Os Desqualificados escrita por S Q


Capítulo 13
Dada a Partida




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A banda ficou parada com aquela simples chave na mão de Patrick enquanto Ana e Ricardo lhe observavam, sem saber como reagir. O pior é que Magno simplesmente lhes deu as costas e saiu, largando-os ali com a chave. Podiam literalmente fazer qualquer coisa com aquilo. Ana foi a primeira a sair do torpor, caminhando de um lado para outro passando as mãos da testa para o cabelo, visivelmente preocupada. 

— Inacreditável. Há minutos atrás a gente tava levando mais um fora e agora pode tocar em um dos festivais mais importantes do país. Tem coisa estranha aí. Tá bom demais para ser verdade.

Ricardo sugeriu que antes de tomarem qualquer decisão, falassem com Milena. Afinal de contas ela podia não aparecer como rosto principal mas ainda era a vocalista. Patrick lembrou-lhe que ela estava no horário de trabalho, porém Ricardo achou isso ainda melhor porque assim teriam tempo para pensar com calma também. Então, quando o baixista chegou na lanchonete do Seu Xisto para assumir o turno, cutucou sua amiga e disse que a banda tinha algo para falar com ela. Ela foi para a vila onde moravam, ansiosa, e encontrou Ana e Ricardo um pouco tensos. A prima explicou tudo, mas ainda receosa com medo de parecer que era a chance da vida deles. Milena ficou mais calma porque primeiramente pensava que era uma notícia ruim. Mas entendeu que, embora fosse uma chance única, era bastante arriscado invadir um dos lugares mais importantes da música brasileira. Poderia ser o fim total da carreira deles se algo desse errado. Ela também lembrou que a música principal da banda não era deles, sendo razoável perguntar a opinião de Marizete também. Ana, perspicaz,  perguntou logo se ela não era outra tentando ganhar tempo.

— Os dois. Tempo para pensar também é fundamental.- respondeu, simplesmente.

No dia seguinte, assim que terminou suas horas diárias de trabalho, Milena emendou para a ONG que acolheu Marizete. Assim que chegou lá, uma voluntária com o rosto abatido surgiu perguntando quem ela iria visitar e informando logo em seguida que talvez a senhora precisasse ser transferida dali para algum outro lugar, porque o espaço estava sofrendo de hiper-lotação. A empregada do Seu Xisto ficou logo preocupada querendo saber se estava tudo bem com a ex-moradora de rua. Mas durou pouco a preocupação porque Marizete vinha pelo corredor, cantando trechos de sua música “O que há de Melhor”.

 “Não importa o mal que há

Alguém sempre vai vencer

Isso é o que há de melhor…” - Ah, oi, Milena!

 As duas se cumprimentaram amigavelmente  e então, a mais nova resolveu ir direto ao assunto. Marizete prestou a maior atenção a o que dizia a moça, deixando-a até um pouco surpresa com tamanha serenidade. Assim que terminou de ouvir, a idosa começou a dar uma ideia de que falassem com todos os funcionários e staffs do evento porque no meio desse povo sempre tem aquelas pessoas com raiva de não terem mais prestígio e eles poderiam ajudar o grupo. 

— Então você quer que não somente a gente invada o lugar, como também ache cúmplices?- perguntou Milena, surpresa.

— Eu não sei por quanto tempo mais poderei ficar aqui, então enquanto ficar, por favor, vá e faça muitas loucuras para contar para mim depois.

A moça arregalou os olhos por ela já saber da remoção e por lidar tão bem com isso. Deu-lhe então um abraço, informando que independente do que acontecesse, sempre podia contar com ela. Marizete fez uma careta e disse que Milena tinha muito mais o que fazer da vida do que cuidar de uma mendiga velha. 

— Você ainda vai se casar, ter uma carreira brilhante, ou nem formar uma família, mas namorar muito ou talvez nem isso, mas qualquer coisa que não vá te fazer esquecer de mim.

Milena quis discordar, mas antes que pudesse, a própria Marizete com passinhos curtos e as mãos enrugadas em seus ombros, já lhe indicava a saída.

 

***

 A staff do festival realmente estava de saco cheio dos preparativos, principalmente do show de Graziele. Provavelmente a única pessoa animada com isso era Jaques. Ouvir o som que ele mesmo compôs ser reproduzido em violão, baixo e piano, combinados, era algo muito superior ao que tinha imaginado; chegou a se sentir até um pouco indigno da sua própria música. Para piorar, enquanto ouvia um dos ensaios da equipe técnica, um dos músicos soube que a composição era dele e lhe chamou para dar uma pequena canja no lugar de Graziele. Cheio de insegurança, travado igual um poste, e tremendo, ele cantou um pouco a canção, que se chamava “Seguir Seu Caminho”.  Porém, quando Jaques terminou, os músicos lhe elogiaram sinceramente. Mas a alegria deles logo foi dissipada com a subida da cantora ao palco, que chegava sempre distribuindo ordens e se impondo a todos. Jaques se sentia incomodado ao lhe ver ligar o auto tune para não desafinar, mas a celebridade sabia fazer ele se calar, com quentes e calorosos beijos na boca do advogado ao final das passagens de som; na frente de todos mesmo e sem nenhum pudor. 

 Os músicos faziam cara de paisagem vendo a cena. Tinham ouvido em um dos intervalos dos ensaios a própria Graziele falando com um de seus agentes que só estava aumentando o “love”, nas palavras dela, com Jaques porque estava ficando altamente interessada no talento artístico dele. Mas assim que ele aparecera por perto ela mudara de assunto e voltara ao grude. A equipe técnica, porém, tinha cada vez menos estômago para aquela situação. Como já era de se esperar, não era possível manter a opinião de todos os artistas funcionários do conservatório a favor da mostra de música pop, muito menos da enorme participação de Graziele Tesmon. Se não bastasse tudo que já foi mencionado, a famosa ainda queria dar opinião até em coisas que ela não entendia nem um pouco como engenharia sonora e iluminação de palco, e ai de quem discordasse dela. Sendo que nem de música ela entendia muito… 

 Com o tempo que passavam ensaiando, para piorar, Graziele já estava se achando dona do conservatório. Nos bastidores, as fofocas falando mal dela não paravam. Porém, ninguém no escritório administrativo parecia se incomodar, pois, além de todo o dinheiro envolvido, a cantora havia doado caros e luxuosíssimos móveis novos para o local de trabalho dos gestores do espaço. Mas esse tratamento era só com eles, os únicos que poderiam romper o contrato estabelecido para a apresentação.

 Na noite do show, quase todos os funcionários do Conservatório de Brasília já estavam de saco cheio e só queriam que aquele evento acabasse de uma vez. Se lá o clima era quase de apatia total a o que acontecia, na vila onde Milena morava, a ansiedade estava a toda. A DESQ tocaria apenas uma música, se conseguissem realmente invadir a mostra, mesmo assim tinham ensaiado ela inúmeras vezes na casa de Ana, afinal, era tudo ou nada. O Uno Mille cinza de Ricardo já estava a postos na saída da vila, a mala cheia de instrumentos. Ele assumiu o posto de motorista, Ana sentou no carona e Patrick foi no banco de trás, que estava com o encosto abaixado para a bateria caber no carro; mas se alguém perguntava se ele estava bem, o rapaz levantava o polegar, fazendo positivo. Milena ansiosíssima. Um lado dela gritava para deixar a insegurança de lado e ir junto deles, porém ela sabia que alguém teria de ficar acompanhando pela TV como estavam as coisas no festival e ir informando aos demais membros da banda. Ela também teria que trabalhar cedo no dia seguinte e não podia se dar ao luxo de correr o risco de chegar muito tarde em casa. Os músicos da banda se apresentariam na cara e na coragem, com uma gravação só dos vocais de Milena. Com tudo isso acertado, a banda acenou para a sua “vocalista fantasma” enquanto Ricardo dava a partida, rumo ao conservatório.


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