gente do que um cinzento e sem graça.

E era verdade. Um lugar morto por fora não ia chamar a atenção de ninguém, seria apenas mais um entre tantos. Mesmo que apenas o primeiro andar fosse de concreto e cinzento, do segundo andar para cima já haviam os vidros que refletiam o resto da cidade.

— Não precisamos de paredes pichadas para atrair clientes. Somos uma empresa de exportação, não de arte! — Voltou-se a sentar em sua cadeira, fixando o olhar no mais novo. — Eu não sei mais o que fazer com você.

Aquela frase o pegou de surpresa. O que ele queria dizer com aquilo? De certa forma, as palavras doeram em algum lugar dentro dele. Entretanto, não daria o braço a torcer. Quem era ele para falar sobre expectativas, ainda que de uma forma tão mascarada? Porque só podia ser isso. Mark perdera as esperanças de que o filho atenderia às suas expectativas e não sabia mais como lidar com a decepção.

— O que vai fazer? — Repetiu a pergunta de um minuto atrás. Algo em si lhe dizia que a resposta era importante e que, provavelmente, não gostaria nem um pouco dela.

Devia considerar parar de pintar por um tempo, até o mais velho se acalmar. Pelo menos os lugares que estavam à vista de todos. Haviam outros onde o acesso era mais difícil. Mas como chegaria até eles carregando tintas e sprays?

— Por enquanto, vá para casa, Adrian. Vou pedir para um dos funcionários limpar sua bagunça. De novo. — Frisou as duas últimas palavras para que fossem bem compreendidas.

Soltando o couro macio, Adrian se levantou do assento. Nem percebera a força que botava nos dedos, agora suas unhas doíam. Sem dúvidas, se olhasse, veria marcas no material, talvez até mesmo furos. Sem ligar para isso, deu as costas e saiu do cômodo, deixando o pai sozinho com seus pensamentos.

A recepcionista evitou encará-lo, apesar de claramente não estar fazendo nada. Procurava algo em meio a uma pilha de papéis, sempre a mesma pilha. Nem sequer era grande, apenas alguns documentos e duas agendas de couro. Talvez as paredes não lhes dessem a privacidade que pensara.

Contendo um riso nervoso, atravessou a sala. A mulher ainda checava falsamente os documentos. Ele murmurou uma despedida breve.

Não ouviu nenhuma resposta quando fechou a porta. Apoiou suas costas nela. Não havia mais ninguém no corredor, estava completamente a sós.

De certa forma, a solidão foi bem-vinda naquele momento. O silêncio não o incomodou, inclusive foi muito bem recebido. Apertou os lábios entre os dentes. Com o silêncio, entretanto, também veio a raiva. Raiva de seu pai. O homem não saberia reconhecer uma obra genial nem que ela caísse em sua cabeça e ainda julgava o filho por isso.

Era irritante saber que aquele era seu pai.

Socou uma das paredes. Por que aquilo só acontecia com ele?


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Notas finais do capítulo

Pelos deuses, como é bom finalmente postar essa história que está na minha cabeça há séculos kkkkkkkkkkkkkk. Podem acreditar que ainda temos muitos outros capítulos pela frente. Aproveitando que já estamos aqui, o que acharam desse primeiro capítulo?
Comentários, críticas, sugestões, elogios e afins são sempre muito bem-vindos ♥



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