Os Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 10
— Órion contra Bellatrix: quebra de orgulho




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— Órion contra Bellatrix: quebra de orgulho

Depois de se certificar de que deixaram Mahina em um hospital decente, Kin voltou voando para o Reino de Órion. Precisava conversar urgentemente com Arashi sobre o que aconteceu e sobre as notícias que tinha. Contou a ele sobre as lutas contra os bandidos, sobre o testemunho que arrancou do criminoso que enfrentou, a discussão por telefone com Lire e a ameaça de Kenichi. As duas últimas informações encheram a testa dele de rugas de preocupação. Ficou tão surpreso quanto Kin quando soube que Lire foi escolhida primeira ministra do Reino de Bellatrix, a conhecia, sabia que ela não deixaria baratos aqueles desaforos. Kin e Kenichi se deixaram levar.

A escutava de braços cruzados, encostado na borda da mesa de madeira da sala que outrora pertenceu a Hayate. Vestiu-se com uma camiseta cinza, calça jeans, botas e uma jaqueta negra, muito mais casual do que quando ia às reuniões com Yume — época em que era um menino, alguém bem menos importante do que hoje. Quis pôr um terno, talvez uma camisa social, mas pensou que passaria o dia dentro daquela pequena sala fechada e que não teria que ver ninguém. Até Kin chegar e tecnicamente dizer que declarou guerra ao reino mais poderoso da Terra. Isso não vai terminar bem, pensou. Não pra gente. Se Lire realmente os odiava, conseguiu sua chance de ouro de destruí-los.

Precisavam fazer algo o quanto antes. Arashi era dono de uma mente rápida, um analista frio, e bolou uma saída daquela situação assim que Kin terminou de falar, mas antes precisava notificá-la dos erros que ela cometeu para não vê-la voltar a incorrer neles.

— Você não devia tê-la acusado por telefone. — Disse, o mais calmo que conseguiu. — Eu sei que ela atacou primeiro, mas fez isso por trás das cortinas, se tivesse esperado, saberíamos mais e estaríamos preparados para o próximo ataque.

— O que mais nós precisamos saber? Temos o testemunho do criminoso contratado! — Para Kin, era tudo o que bastava.

Arashi sabia que o buraco era mais em baixo. Ele passou a mão pelo rosto e disse:

— O testemunho de um criminoso! Ela pode se defender simplesmente dizendo que é mentira, que ele é só um retalhador subversivo querendo provocar uma guerra entre os nossos reinos...

Ela percebeu que havia ido longe demais, que Arashi estava certo, mas, como se tratava de uma intriga sua contra Lire, jamais admitiria em voz alta. Mas não precisava dizer coisas em voz alta para que ele a entendesse. Sendo quem era na vida dela, a conhecia muito bem, se deu conta de que ela reconheceu o próprio erro só notando a confusão em seu rosto. Olhou para baixo. Kin estava lhe mostrando o lado que ele menos gostava nela. A loira fez uma pausa e pensou. Pedir desculpas pela ligação significava pedir desculpas pelos xingamentos que disparou contra a megera.

— Vem cá, vem. — Estendeu os braços e o chamou, quando viu que ele estava bravo. Não atendida, o abraçou assim mesmo. Demorou, mas o guerreiro glacial retribuiu. — Vai dar tudo certo! Com a ajuda do conselho e a da senhorita Keiko, evitaremos uma guerra.

— Eu sei. — Concordou, sentindo o doce perfume dos cachos loiros dela. Chegou para trás, pegou nas mãos de Kin e disse: — Os conselheiros e a senhorita Keiko vão nos ajudar a impedir uma guerra bélica, só que ainda estamos fragilizados em outros âmbitos, Lire pode nos prejudicar de muitas outras maneiras. Mas eu bolei uma forma de acalmá-la.

Kin ficou tranquila quando ouviu aquilo.

— No que você pensou? Se me envolve, é só dizer o que eu tenho que fazer e eu faço!

Arashi segurou o rosto de Kin com carinho, fechou os olhos e deu um beijo demorado em sua testa. Sabia que aquilo seria difícil para ela.

— Volta pro hospital e fica com a Mahina e o Kenichi, por enquanto. Se certifique de que ele não fará nenhuma besteira. Eu te ligo quando for a hora de agir. — Foi tudo o que pediu.

Kin assentiu e se foi. Estava tão preocupada com o estado de saúde de Mahina que nem conseguia pensar direito, a considerava sua amiga, afinal. Conheciam-se desde que se entendiam por gente. Precisava ter certeza de que sua sucessora na liderança da equipe de elite ficaria bem ou, por si mesma, faria alguma besteira contra os Bellatrixanos e pioraria as coisas. Arashi era outro que não parava de pensar na retalhadora de elite. Em bondade de coração e no quesito "ser querida pelas pessoas", só Yume se comparava a ela. Rodou a mesa de sua estreita sala de trabalho, passeando pelo piso de madeira e imaginando como ficaria sua ex companheira de equipe. Dali da janela atrás da cadeira mesmo, ficando de pé, podia ver o hospital no qual a deixaram.

Infelizmente, tinham boas razões para temer pela vida dela. Ninguém sabia dizer o que seria da retalhadora de elite. Ela estava consciente, mas fraca, muito fraca, e mesmo envolta no conforto do hospital mais caro do Reino de Órion, padecia das mais intensas dores que já experimentara na vida. Mal conseguia falar. Em seu quarto, só foi permitida a presença de seus pais, mas havia uma janela enorme que dava, a quem foi proibido de entrar, visão a tudo o que acontecia nele. Quase todos os retalhadores de elite estavam nas cadeiras do outro lado do corredor, aguardando notícias. Gray e Kande sentaram-se ao lado de Kenichi para lhe fazer companhia. Ele não disse uma palavra desde que chegou ali.

Isso porque não parava de se culpar, de se flagelar. Depois de tudo o que ele disse na noite anterior, ela recebeu o golpe em seu lugar. E não foi por dever. Mahina nunca fazia as coisas "por dever", fazia por amor. Kenichi sabia disso, sabia que ela o amava. Seu problema era que nunca se sentiu digno de ser amado por alguém, que nunca achou que fosse capaz de amar, sempre se enxergou como um monstro assassino cujo único propósito de vida era adquirir poder e matar quem ameaçasse seu reino. Coisas como sentimentos, lazer e felicidade eram-lhe evitáveis. Por ironia do destino, acabou fazendo dupla com a garota mais gentil e bondosa do Reino de Órion. Mahina conseguiu amolecer seu coração.

Os pais da guerreira acamada saíram do quarto dela, disseram que a retalhadora pediu para falar com Kenichi. Ele se levantou e praticamente correu até lá, ela exibiu um sorriso pálido quando o viu chegar perto da cama.

— Oi... — Disse-lhe a jovem. Sua voz soou tão fraca que partiu em pedacinhos ainda menores o coração de Kenichi. — Como você tá...?

A pergunta dela provocou raiva no retalhador, o fez rir de nervoso. Está sofrendo mas está pensando nos outros, ele não a entendia.

— Como eu estou? Você não devia ter entrado na minha frente, sua função não é morrer por mim! Estávamos lá para concluir uma missão, o sucesso dela era o mais importante, o que quer que acontecesse comigo não tinha nada a ver com ela!

— Desculpa... — Mahina respondeu.

Era óbvio para qualquer um que ele não estava irritado com ela, que aquele sermão foi só uma forma de extravasar e esconder um grande medo dele: o de perdê-la. O pedido de desculpas o quebrou de vez. Aquela garota estava transformando todas as certezas dele, mas, diferente de outras vezes em que isso aconteceu, Kenichi não estava confuso. Não, ele nunca esteve tão certo sobre algo em toda a sua vida. Precisava dela. Foi então que Mahina viu algo que jamais pensou que veria na vida. Kenichi estava chorando.

O ruivo abaixou a cabeça, escondeu o rosto da janela e chorou.

— Para de pedir desculpas! — Ele exclamou. — Para de se preocupar comigo quando você está assim! Sinto muito por tudo o que eu te disse ontem, eu...!!

Mahina segurou a mão dele de leve. Entendeu tudo. Sabia o quanto era difícil para Kenichi expressar alguma emoção que não fosse a raiva, se sentir vulnerável, seu gesto foi como que lhe dizer que ele não precisava falar mais. Que estava tudo bem. Horas mais tarde, no se aproximar da noite, os médicos a examinaram e disseram acreditar que ela iria ficar bem, mas quiseram mantê-la ali pelo resto da semana para o caso de algum imprevisto acontecer. A ajuda de Sora e o processo natural de cura do corpo da guerreira de elite, garantiram os especialistas, a fariam se recuperar sem sequelas.

Yue, Haru e os retalhadores de elite festejavam as boas notícias do lado de fora do quarto, Sora ia indo embora no sapatinho quando Yue o notou e agradeceu:

— Obrigada pelo que fez pela Mahina. Mesmo.

O Raikyuu acenou levemente com a cabeça e se foi. Kin também estava entre eles, comemorando, até Arashi ligar.

— Oi! Boas notícias: os médicos disseram que a Mahina vai ficar bem!

Isso é ótimo! — Arashi manifestou alegria. — Quando ela sai do hospital?

— Em algumas semanas! — Respondeu, contente. Ciente de que ele não ligou só pra falar sobre Mahina, se afastou do grupo e disse: — Precisa que eu vá aí agora?

Sim, a senhorita Keiko e a Lire estão aqui. — Revelou.

— A lire está...?! Mas por quê?! O que é que essa desgraçada está fazendo aí?!

Vem pra cá rápido, eu te encontro no corredor da nossa sala e te explico tudo. — Ele retrucou, depois desligou.

Ai, não acredito, bufou, contrariada. Odiava quando Arashi fazia esse tipo de coisa normalmente, mas desligar logo depois de dizer que sua pior rival estava em seu reino, na sua sala de trabalho, foi golpe baixo. Despediu-se de seus colegas de trabalho, falou com os pais de Mahina e foi voando até lá. Esperava que aquele idiota tivesse mesmo uma boa desculpa para ter chamado Lire ali. Aliás, "boa" desculpa não, uma excelente. A melhor de todas. Já estava morrendo de raiva sem ter percorrido a metade do caminho até lá.

Como o prometido, encontraram-se no estreito e mal iluminado corredor que antecedia a porta de sua sala. Arashi lhe contou rapidamente o que planejava.

— Absolutamente não! — Foi como respondeu à proposta. Não acreditava no que ele estava pedindo.

— Você precisa fazer isso! — Arashi insistia.

— Sem chance! Eu não vou pedir desculpas pra Lire! — Exclamou e cruzou os braços, indignada.

Arashi respirou fundo, juntou as mãos como se estivesse prestes a implorar, a olhou nos olhos e recapitulou a explicação:

— Kin, não vai haver guerra. Mas, como eu disse, nosso reino está fragilizado em muitos outros setores, Lire pode nos prejudicar em todos eles e, depois do que você e Kenichi disseram, conselheiro nenhum vai poder intervir em nosso favor, nem a Guardiã da Terra! Eu convenci Lire a jurar nos deixar em paz se você pedisse desculpas pelas coisas que falou, temos a senhorita Keiko como testemunha disso, ela não vai poder fazer mais nada contra nós sem ser punida!

— Arashi... — Ela tentou dizer algo, mas não tinha como contra argumentar.

— É o seu reino ou o seu orgulho! — Disse as alternativas dela.

Era óbvio que ele tinha toda a razão, que persuadir Lire a jurar, na presença de Keiko, não fazer nada contra o Reino de Órion, foi uma jogada de mestre, mas aquilo era difícil para Kin em muitos níveis. Ela nem entrou na sala e já estava tremendo de raiva. Arashi compreendia tudo isso. Kin e Lire eram mais parecidas do que admitiam, muito embora concordasse com sua namorada que Lire era uma louca desvairada. Quase foi uma das vítimas das mãos dela, como discordaria? Só que estava na hora de deixar tudo aquilo para trás, deixaram de ser as crianças que lutaram contra aquela doida, tornaram-se os líderes do Reino de Órion.

Novamente, Kin não precisou verbalizar nada para fazê-lo saber que tinha o assentimento dela. Arashi foi na frente, cavalheirescamente abriu as amplas portas de madeira da sala para Kin entrar e deu passagem. As duas estavam próximas da mesa de sua sala — de um lado, a caridosa Guardiã da Terra de Áries, Keiko Misuí, uma bela jovem de pele tom chocolate e expressivos olhos castanhos claros; do outro, a branquela fingida da Lire, cujo rosto Kin evitava olhar por mais de cinco segundos para não proferir mais palavrões.

— Eu peço desculpas... — Decidiu ir direto ao ponto. Percebeu que quanto mais demorasse para dizer o que devia, mais suas chances de xingá-la aumentavam. — Pelo que eu disse no comunicador. Por mim e pelo Kenichi. — Se aproximou dois passos, abaixou a cabeça e continuou: — Vimos uma amiga muito querida nossa ferida e nos deixamos levar pelas emoções, nós não sabíamos o que estávamos dizendo.

Kin estendeu a mão para Lire apertar, mas a megera a surpreendeu com um abraço. No meio disso, a mente de Kin exibiu um filme com os momentos que aquela doida ameaçou Haru, Mari e quase matou Arashi. Teve que respirar fundo e contar até dez para não cometer uma loucura. Ali, Kin entendeu que a sua dificuldade para fazer as pazes com Lire não se baseava só em seu orgulho, mas de lembrar que a bellatrixana quase tirou a vida das pessoas que ela mais amava.

Alguns minutinhos de conversa e de fingimento depois, elas foram embora e os deixaram a sós. Kin fechou as portas, atravessou o tapete verde redondo da sala e, furiosa, bateu as mãos na mesa. Arashi se levantou.

— Calma. — Disse, e tentou abraçá-la.

— Calma nada! — O empurrou. Ia de cá para lá e de lá para cá na sala, reclamando: — Ai, eu não acredito que pedi desculpas pra essa...!! E você foi muito injusto comigo com aquela história de "é seu reino ou seu orgulho", não tem a ver só com o meu orgulho! Você quer saber a verdade?!

Ele tranquilamente parou na frente dela com as mãos nos bolsos da calça e disse:

— Fala.

— Sim, eu sou orgulhosa! Eu sou arrogante! Teria sido difícil pra mim pedir desculpas pra ela de qualquer forma, mas, dessa vez, não era só o meu orgulho em jogo, ela ameaçou a Mari, já quis sequestrar o Haru e machucou você, fez mal às pessoas que eu mais amo! Por isso eu não consigo perdoá-la!

Foi forçado a concordar com Kin, realmente fez um comentário injusto, cruel.

— Tem razão, eu estava errado. — Reconheceu, a olhando nos olhos. — Me desculpa por ter dito aquilo.

O casal se abraçou. Kin fechou os olhos, deitou a testa no peito dele e sentiu toda a raiva de outrora ir embora, Arashi, no meio disso, acariciava os cabelos dela com a delicadeza e os cuidados de um artista pincelando um quadro novo. 

— Lamento por quase ter provocado uma guerra entre a gente e o povo de Bellatrix. Acho que eu não sou uma boa primeira ministra.

— Você não é. — Estranhamente, ele concordou.

Kin riu.

— Um namorado normal teria dito "que isso, você é sim", ou "você está se cobrando demais".

— Você não me deixou terminar... — Sorriu, beijou a bochecha dela e continuou: — Nem você e nem eu individualmente somos bons líderes para o nosso reino, foi por isso que o Hayate escolheu nós dois pro cargo. Vamos conseguir com o tempo tudo o que nos falta para chegarmos a ser bons, vamos conseguir juntos.

Continuaram abraçados por mais alguns minutos antes de retornarem às suas atividades normais. Em silêncio.


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