Maré de Caos - A Ordem de Ouro escrita por Manon Blackbeak


Capítulo 3
A Ilha das Fadas - Capítulo 3




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O copo vazio de vidro foi colocado no balcão, com um tanto de rispidez. Antes de ser servido com o rum quente. Dentro do navio, seguindo um dos corredores internos e escuros do Carcaça Negra, havia uma espécie de bar. Uma sala separada, onde os marujos faziam suas refeições, mas onde também havia um enorme balcão, com uma estante de bebidas no fundo. Do outro lado, havia janelas redondas de vidro, que possibilitavam a visão da rua, da claridade da manhã, e da paisagem se movimentando fora do navio.

Haviam começado o trabalho de desancorar assim que Denzel e Darthurin colocaram os pés no convés, bem como pouquíssimos homens que estavam acompanhando o pirata ― menos de uma dúzia. Então haviam se dirigido para aquele local, que no momento, estava devidamente desocupado e ficava longe o suficiente do barulho da rua.

― E então, como andam os negócios no Forte da Caveira? Quando soube que você abandonaria os mares por um tempo, confesso que fiquei surpreso. O Darthurin que conheço não é o tipo de homem que abandonaria um navio.

Como se ainda estivesse preso em seus pensamentos, Darthurin se recostou no balcão, bebericou o rum servido, e soltou um suspiro.

― Sabe qual é a ruína de um homem, meu amigo?

― Mulheres? Ouro? Rum? ― Edward questionou, sem sequer encostar um dedo na bebida disposta a sua frente.

Denzel tomou todo o rum servido em um único gole, fez uma careta e serviu mais. Perguntar para Darthurin sobre assuntos sentimentais, era o início de uma conversa confusa e nem um pouco linear.

― A primeira opção. Mulheres. Mas, mais do que isso, a ruína de um homem é amar uma mulher, tão incondicionalmente que passa a amar mais ela do que a si mesmo. ― Darthurin brindou para o ar, com uma expressão melancólica. Antes de beber todo o copo. ― E pior ainda, se esta mulher, parecer ser a coisa mais única e arrebatadora desde universo miserável. ― Quando bateu o copo no balcão e encarou o outro capitão, seu olhar era frio. ― E a coisa se torna ainda mais perigosa, quando ela abandona e trai você.

― Não me diga que estamos falando de Iara, aquela mulher desgraçada. ― Edward gesticulou de forma divertida, embora em seus olhos, a expressão mostrava o contrário. Denzel engoliu em seco, já sabia o final da história, mas deixaria que Darthurin terminasse.

― Não! Pela Bruxa do Mar, não. Qualquer coisa, menos aquela sereia desgraçada.

― Então é verdade, Iara da Maré vermelha é uma sereia? ― Questionou Denzel pensativo, embora estivesse animado em conseguir uma brecha para poder participar do assunto.

Mas, antes que um dos capitães respondessem, um homem entrou, passando por uma porta que havia atrás do balcão. Era alto, esguio, e os cabelos, longos e pretos, eram trançados e adornados com miçangas. A pele escura, indicava origens sulistas, mas as orelhas, eram levemente pontudas. O que quase deixou Denzel assustado, jamais vira um mestiço, um filho de pai ou mãe fae.

― Iara da Maré Vermelha é uma sereia, e é a criatura mais perigosa que já ouvi falar. ― Respondeu o marujo, com a expressão fria e os olhos dourados como o sol. Tinha um sotaque diferente, que não foi possível identificar. Mas parecia dominar muito bem a língua comum. Contudo, se não fosse pelas roupas claramente masculinas e a estatura alongada, Denzel teria se questionado se não era uma mulher. O delineado e a sombra dourada que usava sobre os olhos, os lábios grossos e pintados de um marrom mais escuro que o tom de sua pele, o tornava uma criatura singular. Bom, pelo menos Darthurin não seria a única pessoa estranha e extravagante naquela viagem. ― Não abra o meu melhor rum, sem a minha autorização. ― A expressão fulminante encarou Edward, sem um único traço e hesitação, antes de pegar a garrafa e colocá-la novamente na estante de bebidas.

― Este é Mordan, nosso cozinheiro e responsável pelo bar. Vocês vão vê-lo com bastante frequência. ― Edward respondeu, ignorando o fato de que o mestiço parecia desprezá-lo. ― Ele uniu-se à tripulação não faz muito tempo, alguns meses, não mais que um ano. O nosso último cozinheiro acabou morrendo em um saque no sul de Darllarya. Foi sorte encontrá-lo na mesma semana, na Ilha das Fadas.

― Um mestiço dentro do território de Sidgar, esse é um evento raro. ― Darthurin ponderou, analisando o homem do outro lado do balcão.

Mordan soltou um estalo com a língua, visivelmente incomodado.

― Sidgar é uma terra amaldiçoada, não vejo a hora de passarmos pela Muralha Cintilante e ir embora daqui. ― Rebateu, antes de atravessar para o outro lado do balcão, e abrir outra porta, o cheiro de gordura e peixe ondulou pelo ar, e Denzel conseguiu constatar que Mordan deveria estar se dirigindo para a cozinha. Bom, frutos do mar para o almoço, então.

Edward virou-se, coçando a barba negra, com a expressão indecifrável.

― Primeiro tomam conta da nossa cozinha, depois, de nossas mulheres. Este mestiço está na tripulação apenas porque faz um bom trabalho.

Darthurin ergueu as sobrancelhas e balançou o copo vazio, sem encarar o outro capitão.

― Fiquei sabendo que você havia se casado.

― De fato. Uma jovem, na época, tinha apenas dezesseis anos. ― Respondeu Edward, e se Denzel estivesse com a boca cheia de rum, teria cuspido tudo imediatamente. Pelos Deuses, dezesseis anos é jovem demais para um homem como o pirata. Ele certamente tinha idade para ser seu pai, ou avô. ― Completou dezoito anos no último verão, e começou a agir como se tivesse alguma autoridade sobre mim. Mas resolvi o problema, se ela era tão rebelde e revoltada, que gastasse sua energia com os meus homens.

Aquele último detalhe quase fez Denzel vomitar. Sorte que estava acostumado com a navegação, se não, aquele leve movimento do navio se deslocando, certamente faria com que colocasse o jantar do dia anterior ― e talvez, seus órgãos ―, para fora.

― Desde então, tem se comportado melhor. Mas às vezes passa o dia inteiro na companhia deste mestiço bastardo. ― Não havia um pingo de sentimento nas palavras e nos olhos do capitão, apenas frieza indiferente e calculada.

Darthurin pareceu não se abalar, mas desviou o olhar para o restante do salão.

― Creio que teve seus motivos para ter se casado.

― Ah, claro. A família dela estava falida, mas possuíam uma relíquia que era do meu interesse. Ofereceram como dote, em troca de alguns quilos de ouro e a mão da mais bela filha do patriarca da família.

Denzel coçou a garganta, tentando chamar atenção, em uma tentativa de desviar o assunto. Se continuassem com aquela conversa, ele certamente não conseguiria olhar na cara de nenhum dos capitães por um tempo.

― E a Ilha das Fadas? Tem uma previsão de quantas horas devem levar até chegarmos lá?

― Ao anoitecer, creio eu. ― Respondeu o capitão do Carcaça Negra, dando levemente de ombros. Se estivessem viajando pela terra, levaria pelo menos uma semana para viajar até a divisa entre Alaros e Havilah, no sul. Considerando que a Ilha das Fadas ficava próxima daquela região, há quilômetros do mar. E eles estavam partindo da divisa de Edésia com Havilah, ao norte.

― Mas é noite de lua cheia. ― Rebateu, era arriscado demais. ― As sereias da Ilha das Fadas, vão atacar. ― Não era um mistério aquele fato. Havia um aglomerado de sereias vivendo naquela região, e em noites como aquela, elas atacavam. Quando a lua estava mais clara, era mais fácil identificar os botes de madeira se aproximando.

― Somos piratas, arriscar nossas vidas, é como acordar de manhã e beber café. Faz parte da nossa rotina. E vamos mandar alguns barcos na frente, é possível arriscar alguns homens, para chegarmos no horário para a reunião anual da Ordem de Ouro. Considerando que já estamos atrasados.

Denzel ficou em silêncio, absorvendo cada informação. Ao cair da noite, eles chegariam na Ilha das Fadas, haveria uma reunião entre os lordes piratas, o que era um tanto preocupante, considerando que a capitã do Maré Sangrenta havia capturado o Colossal de Darthurin.

E naquela reunião eles não conseguiriam ter qualquer sucesso na tentativa de capturar o navio, afinal, Iara era esperta e cruel demais para deixar tudo tão fácil daquele jeito. Ventos de caos certamente iriam se misturar aos ventos marinhos.

***  

Quando sua cabeça emergiu da água, Nerine já havia transmutado para a forma meia humana. Os cabelos negros boiavam no mar, e ela se mexia lentamente com as ondas. Seus olhos, de um lilás brilhante, combinavam com suas cores da sua forma de sereia. A maré estava tranquila, e ela balançava lentamente. Mesmo que seus movimentos sutis embaixo da água garantissem que não saísse do lugar.

― Corália, você aqui de novo. ― Resmungou, enquanto observava o horizonte.

― O navio que está se aproximando, é o Carcaça Negra.

Aquele nome, era conhecido demais para fazer Nerine hesitar. Ao longe, podia ver as velas negras despontando, ainda que não tivessem atravessado a Muralha Cintilante. O sol baixava, então provavelmente os tripulantes desceriam e navegariam até a Ilha das Fadas, ao anoitecer. Bom. Trabalho à vista.

― Os outros lordes piratas chegaram à ilha durante o dia, foram espertos. Mas esse? É tolo demais ao querer se aproximar em uma noite como essa.

Corália não se aproximou, mas observou Nerine antes de responder. Também estava em sua forma humana, a pele escura combinava com a cor ruivo dourado dos cabelos, era diferente, exótica. Irritantemente bonita. Assim como todas as sereias eram.

Nerine por vezes se questionava se Corália tentava fazer algum tipo de amizade com ela, era a única do cardume que tinha coragem suficiente para se aproximar com tanta frequência. Geralmente, as outras, evitavam contato.

― Homens no geral são tolos. Servem apenas para reprodução. ― Disse ela.

Ao menos naquele detalhe, precisavam concordar.

Mas Nerine não falou mais, quando acenou para a outra sereia e mergulhou novamente, estavam há algumas centenas de metros do navio, e poderiam nadar sem pressa até os homens começarem a se aproximar da Ilha das Fadas.

Aquela era sua vida. Não havia muito propósito, precisava concordar com aquele fato, mas o desígnio há muito tempo havia se perdido. Então Nerine nadava, descansava, nadava e descansava. E matava homens, para saciar seus desejos vazios, para continuar vivendo naquele lugar. Como um ciclo.

Como redemoinhos do caos, que giravam, giravam e giravam. E talvez, bem lá no fundo, ela também procurasse um pouco de ordem para complementar.


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