Recomeços escrita por Sophia Snape


Capítulo 21
Joyeux Noël


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Muito feliz em voltar a postar. Nas últimas semanas a vida ficou corrida, mas toda brecha que tinha me dedicava a Recomeços. Essa fanfic realmente tomou meu coração, e espero que estejam gostando de ler tanto quanto eu estou de escrever.

Comentários sempre são muito bem-vindos!

Boa leitura ♥



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— As crianças finalmente dormiram. - Harry suspirou, desabando exausto no sofá.  

— James é bastante ativo. - Hermione sorriu, apoiando o cotovelo no encosto do sofá enquanto olhava para o amigo.  

Harry continuava com aquela aparência de menino que ele sempre tevea toda a vida: o cabelo bagunçado, os óculos um pouco tortos no rosto, a mesma blusa que a Gina sempre falava de queimar em qualquer oportunidade que deve (embora fosse difícil porque ele parecia nunca tirar do corpo), o jeans surrado e aquele sorriso sempre persistente, embora com um ar maduro.  

— Ativo? - os olhos verdes brilharam divertidos para ela, e Hermione riu. 

— Tem razão, ele é um pequeno Harry Potter versão acelerada.  

— Ei! Eu era um bom garoto. Só fiz algumas pequenas coisas ao longo dos anos. 

—  Algumas ? - ela bufou - Vamos apenas dizer que você teve motivos, e paramos aí. 

— Obrigada. Cerveja? 

Hermione aceitou, e eles brindaram as canecas lascadas enquanto olhavam para a árvore de Natal na sala aconchegante e bagunçada dos Weasleys. A casa agora estava silenciosa. O relógio marcava uma e meia da madrugada e apenas os dois estavam acordados.  

Gina dormira instantaneamente depois da meia noite, reclamando sobre os pés inchados e carinhosamente mandando o bebê parar de chutar, ou ela teria soluços até o Ano Novo. Os demais seguiram conversando noite adentro, bebendo, rindo, e lembrando com carinho dos que se foram.  

Era sempre uma noite muito dúbia para todos eles. Era muita felicidade e gratidão seguidas de tristeza e saudade. Em algum ponto da noite, era sempre inevitável que o silêncio passasse por cada um deles, deixando-os pensativos, chorando os mortos. A Sra. Weasley sempre sumia por quase duas horas, e depois voltava com os olhos vermelhos e um sorriso no rosto.  

A vida tinha que continuar. Era inevitável. Mas a que custo?  

Era o que Hermione sempre se perguntava. Desta vez, contudo, os seus pensamentos estavam menos sombrios e mais recheados de esperança. Vagamente, ela se perguntou se o motivo era o bruxo taciturno que agora a esperava na França ou se era ela mesma se reencontrando. Ou talvez as duas coisas.  

Olhando para as luzes na árvore e sentindo o fogo crepitando na lareira sua mente a levou de volta para a casa dele. Se ela fechasse os olhos, podia dedo que estava lá, ao lado dele, ouvindo uma cadência de sua voz aveludada soando ao redor dela, despertando todas as células adormecidas do seu corpo.  

E então ... o toque dele. Deslizando pela sua pele e deixando um rastro de lembranças para trás. Cada centímetro do corpo dela clamava pelo dele, e ela queria mais. Quando ele quase tocara os seus seios naquela noite, antes dela pegar uma chave de portal, Hermione podia jurar que para obter uma experiência mais erótica de toda a sua vida. O que aconteceria quando eles realmente se tocassem?  

— Você está fazendo de novo.  

A voz divertida interrompeu o fluxo dos seus pensamentos, e ela encontrou o Harry sorrindo para ela. - O que disse? 

Ele riu, deixando a cabeça do cair no encosto do sofá novamente. - Que você está fazendo o que fez a noite toda: olhando para o nada e sorrindo.  

— Eu não fiz nada disso.  

— Fez, sim. Todo mundo reparou. Teve um momento em que a Molly teve que te chamar três vezes.  

Hermione ofegou, incrédula.  

— O George fez uma piada sobre isso e todos riram. E você sequer aparecia.  

Ela respirou como bochechas arderem quando lembrou  onde  exatamente a sua cabeça estava. Ela simplesmente não deixa deixar de lado a sensação dos dedos ásperos dele deslizando sobre a sua coxa nua. Era sensorial demais para não lembrar - e suspirar.  

— Vocês não prestam. 

Harry riu, se desviando de uma almofada. - Somos a sua família, e estamos felizes por você. 

— Bem, nem todo mundo.  

— Bem entendido, Hermione. É difícil para ele. 

— Ron sabia que não somos adequados um para o outro. Não estava dando certo a muito tempo.  

— Ele sabe. Só não conseguiu superar isso ainda. 

Eles mergulharam novamente em um silêncio confortável, e Hermione lembrou de como o relacionamento deles parecia muito mais com a amizade que sempre tiveram do que com um romance. Eles se tornaram amigos vivendo sob o mesmo teto, e isso não fazia nenhum deles feliz. Sempre faltava alguma coisa, e o vazio foi tanto que se Hermione não tomasse a difícil decisão de se separar iria acabar engolindo os dois para um ponto irreversível.  

— Achei que ele viesse para a véspera de natal. - Hermione falou depois de um tempo, girando a caneca de cerveja em suas mãos.  

— Ele deve chegar para o almoço. A loja fechou tarde hoje e ele deve ter ficado por lá. 

Hermione sorriu com carinho para o amigo jogado displicentemente no sofá ao lado dela. Ele nunca fora bom com modos, ela pensou, e piorou um pouco na vida adulta. Ele era mais desajeitado agora do que fora quando adolescente. Era realmente adorável e Hermione o amava cada vez mais por isso. Harry era o irmão que ela nunca tivera.  

— Não precisa jogar panos quentes. Sei que ele está evitando me ver, mas uma hora será inevitável. Não vou mais fugir da vida. Estou cansada. Me desviar dos problemas foi um erro. Olha aonde me levou. 

— Não poderia concordar mais. E você e o Prof. Snape estão... você sabe. 

— Não, não sei. O que? 

Harry revirou os olhos. - Você não vai me fazer perguntar isso, vai? 

— Isso o que? - Hermione fechou os lábios com força para não rir. Era tão fácil provocá-lo.  

— S-e-x-o.  

— Merlin, você acabou de soletrar isso? - Hermione riu alto, quase derrubando a cerveja.  

— Muito engraçado. - ele resmungou. — E caso não se lembre, temos uma criança em casa. Me acostumei a soletrar palavras que não queremos que o James entenda.  

Hermione riu ainda mais. — Merlin! Gina me contou no telefone outro dia que ele repetiu  merda  porque o George falou perto dele.  

— Você pode acreditar? E ele começou a repetir isso para todos na rua. É embaraçoso. Outro dia uma senhora trouxa foi cumprimentá-lo, dizendo coisas adoráveis sobre como ele era um menino bonito, esperto e  educado . O que ele disse? 

— Não! Ele não fez! - Hermione colocou a mão sobre a boca.  

Harry acenou, se juntando a ela na risada. - Merda! Na maior altura. Todos na loja pararam para ouvir, Hermione. Gina estava tão envergonhada e pronta para matar o irmão.  

— Merlin, eu senti falta disso. E para a sua informação, não estamos fazendo s-e-x-o. Mas, sim, nos beijamos ontem. E hoje.  Muito 

— Ok! Ok! Não preciso ouvir mais nada. - Harry estremeceu, tampando os ouvidos.  

— Não seja tão dramático. 

— É a minha melhor amiga  e  o meu antigo professor! 

— Não tem nada de antigo sobre ele, Harry. Posso garantir. - ela piscou, dando um tapinha no braço dele.  

— Você está impossível.  

Hermione riu, deitando a cabeça no ombro dele. — Severo é um homem incrível, Harry. Mesmo quando ele me odiava, cuidou de mim. Prezou pela minha saúde. Seu humor ainda é terrível, claro, mas muito diferente de Hogwarts. Severo construiu uma vida linda na França, tem amigos que o adoram, e uma casa clara e confortável.  

Harry assentiu suavemente, indicando que ela continuasse. — Sei que preciso dizer a ele que voltei para salvá-lo naquela noite. E isso me obrigará a dizer coisas que acho que ele ainda não está pronto para ouvir.  

— Hermione. - Harry começou a protestar. 

— Eu sei, eu sei. Estou sendo presunçosa. Mas e se ele me odiar? Se ele nunca me perdoar?  

Harry suspirou, passando um braço pelos ombros dela e apertando forte. — Não sei dizer, Mione, mas acho que deve isso a ele.  

— Ela assentiu depois de um tempo, sentindo os olhos marejados. — Eu vou. Só preciso encontrar o momento certo.  

— Mas não espere demais. 

Hermione acenou, a exaustão do dia a vencendo enquanto suas pálpebras pesavam. Mas antes que ela fosse completamente tomada pelo sono, perguntou. — E qual foi a piada?  

— Hm? - Harry perguntou, sonolento.  

— A piada que o George fez no jantar.  

— Bem – Hermione sentiu o amigo se mexer desconfortavelmente no sofá, o que indicava claramente que ele estava envergonhado.  

— Harry? - ela insistiu, sentindo o sono ir embora só de imaginar o que o George poderia ter dito.  

— Algo sobre as detenções serem mais agradáveis hoje em dia.  

Hermione riu enquanto se desvencilhava do amigo, aproveitando que fora despertada para sair do sofá e dormir adequadamente em uma cama num dos quartos do andar de cima. Hermione estendeu o braço e ajudou o Harry a ficar de pé, seu cabelo mais bagunçado do que nunca.  

— Vou querer ouvir essa piada pela manhã. - ela finalmente disse, parando no último degrau. Depois, pensando melhor, Hermione se virou para o Harry que estava parado na porta do quarto e completou: - Sabe, o George me deu algumas ideias. - Harry deu a ela um olhar de aviso, sabendo que ela diria algo atrevido. Ela ignorou e continuou, os olhos brilhando com malícia. — Eu estaria mais do que disposta a uma detenção com o Severo nos dias de hoje.  

Hermione praticamente saltou os degraus rapidamente para o terceiro andar, rindo baixinho para não acordar o resto da casa. Mas pode ouvir o Harry se lamentando por todo o caminho até o quarto.  

Era bom estar de volta, ela sorriu.   

...  

Severo sentiu o ar frio da manhã no rosto enquanto segurava uma caneca fumegante de café preto na mão esquerda. No seu pescoço, um certo cachecol verde o mantinha aquecido e confortável, protegendo a sua garganta do vento gelado e aquecendo o seu coração por manter o presente dela tão perto.  

Ele pensou que parecia um tanto quanto piegas, mas era Natal e ele estava se permitindo essa autoindulgência. A verdade é que ele estava feliz com a perspectiva do jantar e não poderia se importar menos.  

Da entrada do chalé o vento vinha de todas as direções, mas era agradável. O horizonte estava salpicado aqui e ali de branco, com a neve caindo. Era raro nevar tanto naquela região, mas Severo previa uma forte nevasca a caminho. Janeiro, pelo visto, seria gelado.  

Mas os seus pensamentos, ao contrário da temperatura lá fora, estavam quentes. Todo o seu corpo estava aquecido das lembranças do dia anterior, e Severo podia sentir o rosto se aquecer só de reviver a memória da sensação do corpo dela debaixo do seu. Ele lembrou da sensação do corpo dela no dele. Ela era tão macia... Curvas suaves e discretas, seus seios tão próximos da sua mão que ele teve que usar todo o autocontrole para não tocá-los. E como Severo queria... Não só tocar, mas provar.  Tanto .  

Mas era sábio esperar. A relação deles era delicada, na melhor das hipóteses. Ela fora sua aluna, pelo amor a Merlin. As chances de isso dar errado era tão grande. Mas ao mesmo tempo, parecia tão  certo . Pela primeira vez ele estava tentado a jogar para o alto a cautela e simplesmente aproveitar o presente que a vida lhe dera. Com sorte, ele não diria nada cruel para magoá-la. E quem sabe, talvez, isso entre eles poderia realmente se tornar algo  mais . O que, exatamente, ele não sabia, mas estava determinado a pelo menos tentar fazer tudo certo. 

Seja lá o que isso significava em um relacionamento. 

... 

— Ora, bonjour!  

— Bom dia, Bernard.  

— Não esperava vê-lo tão cedo aqui no café. 

Severo levantou a sobrancelha. - E por que, não?  

— Bem – ele começou, sugestivo – imaginei que tivesse uma jovem moça esperando por você em casa. 

— Severo bufou, colocando uma nota no balcão. - Não sei do que está falando, velho. Só vim buscar uma encomenda.  

Bernard franziu a testa. — Encomenda? 

— Aqui está, Sr. Snape. - o jovem Matthew colocou um embrulho sobre a pedra fria, e Severo aproveitou a expressão de confusão no rosto do amigo. 

— Liguei hoje bem cedo e perguntei se ainda dava tempo de encomendar uma torta.  

— Mas- Bernard gaguejou de volta. 

— A Sra. Baireles cancelou a encomenda, então vendi para o Sr. Snape. - o jovem respondeu, muito satisfeito consigo mesmo. 

— E eu agradeço. - Severo sorriu zombeteiro, lançando um olhar presunçoso na direção do Bernard.  

— Então tem realmente uma jovem de cabelos encaracolados te esperando em casa? 

Severo suspirou, olhando em volta para se certificar de que ninguém ouvia, e praticamente sussurrou. - Ela foi passar o Natal na Inglaterra, como você bem sabe. Mas – ele hesitou, um pouco sem jeito – a convidei para jantar hoje à noite, sim.  

— Mon Dieu! - Bernard gritou, batendo palmas – Finalmente! Espero que não tenha atrasos no voo dela para que possam comemorar! 

O bruxo taciturno estremeceu, se sentindo um idiota enquanto segurava um enorme Gâteau Opéra e atraía todas as atenções para si com o grito empolgado do amigo que agora atravessava o balcão para abraçá-lo.  

— E então - Bernard o conduziu para a mesa de sempre – conte tudo. Não esconda nada.  

— Bernard -  

— Não me venha com essa. Vamos, desembucha. Cinco minutos não vão te atrasar, prometo. 

Severo revirou os olhos, deixando a torta com cuidado na mesa enquanto se sentava. Ele até tentou colocar a carranca de sempre no rosto, mas estava feliz demais para soar convincente. - O que você quer saber? 

— Tudo, oras! Como foi depois que eu e a Valérie saímos no domingo?  

— Hermione me ajudou com a louça e ficamos conversando no sofá depois. Estava frio e muito tarde, então ofereci que ela ficasse. Não queria pegar o carro numa temperatura abaixo de zero, muito obrigado. 

Bernard bufou. — Claro, e os franceses e britânicos sempre foram melhores amigos. Conte a verdade, Severo. Você queria que ela ficasse.  

Severo se recusou a responder, então o Bernard continuou tagarelando. Ele havia descoberto, não muito tempo atrás, que a melhor forma de fazer o homem mal humorado na sua frente a falar era começar a tagarelar aleatoriamente até que ele perdesse a paciência.  

— ... soube disso desde o começo. E na festa da praia eu tive certeza... 

— ... mas naquele almoço, quando saíram para conversar... 

— ... e então a Valérie disse: ele gosta dela! Eu sei que sim!... 

— ... você quase a demitiu, seu idiota ranzinza!...  

— ... e de qualquer maneira, ela é uma mulher e tanto... 

— ... porque para aturar o seu constante mau humor, pobrezinha... 

—  Pelos céus, Bernard! - Severo sibilou, e Bernard sorriu por dentro. Nunca falhava. 

— Sim? 

— Não pense que não sei o que você faz. É irritante. E, sim, nos beijamos. Satisfeito? 

— E? 

—  E  o que? 

— Só isso que vai me contar? 

— Nada aconteceu, e mesmo que tivesse acontecido eu não contaria para um velho enxerido como você. 

Bernard revirou os olhos. — Não quis dizer isso, homem impossível. Perguntei como aconteceu, quem se declarou primeiro, quem beijou primeiro. Aposto que foi a Hermione.  

Severo se mexeu desconfortável na cadeira e desviou o olhar. — A iniciativa, claro, foi dela. Eu jamais arriscaria a deixá-la desconfortável.  

— Boa garota! E o mais importante: você está feliz? 

Ele olhou rapidamente para o amigo, que sorria, encorajador. Se ele estava  feliz ? Talvez a palavra sequer cobrisse a metade disso, então ele apenas acenou, quase imperceptivelmente.  

— Então estou feliz também. Sei que é um homem reservado, e muito cavalheiro, então eu jamais o constrangeria perguntando qualquer coisa além disso. Me importa que estejam finalmente decidindo agir sobre isso, no entanto. A tensão sexual ia matar todos nós, te garanto.  

— Bem, nós não, você sabe- 

— Sexo?  

— Sim. Quer dizer, não. Não fizemos. - Severo se atropelou nas palavras, perdendo a expressão divertida do Sr. Bernard. 

— As mulheres gostam de ir devagar. Isso é bom.  

— A decisão foi minha, se quer saber. Ela não parecia – ele tossiu – ser contrária a essa ideia. - Severo não mencionou, claro, que ela tinha especificamente dito  Eu quero você dentro de mim .  

Ele arriscou um olhar o Sr. Bernard, que havia ficado repentinamente calado.  

— Seu idiota! - Bernard exclamou depois de um tempo, jogando o pano de prato nele. - Você apenas não fez isso! 

—  Fale baixo  – Severo sibilou, se inclinando sobre a mesa.  

— Aquela garota está totalmente encantada por você! E você vem aqui e me diz que depois dela ter passado a noite na sua cama você simplesmente não fez  nada 

— Eu quis ser um cavalheiro! 

— E você está fazendo isso por você ou por ela? - Bernard retrucou, tentando abaixar o tom de voz – Porque parece que é mais por você. Está com medo de se envolver e vê-la partir.  

Severo se encolheu na cadeira, a cortina de cabelos negros escondendo o quanto as palavras haviam o atingido.  

— Severo, eu entendo. - Bernard continuou, mais paciente - Mas as coisas não tem que durar para sempre para terem importância! Se o hoje é tudo o que vocês têm, então que seja. 

O Sr. Bernard queria sacudir o homem a sua frente para ver a razão, mas vendo-o assim, parecendo totalmente perdido e sem saber como agir, com medo de dar um passo em falso e perder tudo, o desarmou. Bernard queria saber o que havia acontecido na vida dele de tão traumático que o deixara assim, completamente inapto para lidar com sentimentos e emoções quando haviam tantas borbulhando na superfície.  

Ele estava prestes a dizer algo menos duro quando o Severo finalmente quebrou o silêncio, sua voz tão baixa que se a cafeteria estivesse em seu movimento habitual Bernard sequer teria escutado. 

— Não estou preocupado comigo. Se amanhã ela decidir que não está mais interessada, vou dar um jeito de seguir em frente. Eu sempre dou. - ele deu de ombros, como se não custasse cada grama do seu corpo dizer isso.  

Bernard quase revirou os olhos. Quase. Ele sabia que se a Hermione fosse embora amanhã ele teria que reunir os casos do seu amigo inábil emocionalmente por toda a costa. Mas ele não diria isso, claro. 

— Então o que é? - Bernard insistiu. Ele queria com todas as forças que o Severo fosse feliz.  

— Só quero fazer tudo certo, com calma. Ela sofreu muito nos últimos anos e, bem – Severo parou, constrangido. Ele não era bom com palavras.  

— Entendo. - e Bernard entendia mesmo. — Você não faz ideia do que está fazendo, não é? 

Severo suspirou, se jogando na cadeira. O gesto desleixado era muito pouco característico dele. — Não.  

— Está tudo bem, meu filho. O segredo é: quando se trata do amor por uma mulher, nenhum de nós sabe.  

Bernard riu, e o Severo esboçou o menor dos sorrisos. — Então - o dono da cafeteria disse — vamos começar pela parte fácil: o que vai cozinhar para ela hoje? 

...  

O café da manhã n’Toca foi, como sempre, delicioso. Não só pela comida, mas por todo o clima de família e amizade que permeava todo o lugar. Em algum ponto, o café da manhã se misturou com o almoço e Hermione notou, divertida, que estava sentada a quase quatro horas comendo coisas deliciosas e colocando a conversa em dia.  

As crianças riam e corriam por toda a casa, brincando com os presentes recém desembrulhados debaixo da árvore. James realmente ganhara uma vassoura, para exasperação completa da Gina, e alegria incontestável do Harry e do George. E do próprio James, é claro, que agora gritava empolgado em volta da mesa.  

— Ninguém mandou você presentear uma criança de três anos com uma vassoura. - Gina disse para o Harry, que agora parecia pelo menos um pouco culpado.  

— Mas eu já disse, amor. Ela não ultrapassa um metro e meio do chão, e voa numa a 20km/h.  

— O que já é perigoso o suficiente para uma criança. 

Hermione sorriu. Mesmo brigando eles pareciam adoráveis, com um tom de voz que indicava que em menos de dez minutos tudo seria esquecido e eles estariam enrolados um no outro novamente.  

O que a lembrava...  

Mil borboletas voaram no seu estômago com a mera ideia de vê-lo mais tarde. Ela ainda podia ouvir a risada dele perto do seu ouvido, causando arrepios na sua pele. Por mais que ela estivesse adorando estar em família, o seu lar parecia estar a quilômetros de distância. 

Sua mente voou enquanto a conversa em volta dela parecia cada vez mais distante. Sua cabeça e o seu coração estavam na França, com ele. Mas ela sabia que precisava contar a verdade, ou jamais conseguiria se entregar por inteiro. Se ela levasse isso adiante sem ser totalmente sincera com ele, poderia estragar tudo. E perdê-lo... Ela honestamente não saberia como poderia sobreviver a isso. Não tê-lo nunca era doloroso o suficiente, mas ter e depois perder... Saber o que era estar nos braços dele, se sentindo tão protegida, segura, em casa. Se ela arruinasse isso jamais se perdoaria e- 

— Olá, Hermione. 

A voz doce e sonhadora da Luna a envolveu, tão limpa e suave que Hermione se perguntou vagamente se ainda estava sonhando acordada.  

— Luna? - Hermione se virou, sorrindo, e a envolveu num abraço caloroso - Não a vi chegando. Como você está? 

— Estava protegendo o jardim contra os Narguilés. Nesse tempo frio eles adoram circularem pelos visgos. - ela disse, com a voz sonhadora, enquanto se sentava na cadeira vazia ao lado dela.  

A conversa na mesa continuava alta e animada, e Hermione ficou feliz com a companhia tranquila e familiar de Luna. Ela aprendeu a entender a profundidade da sabedoria da bruxa com olhos sonhadores ao lado dela. Luna era forte, resiliente, doce, bondosa, e via muito mais do que ela jamais seria capaz de enxergar.  

— Temos sorte de tê-la por perto, Luna.  

Luna sorriu, tocando a pulseira de contas no braço esquerdo. Hermione a observou por um momento e percebeu o quanto ela havia mudado nos últimos meses, ainda que permanecesse exatamente a mesma.  

— Você está preocupada. - ela simplesmente disse, olhando para Hermione com aqueles olhos profundamente azuis que podiam enxergar muito além da superfície. Talvez até melhor que o mais perfeito legilimente.  

Hermione suspirou. Não adiantava mentir. — Estou, sim.  

— Não fique. As coisas vão acabar se acertando no final. Vocês dois não iriam conseguir ficar longe um do outro. Eventualmente, os seus caminhos se cruzariam, quer você tivesse ido atrás dele ou não.  

— O que disse? - o coração de Hermione estava disparado.  

Luna deu de ombros graciosamente, seu cabeço loiro reluzindo através do sol frio que entrava pela janela da cozinha. - Que simplesmente era para ser, Hermione.  

— Mas- 

— Admito que as circunstâncias dificultaram.  As vezes o destino gostar de pregar peças, e colocam duas almas tão distantes umas das outras que é quase impossível que se encontrem em uma única vida. Mas as vezes – ela parou, inclinando a cabeça para o lado - é o tempo que precisam para evoluir até o ponto em que possam se conhecer.  

Dizer que Hermione estava boquiaberta era pouco. Como a Luna conseguia fazer isso? Era e seria sempre um mistério. Hermione queria rir e chorar, porque de todos os seus amigos Luna era a menos disposta a julgar, e mais a compreender. Ela sempre entendia tudo, mesmo que as vezes desse puxões de orelha necessários com aquele tom de voz que nunca,  nunca  se elevava.  

— Ele pode não gostar quando descobrir que fui eu que o tirei do chão daquele lugar horrível. - Hermione murmurou baixinho. Era a primeira vez que ela colocava em palavras o que acontecera naquele dia.  

— Não temos o controle sobre como ele vai se sentir. - Luna concordou, suave. — Mas, talvez, se você tivesse contado isso na época poderia ter sido difícil para ele assimilar. Ele não entenderia porque ele já se via como um homem morto, sem motivos para ser salvo. 

Hermione estremeceu com a ideia de perdê-lo. Quando ela voltou, a imagem do corpo dele em uma poça de sangue a assombrara. Mas ela sabia o que tinha que fazer, e sequer pensou sobre isso. Mas o depois... foram anos tendo pesadelos não só sobre aquele dia, mas sobre aquela cena específica do seu pescoço profundamente ferido, e o olhar vazio de uma pessoa que não se importava mais em prolongar a sua existência. Ela havia sido egoísta?  

— Você o salvou com boas intenções, Hermione. Não se preocupe com isso.  

— Será? Acho que fui egoísta.  

— Ele teria uma morte horrível. Vazia e solitária. Você acha mesmo que teria sido o melhor? 

— Claro que não. Não me arrependo de forma alguma do que fiz. Voltaria e faria de novo. Mas não importa o que  eu  acho.  

— É claro que importa. Vocês estão mais ligados do que imagina.  

Hermione franziu a testa, e estava prestes a perguntar quando uma explosão de risadas contaminou o ambiente, distraindo-as. O George havia feito uma de suas pegadinhas para divertir as crianças e todos riram quando o pobre Arthur fora a vítima.  

— Muito engraçado. - Hermione o ouviu falar, rindo. Ela se virou para continuar a conversa, mas Luna já estava completamente entretida com o James no colo, distraindo um pouco da vassoura. 

O que quer que fosse que a Luna tentou dizer, ficaria para depois, porque a conversa na mesa também foi novamente interrompida quando o Ron entrou, seguidos de vários gritinhos animados de  “Tio Ron!” 

O sorriso de Hermione congelou, e todo o seu corpo ficou tenso. Todos se levantaram aos poucos para abraçá-lo e desejar Feliz Natal, e ela ficou estática na cadeira, sem saber o que fazer. Ela não o via a meses, numa tentativa fracassada da Gina de forçar uma normalidade num jantar entre os quatro no Gimmauld Place. Desnenessário dizer que foram duas horas difíceis com o Harry tentando a todo instante quebrar o gelo.  

De repente, a sala ficou silenciosa, e Hermione se levantou para cumprimentá-lo também. Ele parecia o mesmo Ron de sempre, embora um pouco cansado. - Ronald. - ela cumprimentou, educada, mas distante.  

— Hermione. - sua voz foi mais calorosa, e parecia sincera. — Feliz Natal.  

Hermione assentiu, desejando o mesmo em troca. Eles ficaram olhando um para o outro por alguns segundos, até que ele desviou, envergonhado, com uma mão na nuca e a outra no bolso.  

Ela não queria estar mais tão chateada com ele, mas era difícil. Hermione sempre soubera que ele não era a pessoa mais confiável, mas a amizade entre eles havia sido tão sólida ao longo dos anos que ela imaginou que seria o suficiente para um casamento. Não foi. E então houve a traição, a perda do bebê, e ele quase a fizera se sentir culpada. Ele estava chateado o suficiente para ir embora uma vez, e chateado o suficiente para acusá-la de algo horrível anos depois. Era muito doloroso superar isso. 

— Como está o trabalho? - ele perguntou, enquanto a Sra. Weasley dispensava todos para o jardim com a sutileza de uma grifinória, deixando-os a sós.  

Hermione cruzou os braços, encostando o quadril no braço do sofá. — Vai muito bem. Obrigada.  

Ron assentiu, colocando a mochila no chão enquanto encostava na parede. — Que bom.  

Eles se olharam por um tempo, numa estranha tensão que não existia quando eram apenas amigos, mas que ficou familiar nos últimos meses do casamento. — Como vai a loja? 

— Muito bem. Gosto de trabalhar de lá. - Hermione pode ver no brilho do seu olhar que ele gostava mesmo. Ela ficou feliz por ele, apesar de tudo. — E como vai a França? 

Estava claro que eles estavam passeando pelas águas seguras da conversa educada e cordial, porque ambos que se eles chegassem nos tópicos mais difíceis seria apenas um pulo para uma grande e exaustiva discussão.  

— Interior da Inglaterra, para a maioria das pessoas. - Hermione corrigiu, sorrindo placidamente. 

— Claro. - ele se corrigiu, mas Hermione percebeu a nota sarcástica na palavra.  

— Você quer dizer alguma coisa?  

Ele deu de ombros, e Hermione simplesmente detestava quando ele fazia isso. Era a maneira de dizer “quero parecer indiferente a isso, mas tenho muitas coisas a dizer”. Ela suspirou, já se sentindo exausta. — Apenas diga, Ron. Adiamos essa conversa por tempo demais. 

— Não era a minha intenção fazer isso no Natal. - ele respondeu depois de um tempo – Especialmente quando toda a família está no jardim, mas  o que você estava pensando?  

Hermione recuou, chocada. — Como assim? Você vai ter que ser mais específico. Penso em muitas coisas todos os dias, Ronald. Me diz você, o que devemos falar  primeiro 

— Você e essa obsessão, essa loucura de ir atrás  dele.  

— Ronald- Hermione deu a ele um olhar de aviso, mas ele ignorou. 

— Você está fazendo papel de idiota, Hermione. Ele tem uma vida lá, e você está sobrando. Não percebe?  

— Não, eu não percebo. - ela gritou quase ao mesmo tempo.  

— Ele deixou o mundo bruxo, ele largou tudo isso para trás. Ele provavelmente nem lembrava da sua existência até você tropeçar na sua loja, botica, seja lá o que ele tem. Não consegue ver isso? 

Hermione fechou os dedos em punho, sentindo as unhas quase cortarem a palma da mão.  Ron era odioso quando queria ser. - Não vim aqui para ouvir você falar das minhas escolhas. Elas são minhas, de mais ninguém.  

— Você deixou isso bem claro quando pediu o divórcio! - ele gritou. 

— E você quando me traiu! - Hermione respondeu, o dedo indicador em riste enquanto ela avançava na direção dele – E depois quando quase insinuou que havíamos perdido o bebê porque eu trabalhava demais.  

Ron recuou como se tivesse levado um tapa, desviando o olhar para o chão de madeira, mortificado. Sua expressão passou de raiva para culpa e remorso. — Estava com raiva. Eu jamais pensaria isso, Hermione. Você sabe.  

— Honestamente, Ron? Não sei. Você não é mais um menino a muito tempo, tem responsabilidade pelas coisas que fala. - Hermione suspirou. Eles mal conversaram e ela já estava sem energia. - Você me magoou profundamente, então não pense que pode simplesmente chegar aqui e me dizer o que fazer.  

Ron parecia perdido em sua própria casa, toda a ira anterior reduzida a pó. — Eu sinto muito, Hermione... Realmente sinto.  

Hermione piscou os olhos para impedir as lágrimas de caíram, mordendo o lábio inferior num gesto típico de ansiedade. Ela cruzou os braços sobre o peito e assentiu, embora ela não soubesse exatamente para o que. - Não vou estragar o Natal das crianças com isso. Quando estiver pronto para conversar como um adulto, peça ao Harry para entrar em contato comigo.  

Ela não esperou por uma resposta quando passou por ele em passos largos em direção ao jardim. Estava na hora de voltar para casa. 


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