Os Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 2
— Céu azul




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— Céu azul

Seis meses atrás...

Arashi estava no hospital há duas semanas. Seu corpo doía tanto que ele mal conseguia mexer um braço sem sentir como se fosse se desmanchar inteiro, sua cabeça ainda girava e sua mente parecia ter regredido ao estado da tábula rasa, não conseguia ponderar sobre nada por mais de cinco segundos, quase que nem percebia o lençol branco que o cobria dos ombros para baixo. Depois da primeira semana, começou a sentir um frio como o que nunca sentiu antes, disse isso à Kin, então a loira prometeu trazer-lhe um segundo lençol na manhã de hoje. Acordou ao meio-dia, com alguém abrindo a porta de seu quarto.

Kin foi convocada de surpresa por Hayate para uma missão, Shiori, como todos os seres humanos comuns, fora proibida de pisar no Reino de Órion por causa da toxicidade da energia que pairava entre os escombros, portanto coube à Yue levar-lhe o lençol que sua namorada falou que traria. Ela abriu a porta o mais devagar possível para não acordá-lo, mas por mais ferido que Arashi estivesse, os sentidos dele ainda eram os mais apurados do reino. Sem se mover, a olhou bater a porta e ajeitar o lençol que pusera no ombro. Parecia nervosa.

Culpada, ela segurou o lençol frente ao corpo e o chacoalhou com um meio sorriso no rosto. O mais forte que pôde, Arashi retribuiu o sorriso.

— Desculpa ter te acordado. Acho que só a Kin sabe entrar aqui sem fazer isso. — Se justificou. A camiseta azul clara de alcinhas que vestia combinava perfeitamente com a cor de seus cabelos e a do céu naquela manhã, o branco de sua bermuda lembrava o das nuvens.

— Tudo bem. — A desculpou, após um rápido bocejo. — Já estava na minha hora de acordar. Senta aí. E a Kin? — Perguntou pela loira porque estava preocupado com ela, não porque ela pessoalmente não trouxe o lençol. Sabia que apenas algo urgente a impediria de estar ali.

Yue esticou o lençol e cobriu o amigo. Depois, puxou a cadeirinha de metal e se sentou ao lado da cama dele.

— Foi pra fora do reino com Mahina e Kenichi a pedido do Hayate. — Explicou-lhe a ausência da retalhadora de elite, mesmo sabendo que ele queria ouvir como ela realmente estava emocionalmente. — Ela perdeu muito peso nessas duas semanas, mudou bastante.

Arashi encarou o teto e suspirou com pesar. Já imaginava o quanto sua quase morte mexeu com Kin, que apesar de rir e negar, ela estava arrasada. Odiava o que a estava fazendo passar, ser a causa do sofrimento dela, mas o que mais poderia ter feito? Deixar todos os habitantes do reino morrerem? Agiu por impulso. Queria que houvesse um jeito de convencê-la de que se doou mais por ela do que pelos outros, mas, se a conhecia bem, tudo soaria aos seus ouvidos como uma desculpa.

— Eu não consegui salvar o reino da destruição, fiz a pessoa que mais me ama sofrer... — Se queixou.

— Não se culpe por tudo, as garotas e eu também estávamos lá e não fizemos nada. E sobre a Kin, é natural que ela esteja assim, ficou preocupada com você mas com o tempo melhora. Você é um herói! — Yue tentava consolá-lo.

O guerreiro glacial sorriu e mexeu o rosto para o outro lado. Espero que você tenha razão, pensou, olhou para ela e a indagou:

— E quanto ao Haru e à Naomi?

A garota revirou os olhos quando pensou na resposta.

— Foram procurar aquele idiota do Sora. O Haru acha que se fizer amizade com ele pode trazê-lo pro reino. — O informou. — A pergunta que deve ser feita aqui é como você está.

Ele riu e balançou a cabeça de bem leve.

— Sinto dor em tudo, mas os médicos disseram que eu vou ficar bem. Não devem se preocupar comigo. Ver um rosto amigo todos os dias acelera meu processo de melhora. — Agradeceu sutilmente a vinda dela, ela captou a mensagem e revidou com um sorriso alegre. Reparou que naquela manhã Yue dividira os cabelos com uma tiara preta, então viu nisso um assunto para descontrair. — Desistiu dos clips? Tinha ficado tão estilosa, lançou até tendência, vi um monte de meninas te copiando.

— Não gosto de repetir as cores, vou comprar outras pra não ficar na mesma.

O retalhador voltou os olhos para o ventilador do teto, respirou fundo e fechou os olhos. Ele próprio não sabia, mas estava sofrendo uma parada cardíaca, sua amiga, assim que se deu conta de que algo estava errado, correu desesperada sala a fora para chamar por ajuda. Não dava pra entender. Ele foi dormir bem, acordou sorrindo, conversou e, agora, estava frente a frente com a morte. Os cirurgiões prediziam sua melhora. Como a vida é irônica.

Kin ainda não voltara de sua missão fora do Reino de Órion, ela e Mahina, numa longa estrada de terra cercada de árvores, assistiam a batalha entre Kenichi e um forasteiro que planejava invadir a nação, Kenichi dispensou o montante e partiu para o mano a mano. Bronzeado, magro e alto, o sujeito que ele enfrentava se revelou mais forte do que aparentava, estava lutando em pé de igualdade com o retalhador de elite.

Houve uma colisão de punhos que abalou a terra e espantou as aves. Os dois combatentes trocaram socos, um almejava atingir a face do outro, mas ambos eram excessivamente ágeis e, portanto, incapazes de acertar o primeiro golpe. No entanto, o retalhador de Órion foi o primeiro a se dar conta de que teria de usar a esperteza para vencer, então fintou, fez o adversário se atrapalhar, o arrastou para perto com um puxão na gola do manto preto e arremessou para bem longe com um chute no peito.

Antes que pudesse ficar de pé, o forasteiro foi rendido por Kenichi que lhe apontou o montante. Um sorriu para o outro. Kin já estava sem paciência para aquilo, queria voltar logo para o reino, e se tivesse lutado com tudo o que tinha desde o início, seu aliado ruivo de nariz tatuado já teria acabado com a batalha. A guerreira loira de cabelos encaracolados cruzou os braços frente a camiseta branca de mangas curtas e fechou a cara para esperar o golpe final.

— Kenichi, acaba com isso de uma vez! — Ordenou.

Seu ouvinte demorou para acatar sua ordem, teve o montante chutado e foi afastado do bandido que rendia por um novo elemento que se juntou ao combate, um que fisicamente muito se assemelhava ao caído, como uma versão mais velha dele. Kin, dessa vez, sentiu que deveria tomar as rédeas da situação e, ameaçadora, se aproximou deles. Aquele não era um bom dia para provocá-la.

— Por que você se meteu?! — O meliante mais novo reclamou com o que o salvou, pondo-se de pé. — Essa luta era minha!

— E ele ia acabar com você. — Retrucou o mais velho. — Mesmo que o vencesse, ele tem mais duas aliadas, entre elas está Kin, a líder dos Retalhadores de Elite do Reino de Órion, não sairia vivo disso nem se eu lutasse junto contigo. Vamos embora.

Kin ergueu a mão direita e a encheu com sua energia dourada.

— Por que acha que deixaríamos vocês irem embora? — O questionou.

O sujeito se voltou para ela.

— Porque pus minha técnica na arma do seu companheiro e a ativei. Se disparar contra mim, irá destruí-lo. — Argumentou. Ela não pareceu convencida, ele complementou: — Se duvida, pague para ver. Vamos embora agora e vocês nunca mais nos veem, que tal?

A retalhadora de elite apagou a energia que cintilava em torno de seu braço e abaixou a mão. Os dois, correndo, desapareceram rápido. Kin não acreditava que nunca mais os veria, deu um tapão no braço de Kenichi porque a culpa dos dois terem escapado com vida era toda dele.

— Que droga! Por que fez isso?! — O ruivo resmungou.

— Devia ter acabado com tudo quando pôde! Se eles causarem problemas, você vai ser responsabilizado! — O repreendeu.

Mahina, a gentil pacificadora do trio, entendeu na hora por que ela estava brava.

— Não leve pro lado pessoal, ela tá preocupada com o amor da vida dela e quer voltar logo pra casa, não é, Kin? — Disse, irradiando compaixão por seus amáveis olhos cor de mel, da cor de seus cabelos lisos, os quais amarrou para trás antes de sair de casa.

Kin manteve a seriedade e se virou, saiu andando na frente. No caminho, alguém ligou para seu comunicador. Era sobre o estado de saúde de Arashi. Assim que soube o que aconteceu, não esperou mais por Mahina e Kenichi, abriu suas asas douradas e voou o mais rápido que pôde para o Reino de Órion. Uma parada cardíaca. O amor de sua vida estava sendo socorrido às pressas, um medo crescente a dominava durante o percurso. Não sabia o que faria se o perdesse, nem como viveria.

Como pretexto para procurar Sora, Haru e Naomi aceitaram a missão de rastrear um talismã. Os dois foram até ele dizendo que precisavam de seu poder para localizar o artefato, quando o convenceram a ajudar, lhe pediram que os acompanhasse e conversaram com ele a caminhada toda. Sempre que o assunto chegava na proposta de morar no Reino de Órion com eles, o asiático brigão desconversava, se encurralado, não dizia nem que iria e nem que não iria. Cresceu literalmente em um mundo subterrâneo, cercado de lutas, mortes, tinha horário para acordar, comer, dormir e até para ir ao banheiro, só a ideia de voltar a viver sob regras o tirava do sério.

Até as tatuagens em seu peito nu foram escolhidas por quem lhe dava ordens. Tinha um motivo para não escondê-las: elas, para ele, simbolizavam o contraste entre seu estado anterior de vida, o de um escravo, e seu atual modo de viver, o de um verdadeiro homem livre, e ficavam a amostra para ele se lembrar disso. A contradição entre seu ódio pela época em que vivia sob o jugo de um tirano cruel, seu amor por sua liberdade e a homenagem que fez ao escolher não esconder as tatuagens o fazia amar a vida. Ela era feita de contradições, afinal.

— Yue ainda está brava por eu não ter voltado pra ajudar o reino? — Os questionou, num evidente tom cínico. Andava seis metros a frente deles, os olhava por cima dos ombros quando dizia algo.

— Não tanto quanto nos primeiros dias, mas ela ainda se refere a você como "aquele idiota". — Disse Haru. O garoto não aparentava ter os meros dez anos que tinha, era alto, forte e maduro demais para essa idade, muito embora, de fato, se vestisse como um menino: bermudão, camiseta preta sem mangas com capuz, chinelos de dedo e cabelos ruivos desarrumados.

Naomi estava cansada das mudanças de assunto dele.

— Tá legal, eu vou perguntar de uma vez, quando é que você vai tomar vergonha na cara, Raikyuu? Você sabe que retalhadores sem pátria não duram muito tempo, né? — Naomi resolveu ser direta. Tinha longos cabelos negros, um sotaque francês carregado, a pele clara e, muito embora fosse mais velha, a mesma altura de Haru. Usava um vestido negro com alças grossas e detalhes cor de rosa e sapatilha branca.

Os fracos não duram muito tempo. — Sora a corrigiu.

Os três caminhavam pelos corredores de um imenso galpão repleto de caixões de ferro gigantescos, um verdadeiro labirinto bem iluminado. O Raikyuu os levou até uma enorme carga de ferro vermelha, sacudiu as correntes com o cadeado que a fechava, virou-se para os dois, sorriu e lhes apontou seu objetivo.

— Te devemos essa. — Disse Haru, tomando a frente.

— Não se preocupe. — Respondeu, afastou-se e lhes deu as costas. Devia a eles sua liberdade, foram Haru e os outros que lutaram por ele e derrotaram Kikuchi. — Cuidado quando abrirem, eu acho que não vão gostar do que vai sair daí.

— O que vai-

Antes de Naomi conseguir completar a pergunta, a coisa que os aguardava lá dentro arrebentou o compartimento de ferro e fez frente a eles. Um bicho horrendo que se multiplicou. A francesa e o ruivinho olharam para Sora, que acenou uma despedida com a mão e se mandou. É claro, Naomi já previa isso. Haru deu de ombros e se preparou para lutar. Não se importava. Acreditava que conseguiria persuadi-lo a ir com eles um dia, independentemente do tempo que levasse. Nunca desistiria disso.

Quando chegou no hospital onde seu namorado fora internado, Kin logo foi notificada de que ele estava bem. Ela correu para o quarto onde o puseram e o achou já na cama, acordado, conversando com Yue, que ainda não parara de chorar desde o instante que pensou que o tinha visto morrer. Ao perceber a chegada da retalhadora de elite, a menina se levantou, falou com a loira e os deixou a sós.

Kin se sentou ao lado dele, onde a amiga estava.

— Quando é que você vai parar de dar esses sustos na gente, hein? — Sorriu e deu uma bronca nele, mais uma vez fingindo que estava bem. Arashi não gostava disso. Resolveu que conversaria com ela numa hora melhor.

— Desculpa, juro que foi a última vez. — Replicou. Sentiu os carinhos dela em seu rosto, deu um beijo em sua mão e perguntou: — Como foi sair em missão sem mim pela primeira vez?

De coração muito mais leve, a loirinha contou a ele todo o dia que teve e foi escutada com atenção. Um medo muito grande, o de perdê-lo, a impedia de ficar feliz, e enquanto lhe falava de sua tarde, pensava sobre isso. Era assim que passaria sua vida inteira, com esse pavor no coração? Chegava a ser desesperador. Horas mais tarde, Haru, Naomi e alguns dos retalhadores de elite vieram vê-los, Yue não deixou o hospital em momento algum, então só voltou ao quarto. Criou, em uma tarde, uma profunda conexão com Arashi, uma amizade que só se comparava a que ela tinha com Haru.


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