Problema complicado, solução simples escrita por Bianca Lupin Black


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Obrigada à Esmeralda pelo comentário no capítulo anterior!
Espero que gostem!



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O zunido tranquilo das máquinas de café, o aroma dos salgados, os cumprimentos trocados por funcionários e clientes e o arranhar delicado da porcelana compunham a trilha sonora que se repetia dia após dia na cafeteria Hollywood Club. Alex respirou fundo ao amarrar o avental nas costas. Nada diferente acontecia numa terça-feira.

Nos primeiros momentos do expediente, o lugar ficava cheio de pessoas apressadas. Empresários, estudantes, pais... gente de todos os tipos se reunia ali para passar um tempo reclamando que estavam perdendo tempo.

À tarde, o ponto de encontro era dos adolescentes em busca de lanches bonitos para fotos do Instagram. E conforme os ponteiros se aproximavam das quatro horas, os jovens escandalosos eram substituídos por aspirantes a escritores e roteiristas com laptops e blocos de notas. Eram os mais muquiranas nas gorjetas.

Rodinhas rasparam na calçada perto da porta de vidro. Um garoto com pele cor de mel e cabelos compridos carregou o skate para dentro. Ele usava equipamento de proteção completo, arranhões fininhos mostravam anos de uso, assim como os de crianças que apareciam com os pais. Ele se encaixaria na multidão, se não fosse pelo capacete com uma grande rachadura no lado esquerdo.

"Bom dia", Alex disse quando chegou a vez dele. "O que posso te trazer hoje?"

"Bom dia", o garoto respondeu com um sorriso. "Eu quero um cappuccino e um cachorro-quente assado."

"Eu também gosto deles", Alex pegou um copo sob o balcão. "Seu nome?"

"Willie."

"Nove dólares", finalizou um sorriso sob o e no copo.

"Este é para o seu chefe", entregou uma nota de dez. "E este é para você", deslizou um guardanapo com um telefone riscado e saiu para uma baqueta perto do barista.

"Luke", Alex abandonou o balcão, causando um vinco na cara já fechada de um homem de meia-idade. "Troca comigo."

Luke deixou o copo de café com leite e virou-se para o homem como se estivesse atendendo há dez minutos. Alex protegeu o guardanapo no bolso da calça, acrescentou essência de macadâmia ao pedido, entregou-o para Hillary e olhou o painel de pedidos.

Preparou o cappuccino – com dose extra de canela – e retirou o cachorro-quente mais dourado que encontrou na vitrine, chamando por Willie.

"Eu sou Alex, a propósito."

Com uma piscadinha, Willie tomou o primeiro gole.

"Canela! Legal. Obrigado."

"Disponha."

Quarenta minutos mais tarde, Luke carregou o baterista pelos ombros de volta ao balcão. A pressa dos clientes começava a diminuir, e ele precisava que uma xícara de expresso o impedisse de estalar os dedos na cara do próximo imbecil que ficasse encarando o celular em vez de dizer o que queria.

Assim que as últimas gotas pararam, preparou uma xícara de chá de hortelã e deixou entre o balcão e a vitrine, onde apenas Alex poderia ver.

"Valeu."

"Você merece."

"Eu não entendendo", Luke mordeu seu panini de presunto, estavam almoçando em uma das mesas da calçada. "A gente come cachorro-quente em casa e você reclama por uma semana, mas a única coisa que você come aqui é isso", ele apontou o cachorro-quente assado à frente de Alex.

"Não é a mesma coisa."

"Sabe o que não é a mesma coisa? Um menino, muito bonito, por sinal, te dar o número dele. Vai ligar para ele?", o garoto se inclinou para frente. "Eu posso ouvir?"

"Vou mandar uma mensagem", Alex levantou e se espreguiçou, o rosto aquecido pelo sol. "Preciso passar mais tempo fora de casa."

"Acho que ele gostaria de te fazer companhia durante esse tempo."

Alex digitou um "oi" para Willie e disse a Shelby que ele assumia dali. A garota agradeceu e correu em direção ao armário de limpeza. Ele ajudava uma senhora a escolher entre cobertura de amendoim ou de baunilha no momento em que o alerta de uma mensagem atingiu seus ouvidos.

Seus dedos pegaram o aparelho antes de estenderem o troco. A cliente seguinte, uma ruiva com lentes de contato, disse que podia esperar enquanto ele atendia o celular.

Willie respondera com "oi" e uma carinha sorridente. Alex conseguiu digitar "tudo bem?" e pediu que Luke guardasse seu telefone até chegarem em casa. O guitarrista enfiou o celular no bolso, depois desapareceu no estoque atrás de Shelby.

No final do expediente, Maisie segurava o cabo da vassoura com força demais, mas uma tartaruga varreria mais rápido. Shelby lavava a louça, mas não deixaria ninguém feliz com a conta de água. Alex fechava o caixa, e a cada 45 segundos, precisava buscar uma moeda que beijou o chão. Luke fazia a lista de compras, só que parecia estar numa longa fila de caixa.

"Eu pago um lanche para a alma caridosa que ligar para ele", Luke levantou o assunto e cabeças se abaixaram ao seu redor.

"Não podemos mandar um email?", Maisie guardou a vassoura.

"Ele nunca olha", Luke respondeu. "Mas sempre aparece quando não tem chá gelado."

"E se ligarmos todos juntos?", Shelby sugeriu. "Pelo menos, poderemos dar as mãos enquanto ele grita."

"Uma coisa diferente", Alex aprovou. "Para variar."

"Mais uma?", Luke colocou o celular na mesa e ligou. "Caleb?"

"Não é o Caleb."

"Willie?", a voz de Alex ficou estranhamente fina.

"Alex? Oi! Eu estava pensando em te ligar."

Os dedos de Alex ficaram mais frios. Foi ajudado por Shelby a se sentar. Ganhou um copo d'água – cortesia de Maisie, que piscou para Luke quando Alex não estava olhando.

"Como foi seu dia?", a voz de Willie sobressaltou-se às orelhas de Alex.

"E-excelente. E o seu?"

"Andei numa pista irada depois que passei na cafeteria. A gente podia ir lá qualquer dia desses."

Luke, Maisie e Shelby olhavam-no com euforia. Alex queria estrangular cada um deles, mas não poderia estar na cadeia se quisesse sair com Willie.

"Eu adoraria."

"Legal!", um segundo de silêncio. Alguma coisa atingiu o chão no outro lado da linha. "Eu derrubei o celular. Hã... escuta, eu tenho que ir. A gente se fala."

"Tchau."

Alex esfregou a nuca e um prato de bolinhos apareceu em suas mãos.

"Ei, Luke, me empresta o seu celular de verdade?", Shelby pediu. "Vou ligar pro capeta", Alex quase engasgou de tanto rir. "Eu disse capeta? Quis dizer Caleb."

♫♫♫

"Você é um cretino, mas um ótimo amigo", Alex abriu a porta de casa.

"Sei disso. Reggie! Chegamos."

"Na cozinha!"

O frango com molho borbulhava na panela. O arroz esperava-os sobre a mesa. Alex puxou uma cadeira e encheu o prato.

"Meu Deus, Reggie! Isso tá uma delícia. Lembre-me de agradecer à Carrie."

"Ao Ray", Reggie corrigiu. "E nunca mais diga esse nome sob meu teto."

"Quer explicar?"

Uma narrativa no melhor estilo J. R. R. Tolkien da aula de Física foi a resposta que obtiveram. Luke socou a mesa ao final.

"Eu esperava aplausos", Reggie admitiu.

Alex esfregou o pescoço. Parte dele queria continuar comendo, mas outra estava enjoada demais. E se o rosto dele estava verde, o de Luke estava escarlate. Reggie empurrou o prato e encarou os companheiros de banda.

"E se a reunião fosse na garagem?"

"Melhor ideia de todas", Luke declarou, limpando o canto da boca.

Tocaram a campainha, passaram por Ray – Alex gritou um agradecimento pela receita de frango – e bateram à porta da garagem.

"Por que não falou nada sobre o que a Carrie fez?", Luke se jogou no sofá.

"Você contou?", Julie encarou Reggie.

"Escapuliu. Desculpa."

"Tudo bem, eu não pedi segredo", ela sentou ao lado de Luke. "Eu não contei porque...", respirou fundo "porque ela pode ser contato importante e eu não queria me meter nos assuntos da banda."

"Ela te meteu nos assuntos da banda quando fez piadas cruéis com você", Alex respondeu.

"Tive uma ideia!", Flynn se pôs de pé. "Deste lado, temos uma banda que precisa de um quarto integrante, mas não tem. E desse lado, temos uma vocalista sem banda. Não sei vocês, mas eu acho que três mais um dá quatro."

"Eu não entendi."

"Gravem um clipe! Tem equipamento e música de sobra aqui."

"Se colocarmos no YouTube, podemos conseguir mais shows."

"E podemos comprar mais comida!"

Alex e Reggie foram buscar suas coisas, Flynn foi pedir uma câmera emprestada, Luke e Julie revistavam suas ideias.

"Ai, meu Deus. O que vamos tocar?", Luke correu os dedos pelos cabelos. "Nada parece bom."

Julie afastou o caderno. Palavras saiam da boca dele, mas não formavam uma frase que prestasse. Suas mãos não paravam de se mover.

"Respire comigo", ela pediu. "Consegue fazer isso?"

Luke observou o que ela queria que ele repetisse. Respirar fundo. Prender a respiração por quatro segundos. Soltar o ar. Respirar fundo. Cada movimento minúsculo do corpo de Julie ia imediatamente para a sessão de memórias importantes da mente de Luke. Como um aluno promissor, ele exibiu a tentativa.

"Muito bom! De novo."

Repetiram o exercício por mais cinco minutos. Luke declarou que estava pronto. Ela puxou a caixa de tampa branca e tirou todas as folhas até encontrar a que desejava.

A câmera chegou, o bumbo foi para o lugar, os cabos foram ligados e Julie se pôs em frente aos outros, a página dobrada em suas mãos.

"Eu escrevi uma coisa para vocês e acho que é hora de mostrar. O nome é This band is back."

Primeiro, ela cantou. Alex começou a batucar nas coxas, marcando o tempo. Os lábios de Luke se abriram num sorriso e não fecharam até ela parar.

"Você. É. Um. Gênio", Reggie estalou um beijo na bochecha dela. "Em nome da Sunset Curve, muito obrigado."

"Disponham. E aí? Vamos gravar ou não?"

Luke não acreditava que Julie fosse real. Quando cantava, ela era a música. Não ficava parada, sempre marcando o ritmo. Até seus cabelos serviam como metrônomo. Flynn gravou alguns ensaios, mas a lente não registraria a intensidade das cores que explodiam de Julie.

"Eu não consigo parar de tremer!", Flynn reclamou. "Fiquem à vontade para ver, vou buscar o Ray", marchou para a casa.

Julie pegou a câmera e a banda formou um casulo ao seu redor. Assistiram sete performances de mesmo nível – extremamente alto, caso alguém queira saber –, as únicas diferenças eram os tremores esporádicos, e o fato de que, a cada tomada, o queixo de Luke caía mais.

"Se continuar assim, teremos que arrumar um babador", Alex bateu nas costas de Luke.

"E você terá que tomar cuidado para não latir na hora de cantar", Reggie riu.

"Gente, eu ainda estou aqui."

"A culpa não é nossa se ele olha para você feito um cachorrinho", Alex objetou.

"Ei! Eu estou presente no recinto."

"Sim, Luke. A ideia é justamente você perceber que precisa chamar Julie para sair. Pelo bem da sua imagem."

Tão simples quanto uma equação de quarto grau com frações, Luke pensou.

"Acabou o intervalo. Hora de arrebentar", Flynn anunciou, tirando uma foto com o celular. "Essa vai dar um post muito bom", ela sorriu para si mesma.

Ray ligou a câmera. Alex bateu as baquetas. Reggie deu os acordes. Julie trouxe a letra para a festa e Luke juntou-se a ela.

Ela nunca conseguiria pegá-lo de surpresa ou fazer uma pegadinha de assustar. Porque ele sempre percebia sua presença. Antes que ela abrisse a boca, ele já escutava sua voz.

"Isso foi animal!", Alex exclamou. "Você arrasou, Reggie. O riff foi..."

"Só surgiu na minha cabeça, e eu sabia que tinha que fazer."

"Você foi incrível", Julie disse a Luke. "Eu assisti todos os seus vídeos e nunca tinha visto tanta entrega a uma guitarra até hoje."

"Bobby era um pouco dominador."

"Que bom que está livre dele, então."

Você nem imagina quão bom isso é.

Os dedos de Luke procuraram os de Julie. Ele ouvia-a cantando, alto e claro, como se ainda estivessem gravando. Bem ao fundo, abafado pela música arrebatadora que tocavam, Ray os parabenizou pelo bom trabalho.

"A letra é dela", Flynn falou.

"Parabéns, mi hija!"

"Oi?", Julie sacudiu a cabeça. "Ah, a música? Obrigada, pai."

O jantar – de verdade agora – foi espaguete com queijo. Flynn mencionou alguma coisa sobre a foto ter gerado curtidas e seguidores. Alex a ouviria falar de como estavam populares por horas, mas a chegada de uma mensagem de Willie o distraiu.

Eu não sabia que você tinha uma banda. O som de vocês é irado.

Valeu! Como nos achou?

Todos os meus amigos compartilharam a sua foto. Então, eu assisti uns vídeos e percebi que haviam rostos familiares. Quer dizer que, além de barista, você arrasa na bateria nas horas vagas?

Na verdade, eu sou um baterista que serve café nas horas vagas.

Faz sentido. Então, baterista barista, está livre no sábado à noite?

Não. Vou sair com um skatista. Ele disse que vai me levar a uma pista irada.

Oh, aproveite seu encontro. Acabei de lembrar que marquei de sair com um baterista. Acho que vou comprar um cachorro-quente assado para ele.


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