Voe X Livre X Coração X Selvagem escrita por Afrodeus da dança


Capítulo 10
Voe X Pelo X Deserto - Parte 04




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/796690/chapter/10

Muriel sente uma mão em seu ombro, com todos na cela arregalando os olhos.

— Muriel! — Johnny grita, assustado, apontando para trás.

Ela arqueia as sobrancelhas, confusa. Muriel olha por cima do ombro e vê alguém bem maior do que ela. Muriel não está impressionada.

— Pode me dar só um momentinho? — ela pede.

Marta bufa.

— Imbecil, ele é o líder daqui! — ela grita por entre as barras.

A garota recebe um soco no rosto, batendo contra as grandes e voltando para trás, bamba, ela se vira, zonza. O homem à sua frente, Tess, ri. É só uma criança. E mais fraca que todas aquelas outras.

— Você é a última pentelha? Não, não — ele fala, rindo. — Devem ter outros. Foi você que colocou fogo pra lá?

O homem aponta numa direção e Muriel apenas ri. Em resposta, ele chuta a garota, que bate novamente contra as grades. Johnny e Marta se desesperam, gritando o nome da amiga. Eles tentam forçar as barras, tentando abri-las, mas nada acontece. Muriel endireita sua postura, ainda encostada nas barras da grade.

— É, fui eu. Mandei bem? Consegui distrair bastante gente?

O homem rosna.

— Mais que isso, conseguiu ver a confusão que causamos pro outro lado? — Muriel ri. — Caramba, para um bando de saqueadores do deserto, duas crianças conseguiram zoar vocês pra valer, hein?

O homem cerra os dentes e os punhos, irritado pelo comportamento da garota.

— Ora, sua!

Ele parte para cima, mas a garota já esperava por isso. Muriel agarra o pulso do homem e o joga contra as grades, saltando para trás e dando um forte soco cruzado contra a cintura do homem, mirando na parte lateral do abdômen.

— Soco renal! — ela grita.

O homem grita. Muriel continua acertando o local, aproveitando a confusão de dor causada pelos golpes e acertando outros dois socos, um na esquerda e outro de volta na direita.

— Soco renal! Soco renal! — Ela nota que o homem vai reagir. — E pausa!

Ela salta para trás, com Tess se virando com tudo, tentando acertá-la balançando os braços. Os demais colegas de Muriel percebem: ele agora está envolto em nen, com uma aura cobrindo seu corpo.

— Muriel! — Marta berra.

— Que foi, ô? — a garota retruca, entrando em guarda.

— Não deixa ele te atingir — ela fala.

“Que dica é essa?” Muriel se pergunta, confusa.

— Ele tem nen! — Johnny complementa.

Muriel olha para seus colegas aprisionados.

— Que merda é nen? — Sua voz é de pura confusão.

Marta leva a mão até seu rosto, respirando fundo.

O sujeito parte para cima, tentando dar socos e pontapés. Nada difícil de se desviar. Ela treina com gente melhor que isso. Logo, entretanto, o sujeito começa a aumentar a cadência de seus golpes, tornando o ato de desviar exigir muito mais concentração.

— Agora ouça bem, sua fedelha fedendo a leite — ele diz.

— Prolixo ele — ela resmunga, revirando os olhos.

Marta olha para Johnny.

— Como ela sabe o que é “prolixo”? — ela indaga.

O seu colega dá os ombros, confuso.

Muriel desvia de soco atrás de soco, começando a tropeçar para trás. O homem ri, ao notar isso. A garota não é boa nem nada do tipo, não chega nem perto dos colegas, que conseguiram pelo menos ser uma boa luta para sua gangue. Ele consegue agarrar o pulso de Muriel, a puxando contra seu joelho, que acerta a barriga dela com força. Muriel arfa por ar, abrindo a boca em uma expressão de dor.

Tess não para por aí, soltando-a e girando o corpo para dar um chute na lateral do corpo de Muriel. Ela cai, rolando pela terra irregular do local. Demora para levantar. Seu corpo parece ter sido preenchido por eletricidade. Dói. Bastante. Seu corpo não para de tremer.

— Olha, apesar de tudo, preciso de parabenizar, sabe, ô pirralha? — ele diz, vendo-a no chão. — Digo, parabéns! Imobilizou os guardas lá em cima. Colocou fogo num canto, pra ocupar geral. E fez um outro fedelho roubar uma carroça.

Ele dá dois passos na direção dela, com as mãos na fivela de seu cinto.

— Mas aí que tá o erro de vocês. Vocês são um bando de crianças brincando de Hunters. Acham que tem chances contra adultos? Somos todos aqui saqueadores há anos! Vamos dar um jeito no fogo, sim, sim. E logo vão trazer seu amiguinho que pegou a carroça vermelho igual uma framboesa de tanto soco.

Ele ri, sádico. Muriel geme de dor, seu corpo tremendo. Tess percebe que a garota caída na sua frente não possui nen, diferente de seus colegas. Será por isso que ela foi tão fraca?

— Mas não fique com medo — ele diz, se ajoelhando na frente de Muriel. — Seus amiguinhos deixaram escapar que possuem um professor, não é? Um Hunter de verdade! Vamos pedir um resgate mais do que justo por todos esses alunos incríveis.

Tess ri, com o pensamento de quanto pode ganhar com aquilo.

— Tess vai poder comprar tudo de bom pra gangue! Ah sim! O tempo das vacas magras vai acabar. — Ele ri, fazendo menção de se levantar.

Muriel suspira, cansada. Aquele sujeito falar em terceira pessoa e se achar tão incrível incomoda Muriel. Sente que ele deve estar se sentindo incrível, mas dá vergonha. Tipo, bastante. Tess sente uma dor, rápida e quase nula, em seu pé. Muriel ri e se levanta em um sobressalto, indo para a esquerda, tentando se afastar de Tess. O homem, quando tenta ir na direção da garota, com descaso e talvez até pena, sente uma certa pontada de dor em seu pé.

— Eu acabei colocando um prego no seu pé — ela explica. — Mas não precisa se preocupar, tá? Digo, ele tá limpinho e “tals”. É que, sabe, eu precisava limitar um pouco seus movimentos, entende?

Tess cerra os dentes, rangendo-os. Ele salta para atingir Muriel com um soco enfurecido, que ri e desvia para o lado.

— Sabe, é complicado — Muriel resmunga, enquanto evita a afasta os golpes do homem, sem usar seu martelo para contra atacar. — O Mestre Nero foi bem explítico, digo, explícito quanto aquilo de buscar jeitos pacíficos de lutar. Mas é tão difícil!

Tess acaba se apoiando de mau jeito na hora de tentar golpear a garota, e seu pé dói — uma dor que parece escalar e subir por todo o corpo do saqueador. Isso faz seu soco não só perder a força, mas a velocidade. Muriel facilmente consegue desviar dele. Treinar contra Marta pode ser mais intenso que isso. O que Tess tem é tamanho, é poder bruto. Ele é um adulto, afinal. E por ser adulto, deve ter esse tal de “nen”, ao menos é assim que Muriel pensa. Ela sente que já ouviu Marta e Johnny comentando sobre.

— Por favor, vamos parar de lutar, senhor ladrão? — a garota pede.

O martelo de Muriel atinge o braço de Tess, que urra de dor. Para Muriel, isso é pacífico dentro da situação atual. Já que ela não consegue convencer ele a parar.

“Na verdade, não dei tempo para ele responder” a garota percebe, coçando a lateral da cabeça com o martelo.

— Eu não te dei tempo pra responder, peço perdão — ela fala, culpada. — Dei um exemplo de brutalidade policial, que vergonha, vergonha.

Ela observa que Tess, apesar de com dor e ter acabado de recebido uma martelada, parece bem. Não entende o porquê. Se pergunta se ele é mais resistente do que parece ou se acertou de mal jeito, mesmo tendo sentido que usou força o bastante para deixar aquele braço machucado o bastante. Os olhos da garota se cerram, intrigada, e sua mão sobe até seu colar, segurando-o.

Dois outros membros da gangue de saqueadores surgem, se esgueirando para surpreender Muriel. Os dois vem da esquerda, com um pouco mais nos flancos de Muriel, quase nas costas dela. A garota solta o ar do peito e inspira, dando um giro para trás, vendo uma faca atingir o espaço onde suas costas estavam um momento atrás. Ela puxa o homem que tentou atacá-la pelas costas usando o gancho do martelo. Ela salta e atinge no meio do rosto, com um soco. O rosto do sujeito se distorce por causa do soco, se amassando, e Muriel dá outro soco nele, agora logo abaixo das costelas, no círculo solar dele. O homem arfa por ar, com Muriel o deixando inconsciente com um golpe contra o queixo dele.

Marta vê Muriel tendo que lidar com o outro saqueador que veio defender o líder, conseguindo lidar sem dificuldade. E Marta vê que, enquanto Muriel lida com o subalterno da gangue, Tess está retirando o prego de seu pé. Ele tem nen e, não sabe se no susto ou por habilidade, acabou usando a técnica de Ko, o Endurecimento, para fortificar e proteger o braço. Muriel está conseguindo causar trabalho o bastante para Tess, logo Marta presume que ele não é tão forte, e que a vantagem dele é ter toda uma gangue ao seu lado, atacando pessoas pelo deserto. E como Muriel retirou o auxílio da gangue, ela está conseguindo lutar mais pau a pau contra o líder dos saqueadores.

O saqueador com quem Muriel luta cai no chão, desmaiado, e Muriel se espreguiça. Observa Tess e suspira.

— Tirou o prego, é? — ela resmunga, vendo-o no chão. Ela suspira, tristemente. — Aviso que isso vai abrir a ferida. E daí o sangue sai. E daí é “mó” chatão.

Tess bufa.

— Você é sinceramente a mais irritante dentre todos seus amiguinhos.

— Ah, obrigada — ela responde, sincera.

Tess salta para cima dela e Muriel consegue sentir algo de diferente. Sente algo de estranho em Tess, que sente que já sentiu. Talvez em Marta. E não é a agressividade crua contra a pobre garota. Parece uma sensação que sua pele se arrepia, assim que uma parte chega perto de Tess. Isso no começo a irrita, e então começa a perturbar ela, deixando-a mais e mais na defensiva. Um soco dele acerta Muriel de raspão e ela sente uma eletricidade percorrer todo o corpo dela. Ela acaba indo para trás, dois passos. Sente seu corpo tremer por causa daquilo.

“Foi só de raspão” ela diz para si mesma.

Ela sacode a cabeça e desvia de um chute e de um soco. O golpes, que acertam as paredes de pedra, são fortes o bastante para danificar elas. Muriel não esperava que Tess fosse tão forte. Ele não parecia tão forte. Ela levou alguns golpes dele antes e nenhum deles parecia ter esse poder.

“Eu sou mais resistente que pedra?” ela se pergunta.

Isso lhe dá uma ideia, talvez burra, mas que ela decide apostar. Afinal, se pode rachar pedras, imagina o que poderia fazer com as grades da jaula? Muriel começa a tentar guiar a luta para perto da jaula. Só precisa fazer Tess atingir as grades ao invés dela. E aí talvez ele seja burro o bastante para quebrar as grades. Contudo, Tess começa a maneirar seus golpes e, por fim, ele para de atacá-la, apenas andando ao redor dela. Tess começa a rir.

— Realmente achou que eu fosse cair nessa armadilha? — ele pergunta.

— Sim — Muriel responde, coçando sua nuca. — Você parece bem burrão.

— Como ousa? — ele braveja, cerrando os punhos.

— Tipo, vamos rever seu plano — ela diz. — Você sequestrou esse montão de crianças e ia tentar pedir resgate para os responsáveis por elas… Um trio de Hunters. Muito habilidosos, por sinal. Você consegue entender como isso é burro?

Tess gagueja, acabando por balbuciar respostas e ameaças.

— Você é burro — Muriel fala.

Tess avança contra ela, irritado, e Muriel consegue segurar o braço dele e jogá-lo contra as grades. Ela aproveita e tenta socar ele, com o máximo de força possível. Marta e os outros jovens presos tentam agarrar ele e mantê-lo preso nas grades. Tess não para de lutar para se libertar, dando “coices” em Muriel, que continua socando o corpo do oponente. Ela usa o martelo, acertando suas coxas, suas costelas. Uma parte dela pensa em acertar o quadril, a coluna ou os ombros, mas sente receios e freios que a impedem. Mestre Nero não aprovaria. Contudo, parece que seus golpes não fazem tanto efeito nele. Mesmo ela colocando cada pingo de força em seu corpo em cada soco e golpe de martelo.

Tess consegue soltar um braço, que se remexe como uma cobra e começa a retirar as mãos que o seguram, colocando mais força para se soltar das grades. Muriel acaba levando um chute no joelho e cai para trás, com dor. Ele está se soltando. Ela se sente cansada, arfando por ar. Seus braços começam a arder por exaustão. Ele não parece tão afetado por todos os golpes que aplicou contra Tess.

— Maldição — Tess bufa, se virando contra Muriel, finalmente livre. — Você não é nada mau, na verdade. Se te deixa feliz, se você tivesse essa energia, igual seus amigos, talvez você pudesse me vencer.

Ele engole em seco, respirando ofegante, um tanto quanto cansado. Aguentar os golpes da garota exigiram bastante concentração, focando sua aura nas costas principalmente. E está irritado. Não consegue conter o quão está irritado por estar levando uma coça de uma garotinha que nem possui nen.

Muriel se levanta e tira de um bolso de seu cinto alguns pregos. Sabe que não deve machucar de verdade alguém. Sabe que Nero pediu para ela se controlar. Ser mais pacifista. Contudo, aquele cara é forte. Ridiculamente mais forte que ela. E ela já está cansada. Muriel precisa ganhar tempo, e tudo que pode fazer é continuar deixando-o cansado. Ela leva a mão com o martelo até onde está seu pingente e deixando seus dedos sentirem o formato dele. Seu olhar desfoca e ela faz uma prece silenciosa.

Tess avança.

E Muriel acerta o punho do homem com seu martelo, em um arco forte o bastante para criar uma leve brisa. Ela tenta socá-lo com seu punho com os pregos, usando-os como uma espécie de soco inglês. Tess desvia, assustado com aquilo, e chuta o pé de apoio de Muriel, que tropeça no chão e acaba caindo. A dor dos golpes dele não é a de um soco ou um chute normal. E Muriel entende disso, vivia se metendo em encrencas. E seu pai a batia. Mas aqueles golpes eram diferentes. Parecem reverberar dentro dela. Sente sua pele formigar e então queimar. A garota precisa rolar pelo chão de terra, com o inimigo tentando pisoteá-la. Um chute acerta o braço dela e a empurra. Ela finalmente consegue se levantar, aos tropeços. 

— Olha só, parece que ficou bravinho — ela resmunga, tentando rir. — É assim que seu pai te batia?

Tess arregala os olhos, e sente que seu sangue desce. Sua cabeça parece ficar vazia. Ele corre na direção dela. Muriel joga um prego para cima. A mão esquerda de Tess não avança fechada, em soco, mas aberta, tentando agarrá-la. Muriel dá um passo para trás. Seus olhos sobem e descem, observando e analisando tudo ali. Ela deixa Tess passar por ela, seu tempo de reação é um pouco melhor que o dele. O prego desce e Muriel acerta-o com o martelo e o pedaço de ferro afiado se crava no antebraço do saqueador.

Ele grita com dor. O prego não se crava fundo, mas ainda assim dói. Ele se vira para Muriel e ela começa a rir. Rir! Uma garotinha rindo da cara dele. Tess! Líder de uma gangue de saqueadores.

— Sua mãe gritava bem melhor, sabia? — Muriel lambe os lábios.

O lábio de Tess treme. Muriel segura um riso. Johnny olha preocupado para a colega. Ela não costuma ser assim. Ela já demonstrou certos lados parecidos mas nunca algo cruel assim.

— Isso foi um choro? Você quer chorar? — ela zomba.

Tess grita e saca uma faca de seu cinto, que não usava antes por pena. Não mais. Aquela garota vai pagar por falar essas coisas. Ele corre na direção dela, trazendo a faca para cima. Muriel consegue defender a lâmina engatando-a nos dentes do martelo. O tranco do golpe faz seu corpo oscilar para baixo. Tess para de por força no braço com a faca, fazendo Muriel se atrapalhar com a pressão que sofria subitamente sumindo.

A mão do saqueador acerta o rosto de Muriel, que sente tudo ficar preto por um instante. Sente seu corpo parar de tocar o chão por alguns instantes, reencontrando a terra com força, assim que a gravidade a puxa de volta. Ela se sente zonza. Seu corpo todo treme. Sente muita dor. Ela cospe sangue e sente sua respiração falhando.

— É divertido agora? — Tess indaga.

Ele dá dois passos na direção de Muriel, sentindo-se novamente revigorado em poder, na segurança de sua posição. A garota pode ser boa, mas ela não tem essa energia que ele tem, nen. E por isso, ela não pode machucá-lo de verdade, tampouco. E seus golpes causam muito mais dano. A menina sequer consegue levantar. Está tremendo. Tess vence. Tess venceu. Tess guarda sua faca, com um pequeno sorriso emergindo em seu rosto. Não precisa de uma faca para lidar com uma pulguinha igual aquela menina caída na frente dele. Ele é melhor que isso, afinal. E ela, por sua vez, não é nada.

— Sua mãe batia mais gostoso — Muriel resmunga, ainda no chão.

Agni, na cela, segura um riso, de puro pavor. Johnny está assustado, preocupado com Muriel, e tenta desesperadamente quebrar as grades, sacudindo-as. Muriel recebe um chute contra a cabeça, que ela tenta defender se curvando, protegendo com os braços. A dor é dilacerante. Ela pensa em gritar, mas prende-o dentro de si. Não quer dar esse gosto para o saqueador. Não quer dar a ele a sensação de retaliação, que fez ela pagar por tudo que ela fez e disse. Muriel consegue rolar para fora de outro chute e consegue se apoiar em seu cotovelo e rolar para frente, indo para os flancos de Tess. Mas seus braços estão pesados, doloridos. Ela não tem o que fazer. Deixou o martelo e os pregos para trás. Respira fundo, Tess ainda está no processo de se virar para trás. Seu pé se ergue para trás e então dispara, em um arco limpo que acerta o meio das pernas do saqueador, na virilha.

Agni, na cela, segura um riso, de puro pavor. Johnny está assustado, Muriel realmente fez aquilo. O olhar dela, entretanto, parece diferente. Não é normal, aquele olhar de chacota ou de alguém pronto para rir ou fazer piadinha. O olhar dela parece focado. Assustado, talvez.

Muriel não acha que consegue usar seus braços mais para lutar. Dói demais. Mover eles arde. Lateja até. Tess enverga de dor, levando as mãos até a virilha e praguejando mais xingamentos e palavrões. Muriel não ri, do contrário, ela chuta a parte de trás do joelho direito de Tess, fazendo envergar ainda mais. Ela não gosta de chutar. Isso é coisa da Marta. Ela é soquinho. Chute no saco é diferente, obviamente. É um movimento especial, feito para ocasiões especiais.

Ela não consegue ignorar como seus braços doem. Se pergunta o que pode fazer contra Tess numa situação. “Ganhar tempo” é a única coisa que vem em sua cabeça. Ela pode não ser forte como os outros. Ela pode não ser esperta igual os outros também, não consegue pensar em planos tão mirabolantes. Ela é simples. Ela quer coisas simples. Ela quer voltar logo para casa. Quer deitar na sua cama, sentir o cheiro dos lençois enquanto se esfrega neles. Quer passar um bom tempo debaixo de uma ducha quente. Ter refeições fartas. Assistir televisão naquele sofá confortável. Ela quer conseguir um namorado e poder rir na cara das pessoas que já riram dela.

Tess acerta um soco na barriga de Muriel, que sente seus pés sendo desconectados do chão. A gravidade a puxa violentamente contra o chão. Ela consegue ouvir seus amigos gritando. Marta e Johnny. Ela ergue o rosto para eles. Sua visão está turva. Muriel esboça um sorriso, cheio de dor. Tess parece estar falando algo. Se gabando em terceira pessoa, Muriel tem certeza que é algo assim. Ela tosse e se levanta, tropeçando para trás. Precisa se focar para equilibrar seu corpo de pé. Tudo parece girar. Sua visão turva, escura e em formas que se distorcem.

“Isso é normal?” ela se indaga. Até seus pensamentos parecem ecoar e exigir esforço.

Coloca força em seus braços e os move. É como se eles estivessem fazendo isso contra a vontade deles. Pesados, doem. Pinicam. Parece que várias e várias formigas se movem por ele. Por debaixo dele! Com agulhas! O ar deixa a boca da garota pesadamente. Ela sente suas mãos envolverem o pingente de seu colar, o colar que ela tanto preza. Muriel respira fundo, como se em um ato de juntar forças. Seu peito se estufa e seus ombros se erguem. E então o deixa sair de sua boca, seus ombros caindo junto.

— Tio, eu quero voar longe — ela sussurra, quase que em uma prece. — Quero voar livre.

Tess inclina a cabeça para o lado, confuso. Não consegue entender o que a garota resmunga, mas parece ser algum tipo de prece. Ela mal se aguenta em pé, na verdade. O corpo cambaleando para um lado e então para o outro, sofrendo para se manter ali. O saqueador chega a rir. Ele ficou com medo e preocupado com aquela garota? Está longe do nível dos colegas dela, de fato. Se pudesse, seus subalternos poderiam ter dado cabo dela. Ele se foca no seu sentido da audição, usando de sua aura para amplificá-la.

Ele não ouve mais o fogo, mas ouve um barulho de motor. Algum carro? Ele sente um arrepio em seu corpo todo. Três auras. Três usuários fortes de nen. Muito fortes. Tess sabe, na mesma hora, que não teria chance. Ele chega a dar passos para trás, indo para longe da direção da onde essas auras vem. Ele então olha para Muriel e sente algo. Johnny também sente, fazendo suas sobrancelhas se arquearem.

— Eu fiz… O Manny chamar pelo senhor Nero — Muriel fala, erguendo a voz. Sua voz é falha. — E daí fiz o Derren pegar a carroça e ir para a caverna lá. Para que ele pudesse levar alguns saqueadores para lá. E para daí… o senhor Nero ou pudesse vir atrás da gente ou o Derren levar ele até aqui.

Marta abre a boca, incrédula, seus olhos se abrindo. Muriel ri, ainda segurando o pingente com uma mão. Sente uma sensação agradável percorrendo seu corpo. Como uma brisa que sopra só para ela, aliviando sua dor. Seus corpo ainda dói, mas sente uma sensação revigorante a preenchendo, como aquela que se sente após uma longa sensação de exercício — a liberação de dopamina.

— Era só uma questão de tempo até que eles chegassem, sabe? Ameacei o Manny que se ele não falasse que tinha quebrado as pernas, eu mesma quebraria elas. Tinha que ser rápido — Muriel continua explicando. — É como eu disse, Tess. Você é burro.

Agni olha para Gisele.

— Ela disse isso? — pergunta o rapaz na jaula.

Gisele dá os ombros. Muriel enche os pulmões com ar e então grita:

— Mestre Nero! Socorro! 

Tess está horrorizada. Já Johnny e Marta estão boquiabertos. Ela conseguiu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu senti que esses últimos capítulos tem ficado um pouco no joelho. Talvez por serem todos ao redor de lutas sem muitos stakes. Eles tem saído bem curtinhos.
Mas prometo que vou tentar voltar a fazer capítulos mais sólidos e tals.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Voe X Livre X Coração X Selvagem" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.