Recomeços escrita por Sophia Snape


Capítulo 7
A entrevista


Notas iniciais do capítulo

Daneca, Julia, Jéssica, Nathalia, Daniela, Cris, MUITO obrigada pelos comentários. Sério, fizeram meus dias melhores. Espero que gostem deste.



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Voltar ao trabalho na segunda-feira foi estranho. Havia uma tensão palpável entre eles enquanto etiquetavam algumas poções nos fundos da loja e Hermione estava no limite. Nenhum deles mencionou a noite da festa, e ela não fazia ideia de como havia chegado ao quarto. Não lembrava de ter se despedido, de ter saído do carro, aberto a porta e, principalmente, ter tirado os sapatos. Era um buraco enorme na sua cabeça e ela odiava a sensação. Tudo que Hermione queria era uma penseira para mergulhar nos acontecimentos que passaram batido pela sua consciência, mas explicar isso para o Harry ou para a Minerva seria no mínimo estressante e ela queria evitar ao máximo.

Então Hermione passou todo o domingo sofrendo com as inúmeras possibilidades que passaram pela sua cabeça, desde ter dito a Severo coisas altamente impróprias até, Merlin a livrasse, ter baixado a guarda a ponto dele descobrir toda a verdade constrangedora. Mas se a última hipótese fosse verdadeira ele certamente a teria confrontado. Como nenhum embate havia acontecido até agora além da interação no mínimo desconfortável, ela havia descartado a hipótese.

— Pode etiquetar os próximos frascos e ir para a loja. Está quase na hora de abrir. – ele murmurou, quebrando o silêncio.

Hermione assentiu. – Os novos já chegaram?

— Estão no escritório. – ele respondeu sem olhar para cima. Hermione parou, confusa, lançando um olhar questionador e esperançoso. Ele finalmente confiaria a ela o acesso ao escritório?

— Mas eu-

— Já liberei o seu acesso. As proteções vão reconhecê-la.

O coração de Hermione acelerou, enviando várias borboletas no seu estômago. Parecia bobo, mas essa permissão só poderia significar uma coisa. – Obrigada, senhor. Isso quer dizer que...

Severo suspirou, finalmente olhando para ela. – Isso quer dizer que você não é totalmente incompetente, Granger, e que o período de teste passou. Mas não vamos falar sobre isso agora. Se puder ficar alguns minutos depois do expediente vamos definir um novo contrato.

Hermione queria gritar, mas se segurou. – Claro! Sim, eu... sim. Vou ficar depois do expediente.

Ela queria dizer mais, muito mais, mas felizmente foi salva de fazer papel de boba quando ouviu o sino na entrada da loja indicando um cliente ansioso. Antes de sair, ela se virou novamente para ele. – Obrigada, senhor. Tenho certeza de que não vai se arrepender.

Severo resmungou, dispensando-a, enquanto voltava a atenção para o caldeirão borbulhando a sua frente. E então, para si mesmo, ele murmurou. – Eu duvido muito disso.

...

Severo massageou a têmpora, sentindo uma pontada incômoda na cabeça. Ele estava sentado em sua mesa de madeira no escritório da loja esperando a Sra. Granger encerrar o dia para poderem conversar. O currículo impecável dela estava no centro; os pergaminhos estavam meticulosamente organizados, e as canetas foram colocadas uma ao lado da outra como se ele tivesse usado uma régua para dispô-las.

Severo era, sim, um perfeccionista, mas não era obsessivamente metódico. Ele só precisava fazer alguma coisa para ocupar as mãos ou enlouqueceria. Olhando ao redor para a sala que ele conhecia de cima abaixo, havia uma pequena estante na lateral com alguns livros gastos sobre poções que denunciavam o quanto haviam sido lidos e relidos.

No chão, várias caixas se espalhavam em pilhas e Severo praguejou baixinho por deixarem o escritório mal organizado. Ao contrário do que muitos pensavam, ele não era uma pessoa extremamente organizada em todos os aspectos da sua vida, mas era isso que ele queria mostrar. Especialmente para ela. Só que a verdade é que ele realmente precisava de ajuda, por mais que doesse admitir. Os lotes de produtos trouxas aumentavam exponencialmente a cada dia, isso sem falar nas poções que ele vendia para pelo menos cinco hospitais bruxos. Por mais que ele sentisse que a presença da Sra. Granger poderia ser catastrófica – e por um motivo que ele ainda estava tentando descobrir – ele realmente precisava de mãos minimamente competentes para continuar os negócios.

Severo passou a mão pelo rosto, cansado, e olhou novamente para a sala ao redor. Depois moveu novamente a caneta da esquerda, e então pegou os pergaminhos e guardou na gaveta. Pensando melhor, ele os retirou novamente e colocou na mesa. – Merda.

O mestre de poções odiava se sentir tão fora de seu próprio núcleo, tão desequilibrado. Tudo na sua vida havia sido sobre controle: das suas emoções, sentimentos, atitudes e até pensamentos. Se ele deslizasse por um mísero segundo poderia ter colocado todo o destino do mundo bruxo em risco. Severo não podia falhar. Nunca. E agora, nos últimos anos, na vida tranquila que ele levava, pode finalmente ter a paz que tanto desejara. Havia muitas coisas no seu passado que ele ainda tinha que fazer as pazes, muitos pesadelos que ele tentara com muita força empurrar para o fundo de sua mente e, sim, ele sabia que estava longe de ser a existência perfeita, mas era o mais perto que ele já havia chegado de ter uma vida. Para ele, bastava. Ou ele achava que sim. E agora...

— Senhor? – Severo balançou a cabeça, tentando espantar os pensamentos e se concentrar. Vestir a máscara.

— Entre.

A Sra. Granger entrou, parecendo hesitante, e sentou na única cadeira em frente a mesa. Severo quase sorriu percebendo como a garota estava lutando com cada grama do seu autocontrole para não vasculhar a sala com a sua típica curiosidade e falta de tato grifinória.

— Ponderei muito nas últimas semanas, Granger, e decidi estabelecer um contrato formal. Seu período de experiência foi... aceitável, e você respeitou os limites estabelecidos, o que me levou a pensar que esse arranjo pode não ser tão terrível quanto achei que seria.

Ele pode ver que a Sra. Granger estava com uma má resposta preparada na ponta da língua, mas se conteve. – Fico feliz em saber que fui útil.

— Sua tentativa de sarcasmo não funcionará aqui, Sra. Granger. Continuando: pensei em estabelecermos um contrato de seis meses contando a partir de amanhã, 4 de setembro. Também pensei em alterarmos algumas das suas funções.

Hermione o olhou com expectativa. – Sim?

Ele continuou. – Mas antes preciso saber: até onde vai a sua experiência em poções?

Ela ponderou por um momento, decidindo o que responder a ele, então começou pelo óbvio. - Antes de entrar para o Ministério cheguei a considerar me tornar uma curandeira. Recebi onze NOMs, marquei dez Ótimos – um em Poções, e um Excede Expectativas.

— Isso eu posso ver no seu currículo, Sra. Granger. – ele a cortou com impaciência – Mas vou precisar de mais do que isso se quiser realmente ter funções mais desafiadoras aqui.

Hermione suspirou, sabendo exatamente o que tinha que fazer mesmo sendo muito arriscado. Era um tiro no escuro, como seus pais diziam. – Tenho certeza que o Sr. se lembra daquele pequeno incidente que tive em Hogwarts.

Severo a olhou como se ela fosse idiota. – Você vai ter que me esclarecer sobre qual ‘pequeno’ incidente estamos falando, Srta. Granger, visto que você e seus amigos estiveram envolvidos em vários ao longo dos anos.

Hermione suspirou, se remexendo inquieta na cadeira. – Da Poção Polissuco e o pelo de gato. – ela praticamente sussurrou as palavras, desviando rapidamente o olhar para um ponto qualquer na mesa.

Os lábios dele se contraíram como se ele quisesse muito sorrir, mas se conteve. – Ah, esse incidente. Me diga, Granger, como eu poderia esquecer? Mas o que isso tem a ver com qualquer coisa?

— Eu a preparei.

Isso pareceu deixá-lo surpreso, embora apenas por um momento. Rapidamente a máscara de indiferença estava de volta para esconder o que ele pensava sobre essa nova informação. E por esse mesmo breve momento Hermione ficou em dúvida se este era um argumento contra ou a favor da opinião que ele tinha por ela.

Severo a olhou tão intensamente que Hermione sentiu o rosto esquentar. – Era uma suspeita. Mas, Granger, de que maneira isso deveria exceder a minha expectativa sobre você?

Hermione estava chocada. – E por que não deveria? Eu tinha doze anos! A poção Polissuco é extremamente complexa de se fazer e-

— E mesmo assim deu errado. Ou estou me lembrando incorretamente das bolas de pelo que você vomitou por duas semanas na Ala Hospitalar?

Hermione queria azará-lo. – A poção estava perfeita. Como eu poderia saber que não era o cabelo de Millicent Bulstrode e sim pelo de gato?

Ele apenas deu de ombros, indiferente. – Não sei, me diga você. Se achou que essa pequena história ajudaria na sua contratação, estava profundamente errada.

Estava aí a sua resposta, Hermione pensou amargamente.

— Por que eu sinto que estou novamente em uma entrevista de emprego? – ela decidiu mudar o rumo da conversa.

Severo piscou, confuso. – Novamente? Não lembro de tê-la entrevistado para trabalhar aqui, Srta. Granger. Au contraire, Minerva praticamente impôs a sua presença aqui. E você ainda não respondeu a minha pergunta inicial, Granger. Qual a sua experiência real em Poções?

Hermione pensou pelo que parecia uma eternidade, adorando se sentir viva novamente. Ele estava propondo a ela um desafio, e ela finalmente percebera o que era. – Entendi o que quis dizer, senhor. Durante todo o meu tempo em Hogwarts o senhor me acusou de seguir estritamente os livros, os manuais, a não pensar além do que era esperado.

Severo sorriu friamente, sentindo que estava cada vez mais em vantagem. Mas então...

— Você estava certo.

A Srta. Granger o desarmou novamente. Ele esperava que ela estourasse, irritada, como a menina que um dia ela fora precisando de aprovação constante. Diferente disso, ela concordou com ele, calma, moderadamente, como a mulher forte e centrada que ela havia se tornado.

— Como disse? – ele se sentia um idiota.

— Na minha tentativa desesperada de conseguir a sua aprovação acabei me limitando cegamente e não percebi. Tirar as melhores notas ultrapassou meu prazer em estudar e se tornou apenas isso, aprovação. Nada de bom pode vir disso. Mas se permitir, posso mostrar que cresci dessa aluna para alguém que pode enxergar além dos livros e pensar por conta própria.

Severo estava enraizado na própria cadeira, sem saber o que dizer.

— E respondendo a sua pergunta, senhor, minha experiência vai um pouco além que as minhas notas em Hogwarts – que foram excelentes, mesmo o senhor tem que admitir. Comecei um curso na Austrália pouco depois de terminar o último ano para Medibruxa. Como deve saber, existem várias matérias que envolvem o preparo de poções, e fiz oito matérias obrigatórias, além de duas optativas.

Severo lançou rapidamente um olhar para o currículo dela na mesa.

— Essas informações não estão aí. – ela explicou, notando que ele parecia confuso.

— Posso perguntar o motivo? – ele decidiu desistir de parecer desinteressado.

— Porque eu não terminei o curso, então não fazia sentido colocar. – ela deu de ombros, mas era nítido o quão desconfortável ela estava. Ele queria muito ir mais a fundo nessa história, entender o que aconteceu, e se assustou com o quão interessado ele parecia. Não era só curiosidade, era... algo que deveria deixar por isso mesmo, ele decidiu.

— Bem – ele quebrou o contato visual, guardando o currículo na gaveta – vamos voltar aos detalhes do contrato então.

Hermione relaxou na cadeira, assentindo. – Vou ajudá-lo com as poções?

— Sim. A Botica está crescendo, os lotes estão aumentando, e gostaria de não ter que dispensar mais clientes por não conseguir arcar com os prazos. Se você aceitar as condições, vou fechar com dois novos clientes, e as demandas são altas. É possível que sua carga de trabalho aumente também.

— Eu não me importo. Seria um desafio para mim, e uma oportunidade de aprendizado também.

— Mas não pense que vai ser fácil, Granger. Até agora trabalhamos separados, mal interagindo um com o outro. Tem certeza que está pronta para trabalhar comigo.

Com você e não para você?

— Semântica, Granger. O que importa é que as responsabilidades aumentarão, e passaremos mais tempo juntos.

O coração de Hermione saltou com a escolha de palavras dele, e tudo que ela queria gritar era um retumbante SIM.

— Acho que não saberemos se não tentarmos. De todo modo, o senhor tem a vantagem de eu já conhecê-lo, entender os seus métodos. Não vou correr assustada na primeira exigência.

— Seis meses. Começaremos as 8h e terminaremos as 18h, mas a loja continuará com o mesmo horário de atendimento. Nesse tempo extra cuidaremos dos pedidos e de repor os estoques. Seu salário triplicaria, obviamente, para o equivalente a uma assistente de poções.

Hermione queria pular de alegria.

— Claro. Eu...

— É um sim, Srta. Granger?

— Sim. É um sim. Obrigada, senhor.

— Começaremos amanhã. Mas se não estiver com pressa podemos repassar alguns pontos agora.

— Claro! Quer dizer, vamos repassar os pontos. – ela queria se bater por fazer papel de boba.

— Certo. – a voz dele atingiu um tom diferente, como se estivesse divertido. As novidades não param, Hermione pensou.

Os próximos vinte minutos passaram voando. Severo explicou resumidamente sobre todos os clientes que a Botica atendia, bem como os contratos que precisavam ser revistos. Como ela estava habituada ao Direito Mágico devido ao trabalho no Ministério, Hermione se ofereceu para revisar os que estavam pendentes e Severo praticamente empurrou todos para ela. Ele absolutamente detestava essa parte do trabalho, embora fosse de extrema importância. Ele era meticuloso e muito bom em fazê-los e revisá-los, claro, mas gostar era outra história.

Depois eles dividiram e organizaram as tarefas e como seguiriam dali para frente. Aos poucos, a relutância dele em relação a ela foi se dissipando, como se eles fizessem isso a muito tempo. Eles caíram em uma conversa fácil, tranquila e muito profissional sobre tudo, e Severo estava quase agradecido pela intromissão de Minerva. Quase, mas não o suficiente para livrá-lo da sensação de que alguma coisa ainda estava muito errada em relação a presença dela. Ele não queria ser neurótico o suficiente para afastá-la, e ele estava certamente aliviado por poder finalmente dividir a sobrecarga, então decidiu deixar por isso mesmo e aproveitar. Por enquanto.

— Também estava pensando, se achar interessante, claro, ainda mais agora que a Botica está crescendo e vamos – quero dizer, você vai atender cada vez mais clientes, que poderíamos pensar em uma marca.

— Uma marca?

— Sim, uma identidade. Os trouxas valorizam muito isso. Como temos clientes do mundo trouxa e bruxo, acho que seria interessante criar um visual. Uma placa na fachada, frascos personalizados, cartões, sacolas, embalagens. Um telefone também não faria mal. Talvez até um site?

Site?

— Sim, uma página na internet.

Ele estava olhando como se ela estivesse dizendo absurdos.

— Quer saber? Esquece. Falamos sobre isso depois. – ela riu nervosamente, pegando a bolsa e reunindo os vários contratos que ela estudaria em casa. Como ele não disse mais nada, ela murmurou um boa noite sem graça e um muito obrigada pela oportunidade.

Educadamente, ele se levantou e a acompanhou até a porta. Uma das coisas que Hermione mais achava fascinantes sobre ele era o cavalheirismo. Não importava o quão indiferente ele fosse a ela, sempre havia uma educação inerente aos seus atos. Ele poderia disparar os maiores insultos enquanto puxava a cadeira para ela se sentar, ou recriminá-la enquanto abria a porta para ela passar.

É por isso que ela tentou não arfar quando ele se inclinou sobre ela para alcançar a maçaneta, ou não fechar os olhos quando o cheiro dele a atingiu. Ela estava indo tão bem até agora...

— Ah, e... obrigada por me levitar para o quarto aquele dia. Não sei como fez aquilo sem parecer suspeito – ela sorriu – mas obrigada.

Ele a olhava tão intensamente que Hermione queria sair dali correndo para reunir todos os pedaços do seu autocontrole. – Bem, boa noite. – ela se atrapalhou no batente da porta, tropeçando nos próprios pés. Tudo que ela conseguia pensar nos curtíssimos segundos que se seguiram era no papel de boba que estava prestes a cometer. É isso, Hermione. Você vai literalmente cair aos pés dele. Ela até fechou os olhos para esperar a inevitável queda quando sentiu os dedos finos e firmes envolverem o seu braço direito, puxando-a para um peito largo, forte e acolhedor. 

— Você está bem? - a voz sedosa chegou aos seus ouvidos, despertando-a. Mortificada, Hermione olhou para cima apenas para ver os olhos que ela tanto tentara fugir sendo direcionados ainda mais fortemente para ela.

E então aconteceu. Hermione não saberia dizer se foi uma memória despertada pelo olfato ou pelo tato. Não importava. Porque ela foi inundada por uma enxurrada de sensações ao lembrar de ser cuidadosamente retirada do carro na noite de sábado, apenas para ser carregada por ele até o quarto da pousada. Tudo o que ela conseguia fazer naquele momento era processar a sensação indescritível de lembrar o que era estar nos braços de Severo Snape.

— Você... – ela tentou falar, mas não conseguiu encontrar as palavras certas.

— Eu não levitei você, Srta. Granger.

Com isso, ele a soltou delicadamente antes de se virar novamente para dentro do escritório e sumir nas chamas da lareira.

...


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