Sinais escrita por Sirena


Capítulo 23
Pensamentos, Bons Amigos e Maquiagens


Notas iniciais do capítulo

Obrigada Joshua de Vine, Isah Doll e fran_silva pelos comentários ♥



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Mathias

Os últimos dois meses se resumiram na seguinte rotina:

Depois da escola, eu vinha para casa, tomava um banho, almoçava e ia para casa do Ícaro. Lá, eu ficava tentando convencê-lo a fazer alguma coisa. Se eu insistisse demais, ele se irritava e ia para o canto. Na maior parte do tempo, acabava que ficávamos os dois quietos, então eu aproveitava para tentar fazer alguma lição. Às vezes, conseguia convencê-lo a jogar ou assistir alguma coisa, mas não era nada muito animador porque ele parecia... Não sei. Perdido. Como se não estivesse realmente prestando atenção no que fazia.

Ver Ícaro daquela forma, frágil, me fazia sentir tão mal. Passava tanto tempo preocupado com ele... E também era cansativo. Era difícil e cansativo porque eu realmente me preocupava muito e isso acabava se somando com a aflição já existente em relação minhas notas e a escola, e acabava que eu passava o tempo todo cansado. Estava com olheiras horríveis e dores fortes pelo corpo, nós musculares causados por estresse nos meus ombros e nas minhas costas. Além disso, meu bilhete único estava quase pedindo arrego.

Colei os post-its com as fórmulas de física numa das paredes do quarto e reli cada fórmula em silêncio pelo menos quatro vezes, tentando me ater a algo que eu pudesse controlar, enquanto minha cabeça girava.

Afastei o cabelo do rosto, irritado e levemente tentado a pegar uma tesoura. A única coisa que estava me impedindo de fazer isso era a ciência de que havia poucas ideias piores do que cortar o cabelo sozinho.

Respirei fundo, sentando na beirada da cama e olhando as fórmulas novamente.

Meu celular vibrou do meu lado e suspirei olhando o que era.

[Ícaro]
Ei, desculpa por mais cedo
De vdd, eu n devia ter falado aquelas coisas
Tipo, vc ajuda o quanto pode e isso é suficiente, eu n tenho o direito de falar como se n fosse ou te cobrar mais do que vc aguenta, ou falar como se fosse sua culpa eu ainda ta aq quando a culpa é so minha. E eu sei q vc tbm ta passando por muito o q só piora o jeito q eu agi
E é, vc fica nervoso super fácil e as vezes isso me irrita, mas, vc tem uma rede de apoio bem menor q a minha e aguenta uma pressão diária dos infernos então faz sentido vc ser tão mais ansioso que eu e n tenho direito de criticar isso pq não é algo que vc controle e eu sei
Me perdoa de verdade. Não devia ter dito nada daquilo, tbm n devia ter mandado ir embora daquele jeito, foi idiotice minha
Eu só to estressado demais por tá trancado aqui e nervoso demais pra sair e to enlouquecendo. De vdd n queria descontar em vc, principalmente pq se n gosto quando vc ta muito estressado e desconta em mim, o mínimo q devia fazer é não descontar em vc quando to assim
Me perdoa por favor
Te amo

Suspirei olhando para as mensagens e bloqueando o celular de novo.

Eu namoro um idiota.

É isso.

Imaginei minha lápide com algo como "Achava idiotas fofos e nem após a morte aprendeu a lição."

Revirei os olhos para os meus pensamentos.

[Mathias]
Ah okk
N precisa se desculpar, n é como se eu tivesse levado isso pro coração e tenha passado as últimas hrs pensando nisso e esteja surtando levemente desde então, de boa, de boa sério
A gnt conversa melhor sobre depois blz?
Tipoooo
Quando vc tiver mais calmo
Seja lá quando isso for acontecer

Me deitei de novo, fechando os olhos e tentando me convencer a dormir.

Quatro dias para as férias.

Eu já não estava mais indo para a escola já que os últimos dias de aula nunca tinham matéria. Ao contrário do que normalmente acontecia, isso não diminuiu meu estresse. Eu seguia tão nervoso e ansioso quanto quando em período letivo e ter isso jogado na minha cara... Não foi muito agradável.

Sei que fico nervoso fácil demais, sei que isso incomoda várias pessoas várias vezes, mas... Mas, eu tento. Tento agir normalmente, tento me manter calmo, tento... Eu tento, de verdade. É só que é difícil. É difícil me convencer que eu to num ambiente seguro e que não preciso ter medo de falar ou de agir de certa maneira, é difícil relaxar, é difícil para caralho acreditar que eu não preciso pensar vinte e sete vezes no que eu falo para não magoar ninguém, para não afastar ninguém.

E mesmo que acreditasse que ele não tinha falado de propósito...

Suspirei, ouvindo um barulho na porta da frente e fechei os olhos, disposto a fingir estar dormindo. Não estava num bom momento para aguentar minha mãe e suas reclamações. Não estava num bom momento para aguentar coisa alguma.

***

Normalmente o Ícaro me chamava para ir à casa dele por medo de ficar sozinho, ou então meus sogros me chamavam por medo de deixá-lo sozinho. Mas, tinham os dias em que nem um deles me chamavam para lá e, quando eu também não queria ir, ficava aqui em casa, descansando. Samantha vinha para cá de vez em quando e ficávamos assistindo e comendo chocolate, conversando. Ela andava estressada por conta do cursinho de vestibular, porém estava dando conta. Mas, na maioria dos dias, quando eu não ia para a casa do meu namorado, ficava sozinho.

Felizmente, esse não era a maioria dos dias.

Franzi a testa enquanto voltava para dentro de casa, Eric logo atrás de mim. Bloqueei meu celular após reler as mensagens que Ícaro tinha me mandado ontem a noite. Foi tão estranho a hora que ele disse aquilo... Namorávamos a tempo o bastante para saber que ele tentava evitar me deixar nervoso e para saber que aquelas mensagens se desculpando eram verdade... E por mais que eu realmente soubesse que tinha sido algo momentâneo, ainda estava chateado e irritado.

Tivemos pequenas brigas ao longo dos dois últimos meses, momentos de impaciência e irritação que acabavam com nós dois cansados, nos encarando em silêncio, até um abaixar a cabeça e abraçar o outro porque a real é que a gente não queria brigar. Mas, essa vez foi diferente.

Eu conseguia entender o que estava acontecendo melhor do que imaginei que conseguiria, tipo... Sei lá. Falando de forma prática, a forma com que o Ícaro lidava com a ansiedade não era tão diferente da minha, então eu entendia porque ele disse aquelas coisas, mas... Machucava mesmo assim.

— Tá, seguinte... Sem tempo. – Eric bufou, fechando a porta da cozinha e fazendo que minha mente voltasse ao presente. — Eu realmente quero rever Guerra Infinita e Ultimato...

— Por que você quer me fazer rever Ultimato? – suspirei. — Eu odiei Ultimato!

— Só porque você foi com expectativas muito altas! O filme foi lindo. – Eric bufou, me olhando torto. Revirei os olhos. — Além do mais, é só rever pra entrar no clima de Homem Aranha Longe de Casa! A gente vai ver no cinema no meu aniversário, não vai?

— Óbvio! – bufei, me encostando contra mesa da cozinha. — Mas, não vejo necessidade de rever Ultimato.

— Ai, cala boca. O que eu tava falando antes? Ah, é... Sem tempo. Eu realmente quero rever esses filmes, mas antes... Eu tenho uma missão.

— Como é que é? – arquei a sobrancelha.

— Minha mãe mandou para você. – ele deu de ombros abrindo a mochila e tirando várias caixinhas coloridas.

Hesitei antes de pegar.

Lápis de olho.

Azul, vermelho, rosa, preto, marrom, amarelo, verde metálico, azul metálico, prata, dourado... Respirei fundo.

— Valeu. – murmurei colocando as caixas de lado e cruzando os braços. — Mas, eu não to usando mais.

— Ah, não me diga! – Eric revirou os olhos. — Mat, me poupa que eu seria um puta de um amigo ruim se não tivesse reparado isso antes, né? Agora senta aí e explica porque você parou de usar lápis de olho. Minha mãe gastou uma fortuna comprando isso aqui.

Engoli em seco e respirei fundo.

— Minhas notas tão ruins. Por enquanto é melhor eu me focar mais nos meus estudos do que na minha maquiagem, antes que acabe perdendo o desconto.

Eric cerrou os olhos puxando um dos bancos para perto de mim e se sentando.

— E de onde você tirou essa ideia absurda? Porque assim, né... Até onde eu sei, você passa maquiagem principalmente pra se acalmar antes das provas. Literalmente é seu jeito de puxar sua mente de volta e diminuir a ansiedade. Então... Quem pôs isso na sua cabeça?

Hesitei.

Pensei em mentir, mas, percebi que não daria certo. Eric me conhecia a tempo suficiente para reconhecer todos os tiques que eu tinha quando estava mentindo, então... Mentir não ia adiantar.

— O professor de física. – resmunguei.

— Hum... Certo. – ele suspirou, bagunçando o cabelo loiro e estendendo a mão para a caixinha vermelha, abrindo-a e tirando o lápis de dentro. — Agora, dá o olho que eu vou passar essa merda na tua cara nem que tenha que sedar! Tanta gente no mundo, você vai dar logo ouvido praquele filho da puta! E ainda dizem que eu sou burro!

— Você não chegue perto dos meus olhos! – me levantei num pulo, recuando.

— Não pode ser tão difícil passar isso.

— Eric, eu não vou confiar minha visão a você. – declarei seriamente porque ainda tinha sérias dúvidas sobre Libras-Tátil, não queria arriscar. — E eu realmente não quero mais usar maquiagem.

Eric respirou fundo e empurrou um dos bancos na minha direção. Ele não disse nada, mas dava para ver a ordem em seus olhos. Suspirei me sentando de frente para ele.

— Seguinte... Eu não sou psicólogo, cara. E isso não é uma série em que eu sigo um roteiro e digo a coisa certa de uma maneira super poética e profunda. Então não crie expectativa porque eu vou ser bem direto. – suspirou, movendo o lápis vermelho de uma mão para a outra e franzindo os lábios enquanto pensava. — Foda-se.

— Quê?

— Foda-se a porra do professor. Foda-se aqueles alunos filhos da puta que se acham dono de alguma coisa quando são mais burros do que eu. Foda-se. O que importa é o que te faz se sentir mais como você. O resto foda-se. Então, você vai passar essa merda e lembrar o porquê tu gostava e porque era tão importante e não vai deixar outro filho de quenga te tirar esse prazer.

— Eu não...

— Eu não perguntei. – Eric me cortou, me encarando com aquele olhar que não abria margem para protesto. — Eu não perguntei o que você quer. Eu to falando o que você vai fazer. E no fim me agradece.

Hesitei, sem saber o que dizer, mas acabei concordando e tirando o lápis de olho da mão dele.

Me levantei e fui para o banheiro, parando em frente ao pequeno espelho do armarinho.

Minhas mãos suaram enquanto tirava a tampinha do lápis e respirei fundo.

Era um vermelho bonito, pensei.

Vermelho e verde não ficavam muito bem juntos, mas... Mas, era uma cor bonita. Engoli em seco sentindo um nó no estômago enquanto me focava no meu reflexo, começando a passar o lápis e tentando não piscar.

A sensação era mais macia do que eu lembrava, mas a falta de hábito fez ficar difícil não piscar e também fez meus olhos encherem rápido, irritados. Respirei fundo, erguendo o olhar para o teto e me abanando, tentando realmente não piscar e impedir as lágrimas de caírem.

Respirei fundo, tornando os olhos para o espelho novamente e terminando o segundo olho.

O vermelho do lápis com o tom esverdeado dos meus olhos deixou o efeito como algo entre natalino e vampírico. Uma combinação estranha o bastante para me fazer me questionar se existia algum filme de vampiros no natal. Talvez algum especial de Hotel Transilvânia ou algo assim?

Afastei esse pensamento, voltando a me focar no meu reflexo. Meu cabelo estava preso num rabo de cavalo alto, mas rapidamente o desmanchei e comecei a puxar uma trança sobre o ombro, sem entender bem o porquê de estar fazendo isso, mas sem conseguir me impedir.

Meu coração acelerava enquanto eu terminava a trança. Respirei fundo encarando meu reflexo e observando-o me encarar de volta. Minhas mãos tremiam. Respirei fundo outra vez, tentando impedir as lágrimas que ainda queriam descer, agora mais pela emoção estranha do momento do que por uma irritação nos olhos pelo lápis de olho.

Era como se estivesse me vendo no espelho pela primeira vez em meses.

Como se pela primeira vez em muito tempo estivesse olhando no espelho e conseguindo me ver no que era refletido.

Era tipo... Quando você fica muito tempo sem ver seu melhor amigo e aí finalmente vocês se reencontram e a emoção é só tão forte que é como se por um momento tudo estivesse certo na sua vida. Só que invés de reencontrar um amigo, era reencontrar a mim mesmo. Então, a emoção era mais forte.

— Não querendo estragar seu momento com você mesmo, mas já estragando... – dei um pulo no lugar me virando pro Eric que me observava arqueando a sobrancelha, encostado no umbral da porta aberta. — Eu realmente quero assistir e tenho oitenta por cento de certeza que é proibido se casar consigo mesmo.

Franzi a testa. — Só oitenta por cento?

— É um mundo doido, né? Vai saber.

Dei risada saindo do banheiro.

— Deixa eu ver. – Eric me parou, cerrando os olhos enquanto analisava meu rosto e então riu. — Ficou legal esse vermelho.

— Valeu. – murmurei, sentindo meu rosto quente com o elogio e sem conseguir conter o sorriso. — Vamos assistir agora?

— Por favor! Foi pra isso que eu vim!

Enquanto Eric dava as costas, arquei as sobrancelhas sem conseguir deixar de me perguntar o quanto daquela afirmação era verdade.

***

Quando o Eric foi embora, achei melhor chamar o Ícaro para conversar porque depois de praticamente o dia todo sem conversar e aquele assunto mal resolvido... Eu não me sentia bem e supus que ele também não.

Resolvi ir pelo básico.

[Mathias]
Ei, posso ir ae amanhã?

Ícaro vinha demorando muito para responder mensagens, isso quando respondia. Então me surpreendi quando as respostas surgiram quase que imediatamente no alto da tela.

[Ícaro]
Mas
Eu ainda n to mais calmo
Vc disse q ia vir so quando eu tivesse mais calmo

[Mathias]
Não
Eu disse q a gnt ia conversar sobre oq aconteceu quando vc tivesse calmo
N q ia parar de ir te ver
E por mais calmo eu n quero dizer completamente bem
Quero dizer quando vc quiser conversar e se sentir bem pra isso

[Ícaro]
Eu n devia ter dito aquilo
Vc bem?

Revirei os olhos.

[Mathias]
Vou ficar

[Ícaro]
Desculpa

[Mathias]
Olha, eu entendi ok?
É tipo aquela vez logo q parei de usar maquiagem e vc perguntou pq e eu fui super grosso na resposta
Foi basicamente a msm coisa
A diferença é só que vc é bem mais cruel mas
Em essencia foi a msm coisa
Descontar as coisas nos outros quando tá esgotado é uma defesa natural, n vou julgar isso
Seria hipocrita eu julgar
Faço isso o tempo todo com minha mãe
Sei q vc n me faria usar algo q eu n gostasse só pq vc acha bonito
Mas falei como se fosse pq n queria falar como me sentia
Do msm jeito q vc n quer pensar em como ta e acabou descontando em mim né?

[Ícaro]
Sim
Mas eu fui babaca
Tá mal e n querer conversar n me dá esse direito

[Mathias]
Eu n disse q dava
Só disse q entendi
Tbm n disse q n chateou
Eu fiquei triste sim
Mas sei q normalmente ce n é assim
Vc tenta me manter calmo do jeito q pode
E sempre me dá um beijinho no rosto quando n consegue fazer nada pra me acalmar
Sei q n é algo q vc normalmente falaria

[Ícaro]
Tbm n algo q eu penso de vdd
Só pra constar

Dei um sorriso.

[Mathias]
Eu sei
Posso ir amanhã?

[Ícaro]
Pode
Me desculpa msm
N quero te deixar ansioso
NEm te dar mais motivo pra ficar nervoso
Desculpa

[Mathias]
Para de pedir desculpas
Tá parecendo eu
A gnt tá bem
Te vejo amanhã

[Ícaro]
Até amanhã ent
Te amo tá bom?
Muitão
Muitão existe? Eu n me lembro

[Mathias]
Ah
Existir n existe mas a gnt finge que existe
Tbm te amo
N se preocupa ok?

[Ícaro]
Vc e um anjinho compreensivo sabia?
Isso só me faz te amar mais ainda
Ce merece mais

Mordi os lábios.

[Mathias]
Para
Nada de se menosprezar, te proibo
Vc é um fofo

Tipo um ursinho carinhoso vingativo e com olhos vermelhos
Mas bonzinho
Aquele lá q vivia bravo sabe?

[Ícaro]
Eu n sei do q vc ta falando

[Mathias]
Ah

[Ícaro]
Vou tentar comer alguma coisa, to tremendo de fome

Arregalei os olhos.

[Mathias]
Icaroooo!
Vai comer

[Ícaro]
To indo to indo

Mandei um emoji de mão que parecia com o sinal de "te amo" e bloqueei o celular respirando fundo.

Por favor, que desse tudo certo e eu não estivesse fazendo papel de idiota, pensei fechando os olhos e me jogando na cama.


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