Problema complicado, solução simples escrita por Bianca Lupin Black


Capítulo 10
Capítulo 10




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“Eu preciso de ajuda.”

Seis vozes e a mesma expressão desesperada. Depois do jogo de Carlos, Julie e Reggie perceberam que não tinham nada preparado para a aula de música; uma letra caiu na cabeça de Alex como uma bigorna; Luke achou que enlouqueceria se não mostrasse a canção que terminara. Flynn chegou à garagem dois minutos depois deles, com uma partitura incompleta numa mão e um trompete na outra.

“Um de cada vez”, Reggie mandou. “Julie, Flynn e eu requeremos soluções mais urgentes. Jules, quer começar?”

“Ok”, ela sentou no sofá, empurrando Luke para o lado. Pegou o violão e começou a cantar. A música era legal, mas estava muito solta. “Só vai até aqui.”

“Posso?”, Flynn juntou-se a ela.

Com mais um empurrão, Luke caiu de bunda no chão e emitiu um “ei!” que não foi relevante para o resto do grupo.

“Se esse verso e essa parte pudessem...”

“Talvez um pouco de trompete aqui e rap ali...”, Alex sugeriu.

“Incrível”, Julie declarou. “Vamos testar!”

A srta. Harrison adoraria, elas tinham certeza.

Reggie queria mostrar algo country e já tinha a melodia. Na opinião dele, a letra podia ser ajustada. Já se preparava para a chuva de opiniões de Luke.

“Excelente, Reg. Se sua professora não gostar, ela não entende nada de música.”

“Alice Harrison tocou na banda da minha mãe.”

“Retirou parte do que disse, então.”

Foi a vez de Alex mostrar sua música. A melodia era perfeita para a Sunset Curve, embora nem ele, nem Luke ou Reggie fossem as pessoas certas para cantá-la.

“Julie”, o baterista chamou. “Essa música precisa de você. Poderia cantá-la?”

“Só se vocês tocarem”, a garota sorriu, agradecendo.

A união do som da Sunset Curve e de Julie Molina movimentava até as pessoas mais travadas, fazia pedras verterem lágrimas. Então a culpa da filmagem tremida não era culpa da pura inexperiência.

“Luke, agora é sua vez.”

Ele não conteve o suspiro ao trocar a guitarra pelo violão. Tinha tanto a dizer e finalmente conseguiu adicionar sentido. Dava para reconhecer uma das quatro melodias que criara após a festa de Carrie Wilson, mas não parecia mais a marcha fúnebre, nem nada do gênero.

Julie já assistira a todos os vídeos da Sunset Curve, mas nunca ouvira nada igual. A forma como ele se movia em frente ao microfone não podia ser ignorada. Seus olhos tinham um brilho especial todos os dias, mas naquele momento, enquanto ele se apresentava para sua família, uma aura dourada de pura música mantinha a atenção dela totalmente presa a ele.

“Meu Deus, Luke...”, Flynn começou. E foi aí que Julie percebeu que não estava sozinha.

Julie falaria, se tivesse palavras. Na falta delas, preferiu jogar os braços em torno de Luke. Ele a segurou, o soluço fazia seu peito tremer. Reggie abraçou o guitarrista pela esquerda e Alex, pela direita. Flynn não demorou para se juntar ao abraço em grupo.

“Eu...”

Ficaram imóveis e calados, até cada um notar que os soluços pararam. Julie foi a última a soltá-lo, enxugando uma lágrima teimosa no rosto dele antes de dar um passo para trás.

“Eu amo vocês.”

“Nós te amamos também, Luke."

“Eu gostei dessa coisa de abraço”, Alex comentou. “Podemos fazer mais vezes?”

“Sempre que quiser”, Reggie garantiu, com uma piscadela.

Luke podia jurar que ouviu Flynn sussurrando “mostra pra ele” para Julie. Quando ele abriu a boca para perguntar do que se tratava, a resposta veio:

“Preciso de ajuda com uma música, não é para a escola nem nada...”

“Julie, eu faria qualquer coisa por você. É só falar.”

Reggie e Alex se contentaram em balançar as cabeças. Não negariam ajuda a ela, mas Luke estava dando muitos sinais e ninguém sabia se a garota estava recebendo.

“Não tem uma vírgula que precise ser mudada”, Luke comentou. “Está perfeito.”

“Fico lisonjeada. Você gostaria de ouvir?”

“É claro”, os três responderam.

A letra era contagiante, mas só o piano não dava conta. Os pés de Alex marcavam a batida. Reggie correu para o baixo, dando força à melodia.

“Tá esperando o quê?”, Julie acenou com a cabeça, apontando o microfone. “It’s been so long...

And now we’re finally free”, Luke continuou, segurando a folha na frente do rosto.

Com a intensidade da conexão compartilhada pelos vocalistas, poder-se-ia iluminar dez casas por seis meses. Ao fim da música, Flynn, Reggie e Alex caíram fora sem nem dizer “tchau”.

“Sinto falta de momentos como esse”, Julie comentou, os dois sentados lado-a-lado na frente da bateria.

“Adoro nossos amigos, mas queria passar mais tempo só com você, como fazíamos antes”, ele encostou a cabeça no ombro dela.

“Vai tocar no fim de semana?”, ele emitiu um som meio triste. “O que acha de ir a Hollywood comigo? Vamos ver a quantos lugares conseguimos ir antes do amanhecer!”

Luke não precisou falar. Seus lábios revelavam um sorriso diferente. Talvez graças à pasta de dente nova – que bom que Alex enjoou da antiga –, ou ainda, fossem seus sentimentos escapando por todos os poros.

♫♫♫

Luke não costumava cantar no trabalho, mas lá estava ele, murmurando para si mesmo enquanto tampava copos descartáveis fumegantes. Um senhor muito simpático lhe deu gorjeta a mais “pela música boa”.

“Eu não sei o que é isso”, Alex comentou na hora do almoço. “Mas está bom, então continue.”

“É algo que estou compondo.”

“É sobre ela ou para ela?”

“Por que seria sobre ou para a Julie?”

“É óbvio que tem a ver com ela. Tá estampado na sua cara e no tom do seu assobio. Sem falar qu eu nem citei o nome dela.”

“Talvez seja", suas bochechas enrubesceram. "Talvez não.”

Alex deu um sorrisinho, voltando a atenção para o celular. Encontrou mensagens, menções e notificações muito pouco interessantes se comparadas à linha simples enviada por Flynn.

“Julie vai gravar um clipe. E nos quer nele”, anunciou. Luke lutou para engolir o gole de chá gelado. “Não se preocupe. A gravação será na semana que vem.”

“O que quer dizer com isso?”

“Que seu encontro está a salvo.”

“Pelo bem da minha saúde mental, vou presumir que Julie contou a Flynn, que te contou. E que você não estava bisbilhotando na porta da garagem.”

“Bom palpite”, Alex mordeu o cachorro-quente. “Fico feliz que vão sair. Às vezes, parece que eu e Reggie estamos empatando vocês.”

Luke sacudiu a mão, querendo sacudir pensamentos para fora de sua cabeça.

♫♫♫

“Foi legal da sua parte incluir Flynn na noite passada”, Ray comentou quando estavam no carro. “Você e os meninos se divertem muito juntos.”

Ela concordou, estranhando a voz mais aguda que seu pai usava.

“Tem alguma coisa errada, papa?”

“Não, não. Sou apenas um pai preocupado, hija.”

A aula de Geografia podia chamar-se “aula de composição”. Desde o começo do semestre, Julie não fazia outra coisa enquanto a senhora Berry explicava o clima do meio-oeste. Versos surgiram e ela os registrava, colhendo ideias em sua plantação mental. O encadeamento estava bom, mas havia lacunas na letra.

É só uma bobeirinha, ela pensou, guardando suas coisas. Tenho muitas músicas em que pensar.

Alex enviara a letra e as cifras de Stand Tall, com um lembrete de que ela tinha total liberdade para fazer o que quisesse com a canção.

“Sabe a música que Alex te deu?”, Flynn puxou assunto chegando à aula de Música. “Estou pensando num clipe maravilhoso para o Instagram. Tem alguma exigência artística?”

“Duas coisas: quero a Sunset Curve no vídeo e não posso gravar neste fim de semana.”

“Por quê?”

“Eu e Luke vamos a Hollywood.”

Finalmente um encontro de verdade”, a garota se sentou.

“Nós só vamos visitar uns clubes.”

“Não é um encontro comum, mas é algo que dois músicos que se gostam poderiam fazer juntos.”

“Pode ser que eu goste dele, mas essa excursão não é muito romântica.”

“E quem se importa com isso hoje em dia?”, Flynn deu de ombros, fazendo anotações para o projeto.

Julie pôde pescar mais uns versos. Quando encarou a folha, percebeu o que estava escrevendo. E que era hora de parar.

“Jules, você pode cuidar do Carlos no fim de semana?”, Ray perguntou na hora de lavar a louça.

“Ahn, eu ia sair com o Luke”, ela admitiu, torcendo para que as bochechas não a entregassem mais do que o tom de voz.

“Minha menininha tem um encontro!”, ele abriu um grande sorriso. “O que vão fazer?”

“Passear em clubes de Hollywood. Não é bem um encontro.”

“O Orpheum é um lugar mágico e vale muito a pena, caso tenham a chance de passar por lá.”

“Vou anotar a sugestão.”

“E eu vou procurar alguém para olhar o Carlos.”

“Acho que os vizinhos da frente não têm nada para fazer...”

“Você é demais”, o pai saiu após beijar o rosto da filha. “E está toda vermelha. Que fofa.”

Grunhindo, Julie marchou para a segurança de sua garagem, as palavras da senhorita Harrison ainda em sua mente.

“Você tem tudo para chegar onde quiser, Julie. Só não se esqueça de se divertir durante a jornada.”

Ela assentira e deixara a sala com Flynn, que segurava a mão contra a boca para não contar à professora sobre Hollywood.

Reggie descobrira quando voltavam para casa, por causa de uma mensagem de Alex. Ele e Flynn davam risadinhas, criando fanfics sobre beijos na calçada da fama e comida de qualidade duvidosa.

“Já acabaram de se divertir à minha custa?”, Julie revirara os olhos enquanto girava a chave entre os dedos.

“Eu tenho mais uma pergunta”, Reggie ergueu a mão. “Gosta de flores? Porque eu posso dar umas pistas pro Luke...”

“Vai se danar, Reginald!”, ela entrara sem ouvir o fim da frase de Flynn.

Agora, ela estava em sua cama, olhando o teto e escrevendo sem papel nem caneta a própria fanfic.

Na terça, durante a estimulante aula sobre o mito da caverna, Julie recebeu um bilhetinho – e uma passagem direta para o Fundamental.

Não tivemos tempo de conversar na semana passada, uma pena. – N

Pois é. – J

Você e a banda arrasaram. A sua voz é ainda mais bonita ao vivo. – N

Obrigada. Reggie gostou de saber que tem um fã. – J

O bilhetinho se foi, mas não voltou. O sinal bateu e Nick a acompanhou até a aula de sociologia. Ele continuou tagarelando enquanto ela alternava entre ouvir a professora, pegar mais frases, riscar as que considerava inadequadas e fingir que prestava atenção no que Nick dizia.

“Eh... você gostaria de sair comigo no sábado?”

“Oi? Sábado? Desculpe, não posso.”

“Ah, que chato. E na semana que vem?”

“Também estarei ocupada”, Julie apertou o material junto ao peito. “Foi mal.”

“Não tem problema. Teremos outras oportunidades”, pausa dramática. Ou melhor, pausa tensa. “Não teremos?”

“Sim, sim. Claro”, Julie desviou os olhos para o corredor. “A gente se fala.”

O ombro de Julie ficou no ângulo certo para que ela pudesse evitar a careta-metralhadora de Carrie. Flynn indagou baixinho se a megera não tinha duas caras como todas as outras.

“Nick me chamou para sair”, a face de Julie estava vitrificada.

“Mas o quê?!”, Flynn largou na bancada as tintas que recolhera. “O que você respondeu?”

“Que não. O que mais eu diria?”

“Bem, o tempo passa e a fila anda. Ainda bem que superou essa história.”

“Definitivamente”, a garota observou Carrie por um segundo.

Julie se concentrou no seu desenho: um campo verdejante, iluminado por um sol de meio-dia e cheio de girassóis com gotinhas de orvalho nas pétalas.

“Muito bom, Jules”, Flynn elogiou. “Os girassóis estão de volta?”, Julie assentiu. “Maneiro!”

Chegando ao pátio da escola, Flynn já tinha os olhos no celular e enviava uma mensagem para sabe-se-lá-quem. Reggie se juntou a elas com um comentário especial na ponta da língua:

“Se vingou direitinho pelo comentário das flores.”

“O que você fez?”

“Meu pai precisava de uma babá para o Carlos e o Daves aqui precisava do que fazer no final de semana.”

“Unindo o útil ao agradável.”

Na quarta, Julie finalizou a letra, aceitando que não tinha o segundo nem o quarto versos da primeira estrofe e que o refrão estava incompleto, assim como certos trechos aqui e ali.

Na quinta, ela recebeu um print de Flynn, mostrando a reserva de um kitnet em nome de Julie Molina.

Não vou deixar vocês dormirem na rua, dizia a próxima mensagem.

Valeu.

Tudo pela minha garota. 

Flynn não era de usar emojis, mas uma carinha feliz era apenas uma carinha feliz. Nada para se preocupar.


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