Problema complicado, solução simples escrita por Bianca Lupin Black


Capítulo 19
Capítulo 19




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/795969/chapter/19

“Ok, pessoal. Temos um último recado antes de terminar. A escola está organizando uma apresentação para angariar fundos no fim de maio. A partir de quinta-feira, vamos trabalhar com a turma de teatro para a montagem.”

Palavras murmuradas chegaram aos ouvidos de Julie. Agitadas, tensas, esperançosas... de todo tipo. Ela não entendeu a maior parte.

Reggie comentava com uma colega sobre a possibilidade de a Associação de Pais e Mestres permitir que encenassem uma versão de Hamilton.

“Sem chance, é legal demais para a APM aprovar”, Flynn puxou-o pela mochila, sacudindo a cabeça. “Provavelmente só poderemos fazer Annie ou algo assim.”

“Reginald, Julie, podem esperar um minuto?”, pediu Alice. “Eu conversarei com o professor Hamilton, se for preciso.”

Flynn se despediu com os dois polegares para cima.

A professora recolhia as partituras, cantando para si. Tendo apanhado a última, voltou-se para os estudantes com um suspiro.

“Não imagino o que têm passado em casa, mas já que está afetando seu desempenho escolar, me vejo na obrigação de ao menos perguntar se está tudo bem.”

“Nós... perdemos pessoas muito importantes”, Reggie esquivou o olhar.

“Eu sinto muito.”

Os estudantes se calaram enquanto ela explicava a perigosa situação acadêmica deles:

“Infelizmente estão devendo muita carga horária para compensar apenas com a participação nas aulas”, foram estendidos formulários de inscrição para a peça. “As audições serão na quinta. Caprichem.”

Porta fechada atrás de porta fechada. Os corredores comportavam dezenas de estudantes em qualquer momento, exceto aquele. O silêncio era a única resposta ao chamado de socorro.

“Valeu”, Julie disse quando pararam em frente à casa Molina.

“Estou aqui para isso”, ele sorriu e piscou. “Sobre a aula de música: a gente vai dar um jeito.”

As mãos unidas trocavam calor e incerteza. Reggie dava carona para Julie em sua bicicleta todas as tardes e ainda não conseguia olhar para a construção amarela sem sentir um aperto na garganta.

Assim que saíram do tribunal, os quatro tinham se enfiado na garagem para comer pizza e chorar até soluçar.

Antes de ir embora, Luke abraçou Julie o mais apertado que seus braços permitiam e beijou cada centímetro de seu rosto, prometendo manter contato e visitá-la. Depois de quatro abraços em grupo – com direito a pulinhos e tudo mais –, eles enfim partiram.

As respostas às mensagens enviadas por Julie levavam dias para chegar, isso quando chegavam, e ninguém veio vê-la.

Atolados em dever de casa até o pescoço, Reggie e ela tentavam sobreviver ao último ano do Ensino Médio. Enquanto isso, Flynn estava determinada a trazer mais artistas para a Double Trouble e passava noites frequentando cafés hipsters e até um ou dois bares.

“Estamos vivendo as consequências do fracasso ou apenas crescendo?”, era uma pergunta que Reggie costumava fazer quando tinha lição de Filosofia.

“Pergunta pro meu pai”, era a resposta-padrão.

O canal de Julie não recebeu nenhuma atualização e as pessoas não a paravam mais para fotos na escola. Isso até que não era tão ruim, fazia-a sentir que nada havia mudado.

Contudo, chegar mais cedo em casa significava esbarrar mais vezes com Ray e ter que ver aquele olhar preocupado em seu rosto.

“Eu estou bem, papa”, ela sempre dizia. “Só estou cansada por causa da escola.”

Esfregando a manga da jaqueta sob o nariz, Reggie forçou os pedais rua afora.

A nova rotina de Julie envolvia passar todo o tempo livre na garagem fazendo a lição de casa e criando uma fanfic mental sobre como as coisas poderiam ter sido.

Lá estava ela, com os livros abertos sobre a cama, a caneta pendurada nos dentes e os fones de ouvido explodindo a playlist de heavy metal mais popular do mês.

“Posso interromper?”

Julie jogou os materiais para baixo do travesseiro e parou a música. Carlos pulou no colchão, olhando-a com a perícia de um arqueiro.

“Eu estou preocupado”, ele ergueu o indicador. “Flynn está preocupada”, levantou o dedo médio. “Papai está preocupado”, o anelar despertou. “Até o senhor Daves está preocupado!”, agitou a mão aberta.

Julie esfregou a nuca.

“Eu não queria que chegasse nisso. Achava que daria conta dos meus próprios sentimentos.”

“Jules, eu sou seu irmão. Isso é parte do meu trabalho”, ele revirou os olhos de brincadeira. “Voltando às pessoas preocupadas, o senhor Daves vai levar você, Reggie e Flynn a uma galeria de arte amanhã, depois da aula. Para relaxarem.”

Flynn se recusou a revelar um detalhezinho sequer sobre a galeria. Ela resistiu à cara de cachorrinho de Reggie! Ela não abriu o bico nem mesmo quando já estavam no carro. E o senhor Daves só fazia rir no banco do motorista.

“Divirtam-se!”, ele gritou ao manobrar.

A “galeria” mais parecia uma feira livre, com bancas repletas de filtros de sonhos. Flynn não estava nem aí para os hippies oferecendo brincos de pena. Os passos firmes dela ditavam a direção até o prédio de um andar e paredes brancas.

Depois das portas automáticas, encontraram pinturas, fotografias e esculturas que também tinham a função de organizar o fluxo. As imagens tampouco despertavam interesse em Flynn.

Quando Julie perguntou por que raios estavam ali, Flynn respondeu com o braço estendido, mostrando um jovem sorridente. Ele discursava sobre suas fotos para um grupo de quinze pessoas, ao qual os três não demoraram a se juntar.

A exposição era composta de esquinas de Los Angeles. A mais bonita exibia um rapaz loiro olhando para a câmera por cima do ombro. O queixo de Julie caiu. Ergueu o olhar e viu Willie apontando para a imagem de um parque na luz crepuscular. O grupo se dispersou, aplaudindo o artista.

“Há quanto tempo!”

“Pois é”, Julie abriu um sorriso constrangido. “Adorei suas fotos.”

“Obrigado. Querem ver minha favorita?”

“Adoraria”, Flynn já ia esticando o pescoço.

Julie não conseguiu se mover. Seu primeiro beijo foi registrado por Willie.

“Por que ela não está junto com as outras?”, perguntou Reggie.

“Porque eu não consegui permissão dos fotografados. Alex disse que são Julie e Luke, mas não dá para ter certeza”, seu olhar e sorriso maliciosos focaram Julie.

Claro que somos nós, Willie. Pode expor, se quiser.”

Willie sorriu ainda mais e agradeceu.

“Trouxe seu almoço, Willian”, Reggie travou ao ouvir aquela voz alegre.

“Obrigado, Alexander”, Willie gargalhou. “Pessoal, este é o Alex. Alex, estes são os meus amigos.”

Reggie pulou nos braços do baterista e Alex o rodopiou. Flynn e Willie deram um high-five. Julie foi a próxima a abraçá-lo. Frases clichês de reencontro passaram pelas mentes de ambos, mas nenhuma chegou aos lábios.

Willie tirou muitas fotos dos músicos a pedido de Flynn.

“Tudo isso será material para o comeback”, ela garantiu.

“Espero que em breve”, ele capturou o rosto de Reggie. “Tá vendo aquela garota ali?”, gesticulou para uma universitária com violão nas costas. “A banda dela tem quase duzentos mil likes no YouTube.”

“Hora de levar adiante a palavra da Double Trouble. Vejo vocês depois.”

Willie voltou a explicar seu trabalho para os visitantes. Alex se ofereceu para guiar os amigos em um passeio pelas fotografias dos conhecidos de Willie enquanto punham o papo em dia.

“O que têm feito?”

“Bem, nós começamos uma dupla country. Vamos lançar nosso primeiro álbum no dia dos namorados”, Julie se espreguiçou como uma gata ao sol. “Na verdade, isso é o que vamos fazer se a escola não acabar conosco até junho.”

“Suponho que Luke não tem falado com vocês.”

“Não mesmo”, Reggie sacudiu a cabeça. “E com você?”

“Muito menos”, Alex baixou o olhar.

A única coisa que fazia Alex sorrir antes de reencontrar Reggie e Julie era lembrar do sorriso de Willie. O garoto se sentia muito solitário, já que os pais trabalhavam viajando e não o visitavam nem no Natal. Ele se mostrou mais do que disposto quando Alex pediu para ficar na casa dele “por alguns dias”.

“O quanto precisar.”

Ele dera uma piscadinha enquanto arrumava o colchão extra, usado poucas vezes antes de Alex ser convidado a se juntar a Willie em sua cama.

“Agora que sabemos que você está vivo, por que não aparece na minha casa para uma noite de tacos? Willie será muito bem-vindo também.”

A lembrança daquele jantar... as pessoas felizes, rindo e bem-alimentadas. Mais um pouco disso não faria mal.

Reggie pediu trocados para comprar amendoins coloridos. Julie entregou as moedas pedindo que ele comprasse para ela também.

“Devíamos passar na casa dos pais do Luke. Ele pode estar lá”, ele sugeriu.

“Apesar de tudo, é um lugar onde eu gostaria de encontrá-lo. Pelo menos, estaria a salvo de confusões.”

“Principalmente as causadas por ele mesmo”, ele desviou o olhar. “Eles têm um quartinho nos fundos, perfeito para ele descontar as emoções.”

“Quando nós vamos?”, Reggie entregou os amendoins e pendurou-se nos ombros de Alex.

“Eu não senti falta do Reggie bisbilhoteiro.”

“Ele sempre vem junto com o Reggie-padrão. DLC obrigatória”, ele deu de ombros. Então, quando?”

“A casa dos Patterson não é tão perto assim”, Alex fez alguns cálculos. “É melhor irmos num sábado.”

“A Romance 42 acaba de entrar para a Double Trouble!”, Flynn anunciou.

“Temos que comemorar!”, Julie anunciou. “Tacos?”

“Tô dentro”, Reggie jogou o último amendoim para cima e pegou com a boca.

“Vou ajudar Willie a guardar as coisas.”

Com um último abraço, Alex permitiu que eles fossem embora.

♫♫♫

“Essa é uma boa ideia?”

“Só tem um jeito de saber”, Julie espremeu a campainha.

Emily abriu a porta. Suas mãos estavam enfiadas num pano de prato e seus cabelos foram amarrados em um coque bagunçado.

“Oi”, Julie deu um aceno fraquinho. “Luke está?”

Depois de soltar um suspiro de estafa, ela os levou até a sala de estar. No console da lareira, havia uma sequência de fotos da família, evidenciando Luke na infância e pré-adolescência. Foram servidos de limonada e pão caseiro.

“Então, Luke?”

Mitch sacudiu a cabeça.

“Não falamos com ele desde a festa. O que aconteceu?”

Alex e Reggie trocaram um suspiro longo e um olhar pesado.

“Perdemos a casa”, o baterista revelou.

Emily levou as mãos à boca. Mitch esfregou o pescoço.

“Se ele tivesse falado conosco...”

“Nós combinamos de não pedir ajuda a ninguém”, Reggie argumentou.

“Era justamente disso que tínhamos medo”, Emily gemeu. “Meu filho está perdido.”

“Nós vamos achá-lo”, Julie olhou para Emily.

Alex se tinha como o favorito dos Patterson dentre os amigos de Luke, porém cederia a posição à Julie com prazer. A garota decidiu preparar um chá para a mãe exausta.

Mitch levou os meninos ao quarto de Luke. O aposento continuava arrumado – com um pouco mais de poeira desde a última vez em que a porta foi aberta. Ele os incentivou a procurarem por qualquer coisa que ajudasse.

A curadoria começou pelos armários e passou para as prateleiras. Luke não tinha um sonho que não compartilhasse com seus colegas de banda. Reggie sentaria no chão e chamaria ajuda aos prantos se não soubesse que Julie estava muito ocupada. Alex deveria saber se orientar melhor ali, ele passou tantas noites entre aquelas paredes, lutando contra o medo para ter uma noite de sono minimamente razoável.

“Alex”, ele puxou o braço do garoto. “Nada daqui pode nos ajudar.”

“Então o que faremos?”

Reggie ergueu os ombros. Alex devolveu os CDs para a caixa.

“É melhor vocês a resgatarem”, Mitch soltou uma risadinha. Os garotos o encararam. Ele esticou o braço para apagar a luz e fechar a porta depois que eles saíram.

Na mesa da sala, Julie tinha as pontas dos dedos de encontro às unhas de Emily e um olhar reconfortante na face.

“Obrigada por tudo”, a mulher abraçou a adolescente.

Após sair pela porta da frente, eles seguiram até a calçada sem olhar para o casal abraçado na soleira.

O tênis da menina encontrou o meio-fio cinco vezes. E então, ela berrou.

“Tem mais uma coisa que podemos tentar”, Alex enfiou os olhos no celular.

Reggie acalentava Molina, mas parou quando ela se endireitou para perguntar:

“O-o que é?”

Alex contou o que tinha planejado. Reggie acenou com a cabeça. O carro apareceu através do horizonte todo laranja. Os dois seguraram as mãos do baterista durante todo o trajeto.

De repente, as luzes ficaram fortes demais para as pupilas delicadas. As calçadas protegiam as longas e tradicionais filas de um desastroso atropelamento. Reggie se espreguiçou. Seus olhos não compreendiam o significado das letras de neon. Ele teve que esfregá-los ao sair do carro.

Fãs trombavam uns nos outros para tentar um vislumbre de seus ídolos. Gritos exagerados reverberavam em caixas cranianas e torácicas emocionadas.

“Eu poderia dizer que é bom voltar depois de tanto tempo, mas só quero voltar para casa sabendo que ele está bem”, a vocalista amarrou seus cachos ao mesmo tempo em que dava passos em direção à faixa de pedestres.

Reggie balbuciou palavras de esperança, contudo, a sensação confusa do quarto ainda não o deixara.

“O que vamos fazer? Entrar em cada clube perguntando por ele?”

“Parece um bom plano”, Alex soltou um risinho meio cruel e ajeitou a alça da pochete no ombro. “Brilhante, Reggie.”

Julie sugeriu começarem pelo Orpheum, já que eles tinham compartilhado momentos muito especiais ali – e porque era o lugar mais cheio. A atração da noite era um rapper cujos fãs tinham de 12 a 39 anos. Eles dividiram esforços para vasculhar a multidão.

Apesar de considerar-se eclético, Luke não costumava ouvir aquele tipo de música. Só que, tanto quanto encontrá-lo, Reggie queria tranquilizar Julie.

O próximo possível esconderijo era o Extravaganza, que naquela noite abria-se para o mundo como uma viçosa e multicolorida floresta tropical. Ela os levou a todos os lugares que haviam visitado, incluindo a cafeteria hipster, e nada.

“Vamos para casa”, Reggie pediu. “Com certeza pensaremos em algo melhor depois de comer e dormir um pouco.”

À essa altura, Alex teve que concordar. Seus músculos ardiam e sua cabeça doía.

“Podemos falar com mais uma pessoa?”, a garota abriu seu melhor olhar de cachorrinho. Nem mesmo Flynn resistiria.

Expressou-se a concordância. Estava tudo bem para Reggie até ele reconhecer demais o caminho que percorriam.

“Luke nunca voltaria aqui.”

“Eu sei, mas tem alguém aqui com quem ele pode ter falado”, ela os encarou nos olhos. “Confiem em mim. Por favor.”

Uma cavalaria não causaria impacto igual ao de Julie nos adolescentes ansiosos por um pouco de música eletrônica. Ela não se importava nem um pouco com quem era o DJ superestrela ou se pisava no pé de um desavisado. Tudo que ela queria era chegar à porta dos fundos.

“Eu confio em você, Jules, mas onde raios estamos indo?”

Julie continuou empurrando as pessoas para alcançar o beco. As costas do homem pressionavam a porta de ferro e dava para ouvir a narração de uma partida de baseball saindo dos fones pendurados para dentro da gola.

“Oi, Alberto!”

“Oi, garota”, ele acenou. “Trouxe mais amigos para espiar? Minha sobrinha também é fã de vocês.”

“Fico feliz em ouvir isso, mas hoje estamos atrás de Luke. Você o viu?”

Alberto olhou para o céu, não tão certo como gostaria, e coçou a cabeça enquanto revistava suas memórias.

“Passou aqui há duas semanas”, as pernas deles se aproximaram do homem mais rápido que suas mentes. “Ele disse que ama vocês e que precisa de um tempo para si mesmo.”

“Ele disse aonde estava indo?”, Alex perguntou.

“Não.”

“Nem de onde veio?”, foi a vez de Reggie falar.

“Também não.”

“Ele... não vai voltar?”

“Receio que não, querida.”

“Bem, se ele passar por aqui de novo, pode dizer a ele que eu estou preocupada e gostaria de falar com ele?”

“E que Alex sente saudades?”

“Oh! E que Reggie quer dar um abraço nele. E um soco.”

“Direi tudo isso, garotos, mas acho que ele os procurará diretamente ao invés de mandar recados.”

“Ele tem razão”, Alex sussurrou. “Obrigado pelo seu tempo, senhor Alberto. Tenha uma boa noite.”

“Igualmente.”

Alex arrastou os outros até a porta da frente ao som de exclamações incompreensíveis. Já passava das duas e quarenta da madrugada. Só conseguiram um motorista às duas e quarenta e nove.

“A gente pode dormir na sua casa?”

“Claro, vou avisar meu pai.”

Digitou a mensagem com um olho fechado. Não queria nem imaginar o que Ray diria na manhã seguinte.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Problema complicado, solução simples" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.