Os Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 24
— Viagem para a prisão espacial




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— Viagem para a prisão espacial

Haru tombou para a direita e se chocou com as paredes pretas e metálicas da nave. Foi avisado de que o teletransporte mexeria com seus poderes, que deveria tomar cuidado, mas como o mais novo do grupo que fez uso daquela tecnologia, era também o mais inexperiente no uso de sua essência, qualquer mancada sua era desculpável. Yue ofereceu o braço e o ajudou a se recompor. A guia, uma moça alta, esguia, de pele acastanhada e longos cabelos lisos esverdeados, os olhou, quis verificar se estava tudo bem. Certa disso, voltou-se para frente e continuou andando.

Kin o mandou para lá junto com Yue, Sora e Naomi, deu-lhes a missão de entregar ao diretor da prisão os últimos documentos com os relatórios da condenação de Kazu. A primeira resposta de Sora para essa proposta foi um sonoro "nem morto", mas ele ainda estava legalmente proibido de deixar o Reino de Órion e, portanto, sob as ordens das autoridades de lá. Ameaçou deixar Órion mesmo sem permissão, quase apanhou de Kin após algumas coisas que disse, Arashi apartou a briga e jurou tentar convencê-la a liberá-lo caso ele obedecesse. Achou vantajoso e aceitou o acordo.

Todos os presos das celas em volta do corredor podiam escutar seus passos, ainda que não conseguissem vê-los por causa da espessura das portas atrás das quais foram trancafiados. Um frio congelante era o clima natural do lugar, as lâmpadas, por outro lado, queimariam as retinas de qualquer ser humano comum que pisasse ali. As paredes antirruído dos quartos dos prisioneiros mantinham no local um silêncio intimidador, por mais que os criminosos gritassem, xingassem ou proferissem maldições, ninguém de fora ouviria. Só duas vezes por dia, sempre no mesmo horário e durante dez minutos, tinham liberdade para ir ao pátio fazer as refeições.

Seguindo a condutora, os quatro viraram a direita na esquina do corredor pelo qual andavam e avistaram a sala para a qual Kin queria que eles fossem.

— É bem ali. — Apontou a jovem. — Ele está esperando vocês desde que a primeira ministra ligou.

Yue, Naomi e Haru estapearam Sora na cabeça.

— A culpa do nosso atraso é do showzinho que esse aqui fez! — Yue os justificou.

— Minha? Foi sua líder que perdeu tempo tentando me obrigar a vir! — O garoto se defendeu.

A francesa esbarrou nele e foi em frente. Uma voz grossa e alta, vinda do corredor atravessado por eles, os chamou:

— Um, dois, três, quatro, cinco... Quatro crianças de Órion, estou certo? E mais a megera que supervisiona as celas. Tem um tempo que eu não entro numa luta, então acho que isso pode ser divertido.

A responsável pela caravana não acreditou no que via.

— R-Reikan?! — Exclamou. — Como você está livre? O que houve com as algemas supressoras?!

Sorridente, o meliante esticou os musculosos braços nus, estalou o pescoço e tocou o liso peitoral sem camisa, espalhando uma estranha energia lilás por todo ele.

— Adoraria te dizer, mas não sei. E não importa. Vamos brincar de "pique-esconde". — Sugeriu, dando-lhes as costas. — Vocês têm exatamente um minuto pra me achar e me derrotar antes de eu começar a explodir tudo e libertar os outros.

Haru e Sora se entusiasmaram e fizeram high five.

— Feito! — Concordaram, em uníssono.

Naomi estapeou a nuca de Haru, Yue, a de Sora.

— Isso não é brincadeira! — Os repreenderam, também em uníssono.

Reikan sumiu. "Vamos nessa", Haru, determinado, sussurrou para si mesmo em pensamentos. "Ainda bem que eu aceitei vir", Sora riu discretamente. Ficou decidido que a supervisora levaria os documentos para o diretor e contaria o que aconteceu enquanto os quatro explorariam a prisão espacial em busca do fugitivo. Sora e Haru saíram para procurar em dupla porque, com seus poderes, um poderia ver exatamente onde o assassino se escondeu e o outro poderia chamar as duas quando o achassem. Isso sob as ressalvas de Yue, que sabia o quanto os dois estavam ansiosos para lutar e que temia que por causa disso pudessem atrasar as coisas. Perdeu as contas de quantas vezes implorou a Haru para levar aquilo a sério e gritou para Sora que ele saberia quem ela é se pusesse tudo a perder.

Infelizmente, o ruivinho vivia no mundo da lua, não captou muito do que a amiga disse porque só pensava em como seria bom enfrentar aquele cara. Sora, por outro lado, deliberadamente a ignorou, desde criança, quando trabalhava para Kikuchi, encarava as situações mais perigosas como brincadeira, não seria agora que passaria a fazer o contrário. Foi com Haru para o setor mais baixo da nave — o lar dos mais terríveis bandidos que já pisaram na Terra de Áries —, Yue permaneceu no segundo e Naomi subiu para o terceiro. Assobiava com as mãos enfiadas no bolso da calça e olhava em volta como se andasse num zoológico.

Um pouco atrás dele, mais inseguro, vinha o irmão mais novo da primeira ministra do Reino de Órion. Diferente de Sora, não estava acostumado a andar por locais frios e sinistros iguais àquele, cercado de grossos canos de aço e por paredes gélidas. Numa ocasião normal já teria localizado o foragido mas seus poderes e seu domínio sobre eles foram severamente afetados pelo teletransporte.

— Me conta como você faz pra aguentar a chata da Yue, vai. Qual é o seu segredo? — O Raikyuu mudou de assunto. Não sabia o que mais o cansava: ter que seguir ordens ou ouvir as broncas daquela garota.

A pergunta não fazia sentido para Haru. Ele não tinha reclamações dela.

— Ah, ela é legal. — Foi sua resposta. — Acho que ela só não gosta de você.

Sora não tinha pensado por aquele lado.

— É, isso faz mais sentido. — Concordou. — As pessoas tendem a não gostar de mim. Eu até prefiro desse jeito.

Sua última frase deixou Haru, se possível, até mais confuso.

— Por quê? — Resolveu inquirir.

— Porque manter amizades dá trabalho demais... e eu já trabalhei a minha infância inteira. O resto da minha vida vai ser só férias. — Replicou. Não percebeu ainda, mas com Haru, por algum motivo, conseguia ser sincero. Mais do que com qualquer pessoa com quem já conviveu antes.

Haru pensou em mais uma série de indagações que queria fazer, mas por um breve instante conseguiu usar seu poder e ver Reikan. Encontrou o paradeiro do criminoso.

— Ele não tá aqui, tá lá no terceiro piso! — Contou para o colega, pronto para partir. — Avisa pra Naomi.

— Opa, calma aí, amigo! — Deteve o ruivo, segurando-o pelos ombros. — Vamos de elevador! Nós chegamos lá com tempo de sobra!

Influenciável como era por conta da idade, Haru aceitou fazer as coisas do jeito dele. Naomi não suspeitava que estava em sérios apuros. Apesar de andar alerta pelo pátio do refeitório, de olhar para todos os lados em sua trajetória, a investida do inimigo a surpreendeu, veio da retaguarda. Se um terceiro guerreiro não tivesse entrado na frente, aquele provavelmente seria o fim da jovem ariana. "O quê...?!", tarde demais para proteger a si mesma, ela exclamou e se voltou para onde estavam seu salvador e seu pretenso carrasco, que trocavam ferozes olhares após o choque de punhos.

Loiro, alto, branco como ela, o retalhador que a salvou lhe dava as costas. Estava certa de que unca vira aquele rapaz na vida — e olha que já cruzou a Via Láctea praticamente inteira, pensava que não existia ninguém naquela galáxia que não conhecesse. Notar que ele estava vestindo um macacão laranja sobre uma camiseta branca, como um dos presidiários, a confundiu ainda mais. Sabia que devia ter aproximadamente a sua idade. "O que alguém tão novo pode ter feito para vir parar aqui?", se perguntou, perplexa, os olhos castanhos claros sobressaltados de curiosidade.

— Que droga, Toshinari! — Reikan vociferou. — Não me diga que irá se juntar aos arianos! Olha onde eles te puseram!

O loiro riu. Seus olhos quase negros brilharam.

— Ainda assim, gosto menos de você do que deles! — Se posicionou. — Lembra do quanto você me irritava quando estávamos com nossas pulseiras repressoras e de quando eu jurava que me vingaria? Acho que consegui minha chance de te matar...

Os dois sabiam quem venceria aquela luta, Reikan nunca aceitou que um garoto fosse mais poderoso do que ele, por isso o perseguia tanto na prisão. Poucas vezes na vida Naomi esteve tão sem saber como agir. Ficara boquiaberta. De repente, Reikan desapareceu. Toshinari deu uma risada. "Como eu pensei", zombou. Não precisava correr atrás do desgraçado, sabia para qual lado ele havia ido. "Quem me libertou?", essa pergunta não parava de cutucar sua mente. Só sabia que não foi o responsável por isso. Pensando que obteria respostas da garota cuja vida salvou, virou-se e encarou-a. 

Naomi recuou um passo e ergueu a guarda.

— Relaxa, não é atrás de você que eu tô. — Alegou, procurando uma saída daquela prisão. — Eu só quero dar o fora daqui. 

— Você não pode, é um criminoso. Deveria estar na sua cela. — Redarguiu a francesa. Sua voz agraciou os ouvidos do loiro.

— Esse foi o sotaque mais lindo que eu já ouvi... — A cantou. — Se bem que passei a maior parte da minha vida nesse lugar e não ouvi muitos sotaques femininos, então... Deixa pra lá, esquece essa minha última fala. Guarda só o elogio. E... cuidado com o Reikan. A gente se vê!

— Espera! — Quis pará-lo, porém, ele simplesmente sumiu diante de seus olhos. 

Quem deu o azar — ou a sorte, do ponto de vista dos dois — de esbarrar com Reikan foram Haru e Sora. A dupla dava tudo de si na luta contra o foragido e sustentava uma boa batalha. Isso o irritava. "São só crianças", pensava o homem, abaixando a cabeça e escapando por pouco de um chute alto do ruivo. Cerrou o punho e tentou acertar o menino com seu soco mais forte, entretanto, Sora entrou na frente e o conteve. Haru pulou por sobre o parceiro, girou no ar e acertou a cara do inimigo com o pé, o arremessou longe. Posaram lado a lado. Olharam-no juntos e, determinados, o deixaram se reerguer.

O fugitivo passou a mão na região atingida do rosto. Rápido demais para seus adversários notarem, com a outra palma encheu o piso com sua energia, ele brilhou tão purpúreo quanto o poder que saiu de seus dedos. Os garotos saltaram, previram que não significava boa coisa para eles. "Tarde demais", gargalhou o caído. Tinha-os paralisados no ar. Moveu-se em direção aos dois para matá-los mas Haru, sem seu oponente entender, libertou-se do encantamento e, no ar, chutou Reikan no rosto novamente, atirou-o de volta para onde o viram cair. Apenas Sora permanecia "congelado".

"Como ele fez... ah, então foi isso", ainda no chão, o criminoso acabava de entender tudo, teve uma epifania. Haru tinha a capacidade de ficar intangível e, certamente por acidente, de alguma forma o libertou das algemas e da cela, o que significava que o ruivo podia envolver os aliados com essa intangibilidade. Só não controlava isso. Se pudesse chutar, diria que ele nem sabia que tinha tal capacidade. "Tanto melhor", riu e se pôs de pé. Partiu para cima do pequeno, decidiu-se por vencê-lo antes de vê-lo perceber o potencial que tinha. Não tinha a menor dúvida do trabalho que aquele pirralho daria com uma habilidade igual a essa. 

 Eles trocaram socos, chutes, cotoveladas. Aquela demora começava a irritar Sora, que prosseguia paralisado no ar, incapaz de mexer um só dedo. Depois de ver Haru esquivar-se de dois jabs e errar outros dois, murmurou entredentes:

— Acaba logo com isso, Haru!

 Para a infelicidade do Raikyuu, Haru tinha diante de si não só um oponente superior no combate corpo a corpo, como também mais experiente. Estava em desvantagem. Isso ficou evidente após Reikan segurar sua perna e jogá-lo brutalmente contra a parede. O vilão, cheio de si, encheu os punhos com o poder roxo de antes e passeou vagarosamente até o ariano caído. Com as duas mãos para o alto, se gabou:

— Você me libertou, então vou te dar uma morte rápida de presente!

Reikan só não contava que, invisível, Yue fecharia uma pulseira repressora em seu braço direito e o impossibilitaria de usar seus poderes. Haru aproveitou-se disso e o nocauteou com uma cabeçada no queixo, Sora, livre, foi de cara no piso. 

— Que coisa! — Haru reclamava, com dores nas costas. — Por que cê demorou tanto pra agir?

— Vocês mereceram! — Ela se explicou. — Você foi pela cabeça daquele imbecil ali e não nos avisou quando achou o fugitivo, por causa disso a Naomi quase morreu! 

Sora segurou a mão da francesa, pôs-se de pé e, também cheio de dor, resmungou:

— Nunca pensei que fosse dizer isso mas tô ansioso pra voltar pro Reino de Órion, vamos logo. 

— Ainda não, temos que vasculhar a cadeia com os guardas pra ver se um outro prisioneiro fugiu e contar pro diretor o que aconteceu. — Disse Yue.

Na mesma hora Naomi pensou no retalhador que a salvou. "Tão poderoso que afugentou Reikan", lembrava, pasma. Sentia que voltariam a vê-lo. 


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