Problema complicado, solução simples escrita por Bianca Lupin Black


Capítulo 11
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Obrigada à Esmeralda pelo comentário no capítulo anterior!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/795969/chapter/11

A sexta-feira amanheceu. Julie se movimentava aos pulinhos, o que causou um ataque de risos em Carlos durante o café da manhã. O comentário de Carrie sobre sua blusa favorita ter vindo de um brechó – o que era verdade – mal foi ouvido.

“Ela está em outro patamar”, Flynn constatou, mordendo seu sanduíche.

“Aposto que Luke está igualzinho”, Reggie assistiu a suave dança de Julie na cadeira.

“Eu pagaria para ver isso.”

A alegria de Julie ao saber que o sinal tocara pela última vez contagiou seus amigos. Flynn cantava I got the music com toda a força e Reggie fazia o som do trompete com a boca enquanto ajudavam a apanhar os pertences faltantes.

“Tem certeza que não quer preparar um itinerário?

“Tenho, Daves. Andaremos em linha reta numa avenida. Não é possível nos perdermos”, foi impressão de Julie ou ele fez que não com a cabeça?

Mensagens foram trocadas com Alex e ele confirmou que sim, Luke estava se movendo de uma forma estranha.

“Eu nunca quis tanto que a hora passasse depressa”, Reggie resmungou, caindo no sofá.

“Idem”, Julie encarou seu reflexo.

“Pense nos dois dias repletos de música”, Flynn massageou seus ombros.

“Em companhia excelente”, Reggie correu os dedos pelos cabelos na garota sentada.

A campainha tocou e os três foram correndo, apenas para encontrar um Alex às gargalhadas.

“Só vim avisar que  Luke está no banho, mas já vem.”

Após despedir-se de Carlos e Ray, Julie ouviu a campainha novamente. As mãos de Flynn a empurraram com determinação e pontaria para um Luke com barba por fazer. Ela esbarrou em seus braços, e ele a segurou. Tinha cheiro de sabonete e bala de menta.

“Divirtam-se!”, Carlos desejou e voltou para sua partida de Among Us.

“Aqui”, Alex estendeu cédulas para Luke. “Leve a garota para jantar num lugar legal.”

Após muitas recomendações de Ray, Reggie e Julie para ligar caso houvesse um problema, eles entraram no táxi. O motorista soltou uns resmungos por terem demorado para sair, mas a euforia só aumentava.

Em Hollywood, não eram marcas que estampavam os letreiros de neon, e sim bandas. As filas dos shows mais populares contornavam quarteirões, e pela cara de algumas pessoas, elas não sabiam se estavam na fila certa, para começo de conversa.

“Aonde vamos primeiro?”, ela saiu do carro.

Entraram num beco entre um restaurante mexicano e um clube de comédia, dando de cara com a entrada de funcionários de um clube de jazz.

“Pronta?”

“Nasci pronta”, Julie colocou os polegares para cima.

O nome Extravaganza não era por acaso. Toalhas amarelas cobriam mesas e paredes. Os uniformes de garçons e garçonetes era azul elétrico. A música explodia em volume quadrafônico. Até a comida era brilhante, mas as pessoas estavam animadas demais dançando para se importarem. A principal tarefa dos funcionários era garantir que as jarras que descansavam nos aparadores não ficassem vazias.

“Não é tão difícil”, comentou Julie, gritando sobre a música e agitando os braços.

“Depois de Careless whisper?”, ele fez com que ela girasse entre uma pisadinha e outra. “Não mesmo.”

Com os tornozelos ardentes, foram embora após vinte e sete minutos. Luke levou Julie nas costas até o beco.

“Tá legal aí em cima?”

“Estou tendo um déjà vu”, contou ao escorregar para o chão.

“Sua vez de escolher.”

“O All Time Low está tocando do outro lado da rua”, ela recolheu um folheto. “Podemos entrar?”

“Juntos? Com certeza.”

O segundo clube estava mais precavido contra adolescentes espertinhos, contava com um segurança nos fundos. Foi necessária uma dose de persuasão, autógrafos e mensagens de áudio para os filhos dele para garantir passagem.

“Valeu, Alberto!”

“Eu que agradeço, garotos. Aproveitem o show.”

Esgueiraram-se para um cantinho no meio da pista. O público dali parecia mais com eles do que no Extravaganza. Adolescentes dividiam latinhas de cerveja enquanto fingiam fazer headbangs ao som de Kids in the dark.

“Quer uma?”

“Não, obrigado. Você tem uma identidade falsa, Molina?”

“Você não?”, ela deu uma risadinha.

So let’s run away...

They’ll have to find another heart to break”, trocaram olhares. “Quê? Eu ouço essa banda quando brigo com meu pai.

“Eu também.”

“Meu Deus! É você mesmo?”

Os dedos de Luke se entrelaçaram aos de Julie conforme ele se virava na direção da voz. Ela percebeu que Luke tinha uma bola na garganta antes que sua boca abrisse.

“Bobby?”, esganiçou. “Há quanto tempo.”

“Verdade. Como estão os meus rapazes?”

“Muito bem. E você?”

“Estou excelente. Me apresento três vezes por semana. E a Sunset Curve?”

“Tocamos numa festa no fim do verão e estamos investindo no YouTube.”

“Uma festa? Quando eu era o guitarrista, a coisa não era nesse nível”, ele riu como se tivesse ouvido a melhor piada de sua vida. Julie e Luke continuaram encarando-o com expressões vazias. “Para a sua sorte, estou disposto a voltar para a banda.”

“Eu nem perguntei...”

“Confie em mim. Eu posso fazer a Sunset chegar ao topo com as canções em que estou trabalhando. Você será perfeito para o backing vocal.”

“Se bem me lembro, na nossa última conversa, você disse que estávamos fadados a ser uma ‘bandinha de garagem’ para sempre.”

“É evidente que mudei de opinião. Você costumava ter mais cérebro, marombado idiota.”

“Ei!”, Julie protestou.

“Oi, gracinha”, ele acenou. “Além de ter me dado um pé na bunda, você tinha que me substituir por uma pirralha?”

“Foi você quem terminou! Para ‘alcançar todo o seu potencial’, tá lembrado? E ela não é substituta de ninguém.”

“Não contou para ela? Isso não foi muito legal, Luke”, após respirar por cinco segundos, Bobby levantou os ombros. “Mas você é assim mesmo, né? Sempre atrai as pessoas, faz delas seus segredinhos sujos e quando se cansa, descarta todas elas.”

A mandíbula do guitarrista travou.

“Não é verdade”, a frase mal saiu por entre seus dentes. “Sabe disso.”

“Prove”, desafiou, o peito estufado. “Eu me afastaria dele se fosse você”, disse a Julie. “Não vai querer acabar como eu. A sobra apaixonada por um otário manipulador.”

Você terminou comigo!”

“Estou te dando a chance de reparar o erro. É burrice persistir nisso. Vocês nunca conseguirão sem mim. Precisam de mim se querem chegar a algum lugar.”

Pele contra pele. Punho contra rosto. Ao fundo, suspiros assustados. Bobby recuou, cobrindo o lado esquerdo do rosto.

“Eu não preciso de você”, Luke afirmou, segurando a mão fechada de Julie. “Não quando tenho a ela.”

Toda a iluminação de neon tornou-se flashes. Apesar do recente gancho de direita, Julie agarrava a jaqueta de Luke na corrida. Passaram por seis quarteirões, ele decidiu parar.

“Você... aquilo... foi demais”, ele exasperou, apoiando-se em um poste.

“Ninguém chama o meu marombado idiota de ‘marombado idiota’”, ela abriu um sorriso. “Vamos jantar?”

Foram reconhecidos por cinco pessoas na fila do McDonalds. As mãos de Luke pesavam mais do que o normal – e ele nem socou ninguém.

“Importa-se de terminar a noite mais cedo? Eu preciso descansar.”

“Sem problemas. Acho que já tivemos ação o suficiente por hoje”, ela verificou o aplicativo de GPS. “Estamos perto, mas é melhor evitarmos os arredores do The Crystal.”

“Sim, ouvi dizer que se trata de uma zona sujeita a ex imbecis. Prefiro uma rota alternativa.”

Por que ele não contara a Julie sobre Bobby? Não eram namorados, mas ela merecia saber que tipo de maluco se refugiava em sua casa.

“Desculpe-me”, pediu ao dobrarem mais uma esquina.

“Por quê? Por aquele otário? Ele merecia apanhar mais.”

A expressão de Julie ficou meio azeda por mais um tempo.

As placas chamativas ficaram para trás. Os prédios ao redor tinham a mesma fachada neutra. Todas as ruas chamavam-se Sun bay. Luke segurou a bainha da camiseta dela.

“Pagar um Uber é melhor do que ser assaltado. Ou morto.”

Julie desbloqueou o celular. A primeira coisa que viu foi o print de Flynn. Apontou o prédio correto, dois edifícios à esquerda.

Caminhavam com uma polegada de distância um do outro. O homem na portaria não desviou os olhos de seu capítulo de novela velha ao entregar-lhes a chave do apartamento 215.

Assim que a porta foi destrancada, Luke abriu os braços. As pontas de seus dedos roçavam as paredes. Enquanto Julie estava no banho, ele visitou a cozinha, ainda menor do que o primeiro cômodo e em seguida, o quarto.

Julie sentou na beira do móvel e tirou a toalha da cabeça, olhando para a janela que dava para a rua deserta.

“Eu posso dormir no sofá.”

“De jeito nenhum. Dá para ver as molas daquela coisa. E a ferrugem nelas”, pegou dois cobertores no armário. “Espero que não ronque.”

Deitaram-se, as costas coladas. De vez em quando, a parede vizinha era iluminada por faróis, ao som de buzinas esporádicas. O zumbido da geladeira lembrava Julie que estava numa casa, não em uma caixa. A respiração profunda de Luke era um lembrete de que ele estava vivo.

A dor em seus dedos aplacava aos pouquinhos, o rosto de Bobby não era tão rígido quanto a cara de pau. Era improvável que ficassem marcas.

Às vezes, ela ouvia um miado distante, seguido por latidos enlouquecidos. Agarrou o celular para ver as horas. Duas e quarenta e dois. Um pequeno bocejo saiu de sua boca.

A última coisa que percebeu foi o antebraço de Luke em seu ombro.

♫♫♫

Luke já estava de pé, despertado pelo arrulhar de um simpático pombo. Investigando mais a fundo do que na noite anterior, achou ingredientes básicos de café da manhã.

Mexer com óleo quente não era tão perigoso quanto acordar Julie. Tocou-lhe a barriga de leve, recebendo por reação um grunhido num tom que ele não sabia ser alcançado pela garota. Experimentou sacudi-la, sem resultado.

“Bom dia”, ele murmurou, acariciando sua testa. A cara dela não estava boa. “Fiz o café”, a carranca deu lugar a um sorriso.

Os ovos estavam dispostos em tigelinhas ao lado da caixa de suco de laranja, na mesinha. O colchão não era grande coisa, mas a coluna de Julie agradecia por não dormir sobre a folha sulfite bege e desbotada que era o assento do sofá.

Luke questionou sobre a programação do dia. A ligação de Reggie ganhou a corrida contra a resposta de Julie, que estava ocupada demais mastigando.

“Vocês não morreram!”

“Sim, Reggie. Nós estamos bem, só dormimos até mais tarde.”

“Ah, que ótimo. Ray disse que ligou para Jules umas cinco vezes.”

“Seu pai te ligou”, avisou aos sussurros, o microfone coberto. “A casa ainda está de pé? Carlos está inteiro?”

“Sim e sim. Seus melhores amigos e companheiros de banda também não morreram durante o sono, caso queira saber”, dava para ouvir os pés de Reggie batendo. “O que vão fazer hoje?”

“Não sabemos. Por quê?”

“Pode me comprar um encordoamento?”

“Claro! Até depois”, desligou e virou-se. Julie tentava despedir-se do pai. “Vamos fazer compras?”

O sol da tarde acendia a praça. Cartazes enfeitavam as portas e muros, apregoando lembrancinhas superinfladas. As marquises ofereciam sobra a pais que planejaram caminhadas matinais tranquilas e acabaram com crianças chorosas por causa de brinquedos ordinários. Casais praticavam esportes por entre a multidão preguiçosa e contemplativa.

“Deveria ser mais fácil encontrar uma loja de música em Hollywood”, Luke levantou os óculos escuros por um momento.

“Segundo o mapa, tem um centro comercial logo ali”, Julie ergueu os olhos do celular. “Tira esse negócio. Está ridículo.”

“Ao menos, estou bonito e irreconhecível”, admirou a própria imagem em uma vitrine com insul film mal colado.

Depois de cruzar as poucas travessas que os separavam de seu destino, foram recompensados com os violões, contrabaixos e guitarras que adornavam as paredes da Taverna da Música – como em toda loja de instrumentos de respeito.

Uma das paredes menores era recoberta de pratos de diversos tamanhos – Julie fotografou para mostrar a Alex. Em um canto, envolta em cestos de baquetas e palhetas, ela viu uma caixa de discos.

Escolher um conjunto de cordas era uma atividade morosa e dava a Julie muito tempo para garimpar. Em meio a rappers alternativos de quem Flynn era fã e baixistas dos anos 70 que provariam a Reggie – e aos outros também – que country e rock tinham muito em comum, Julie achou um CD.

playlist dos favoritos de Luke estava cheia de clássicos e referências, um empurrãozinho para fora da zona de conforto seria útil.

“Pode embrulhar isto para presente? Sem o meu amigo ver, por favor”, pediu a uma atendente.

“Deixa comigo, gata”, deu uma piscadinha e elevou a voz. “Temos mais baquetas no estoque, senhorita. Eu vou buscá-las”, levando o disco sob a camiseta, ela foi para uma salinha atrás do balcão.

Ao som da discussão sobre qual era a cor mais bonita para as cordas, Julie avaliava microfones sem fio de acordo com o consumo de bateria.

“Ei, amigo, a sua garota parece meio entediada.”

“Jules, cromada ou dourada?”

“As duas. Assim, Reggie terá cordas por mais tempo.”

O humor do balconista melhorou cem por cento quando Luke concordou em comprar dois pacotes de cada. Julie conseguiu reaver e pagar seu pacote durante o processo de arrumar troco.

“Nós passamos quase duas horas lá”, Julie cruzou os braços ao atravessar a rua.

“Aquele simples mortal não entende os nuances das cordas para contrabaixo e eu quero garantir que meu amigo tenha o melhor. Que mal há nisso?”

Quando atingiram a outra calçada, Julie abriu os braços e acolheu o vento. A imagem que Julie capturou daria uma tela de bloqueio perfeita ou ilustraria um post inspirador com milhões de corações.

“No caso improvável de você não virar uma estrela musical, pode virar fotógrafa.”

“Você poderia ser o meu modelo. Uma parceria mutualmente benéfica.”

“Muitas coisas são mutualmente benéficas para nós, Molina”, ele abriu um sorriso.

Julie e Luke não perceberam que estavam de mãos dadas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Problema complicado, solução simples" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.