Sinais escrita por Sirena


Capítulo 6
Cinema e Saídas Dramáticas


Notas iniciais do capítulo

Obrigada heywtl, Natália, Isah Doll, Júlia Potter, Juliarcanedo e Joshua de Vine pelos comentários ♥

Então... Olha o título do capítulo e me digam o que esperar de uma autora de drama tentando escrever fluffy kkkk



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Ícaro

“Como você não vai?” — olhei assustado para minha irmã enquanto perguntava.

“Tô cheia de lição pra fazer, Ícaro. Desculpa.”

“Então eu também não vou.” — revirei os olhos, irritado, enquanto falava. Não que eu realmente estivesse irritado por não ir a algum lugar com os amigos da Alexia, eu só estava irritado por ela cancelar tão em cima da hora que não rolava eu simplesmente ligar pro Mathias e chamar ele para fazer algo mais interessante do que ficar andando por horas com um bando de ouvintes chatos.

“O Mathias vai tá lá. Você não vai ficar sozinho. Pode ir.”

“Mas...”

“Ícaro, você precisa sair, fica muito tempo em casa. Isso ainda vai te fazer mal!”— ela suspirou enquanto fazia os sinais, me olhando seriamente.

"Eu nem gosto dos seus amigos." — reclamei me sentando no braço do sofá.

"Eu sei, Ícaro, mas por favor..." — Alexia fez bico. - "Por mim! Você passou uns quatro meses trancado aqui dentro, eu não aguento mais te ver dentro de casa. Você vai acabar doente."

Fiz careta. Obrigado pela chantagem emocional, Alexia. Muito útil.

Eu não queria ter que mandar mensagem para o Mathias dizendo que não ia mais. Mas, também não queria ter que ir sem a Alexia. Eram os amigos dela, afinal. Eu meio que seria um intruso.

Além do mais, seria um passeio cheio de ouvintes não fluentes em Libras. Eu não precisava perguntar para saber a humilhação que seria.

"Mas, eu já voltei a sair. Você e o papai não deviam mais se preocupar com isso."

"Claro que a gente se preocupa." — foi a vez dela de fazer careta. - "Por favor, Ícaro. Só hoje. Vai! Vai ser divertido! Você fica com o Mathias, dá uns beijos nele, vê um filme e fica de boa.”

“Alexia...”

“Vai! Não precisa nem ir sair com eles, só sai um pouco. Vai andar em um parque ou chama o Davi para fotografar com você no Beco do Batman. Só sai um pouco pra se divertir, por favor.”

Suspirei tristemente.

Era certeza que o Davi estava passeando pelos mirantes da cidade com a Sabrina, então essa não era bem uma opção. E sair sozinho não era exatamente meu passatempo favorito...

"Tá, eu saio com seus amigos, mas, você vai falar com o pai pra eu nunca mais ter que sair com ouvintes, ok? Eu não gosto. E o pai presta atenção no que você diz."

"Ok." — ela deu um sorrisinho antes de me abraçar com força.

Alexia jogou uma jaqueta para eu vestir e me empurrou para a garagem de casa, abrindo o portão de grade e praticamente me jogando na rua. Fiz careta.

O portão fechou atrás de mim e eu fiz bico, pegando meu celular para verificar as horas e quanto tempo teria para chegar ao shopping. Ela nem me deixou pegar minha chave, então eu não podia voltar para dentro. Injustiça! 

Eu reclamo do meu pai sempre me obrigar a sair, mas eu entendo o porquê disso, sério. Tento não pensar sobre, porque se pensar vou voltar a não querer sair de casa, mas eu sei que depois de me ver inventando desculpas por meses para não ir nem na esquina, ele simplesmente perdeu a paciência e eu, de verdade, entendo a preocupação.

Não é como se ele me obrigasse a sair só com ouvintes, sabe? É mais... "Alexia vai sair, então você também vai." Infelizmente, eram raras às vezes que Alexia saía com os amigos surdos dela, então...

Suspirei digitando uma mensagem para mandar para o Mathias.

[Ícaro]
A Lexi não vai mais

 

[Mathias]
Mas vc vem ne??
To com saudade

 

[Ícaro]
To sendo obrigado a ir
N como ter muita escolha
Eu odeio isso

 

[Mathias]
Relaxa, ok?
Eu vou tá com vc o tempo todo
Te encontro no shopping :)

 

[Ícaro]
Ok
Também saudade

 

[Mathias]

***

Engoli em seco assim que encontrei o Mathias no terminal Santo Amaro. Eles iriam ao Shopping do Largo Treze dessa vez, de acordo com o Mathias isso foi porque o cinema dali era mais barato. Os amigos da Alexia já estavam lá e meu estomago gelou enquanto ia para perto deles.

Mathias me abraçou e me deu um beijo na bochecha.

“Oi, lindo.”

“Sua maquiagem tá borrada."

“O que?” — ele uniu as sobrancelhas, parecendo confuso. Fiz um gesto vago pra dizer que deixasse pra lá, mas ele já não estava mais prestando atenção porque os amigos estavam falando com ele.

***

Ok, eu vou ser justo.

Os primeiros dez minutos deram certo.

O Mathias conversava comigo, quando alguém falava algo engraçado, ele traduzia, quando iam decidir algo, ele me perguntava o que eu achava, convenceu todo mundo a pegar um filme com legenda que não era de terror... Mas, isso foram só os primeiros dez minutos.

Eu não entendo porque os amigos da Alexia gostam de comer antes de irem ver o filme no cinema, mas, eles gostavam. Não fazia sentido pra mim, mas eu aceitava.

Nos sentamos numa mesa da praça de alimentação para comer e, enquanto todos falavam de boca cheia, cobrindo a boca com a mão, nem mesmo a minha falha leitura labial eu podia tentar.

E enquanto os amigos o chamavam para conversar, o Mathias mal tinha tempo de me olhar quando eu perguntava algo.

Não demorou muito para ele estar tão entretido numa conversa com o Eric, para todos estarem rindo e conversando e interagindo... Que todas às vezes que tentei levantar a mão e fazer algum sinal foram completamente ignoradas.

Não demorou muito para eu estar sobrando.

Não demorou muito para eu sentir que estava sendo excluído.

Afastei a cadeira, observando e sentindo meu coração disparar enquanto as conversas continuavam paralelas pela mesa e eu não fazia parte de nenhuma, porque eu não podia participar de nenhuma.

Cruzei os braços e escorreguei na cadeira, passando os olhos por cada uma daquelas pessoas, tentando entender qualquer coisa, o mínimo possível, para não me sentir tão excluído. Mas, não conseguia.

Tente imaginar sair com um grupo de ucranianos quando você não sabe nada de ucraniano. A sensação era ainda pior, porque não era como se eu estivesse com um bando de ucranianos. Eu era brasileiro, estava com um grupo de brasileiros, e mesmo assim era incapaz de conversar com qualquer um deles. Mesmo meu namorado que sabia falar comigo, não parecia estar nem aí para minha presença mais.

Sei que parece dramático, mas sensação era realmente de não existir.

Tamborilei os dedos na mesa um instante, me sentindo impaciente. Era cansativo. Aquela gente gesticulava demais e por minha língua ser feita com as mãos, eu sempre acabava olhando os movimentos por automático e isso me deixava confuso. Era como tentar traduzir gestos aleatórios, não funcionava. Fazia minha cabeça girar. Era como muita gente falando ao mesmo tempo. Era, de fato, muita gente falando ao mesmo tempo.

Apertei o ombro do Mathias, me sentindo nervoso. Ele puxou minha mão e a segurou sobre a mesa, me olhando rapidinho com um sorriso e me dando um beijo na bochecha. Fiz careta outra vez, puxando a mão, irritado. Me segurar assim, era equivalente a um "cala a boca."

Ele me olhou confuso, mas, antes que tivesse tempo de dizer alguma coisa, acho que alguém o chamou porque ele virou o rosto rápido, voltando a conversar com o Eric e tentando segurar minha mão de novo, mas cruzei os braços rapidamente.

Quando eu começava a falar muito rápido, ele segurava minha mão para que eu parasse, era o jeito de dizer que não estava entendendo. Mas ali foi diferente, eu não tava falando rápido. Eu não tava nem falando! Foi basicamente ele me pedindo para ficar quieto.

Eu queria sumir de verdade, ir embora.

Eu precisava ir embora.

O problema não era hoje. O problema era a quantidade de vezes que eu passei por aquilo. Dezesseis anos lidando com a sensação de exclusão. Eu achava que tinha me acostumado com isso, mas havia momentos em que eu não esperava me sentir assim... E quando a exclusão vinha em momentos em que eu não tava preparado, me atingia de uma forma mais forte. Machucava mais.

Me levantei, nervoso, sentindo minhas mãos tremerem, decidido a ir antes que tudo piorasse.

Senti alguém segurar minha mão e olhei assustado para o Mathias.

Opa, eu existo.

Ele perguntou algo, mas em voz alta e eu não consegui entender nada.

Uni as sobrancelhas, confuso e ele deu risada, percebendo seu erro. Era comum que vez ou outra o Mathias tentasse falar português e de repente lembrasse que eu só entendia quando ele falava Libras. Normalmente eu achava engraçado quando isso acontecia, mas naquele instante, só me fez me sentir pior.

“O que foi?” — perguntou.

Pensei em falar a verdade.

Talvez ele se corrigisse, talvez tudo desse certo se eu falasse.

Ou talvez, desse certo por dez minutos, eu me iludisse e daqui a pouco estaria assim de novo.

Eu não queria arriscar.

Eu não aguentava mais a sensação.

“Nada. Só vou ao banheiro.”

“Ok.” — ele sorriu me soltando e eu dei as costas, saindo com mais pressa do que queria.

Me senti mal por mentir.

Mas a sensação era tão sufocante que eu nem sei como explicar. Era tão ruim se sentir tão excluído mesmo entre conhecidos. E o pior, é que eu estava tão nervoso, tão nervoso... Que eu não sabia por onde estava andando!

Aquele shopping era novo, eu nunca tinha andado por ali e... E... Eu não sabia bem como andar ali.

Com certeza não sabia andar por ali estando tão nervoso.

Eu ia parar nas saídas erradas, longe do metrô.

Eu ia parar em corredores que acabavam em lojas.

Ou apenas corredores que acabavam sem saída, só a parede.

Mesmo tentando seguir as placas que indicavam o caminho, eu errava e acabava andando em círculos.

E a cada instante que eu tinha mais dificuldade de encontrar meu caminho lá pra fora.

Quando criança, me perder no shopping sempre foi meu pesadelo porque eu sabia que não iria conseguir pedir ajuda se isso acontecesse. Conforme crescia, ganhava alguma independência, achei que esse medo tivesse diminuído, mas naquele instante me dei conta que eu ainda morria de medo disso.

Pensei em voltar e pedir pro Mathias me ajudar a sair. Pensei em voltar e ficar lá em cima com eles, mesmo com a sensação de exclusão. Mas, aí me toquei que não sabia nem como voltar. Pensei em mandar mensagem então, dizendo onde estava e pedindo para que ele viesse me encontrar, mas... Mas, não gostei da ideia.

Pensei em mil coisas enquanto andava em círculos, sem nem saber por onde estava indo. Respirei fundo, tirando o celular do bolso. Tudo bem, chega de bancar o orgulhoso, não precisa de desespero pensei. Eu não era mais uma criança que ainda não tinha aprendido a escrever, estava tudo bem. Digitei rapidinho a mensagem que queria.

Observei bem as pessoas ao meu redor antes de ir para perto de uma moça negra que estava saindo da perfumaria e ir pra frente dela, mostrando a tela do meu celular. Eu podia ter chamado sua atenção apertando seu ombro, mas não me sentia confortável com essa ideia, parecia desrespeito.

"Oi, sou surdo. Pode me dizer onde fica o acesso ao metrô?"

Ela leu o que eu escrevi um instante antes de pegar o meu celular parecendo hesitante e digitar rapidinho. Li a resposta e digitei um agradecimento logo abaixo, mostrei a ela e dei as costas fazendo meu caminho um pouco mais calmo.

Tudo bem, viu, Ícaro? Foi fácil. Não precisa ficar com medo.

Tentei me confortar com esses pensamentos enquanto andava até a estação de metrô abaixo, mas, mesmo quando já estava dentro do transporte, ainda me sentia mal pelo que tinha acontecido. Me sentia mal por ter saído, mas me sentia mais mal ainda por aquela sensação que parecia ainda estar ao meu redor de alguma forma.

Senti meu celular vibrar no bolso e contive um suspiro enquanto me sentava em um assento vazio e abria a mensagem.

[Mathias]
Ei, onde vc tá?
O filme já vai começar

 

[Ícaro]
To indo pra casa

 

[Mathias]
Como é?
Tá tudo bem?

 

Respirei fundo, tentando me impedir de cair no choro e me controlando para não digitar um texto furioso o xingando de vinte mil nomes diferentes. Não precisava disso.

 

[Ícaro]
Não
Me deixa em paz hoje

 

[Mathias]
Que???
Tá bravo comigo????
O que eu fiz?

 

Hesitei.

Eu tava, mas não tava... Mas, tava, mas não sabia... Ah, quem eu quero enganar? Eu tava bravo sim! Aquela sensação era ruim demais, me deixava com raiva de tudo e de todos. Especialmente de quem tinha me mandado ficar quieto.

 

[Ícaro]
To
Tchau

 

[Mathias]
Amor

 

Desliguei os dados móveis do celular antes que as próximas mensagens chegassem.

Encostei a cabeça no vidro da janela e fechei os olhos, ainda tentando não cair no choro.

Só queria ir para casa, me esconder no meu quarto e ficar abraçado com meu travesseiro até toda a sensação ruim sumir.

Era só isso que eu precisava naquele instante.


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Notas finais do capítulo

Capítulo lindinho inspirado no primeiro episódio de Crisálida, a série brasileira da Netflix sobre cultura surda e que eu amo de paixão.



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