Aqui no Mar escrita por Vatrushka


Capítulo 4
Arista - Parte 2




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Não foi difícil me ausentar sem ser notada. Todos de minha família estavam atribulados demais em suas tarefas, e os convidados estavam bêbados demais.

Menos Aquata. Não a havia visto em nenhum lugar.

Dionísio e eu caminhávamos lado a lado por um corredor do palácio, a fim de nos distanciarmos o suficiente do salão. Queria puxar algum assunto leve, mas estava nervosa demais para conseguir.

Tentava observá-lo discretamente, de canto de olho. Seus cabelos negros, ondulados e curtos tremulavam com o movimento de seus passos.

Senti uma vontade irracional de beijá-lo.

Seria um efeito natural de seus poderes como o deus da loucura? Talvez.

O importante é que estava desobedecendo meu pai.

E eu adorava isto.

“São corais muito bonitos.” Concluiu Dionísio, por fim – possivelmente entediado com o silêncio.

Dei de ombros. “Estou cansada deles.”

Já os vi todos. Poderia contá-los nos dedos.

“É incrível como só valorizamos o que não temos.” Ele fez um biquinho. “Gostaria de ficar mais, se pudesse. A paisagem é linda. O Olimpo fica insosso perto do que tem aqui.”

“Podemos trocar de lugar, se quiser.” Sugeri, rindo. “Você vira a princesa sereia e eu, o deus das festas.”

Ele riu. “Não aguentaria um dia de uma festa de verdade.”

“E não estamos indo para uma agora?” Interroguei, levemente esperançosa. “Vejamos o que eu aguento ou não.”

Ele abriu um sorriso sedutor. Senti um relâmpago atravessar meu corpo. Será que ele está acha que estou flertando?

Se é que não estou flertando mesmo… Concluí.

Cercados de uma fumaça arroxeada, mudamos de paisagem.

Franzi o cenho. “Este não é o Olimpo.”

Dionísio deu de ombros. “De fato, não é.”

Aquele lugar parecia ser uma casa noturna frequentada por mortais. Mulheres dançavam cancan, com as pernas expostas.

Revirei os olhos, não podendo evitar de rir. “Um cabaré?”

O deus do vinho me devolveu o sorriso. “Quer algum lugar que valorizem a sua arte, não quer? Quer um momento melhor para isto do que a Belle Époque?”

Cruzei os braços, debochada. “Tenho certeza que encontraria admiradores em muitos outros lugares.”

Ele deu de ombros. Parecia gostar de minha confiança. “É claro. Mas você tem só… O resto da sua vida para conquistar outros espaços, concorda? Por esta noite, porque apenas não nos divertimos?” Ele se inclinou sutilmente em minha direção. Senti um fogo subir de minha barriga até meu rosto.

“Você tem um conceito bem amplo de diversão.” Murmurei, olhando para seus lábios. Ele também olhava para os meus.

Dei um passo para trás – saindo brevemente de sua aura entorpecente. Um segundo a mais próximo a ele e eu cederia. “Mal posso esperar para tocar.”

Ele sorriu, oferecendo sua mão. “Vamos logo, então.”

 

 

Eu não deveria estar ali.

Eu sei que não.

Quando terminei minha apresentação, quando todos me aplaudiram de pé e jogaram rosas no palco, deveria ter agradecido e me despedido. Ter me alegrado da experiência, a guardado no coração com muito carinho e voltado para casa antes que percebessem minha ausência.

Devia ter resistido quando Dionísio foi me parabenizar nos bastidores, acariciando-me no rosto e me puxando para um beijo desavisado.

Devia ter ido embora quando nos trancamos em um camarim, quando ele me pôs em seu colo e quando os beijos se tornaram mais intensos, os olhares mais devassos, as mãos mais ousadas.

Mas não consegui.

E honestamente, nem queria.

Perto dele, me sentia… Extasiada. Tonta de tesão.

Quase que instantaneamente bêbada.

Ele puxou meu cabelo, direcionando minha cabeça para trás e atacando meu pescoço. O que eu murmurava já não fazia sentido, não conseguia pensar em nada de forma racional.

Será assim deitar-se com Dionísio? Foram as únicas frases completas que consegui articular em minha cabeça. Completa perdição?

Porque, se fosse, entregaria-me completamente.

As sensações me inundavam e me afogavam. Perdi a noção de tempo e de espaço. A única coisa na qual conseguia me situar era como sua pele se esfregava na minha, como seu cheiro me enlouquecia e como seu corpo se complementava ao meu.

Era… Uma confusão interessante. Ao mesmo tempo que quase me sentia saindo de meu corpo, em um estado semi-transe, percebia todas as sensações que ele era capaz de me provocar. Apenas profundo e contínuo prazer.

Se ter pernas me faz sentir tão bem… Pensei comigo mesma. Vou usá-las com mais frequência.

Acho que gritava. Só não me lembro do som de minha voz.

Sua presença era forte demais para que eu conseguisse me manter sã.

Quando recuperei minha consciência, estava deitada em minha cama, de volta ao meu quarto em Atlântida.

Minha cabeça girava. Não, não poderia ter sido um sonho. Foram as sensações mais reais que já senti em toda a minha vida.

Olhei ao redor, confusa. Quando tempo havia se passado?

Quanto tempo ficamos juntos?

Onde ele estava agora, e pelos deuses, quando poderia tê-lo de novo?

Meu braço esbarrou-se com o saxofone, que curiosamente descansava ao meu lado. Em sua boca, havia um cacho de uvas.

Sorri. Uma recordação interessante.

Tentei me levantar, mas somente percebi o quanto meu corpo estava fraco e exausto. Minhas pernas tremiam, mal consegui me deixar de pé.

Entreguei-me ao cansaço e dormi, dando à Hipnos sua devida e merecida oferenda.


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Notas finais do capítulo

Então, eu decidi colocar a história se passando na Belle Époque pra conseguir encaixar com um pouco mais de sentido a questão do jazz e tal.
(E pra esta história, vamos partir do pressuposto que Dionísio não é casado, ok? Não é como se a Ariadne tivesse qualquer relevância na mitologia mesmo...)
E é isso! o/



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