Forget me not escrita por Lua Chan


Capítulo 5
Capítulo 04


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas!
Então... esse cap ficou um pouco maior, mas em compensação o próximo deve ser o menor de todos – sempre bom manter o equilíbrio, né?

Enfim, espero que gostem e boa leitura ♡



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O ODOR ACRIMÔNIO DE carvão se expande em sua traqueia como uma carga venenosa, diluindo em pequenas, porém letais, porções ao alcançar os pulmões. Essa fora a sensação que o olhar de Ossário evocara em seu organismo na primeira vez que o encontrou destruído na garagem de Julie, há 6 meses. Agora parecia mais como o aroma de uma erva estragada, largada num fogo a lenha e deixada para queimar lentamente até seu fim.

Essa também era a sensação de estar sob domínio do mestre dos fantasmas.

Luke achava que era um apelido cafona demais para alguém que certamente poderia fazer o que quisesse sem hesitar e sem ter problemas no processo, mas precisara aceitá-lo. Sem objeções, como sempre. Ele recorda da primeira vez que desobedeceu o homem misterioso, a primeira vez que teve a amarga experiência de ter a consciência roubada de si. De ver tudo a seu redor desmoronar e não poder fazer nada a respeito porque ele não era mais o mesmo. Porque sua alma pertencia a Ossário.

Não fora fácil de aceitar, muito menos entender as consequências daquilo, mas Luke estava certo de que o estranho símbolo da seta que manchava o lado esquerdo do peito havia provocado todo caos. Ele poderia simplesmente piscar os olhos e em breves instantes sua mente se aninhava aos cordões controlados por aquele condecorado como Mestre Fantasma. Tem sido assim desde a primeira vez e continuado até ele ter chegado ao lar de seu novo mestre.

— Isso não vai sarar, sabe? — o dilúvio de pensamentos conturbados vai para longe com a voz feminina que o garoto reconheceria em qualquer limbo — Pensar em como sua vida costumava ser antes do Grande Chefão te sequestrar. É um pouco sádico e inútil.

— Grande Chefão? — Luke sorri, embora os músculos das costas estivessem contraídos demais para estar completamente relaxado — Essa é nova. Seu pai não vai ficar irritado?

A garota retribui o gesto com um sorriso tedioso, esvoaçando as longas madeixas negras com terminações verdes para trás dos ombros. O longo vestido vitoriano feito sob medida causa uma quebra de décadas em seu visual, além de conferir mais peso a seus passos. Mesmo assim, ela não se sente impedida de caminhar até o garoto a frente.

Como se estivesse sob um feitiço mais forte que o de Ossário, Luke se aproxima aos poucos e se permite ser guiado pelo toque inebriante da garota – o dorso de sua mão pesava, gelado, sobre a pele da bochecha do garoto, assim como os lábios dela nos seus. Diferentemente do que ele sempre esperava, o beijo é quente e duradouro, mas se rompe quando a morena se esquiva de seus braços com mais uma risada enigmática. Da lista pessoal de fenômenos que Luke jamais conseguira entender em meses, Ophelia estava em quarto lugar.

— Acho que apelidos ruins não são o maior problema de Ossário. — ela continua, um pouco menos sisuda que antes — Não quando ele tem você para tirá-lo do sério.

Mais uma vez Luke retorna à realidade dos seus pensamentos inquietos, dessa vez dando passos cuidadosos para longe da garota. Aquele assunto sempre o puxava para um buraco escuro cheio de dúvidas, falsas lembranças e dor. Afinal, este era um dos efeitos das possessões de Ossário sobre qualquer fantasma: suas memórias não eram mais as mesmas. Seus sentimentos eram confusos. Nomes não tinham o mesmo vigor que antes e Julie... ele não sabia quem era Julie, na verdade. Talvez fosse um nome genérico de alguém que conhecera quando ainda era vivo.

Essa era a pior parte. Ser assombrado por lembranças quebradas.

Ophelia não era tão prestativa nesse assunto. Sempre que Luke soltava palavras como Julie, Orpheum e até Caleb, elas pareciam sair como rabiscos violentos – uns mais do que os outros. A filha de Ossário apenas dizia para empurrá-las para longe, provavelmente porque ele mesmo nunca mais teria contato com elas novamente. Isso era uma coisa com o qual esteve lutando nesses 6 meses. Uma forma de retomar ao que era antes de pisar nesse caos de limbo.

— Se quiser conversar sobre isso, eu estou a disp-

— Que tal se a gente ensaiasse, hein? — Luke a interrompe, como sempre fazia quando não queria lidar com assuntos do além-morte — Vamos abrir com Wild Paradise mesmo ou 48 minutes? Parecem músicas de festival.

— Eu não acho que-

— Ou podemos usar algo de um repertório antigo. Talvez Creepy Crazy Town?

— Luke...

A espinha de Luke é transpassada por uma brisa quente vinda de um lugar do qual o garoto não soube identificar. Num súbito, ele sente as mãos estranhamente frias da garota o tocarem, menos amistosas do que antes. O frio incomum até mesmo para um fantasma. O calor que Ophelia irradiava, mesmo sempre estando gélida como a neve... isso ocupava o quinto lugar de sua lista de fenômenos incompreensíveis.

Mesmo atiçado por seus grandes olhos castanhos ou pelas terminações venenosamente verdes de seus cachos contrastando com a pele negra, Luke não estava tendo o melhor momento para apreciar os pequenos detalhes da garota que um dia roubou seu coração. Suas mãos se apartam.

— Quer mesmo me ajudar, Ophelia? Me deixe em paz só um momento.

— Paz? — o corpo da garota vibra, emanando pura decepção — É disso que você chama seus delírios? Deveria me agradecer por mantê-lo são por tanto tempo nessa espelunca! Aceite sua realidade logo, Patterson, porque você não vai retornar tão cedo.

— Ophelia... eu só...

Pela primeira vez é ele quem tenta segurar as mãos fantasmagóricas da garota, mas ela se desvencilha. O peso da culpa infla o torvelinho de pensamentos que ziguezagueavam no cérebro do garoto constantemente. Ophelia Chapman fora sua âncora durante esses desgastantes meses sucumbido ao nada. Cada vez que o tópico "como eram as coisas antes do limbo?" era mencionado, Luke sentia como se aquela forte ligação estivesse enfraquecendo aos poucos.

Ela parece compartilhar de um sentimento parecido, pois desvia o olhar do fantasma perdido sem hesitar.

— Vou trocar de roupa e me encontrar com Lessie e Silver. — Ophelia ainda reproduz, fracamente — Quando recuperar o mínimo de sua dignidade estaremos prontos para ensaiar.

Com passos resolutos, a filha de Ossário deixa o local com uma cortina de fumaça extravagante, arrancando tosses do garoto arrependido.

Luke gostaria de não sentir isso – as dúvidas esmagadoras, a pequena sensação de vazio no peito. O sentimento de que parte de si fora arrancada há muito tempo. Mas era inevitável, principalmente para ele que estaria sob os encantos do mestre dos fantasmas até que cumprisse sua função – algo que, definitivamente, não seria bom para os corpóreos e fantasmas novatos. Certamente, ele não estava pronto para o que viria a seguir.

Como se fosse um sinal de um possível e futuro bom agouro, o garoto observa pequenas raízes se romperem do solo, perto de si, de forma estranhamente rápida. Aos poucos dando forma a um ramo lânguido esverdeado, o ramo de flores exala um aroma fraco, mas pacificamente doce que o deixa mais leve. Luke se agacha para observá-las mais de perto, arrancando uma delas com delicadeza. Era uma perfeita forget-me-not.

 

. . .

 

Julie havia se arrependido quase que instantaneamente de não ter trazido mais lanches para o anfiteatro. Em poucos minutos, Flynn já teria devorado um sanduíche e meio de patê de frango e legumes, três cookies que trouxera para uma ocasional emergência e um pirulito de uva. Ela dissera estar fazendo aquilo em compensação ao fato de não poder arrebentar a cara dos integrantes da banda – pelo menos a fome de Julie valera o sacrifício de poucos momentos de paz.

Faltavam exatamente 2 minutos e 08 segundos para o fim de suas inquietações, conforme anunciava o grande painel de LED em cores vermelhas brilhantes juntamente ao nome da primeira atração da tarde. Final Sentence. Então essa era a banda que roubara os letreiros da Julie and the Phantoms para o dia – além de parecer ser muito objetivo em qualquer significado possível, a jovem Molina sabia que não iria esquecer daquele nome tão cedo. Nem mesmo os garotos. 

Alex já havia entregado uma de suas baquetas para as mãos desajeitadas de Reggie, que no momento batucavam o instrumento no braço da poltrona. O bateirista, por outro lado, recitava em voz baixa o que deveria ser a lista de componentes de uma bateria. Aparentemente, todos eles estavam lidando muito bem com a situação.

— E se eles forem mesmo melhores que a gente? — Reggie soluça, ocupado demais com a baqueta emprestada pelo amigo. Para seu desânimo, Alex se sentiu obrigado a tomá-la de volta — E se ninguém conseguir lembrar da gente depois disso? E se corpóreos forem mais interessantes que hologramas?

— Cara, acho que você tá pirando... — Julie suspira, mesmo sabendo que ela mesma estava se desgastando mentalmente com perguntas muito parecidas. Flynn a encara como se a tivesse pego falando sozinha no quarto. A garota teve que se explicar — É só o Reggie e as loucuras dele, Flynn.

— Loucuras ou não, a gente vai ter que aceitar o que vem aí.

Alex estava certo de novo. Mas Julie não esperava ter que pôr essa frase em prática tão brevemente.

4 segundos.

Estava na hora.

As luzes do painel se desmontam, formando um efeito muito parecido com uma explosão que rege uma plateia faminta aos gritos. Sob as pálpebras cerradas, Julie consegue sentir o fervor do Orpheum, os olhares orgulhosos de seu pai, tia e irmão brilhando nas cores dos projetores de luz do grande teatro. Consegue sentir a ausência de Luke, mais do que nunca, e isso ainda fazia seu peito arder.

— Vocês estão prontos? — o que aparentava ser o tecladista urrou do palco, elevando as vozes do público como um perfeito amplificador. As luzes contra o garoto pareciam transformá-lo numa figura espectral, o que rendeu arrepios na garota — Então soltem um rugido brutal pra Final Sentence, galera!

As baquetas se chocam nas mãos ágeis do bateirista, que apareceu quando uma gama de luzes verdes o iluminaram de longe. 

De maneira elegantemente criativa, uma figura radiante se eleva aos poucos na altura do palco por meio do que Julie reconhecera ser um elevador hidráulico. Aos poucos – e após espremer bastante os olhos –, ela conseguira notar que se tratava de uma garota segurando um baixo que poderia facilmente deixar Reggie de boca aberta. Sua presença no palanque era tão exótica que a Molina demorou a perceber que a menina usava um vestido na altura dos joelhos muito semelhante aos que as mulheres de seus livros de História exibiam em fotos de séculos passados.

Por fim, e para a perturbação em seu peito que agora vibrava nas batidas descompassadas do coração, a última figura se ergue ao lado da menina com um misto de graça e selvageria que ela já havia observado em apenas uma pessoa em sua vida. Poderia ser apenas sua mente pregando peças impiedosas consigo mesma, mas Alex, Reggie e até mesmo Flynn o fisgaram com o mesmo olhar de assombro que o dela. 

Não podia ser de forma alguma, mas sua mente já havia apagado o significado de "impossível" desde que três fantasmas de uma banda apareceram em sua vida, meses atrás. E lá estava o terceiro deles com um sorriso estonteante no canto da boca. Lá estava Luke Patterson, o garoto que um dia roubara seu coração.


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Notas finais do capítulo

Nomes como Wild Paradise, 48 minutes e Creepy Crazy Town foram nomes aleatórios pras músicas da banda fictícia Final Sentence.

Até o próximo capítulo :)



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