Forget me not escrita por Lua Chan


Capítulo 12
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

⚠️ ATENÇÃO PARA AVISO DE TW ⚠️

• TW: leve descrição de um ataque de pânico. Caso não se sintam confortáveis em ler, repassaem a página até encontrarem o " ● ● ● ● ● " do capítulo, onde a partir daí não tem mais nada. Tenham uma boa leitura ;)



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"NÃO RELUTE CONTRA SEUS instintos, meu garoto", a voz nada sublime de Ossário se perpetua na mente de Luke como uma droga que aos poucos narcotizava boa parte de seus sentidos. Seis meses se passaram e ele ainda não conseguia ser forte o suficiente para evitar as invasões frequentes do mestre a seus pensamentos "Nós dois sabemos que você quer retornar ao Hollywood Ghost Club. Sua sede por desafiar Covington? Eu consigo senti-la em suas entranhas".

Foi o bastante para o garoto sentir o estômago se comprimir com uma ferocidade que teria sido surpreendentemente dolorosa se estivesse vivo. De todas as coisas que desejaria ter esquecido em todo esse tempo perdido no limbo de Ossário, a risada sulfurosa do mestre ocupava um ponto alto em sua lista. Era como observar uma cortina de fumaça se dispersando lentamente pela atmosfera, roubando um pouco da energia que ainda conseguia manter o guitarrista de pé. A agonia provocada pelos sussurros do homem misterioso obrigam Luke a se desequilibrar, tornando-o incapaz de evitar a própria queda.

Um misto de vozes quentes – a de Julie e Ophelia, uma sobre a outra, como conseguiu admitir – o ergue para mais perto da superfície, mas ainda assim sentia seu corpo pairar submerso nas profundezas de um mar tempestuoso. O Mestre Fantasma regia o maremoto e Luke sabia que estaria incapaz de escapar enquanto não recobrasse à perfeita consciência.

Dor. Delírio. Calor. Veneno. Fundo e mais fundo.

Sua traqueia se acidifica cada vez mais. Luke não sabe ao certo se pela bile prestes a ser regurgitada do organismo ou se era apenas um efeito gerado pelas mãos invisíveis do mestre, que lançava novas trovejadas sobre seu corpo à deriva num oceano de péssimas lembranças. Os relampejos de um Luke desnorteado onde parecia ser uma garagem abandonada agora piscavam no céu carregado por nuvens sombrias. Ele se desvencilhando do carimbo de choque de Caleb, mas ganhando uma dor diferente com a nova marca sobre o peito na forma de uma pequena seta. O vazio que jamais conseguira explicar. As memórias se refletiam em turvidez no espelho do mar aberto.

Ele só queria respirar.

Por que era tão difícil respirar?





● ● ● ● ●

 

 

 

Por entre os espaços de seus dedos, o garoto sente o calor emergente de mãos pequenas se opor a sua pele, fria demais até mesmo para um fantasma. Sente cócegas estranhas quando os dedos da Ophelia mapeiam as linhas de sua palma como se fosse o artifício necessário para acalmar alguém à beira de desmair de dor de cabeça. Ele poderia beijá-la agora mesmo, recordando os momentos em que ele pensava em apenas aceitar seu destino vivendo pelo resto de sua não-vida no limbo de Ossário e de todos os momentos em que a filha do Mestre Fantasma o obrigava a levantar a cabeça e permanecer firme no objetivo de fugir de lá.

Ele gostaria de beijá-la.

A garota afasta os cabelos suados de sua testa, evocando arrepios profundos quando suas unhas atiravam os fios castanhos para trás numa tentativa de tranquilizá-lo. Ele gostava de seu toque. Quase que imediatamente o formigamento insistente nos dedos dos pés e a pressão invisível aplicada sobre o peitoral se esvaem, como se sequer tivessem existido. Ao agradecer silenciosamente por sua vista desembaçar aos poucos, Luke não consegue conter um suspiro de espanto que ficou engasgado na garganta.

Era Julie.

— Luke? — ela se exaspera, reagindo mais intensamente do que imaginava, além de apertar aos mãos de Luke com uma intensidade proporcional a seu desespero — Você tá bem? O que aconteceu?

— Meu pai aconteceu. — Ophelia responde pelo garoto, que tentava se acostumar ao choque provocado por Ossário e Julie — Ele gosta de fazer esses joguinhos sujos quando tá desocupado. Eu diria que sempre.

Flynn, agora próxima da melhor amiga, vestia uma expressão tão dilacerada quanto a de Julie. Ela teria observado toda a cena de longe, aos poucos processando o fato do garoto ter aceitado performar novamente no clube de loucos de Caleb Cobington. Mas o espanto ao vê-lo ali foi maior, assim como a surpresa de assistir Ophelia obrigando a jovem Molina a se afastar do guitarrista no mesmo instante. Flynn copiou as sobrancelhas arqueadas da amiga quando ouviu a ordem inusitada, mas logo ficou quieta.

Agora eram as mãos de Ophelia que se cobriam as têmporas úmidas de Luke, construindo uma estranha sensação de frio sobre frio. Não tarda até o calor tomar conta do gelo, aumentando as gotículas de suor que começavam a deslizar no pescoço do garoto. As outras duas garotas não imaginavam ficarem mais confusas até que um brilho oco se dispersar das mãos fantasmagóricas da menina, bastante concentrada em fosse lá o que estivesse fazendo.

— Papai, — sussurra, em parte para si e outra para a cabeça castanha de Luke — eu sei que ainda tá aí, então me ouça bem: se você quebrar a porta de Luke mais uma vez, eu garanto que vou obrigá-lo a assistir um de seus piores pesadelos ganhando vida. Se é que você já não vive em um... — as mãos continuam sobre Luke, mas diferentemente de antes, seu timbre parece ser diminuído a pelo menos 3 tons abaixo de terror — Tchauzinho.

O guitarrista pisca os olhos o suficiente até conseguir entender metade do que acontecera. Ophelia, por outro lado, se levanta, ficando na mesma altura que as duas amigas. Ela riria de suas caretas desnorteadas em outra situação, mas sabia que agora não era uma boa hora pra piadas. Nem mesmo as melhores que ela mesma colecionava.

— Qual foi aquela de quebrar a porta? Não, não. Melhor do que isso... — Julie quase gagueja, trocando olhares entre a misteriosa figura à sua frente e um garoto confuso demais no chão — O que rolou aqui?

— Você quer a explicação na versão Dicionário Fantasma para Iniciantes ou um resumo? — ri ela, sem se conter — Tudo bem, então falo logo pelo dicionário. Quebrar a porta, um verbo indicando uma ação limitada a corpóreos quando têm um acesso de raiva ou algo do tipo, mas um termo que pode ser letal pra um fantasma. Pra os Fantasmas Possuidores, ou "aqueles que podem possessar um outro indivíduo", é o mesmo que invadir a mente de alguém.

Flynn solta a respiração até então presa.

— Por favor, só traduz pra gente.

— É quando alguém consegue se apossar dos seus pensamentos. — Luke rouba o resto da frase prestes a ser pronunciada pela filha de Ossário. Ele vê quando a garota assobia um palavrão para o ar após ser interrompida, mas prefere ignorá-la — Normalmente, os fantasmas que já têm prática em possessar alguém... eles... quebram portas... ou sei lá como se diz isso.

— Sua frase tá certa. — a menina prossogue, agitando os cabelos eletricamente verdes para trás — Teria tirado 10 em Linguística Fantasma.

Luke, ainda perdido demais em termos fantasmas, apenas assente sem se importar muito. Ophelia continua a falar, dirigindo-se, dessa vez, às garotas que chegaram a duvidar de seu caráter e confiança. Podia até ter conhecido Flynn e Julie somente agora, mas sentiu-se ofendida com os relances suspeitos que ambas atiravam sobre seus ombros magros.

— Em outras palavras: sim, Julie, você pode dar seu voto de confiança pra mim. Nenhum limbo da Terra me faria dar as costas pros meus amigos, mesmo que isso significasse ficar contra meu pai.

— Até que você parece firme no que diz. — Flynn comenta, avaliando-a rapidamente de cima a baixo como se procurasse uma peça defeituosa no motor de um carro.

— É, eu também tenho que admitir. — replica Julie, meio cabisbaixa — E foi mal pelas dúvidas, mas a gente meio que já teve problema com o último cara em quem os meninos confiaram. Você deve saber sobre o dono do Hollywood Ghost Club.

— Ah, mas eu adoraria passar um dia sem ouvir o nome desse lugar ou de Caleb Covington. — Ophelia revira os olhos com desgosto, lembrando perfeitamente do objetivo vital de seu pai com o tal homem trapaceiro — Enfim... acho que a gente já pôs os pingos nos is, né? Teve um final mais perturbador do que eu tava esperando, mas Luke já cumpriu o papel dele aqui.

Sob as nuvens carregadas do lado de fora do ginásio, o suor acumulado em Luke parecia se tornar mais evidente, gotejando agora dos seus cílios espessos até as maçãs elevadas do rosto. Ele não consegue desviar os olhos da Molina, que também o fitava com preocupação. Teria sido Julie a última de quem se despediu após se ausentar por outros 7 dias enquanto resolvia novas pendências com Ossário sobre o retorno de Caleb. Teria sido ela quem também sofrera por sua perda meses atrás, quando imaginava que ele havia sumido definitivamente de sua vida. Ela, quem o trouxe de volta com seu toque quente e extremamente bom há pouco tempo, evocando no garoto um sentimento de paz que não sentia há muito tempo.

Julie Molina. Sua corpórea impossível.

Num breve gesto para se recompor, Luke obriga seu corpo a se teletransportar para perto da garota, sendo abordado pelo sentimento nostálgico de quando precisou se despedir dela e dos meninos no Redlands Bowl. O trajeto saiu como um holograma tremeluzindo no ar graças à exaustão, mas ao menos ele conseguiu chegar perto o bastante para estender suas mãos para ela, tentando ser correspondido. Ela não o faz.

— Se você ousar se despedir de novo, é melhor que não pense em voltar. — murmura ela, meio arrependida por parecer tão ríspida — Não seja burro, Luke... sabe muito bem o que aconteceu na última vez que você e os meninos pensaram em se unir à banda de Caleb. Você sabe que teria que viver por lá pra sempre, não é?

Um sorriso amarelo, um dos quais já se habituara a esboçar em situações embaraçosas como aquela, se desmancha no canto da boca, denunciando uma covinha até então despercebida por Julie.

— Eu sei dos meus riscos, Jules— Julie... — o apelido que ela não gostava de ser pronunciado pelos lábios do garoto lhe escapa, mas de antemão é corrigido — Sei o que estou fazendo, por mais que não me orgulhe disso e nem acredite ser a opção mais esperta. Mas... eu preciso disso. É meu acordo com Ossário. 

Então a Molina lembrou do que parecia ser a relação entre Ophelia e Luke quando ela os viu juntos pela primeira vez. Eles fariam tudo um pelo outro porque se amavam – pouco importava qual tipo de amor estaria envolvido nisso. Assim como também era essa a base de uma família saudável: pessoas que, por se amarem demais, estariam presentes na queda ou vitória um do outro. Era assim que a garota olhava para Alex, Reggie e Luke. Sua família. Aqueles por quem ela estaria disposta a fazer o possível e impossível.

Ela não poderia abandonar sua família.

— Nós também vamos.

Luke piscou mais vezes que antes, conferindo se tinha perdido alguma frase no meio do caminho. Ophelia também fazia o mesmo.

— O quê?

— Eu, Alex e Reggie. — ela enfatiza — A Julie and the Phantoms vai se unir à banda de Caleb, assim como você.

— Você não pode tá falando sério, não é? — Ophelia retruca, um turbulhão de pensamentos invadindo sua mente incansável de trabalhar — Julie, você mesma falou dos riscos. Luke só tá fazendo isso porque ele está disposto a aceitá-los.

— Eu também. — os ombros da Molina retesam quando seu pé bate no chão para confrontá-los — Você disse que nenhum limbo na Terra te faria dar as costas aos amigos. Eu também, Ophelia Chapman. 

Agora era a Molina que erguia as mãos para o ar, nas esperança de serem tocadas pelo garoto perdido no tempo. Diferentemente do que ela fez antes, ele corresponde, sem deter as palavras que pudessem fazê-la desistir daquela ideia insana. Mas era como se no fundo ele já soubesse que não adiantaria de nada. Ela arriscaria qualquer coisa por ele – Luke, embora ainda estivesse num processo de voltar a conhecê-la, também sente que faria o mesmo.

O mesmo sorriso amarelo da coleção do garoto agora se esmiuçava nos lábios dela, como se de propósito.

— "Nenhuma música vale a pena se não for feita com você." — ela recita, deixando-o um pouco confuso, mas pacífico de algum modo — "Sem arrependimentos". Sei que não vai lembrrar disso, mas foi o que você me falou antes da apresentação no Orpheum. É por isso que eu estou aqui, Luke. É por isso que nós estamos aqui. Você também faz parte da Julie and the Phantoms e é minha família, com ou sem memória. Então eu repito: sem arrependimentos. Estaremos juntos nessa.

Suas mãos se apertam, seus corações se aquecem. 

Família.

Luke gostou do som daquela palavra.

— Julie Molina, — ele inspira profundamente, satisfeito pelo maremoto em seu peito já ter ido embora — eu prometo que estaremos juntos nessa.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoaaaas. O cap demorou de novo pra sair, mas finalmente consegui publicar. Nesse capítulo coloquei a cena do "sem arrependimentos" como se o Luke tivesse falado antes da apresentação de propósito (já que nessa fic o Luke foi embora de vez quando o show deles no Orpheum acabou).

E aí? Como ficou o capítulo? Saiu um pouco diferente até do que eu esperava, mas espero q tenham gostado rsrs.

Até o próximo capítulo



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