Problema complicado, solução simples escrita por Bianca Lupin Black


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Sejam bem-vindos ao meu novo trabalho. Espero que gostem! Sintam-se à vontade para deixar comentários (eu vou amar lê-los)



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"Pai! Eu passei!"

A menina dançava com os braços acima da cabeça em frente ao computador. Ray se aproximou da mesa, com uma caneca de café pela metade.

O verão chegava ao fim, e a temporada de lindos casamentos ao pôr-do-sol também. Hora de se preparar para festas de formatura e quinceañeras luxuosas. E claro, para o novo ano escolar.

Julie foi a primeira a se inscrever na seleção para a nova turma de música e passou as férias inteiras sonhando com a confirmação. E agora, lá estava ela. Ray fez carinho na cabeça da filha. Rose estaria orgulhosa, como ele estava.

"Então, Jules. Já tem um tempo que eu queria falar sobre uma coisa com você."

"Não, pai. Eu não vou pegar o dinheiro que o vovô guardou para a minha faculdade e gastar num cassino."

"Ótimo. Eu estava preocupado que minha filha pudesse se tornar uma viciada em jogos", os dois compartilharam uma risada. "Na verdade, é sobre o seu quarto. Eu preciso de um escritório maior e seu quarto seria perfeito."

"Bom, com as aulas de música, vou precisar de um lugar para ensaiar. A garagem seria perfeita."

Dois dias, oito caixas de mudança e muita faxina mais tarde, Julie deixou o corpo cair no sofá-cama. Seus pertences se misturavam aos de sua mãe, formando uma terceira personalidade: sonhadora, extrovertida e uma caixa de música ambulante.

O piano, tão empoeirado e apagado depois da partida de Rose, com um pano úmido e lustra-móveis, era a coisa mais bonita que ela já vira. Ela já podia ouvir a melodia das teclas. E a voz de sua mãe, baixa como o mais suave dos sussurros, convidando-a para sentar ali e escutar. Mesmo que ela não conseguisse só escutar. Suas ágeis mãozinhas de criança logo se juntavam – ou melhor, estragavam – à música.

O banquinho reformado de segunda mão com estofado murcho e duro a acomodou como uma poltrona nova ao fim de um longo dia.

As engrenagens de seu cérebro começavam a trabalhar, desarquivando memórias antigas, reaprendendo habilidades esquecidas... como a música de abertura de seu desenho animado favorito quando pequena. Rose passou horas assistindo o programa para criar uma partitura e depois, mais algumas horas ensinando Julie. Foi a primeira música que ela aprendeu.

Respirou fundo e pressionou as primeiras teclas. Respirou mais fundo e começou a cantar. O que era para ser apenas um momento para relembrar os velhos tempos emendou em um recital particular. Julie só tirou as mãos do piano quando ouviu os aplausos de seu pai na porta da garagem.

"Excelente, Jules!", ele tocou o ombro dela. "Quer pizza?"

"Achei que hoje era a noite da sobra."

— E era, mas Carlos convidou os garotos da casa em frente para o jantar. Sabia que eles têm uma banda?

Na cozinha, Carlos pegava talheres enquanto três adolescentes da idade de Julie lutavam para estender a toalha sobre a mesa.

"Reggie!", ralhou o menino loiro. "Para de puxar."

"Eu não estou puxando, Alex", Reggie reclamou. "O Luke está."

"Nem vem...", Luke começou a retrucar.

"Vocês estão segurando a toalha ao contrário."

Julie arrancou a toalha de suas mãos e colocou no lugar no momento exato em que Carlos se virou para colocar os pratos.

"É oficial, o Luke é um idiota", decretou Alex, ao sentar. "Cara, eu te amo, mas acho que é hora de seguirmos caminhos separados."

"Carlos, me passa o molho de alho?", pediu Reggie, balançando-se ao som de uma música inaudível para os outros.

Carlos estendeu o frasco e voltou sua atenção para a fatia dourada de pizza de calabresa, alheio ao rosto de Luke que quase tocava a porcelana. Ele poderia estar triste, frustrado ou cansado, mas Julie nunca vira uma expressão tão contente.

"Estamos morando sozinhos há algumas semanas", explicou Reggie, enfiando o garfo na boca. "Esta é a melhor refeição que tivemos desde então."

"Uau. E o que vocês costumam comer?", Ray perguntou.

"Cachorro-quente!", exclamou Reggie. "Sério, vocês têm que experimentar o nosso molho de dogão."

"Eu adoraria, mas é melhor vocês virem jantar conosco mais vezes."

"Ray, nós não queremos incomodar."

"De forma alguma. Será melhor para a saúde de vocês."

"Obrigado", disse Alex. "Muito obrigado mesmo."

Houve a tradicional mobilização para lavar os pratos, e a tentativa de fuga de Carlos (ainda bem que Luke era rápido). Quando o último copo foi para o armário, Alex e Reggie seguiram o caçula para jogar um pouco de Fall Guys. Ray foi para o escritório e Julie e Luke continuaram à mesa, cada um olhando o próprio celular.

"Eu não como pizza desde que saí da casa dos meus pais", comentou ele, bloqueando a tela.

"Hum?", ela nem desviou o olhar do tweet mais recente sobre o Panic! at the disco.

"Nada não. Eu só não queria que ficássemos nesse silêncio estranho."

"Então, como é?", o celular foi posto de lado

"Como é o quê?"

"Viver de música. Meu pai disse que vocês têm uma banda."

"Reggie e Alex não mentiram, essa pizza foi a melhor coisa que comemos nos últimos meses. Alex e eu trabalhamos enquanto Reggie está na escola e tocamos aos finais de semana. Não temos muito dinheiro sobrando, mas eu não voltaria atrás, e sei que eles também não."

"Famílias complicadas?"

"É, dá para descrever assim. Puxa, eu era mais novo que o Carlos quando tive uma noite calma com os meus pais."

"Seus pais se separaram? Não precisa responder se eu estiver me intrometendo muito."

"Tudo bem. Deve ser bom para mim falar sobre isso com alguém que já não saiba a história de cor", o punho de Luke abriu e fechou sobre o tampo. "Meus pais se amam muito. E também amam a vida bem sucedida que levam. O único problema é que não podem amar um filho que não queira seguir esse caminho. Eu lembro das lágrimas da minha mãe na noite em que fui embora, das coisas que disse e das que não disse. Às vezes, penso em ir até lá e vomitar tudo que tenho para dizer na cara dela."

A mão de Julie atingiu os dedos de Luke. Os olhos dela eram a porta para uma outra dimensão onde só havia poesia. Os dedos dele eram ásperos e finos, fruto de tanta dedicação. A mão esquerda dele cobriu a dela, um pequeno sorriso no rosto.

"Você é músico. Se não pode falar, cante."

"Ideia genial, mas eu não componho há bastante tempo. Não sei se é falta de tempo, mas quando sento para compor, não tenho nada."

"Luke, sua vida mudou muito. Tenha paciência."

"Não sei se posso me dar ao luxo de aguardar. Nós arriscamos muito para chegar aqui, em nome do que ainda podemos fazer. Se não tivermos músicas novas, que tipo de banda seremos?"

"Meu Deus! Vai com calma, garoto. Preciso processar todas as informações que você cospe."

"Desculpe-me por jogar tudo isso em cima de você. A gente nem se conhece direito."

"Acho que depois da última hora, eu te conheço, pelo menos."

Alex apareceu no batente para avisar que tinham acabado de jogar e estavam prontos para voltar para casa. Reggie ajeitou a cabeça de Carlos para cima de uma almofada ao passar pelo sofá. Julie pegou as chaves e os acompanhou até o portão.

"Tenham uma boa noite", desejou. "E... Luke? Você pode me visitar na garagem quando precisar."

"Valeu", ele piscou e sorriu.

Os próximos (e últimos) dias do verão forma marcados pelas visitas dos meninos à residência dos Molina. Noites de pizza ou tacos, aulas de culinária, Fall Guys e a garagem.

Quando o relógio batia quatro e meia, a campainha tocava. Depois da sexta visita, Carlos nem moveu um joelho, apenas mandou uma mensagem para Julie, informando-a que "seu amigo" havia chegado. E ela já o esperava antes das três e quarenta.

Nas primeiras vezes, ele só queria tocar suas favoritas. Aos poucos, começou a apresentar coisas em que estava trabalhando, mas sempre reclamando de algo faltando na harmonia.

"Você não quer cantar? Para eu testar a segunda voz", ele pediu. Mais de uma vez.

"Eu não canto bem. Além disso, não é melhor verificar isso com Reggie? Ele faz a segunda voz nos shows, não é?"

"Tem razão", os cabelos castanhos sacudiram. "Nós vamos tocar numa festa na semana que vem. Você quer ir?"

"Eu topo!"

"Legal", o olhar dele se perdeu por um segundo. "Legal."

Os dedos dele foram acolhidos na mão dela.

"Ei, gracinhas", chamou Carlos. "Reggie fez cookies e Alex vai comer tudo se vocês não se apressarem."

Enquanto atravessavam o quintal, os irmãos trocaram olhares e risadas (na verdade, as risadas ficaram por conta do Carlos). A cozinha estava quase limpa, coberta em seus tradicionais tons de laranja.

"Cala a boca, tampinha", mandou a irmã mais velha, abrindo a porta.

"Eu nem disse nada", o menino sacudiu os ombros e correu para uma banqueta.

"Alex, tira sua mão nojenta daí!"

Reggie colocou a assadeira sobre um pano de prato no balcão bem na frente de Carlos. Um movimento arriscado, na opinião de Julie.

"Nojenta?", Alex agarrou o peito.

"'Gananciosa' seria uma palavra mais acertada", Luke sugeriu, sentando entre Julie e Carlos. "Ou 'de vilão'. Isso rima."

"Você gosta de compor músicas ou de escrever narrativas épicas?", Julie quebrou um cookie e enfiou metade na boca. "Isso está uma delícia!"

"Muito engraçadinha, mocinha", Luke pegou um cookie da assadeira.

"Outra rima!", Alex riu. "Todo esse tempo na garagem te fez bem."

"Carlos, estes são para o seu pai. Você não pode comê-los", Reggie colocou biscoitos num pote.

Carlos deixou escapar um solucinho fingido. O garoto estava perdendo a oportunidade de entrar no clube de teatro.

"Não fique assim, carinha", Luke bagunçou os cabelos do menino triste. "Aqui, fique com estes", estendeu os dois biscoitos que restavam na assadeira para ele. "Vamos jogar Fall Guys?"

"Eba!"

Coberto de migalhas, Carlos correu para a sala. Luke virou-se e encarou uma Julie meio rabugenta.

"Ou você é muito ingênuo ou está aqui para corrompê-lo", a garota tomou o último quarto de cookie que ele tinha.

"Não estou fazendo nada demais."

"Quando ele estiver insuportável, vou mandá-lo morar com você."

"Vamos treiná-lo para ser um campeão mundial de Fall Guys!", Reggie terminou de secar a tigela.

"E iniciá-lo no Among Us", sugeriu Alex, colocando a batedeira no armário.

"Parece uma vida muito divertida."

Após tombos e empurrões digitais (até mesmo Julie se arriscou em algumas partidas), os meninos decidiram ir embora.

"Ah, Julie", Luke demorou um momento no portão. "Obrigado por ceder a garagem e seus ouvidos."

"Disponha", ela abriu um sorriso constrangido.

"Olha só, covinhas.", o rapaz deu um peteleco no nariz da menina.

"Vocês querem que a gente pegue velas e toque uma música?", Reggie ofereceu.

"Reginald! Você quebrou o clima."

"Cara, dá para largar do meu pé por um segundo que seja?"

"É melhor eu ir antes que os dois se matem", ele hesitou por um segundo antes de atravessar a rua ou era impressão dela?

Os controles do videogame já estavam guardados quando Julie voltou, e Carlos estava no quarto. Ela realmente demorava tanto para ir até o portão e voltar?

"Depende da companhia."

"Pai?!"

"Você estava perguntando se andava devagar, eu dei uma opinião externa."

"Valeu", a garota esfregou a nuca ao avançar para a cozinha. "Boa noite."

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem!



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